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CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 175807 - MG (2020/0287570-8)

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN


SUSCITANTE : JUÍZO AUDITOR DA 5A AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR
DO ESTADO DE MINAS GERAIS
SUSCITADO : JUIZ DE DIREITO DA 1A VARA CÍVEL E CRIMINAL DE BOM
DESPACHO - MG
INTERES. : ROBSON NONATO DO PRADO
ADVOGADO : ANDRÉ ALVES MOREIRA - MG090123
INTERES. : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROCURADOR : LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA - MG083718

DECISÃO

Trata-se de Conflito Negativo de Competência instaurado entre o Juízo da 5ª


Auditoria da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, suscitante e o Juízo de Direito da
1ª Vara Cível e Criminal de Bom Despacho, suscitado, nos autos de ação
declaratória ajuizada por policial militar contra o Estado de Minas Gerais visando
assegurar sua participação no curso de formação de sargentos, para o qual teve matrícula
indeferida.
O Juízo suscitante assevera:

Dispõe o § 4º, do artigo 125 da Constituição Federal, com a nova


redação que lhe foi dada pela emenda Constitucional nº 45/2002:

Art. 125 ...


§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os
militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações
judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri
quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (grifei)

Segundo Fernando A. N. Galvão da Rocha no artigo Ação Civil Pública


na Justiça Militar Estadual, publicado na Revista de Estudos & Informações nº 19,
do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, “pode-se aferir do sistema
normativo que os atos disciplinares militares são aqueles que envolvem a
preservação da disciplina militar que a Constituição Federal define como pilar das
instituições militares estaduais em seu art. 42”.

O § 2º do artigo 6º da Lei Estadual 14.310/2002 define a disciplina


militar da seguinte forma:

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Publicação no DJe/STJ nº 3038 de 01/12/2020. Código de Controle do Documento: 0bf1d0b4-fafc-46c4-a542-49ad6ed69ac9
Art. 6º ...
§ 2º. A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional
dos militares do Estado e manifesta-se pelo exato cumprimento de deveres,
em todos os escalões e em todos os graus da hierarquia, quando aos seguintes
aspectos:
I – pronta obediência às ordens legais;
II – observância às prescrições regulamentares;
III – emprego de toda a capacidade em benefício do serviço;
IV – correção de atitudes;
V – colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a
efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs.

Já a definição de transgressão disciplinar vem expressa no artigo 11 da


mesma lei:
Art. 11. Transgressão disciplinar é toda ofensa concreta aos
princípios da ética e aos deveres inerentes às atividades das IMEs em sua
manifestação elementar e simples, objetivamente especificada neste Código,
distinguindo-se da infração penal, considerada violação dos bem
juridicamente tutelados pelo Código Penal Militar ou comum. (grifei) Ao que
vejo o objeto da presente ação não tem relação com o cumprimento da
disciplina na caserna, posto que não busca a anulação de ato disciplinar, mas
sim busca direito de outra natureza, em específico, a declaração de nulidade
do ato administrativo de indeferimento da sua matrícula no Curso Especial de
Formação de Sargentos/CEFS – 2015, bem como a sua formatura e promoção
à graduação de 3º sargento PM.

Portanto, em face do contido no dispositivo constitucional acima


transcrito, falece a competência da Justiça Militar Estadual para o processo e o
julgamento deste feito, sendo competente o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de
Bom Despacho/MG.

O Juízo suscitado, por sua vez, afirma:

A Justiça Comum Estadual é incompetente para conhecer de pedidos que


versem sobre anulação de procedimento administrativo disciplinar da Polícia
Militar.
Conforme dispõe o art. 11, caput e parágrafo único da Constituição do
Estado de Minas Gerais, a competência para processar e julgar as ações contra atos
administrativos disciplinares militares é da Justiça Militar:

Art. 111 - Compete à Justiça Militar processar e julgar os militares


do Estado, nos crimes militares definidos em lei, e as ações contra atos
administrativos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri
quando a vítima for civil, cabendo ao Tribunal de Justiça Militar decidir sobre
a perda do posto e da patente de oficial e da graduação de praça.
Parágrafo único - Compete aos Juizes de Direito do Juízo Militar
processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e
as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de
Justiça, sob a presidência de Juiz de Direito, processar e julgar os demais

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crimes militares.

Assim, considerando-se que a pretensão do autor é que o Estado de


Minas Gerais atualizasse seu conceito disciplinar, ou seja, discute sanções e
punições disciplinares, tenho comigo que a ação deve ser julgada perante a Justiça
Militar.
(...)

É o relatório.

Decido.
A ação declaratória proposta tem como causa de pedir a alegação de que a
matrícula para o curso de formação de sargento foi indeferida pelo não preenchimento do
requisito constante do item 4.2, letra "b", do edital respectivo, o qual, em síntese
estabelece pontuação mínima para tanto.
O autor alega que sua pontuação estaria incorreta, porque haveria equívoco da
Administração Militar ao certificá-la, pois, considerando a data de sua última punição
disciplinar, teria deixado de atualizar seu conceito disciplinar, deixando de computar
diversos pontos a que teria direito. Em síntese conclui que "a Administração não poderia
ter indeferido sua matrícula" porque "o conceito disciplinar aferido no ato de
indeferimento não corresponde à realidade face a ausência de atualização/acréscimo de
pontos" na forma prevista em lei.
Ao final, o autor formulou pedido para "declarar a nulidade do ato
administrativo que indeferiu a matrícula no Curso Especial de Formação de Sargentos
(CEFS/2015), face ofensa ao disposto no art. 5º, § 2º, da lei estadual 14.310/02, para
assegurar o direito do autor a se submeter ao Curso CEFS/2015 na PMMG"e que "caso
aprovado (...) seja conferido direito de formatura, promoção e assunção a graduação de
terceiro sargento, em igualdade de condições com os demais convocados".
No caso dos autos, portanto, não é questionado ato disciplinar militar em si,
mas sim o indeferimento de matrícula para o curso de formação de sargento. Observa-se
que não há discussão quanto ao processo administrativo relativo ou à própria infração
disciplinar, mas sim o questionamento quanto ao computo correto ou não de pontuação
por conta da citada pontuação.
Por isso é que, embora haja referência à data da última punição, como
a infração em si não é questionada, não se há de considerar o feito como ação contra ato
disciplinar militar, não sendo o caso semelhante ao precedente citado pelo juízo suscitado
(CC 122.413/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção,DJe 17/06/2014),
porquanto naquele julgado existia questionamento feito no próprio processo disciplinar
militar.
O Superior Tribunal de Justiça reconhece que o mero fato de existir referência
ato disciplinar militar não é suficiente para atrair a competência da justiça castrense, a
qual se configura somente quando tal ato é que é objeto da demanda.
Nessa linha:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL E JUSTIÇA


MILITAR ESTADUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
DECORRENTES DA APLICAÇÃO DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 125, § 5º, DA CF.
INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL, A
SUSCITADA.(CC 99.474/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI,

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PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2010, DJe 16/06/2010)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SERVIDORA MILITAR


ESTADUAL.EXONERAÇÃO EX OFFICIO. NATUREZA DISCIPLINAR DO
ATO ADMINISTRATIVO NÃO CONFIGURADA. HIPÓTESE QUE NÃO SE
ENQUADRA NA REGRA DO ART. 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO (EC Nº
45/2004). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.1. O ato administrativo
impugnado no mandado de segurança impetrado por servidor militar estadual,
consistente na sua exoneração ex officio dos quadros da corporação, não foi fruto de
punição disciplinar, mas de acúmulo irregular de cargos públicos (arts. 42, § 1º e
142, 3º, II, da Constituição Federal).2. Se houve ou não cerceamento de defesa
durante a sindicância que apurou a ocorrência de acúmulo de cargos, é questão a ser
dirimida na justiça comum estadual, e não na justiça militar, pois a esta compete
processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, nos termos do
art. 125, § 4º, da CF/88, na redação conferida pela EC 45/2004, o que não se
verificou na espécie.3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de
Direito da 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo/SP, ora suscitado.(CC
54.522/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 27/09/2006, DJ 30/10/2006, p. 240)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VOLUNTÁRIO DA POLÍCIA


MILITAR.CONDUTA INCOMPATÍVEL. DESLIGAMENTO. ATO
DISCIPLINAR MILITAR.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.1. O
desligamento do serviço militar por conduta incompatível com o serviço constitui
verdadeiro ato disciplinar, o qual exige, inclusive, decisão fundamentada.2. Em
regra, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar atos disciplinares
militares, nos termos do § 4º do art. 125 da Constituição da República.3. Conflito
conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Auditoria Militar de
São Paulo/SP, o suscitante.(CC 54.518/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES
LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/03/2006, DJ 02/08/2006, p. 226)

Ante o exposto, conheço do Conflito de Competência para declarar


competente o Juízo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível e Criminal de Bom Despacho,
o suscitado.
Publique-se.
Intimem-se.

Brasília, 19 de novembro de 2020.

MINISTRO HERMAN BENJAMIN


Relator

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