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Nome: Paula Grace e Fernanda Yumi - ​Ensaio: Matriz historiográfica chinesa

Professor: Otávio Luiz Vieira Pinto


Disciplina: Teoria da História II
● O ensaio a seguir tem como propósito tratar da historiografia chinesa: registro
histórico, matriz historiográfica e regime de historicidade, fundamentado na análise
apresentada na obra​ “Uma História global da História”​, produzida pelo historiador
britânico Daniel Woolf.

A historiografia chinesa destaca-se por conta das diferenças frente às demais


historiografias, fato que ocorreu, em grande medida, devido à sua distância geográfica. Além
de influenciar outras historiografias, como a japonesa e a coreana, ainda se sobressai por suas
raízes embasadas em visões de mundo completamente distintas, guiadas por religiões próprias
e crenças singulares.
É importante ressaltar o choque de cultura trazido à tona na questão conceitual de
tempo e ​história​. Uma vez que, a historiografia ocidental possua um foco extremamente
Eurocentrista, embasada predominantemente no cristianismo, é natural que haja
estranhamento no estudo de visões de mundo orientais. A historiografia japonesa, como
exemplo, está firmemente anexada ao budismo (que não apresenta um monoteísmo concreto
nem um estabelecimento de ordem e obediência claro), o que desencadeia estruturas
cognitivas totalmente desiguais às ocidentais, estimulando, assim, uma necessidade de
desuniversalização.
Uma das características marcantes da matriz historiográfica chinesa refere-se a
compreensão dos fatos enquanto objeto de aprendizado – concepção do tempo como um
espelho paradogmático da sabedoria – o que ocorre graças a ideologia confucionista vigente
na sociedade, que preza pela valorização dos clássicos e sua utilização no contexto presente.
Daí se pode retirar fatores de um regime presentista, visto que o passado é considerado o
espaço de vidas, feitos e experiências que devem ser revividos no presente – presentismo
diretamente ligado à sabedoria. Tal reavivamento do passado é denominado ​supertempo​, uma
espécie de aplicação das lições do passado no presente.
Ao decorrer da leitura e análise das diversas historiografias, tais como a Israelita,

Níger-congo, Mesopotâmica entre outras fica evidente, portanto, a existência de múltiplas


matrizes historiográficas, ou seja, diferentes formas de se relacionar com o tempo, haja vista

os particulares contextos de cada sociedade. Algumas matrizes historiográficas concebem o

passado vividamente e com interferência direta no presente (regime passadista), existe

também o regime futurista mais comum na sociedade moderna, com certa conotação

progressista e, por fim, há o regime presentista, vigente na historiografia chinesa, no qual o

passado e futuro condicionam o presente.1

O regime de historicidade presentista adotado pela historiografia chinesa aliado a

ideologia confucionista, que valoriza os clássicos e demonstra afinidade com o passado,

acarretam na noção de História ​Magistra Vitae,​ ou seja, dá a história um caráter educacional.

Há na historiografia japonesa a presença da metáfora do “espelho’, herança da historiografia

chinesa, que afirma a necessidade de aplicar ao presente certos feitos do passado, utilizando o

passado como espelho, do qual deriva-se lições morais e práticas.

Não obstante, é válido frisar as diferenças enfatizadas entre tempo e história nas
concepções chinesas e japonesas. Para estes, o ​tempo é exclusivamente linear, único e
sagrado, abrigando uma mesma dinastia ao longo de todo o período percorrido até os dias
atuais e explicitamente presentista, posto que a sociedade entende o passado vivo no presente.
A ​história,​ por si só, veicula a intenção ímpar de legitimar o poder imperial, em virtude de
não haver a preocupação com a verossimilhança de fatos ou com a autenticidade de
documentos, mas sim, essencialmente, com a tentativa de moldar uma sociedade em que o
imperador atua como relógio social, não se distanciando das influências budistas.
Concomitantemente, para aqueles, o ​tempo é constituído por uma série de exemplos cíclicos,
marcados por divisões temporais de dinastias e mandatos divinos. Enquanto a ​história​, como
citado anteriormente, é pautada em exemplos do passado na confluência entre ​tempo e
supertempo​.
A análise da fonte historiográfica Shiji, uma grande compilação de documentos
antigos acessados e comentados pelo grande historiador Sima Qian, permite a percepção de
certos fatos supracitados por sintetizar ferramentas necessárias para fazer história e

1
Hartog, François. Regimes de historicidade: Presentismo e experiências do tempo. tradução
de Andréa S. de Menezes, Bruna Beffart, Camila R. Moraes, Maria Cristina de A. Silva e
Maria Helena Martins. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
pensamentos abstratos acerca do tempo. O autor se preocupa com uma narrativa imperial e
com a verificação da veracidade das informações contidas nos escritos, inclusive nos escritos
confucionistas. Basicamente, demarca dois tempos específicos, levando em conta a atenção
com a verossimilhança e com a documentação, deixando de lado a especificidade de marca
temporal e valorizando a narrativa de acontecimentos. Seus feitos partiam do pressuposto da
necessidade de leitura da documentação em análise, comparação e, ainda, entrevista com
pessoas que pudessem acrescentar detalhes orais.
“Viajei para o oeste até a colina da caverna oca, para o norte além de Zhuoulu, para
o leste cruzei o mar, enquanto para o sul flutuei em jangadas ao longo dos rios Yangtze e
Huai, e todos os anciãos com quem conversei, várias vezes falaram sobre os lugares onde o
imperador amarelo, Yao e Shun moravam, e quão diferentes eram seus costumes e
ensinamentos.”
Partindo da ideia de analisar registros orais, não se limitou à apenas ouvi-los, mas sim,
de analisá-los e compará-los perante um olhar crítico, reconhecendo, então, algo
habitualmente deixado de lado nos costumes chineses: o regime da oralidade.
Nesse sentido, fica evidente que a historiografia chinesa além de contar com a
oralidade, utiliza-se também e majoritariamente da forma escrita de registro histórico
apresentando, portanto, uma concepção de tempo interna e externa ao mesmo tempo. A partir
da lenda da Huan Mulan que contém várias versões diferentes, algumas mais cômicas e outras
mais sombrias, percebe-se que a história é frequentemente ignorada nos estudos da literatura
chinesa, por ter sido transmitida oralmente. Fato que reforça a valorização do regime escrito,
considerando que a história não recebe devida atenção pela sua forma de transmissão.
A característica grafa da sociedade acabou refletindo em uma grande importância no
que tange os registros escritos.Com a ascensão da Dinastia Tang, ocorreu também a
valorização gradativa da construção de uma história oficial com o intuito de arquitetar uma
narrativa globalmente aceita, prezando pela unificação e desligando-se das múltiplos
discursos.
O conceito de história oficial, foi utilizada e aprimorada pelas dinastias subsequentes a
Dinastia Tang, contemplando papel político e social, podendo distinguir em distintas
categorias: biográfica, crônica entre outras, ilustram a relevância que a sociedade chinesa já
dava tanto ordenação dos escritos quanto a profissionalização da figura do historiador, nesse
caso uma elite acadêmica que transcrevia os acontecimentos notáveis
Ao decorrer ensaio desenvolvido foi possível compreender as peculiaridades de uma
das múltiplas matrizes historiográficas existentes, a chinesa, que conta com um regime de
historicidade presentista, debruça-se sobre a oralidade e principalmente sobre o registro
histórico escrito, sendo, portanto, exterior e interior, além de basear a cronologia nas
sucessões dinásticas. Assim, o ensaio contribui para uma compreensão mais ampla, não
eurocêntrica, ao propor uma análise historiográfica oriental.
Foi possível notar também,como tal concepção auxiliou no desenvolvimento de alguns
conceitos, que serão utilizados em outros contextos para compor outras historiografias, tal
como a sistematização da escrita da história ou o conceito de história ​magistra vitae​. Deste
modo, fica clara a contribuição chinesa para as demais historiografias, já que tem a vanguarda
quando se trata da inserção de diversos conceitos.

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