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Contaminação por coronavírus no ambiente

de trabalho: da caracterização como doença


ocupacional e indenização por dano moral

Publicado por Carolina Fonseca

 Logo no início da pandemia, foi editada a MP 927, a qual, dentre as suas previsões,
estabelecia no art. 29 a impossibilidade de a contaminação por coronavírus ser enquadrada
como doença ocupacional.

 O STF, por sua vez, analisou sete ações, que foram ajuizadas respectivamente pelos partidos
PDT - Partido Democrático Trabalhista (6.342), Rede Sustentabilidade (6.344), CNTM -
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (6.346), PSB - Partido Socialista
Brasileiro (6.348), PCdoB - Partido Comunista do Brasil (6.349), Solidariedade (6.352) e CNTI -
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (6.354)[2]. O entendimento
prevalecente foi de suspensão integral do art. 29 da MP 927.

  Neste contexto, o entendimento que vem prevalecendo é no sentido de aplicar o art. 21,


inciso III, alínea d da Lei 8.213/91, o qual expõe que a doença endêmica adquirida por
segurado habitante de região em que ela se desenvolva pode ser enquadrada como doença
decorrente do trabalho, quando há comprovação de que é resultante de exposição ou
contato direto determinado pela natureza do trabalho.

 Ou seja, apenas haveria enquadramento como doença ocupacional se houver


comprovação de que a contaminação ocorreu por conta do trabalho exercido.

 Contudo, a jurisprudência vem compreendendo ser possível caracterizar a contaminação do


coronavírus como doença ocupacional e determinar a responsabilização do
empregador, quando comprovado que o ambiente laboral era de risco, e o empregador não
adotou meios para minimizar os riscos de contaminação.

 No processo 0020462-40.2020.5.04.0551, em que figura como Reclamada a empresa JBS, o


MM. Juízo reconheceu a contaminação por COVID-19 de empregada de um frigorífico como
doença ocupacional, condenando a empresa ao pagamento de uma indenização por dano
moral no valor de R$ 20.000,00.

 Na referida decisão,  o Nobre Juiz levou em conta diversos fatores, como o fato de que o
local de trabalho da empregada, o frigorífico, é local de extrema contaminação da COVID-19,
ocorrendo surtos em diversas empresas deste nicho em diversos locais do mundo. Neste
contexto, o entendimento foi no sentido de que o risco por si só só atrairia a inversão do ônus
da prova e trazendo a presunção de que a contaminação se deu no local de trabalho, salvo
prova em contrário.

“Não há tecnologia de exame no planeta que permita precisar o momento exato do contágio
por agentes microscópicos. Desse modo, a comprovação processual deve ocorrer a partir de
probabilidades. Impõe-se presunção de nexo causal se demonstrada exposição do autor a
acentuado risco de contágio. Tal presunção é, naturalmente, relativa.  Assim, se o empregador
demonstrar que adotou todas as medidas de segurança, equipamentos de proteção coletivos
ou individuais, conforme o melhor estado da técnica, ou, por exemplo, comprovar que o
trabalhador esteve exposto em outras situações (por exemplo, o trabalho em mais de um
lugar de grande risco, ou uma reunião familiar com pessoa contaminada), há redução da
probabilidade de que o contágio tenha ocorrido em serviço”. [3]

 Como o frigorífico não conseguiu comprovar que entregou os equipamentos de proteção


necessários para minimizar os riscos de contaminação e foi demonstrado no processo que
havia irresignações do Ministério Público do Trabalho acerca do tratamento dado em face da
pandemia, empresa foi condenada em reparar o empregado, não só pela contaminação em si,
mas pelo agravamento do risco biológico de contaminação com doença infecto-contagiosa.

 Em decisão do processo sob o nº 0010626-21.2020.5.03.0147, o Nobre Juiz da Vara da


cidade de Três Corações compreendeu que a contaminação por COVID-19 seria o caso de
responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco do empregado laborar durante
a pandemia e não comprovou a adoção das medidas de segurança:
“Para o juiz, houve responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco de o
motorista trabalhar durante a pandemia do coronavírus e não comprovou a adoção de
medidas de segurança.

(..)

Na sentença, o magistrado chamou a atenção para recente decisão do STF, pela qual o
plenário referendou medida cautelar proferida em  ADI nº 6342, que suspendeu a eficácia do
artigo  29  da MP nº  927/2020, que dizia que os “casos de contaminação pelo coronavírus não
seriam considerados ocupacionais”. Exceto no caso de “comprovação do nexo causal”,
circunstância que permite o entendimento de que é impossível ao trabalhador e, portanto,
inexigível a prova do nexo causal entre a contaminação e o trabalho, havendo margem para
aplicação da tese firmada sob o Tema nº 932, com repercussão geral reconhecida.

Segundo o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização objetiva, no caso, é


inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios
sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do coronavírus. Na
visão do juiz, o motorista ficou suscetível à contaminação nas instalações sanitárias, muitas
vezes precárias, existentes nos pontos de parada, nos pátios de carregamento dos
colaboradores e clientes e, ainda, na sede ou filiais da empresa.

Prova testemunhal revelou, ainda, que o caminhão poderia ser conduzido por terceiros, que
assumiam, como manobristas, a direção nos pátios de carga e descarga. Situação que,
segundo o juiz, aumenta o grau de exposição, sobretudo porque não consta nos autos
demonstração de que as medidas profiláticas e de sanitização da cabine eram levadas a
efeito todas as vezes que a alternância acontecia.

Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool
em gel e de máscara, “não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e
regular durante os trajetos percorridos”, frisou o julgador. Ele lembrou, ainda, que não
foram apresentados também comprovantes de participação da vítima e seus colegas em
cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção.

Para o juiz, é irrefutável que o motorista falecido, em razão da função e da época em que
desenvolveu as atividades, estava exposto a perigo maior do que aquele comum aos demais
empregados, “não sendo proporcional, nesta mesma medida, promover tratamento igual ao
que conferido a estes quando da imputação da responsabilidade civil”.

Segundo o julgador, tais peculiaridades, seguindo o que prescreve o artigo  8º, caput
e  parágrafo 1º  da  CLT, atraem a aplicação do disposto no  parágrafo único  do
artigo  927  do  Código Civil  brasileiro, “ficando assim prejudicada a alegação da defesa de que
não teria existido culpa, e que isso seria suficiente para obstar sua responsabilização”.

Na visão do juiz, não se nega que a culpa exclusiva da vítima seria fator de causa excludente do
nexo de causalidade. “Entretanto, no caso examinado, não há elementos que possam incutir
na conclusão de que ela teria se verificado da maneira alegada pela empresa, por
inobservância contundente de regras e orientações sanitárias, valendo registrar que o ônus na
comprovação competia à reclamada e deste encargo não se desvencilhou”, frisou.

Assim, diante de todo o quadro, o juiz entendeu que ficaram evidenciados os requisitos para
imputação à empresa do dever de indenizar. Para o julgador, a responsabilidade civil da
empresa restaria prejudicada em absoluto, pelo afastamento do nexo causal, se, e tão
somente se, houvesse comprovação total de que adotou postura de proatividade e zelo em
relação aos seus empregados, aderindo ao conjunto de medidas capazes de, senão
neutralizar, ao menos, minimizar o risco imposto aos motoristas e demais colaboradores.
“Porém, não foi essa a concepção que defluiu do conjunto probatório vertido”, ressaltou.

Por isso, visando a assegurar a coerência entre a aplicação e a finalidade do direito, garantindo
a sua utilização justa, por analogia, o magistrado aplicou ao caso os comandos dos
artigos  501  e  502  da  CLT. “Imputada a responsabilidade civil sobre a empregadora, reputo
razoável e proporcional a redução da obrigação de reparar os danos à razão da metade”. [4]

 Ou seja, o empregador deve estar atento à entrega dos equipamentos de proteção, de
modo adequado e regular, bem como, manter em sua posse os recibos de comprovação de
entrega e de fiscalização do uso do equipamento, e de que adotou as precauções
estabelecidas pelo Ministério Público do Trabalho para minimizar os efeitos da contaminação.

 Verifica-se , portanto, que essa é a melhor forma de evitar um processo de indenização por
contaminação de um funcionário pelo coronavírus, e manter a segurança do ambiente de
trabalho.

 Afinal, sim: a contaminação por coronavírus pode ser enquadrada como doença
ocupacional, se comprovado que o risco de contaminação decorreu diretamente do ambiente
de trabalho, ou mesmo agravado porque o empregador não adotou as medidas necessárias de
prevenção da contaminação. E, por conta disso, o passivo trabalhista pela condenação em
indenização por dano moral pode ser de alta monta.

Referências:

[1] Foto retirada de: <https://www.araujopolicastro.com.br/noticias/publicada-hoje-portaria-


conjunta-estabelecendo-medidas-...>. Acesso em 05 Jul. 2021.

[2] https://www.migalhas.com.br/quentes/325770/stf--suspenso-trecho-da-mp-927-que-nao-
considera-coronavi...

[3] Sentença do processo: 0020462-40.2020.5.04.0551.

[4] https://portal.trt3.jus.br/internet/conhecaotrt/comunicacao/noticias-juridicas/justiça-do-
trabalho...

Carolina Fonseca

Consultora Trabalhista Empresarial e Advogada Trabalhista Empresarial

Consultora e Advogada Trabalhista Empresarial. Especialista em Cálculos Trabalhistas.


Graduada pela Faculdade Baiana de Direito (Dezembro/2016). Pós Graduada em Direito e
Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito (Dezembro/2018). Curso de Cálculo
Trabalhista. Professora de Direito do Trabalho na Casa dos Concursos (Concurso TRT 2019).
Contato: carolinafonsecaffreitas@gmail.com
Fonte: https://carolinafonsecaffreitas.jusbrasil.com.br/artigos/1241346700/contaminacao-
por-coronavirus-no-ambiente-de-trabalho-da-caracterizacao-como-doenca-ocupacional-e-
indenizacao-por-dano-moral?utm_campaign=newsletter-
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Acesso em: 7 jul. 2021

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