Você está na página 1de 19

1.

descrição e interpretação da atividade


cognitiva
↳ Conhecimento pratico: é o
Nota: _____________________________ conhecimento que consiste numa atividade.
Exs.: A Beatriz sabe tocar violino; A laura sabe
A epistemologia é a área da filosofia que
pintar a óleo; O Henrique sabe andar de bicicleta;
se dedica ao estudo dos problemas
relativos ao conhecimento.
Definição tradicional de conhecimento: ↳ Conhecimento proposicional: é quando
também designada por definição aquilo que o sujeito conhece é uma
tripartida de conhecimento, sustenta que, proposição verdadeira acerca do mundo.
em conjunto, a crença, a verdade e a Exs.: O João sabe que o Marcelo é o presidente de
justificação são condições suficientes Portugal; O Tiago sabe que nova Iorque é uma
para o conhecimento. cidade; A Helena sabe que 2+2=4; A Patrícia sabe
que a minha irmã tem o cabelo loiro.
_________________________________

↳ Uma característica importante a destacar


O que é o conhecimento? relativamente a estes três tipos de
conhecimento é que apenas o
O conhecimento pode ser entendido como
uma relação entre um sujeito – aquele que conhecimento proposicional pode ser
conhece - e um objeto – aquilo que é transmitido de pessoa para pessoa.
conhecido.
Podemos estar errados quando julgamos A definição tripartida do
que sabemos seja o que for. Por esse
motivo é importante determinar em que conhecimento
condições podemos afirmar que, de facto, O problema da natureza do conhecimento
conhecemos/ sabemos o que quer que seja. pode ser formulado do seguinte modo:
↳ Em que condições podemos considerar
que S sabe que P?
↳ Tipos de conhecimento:
↳ Conhecimento por contacto: o sujeito
está em contacto direto, através dos seus …Existem três condições simultaneamente
sentidos, com o objeto conhecido. necessárias e suficientes para o
Exs.: Eu conheço o presidente dos estados
conhecimento…
unidos; O francisco conhece nova Iorque; A maria
↳ (1) Crença
conhece a minha irmã;
Em primeiro lugar, importa referir que a
palavra «crença» deve ser aqui entendida
como sinónimo de convicção ou de
opinião, e não como sinónimo de fé Para responder a esta pergunta presta
religiosa. Neste sentido, uma crença é atenção ao exemplo que se segue:
uma atitude proposicional (Isto é, uma Imagina que o João jogou no Euromilhões e que.
atitude adotada por um sujeito embora ainda não tenha tido a oportunidade de
relativamente a uma proposição), mais verificar qual foi a chave sorteada, acredita que o
concretamente a atitude de achar que uma seu bilhete foi premiado. Supõe que, de facto, o
dada proposição é verdadeira bilhete do João foi premiado. Nestas
circunstâncias, o João teria uma crença verdadeira,
Ora, assim sendo, não é difícil perceber por mas será que podemos dizer que sabia que lhe
que razão se pode considerar que a crença tinha saído o Euromilhões? Não, antes de ter
é uma condição necessária para o verificado que a chave sorteada correspondia á sua
aposta não se pode dizer que o João sabia que lhe
conhecimento. Naturalmente, não se pode
tinha saído o Euromilhões porque, aparentemente,
dizer que S sabe que P, a menos que S não tinha boas razões para acreditar naquilo em
acredite nessa proposição. Seria que acreditava, e foi apenas por mero acaso que a
contraditório afirmar coisas como: «Sei sua crença se veio a revelar verdadeira.
que a Terra e redonda, mas não acredito
nisso»; ou: «Não acredito que Paris seja a
capital de França, mas sei que assim é». Este exemplo mostra que a crença
verdadeira não é suficiente para o
Contudo, também não é difícil perceber
conhecimento, pois apesar de ter uma
que apesar de ser uma condição necessária
crença verdadeira, o João não tinha
para o conhecimento, a crença não é uma
verdadeiro conhecimento até ter verificado
condição suficiente para o mesmo. Isto
que a chave sorteada correspondia à sua
acontece porque podemos ter crenças
aposta. Isto significa que para termos
falsas. Uma proposição que não
conhecimento não basta termos uma crença
corresponda aos factos não constitui
que, por acaso, se vem a revelar
conhecimento, pois só as proposições
verdadeira. É necessário que essa crença se
verdadeiras ligam o sujeito á realidade de
apoie em boas razões, ou seja, é
forma adequada. Por exemplo, não
necessário termos uma justificação para
podemos saber que a Terra está no centro
acreditar na mesma.
do Sistema Solar, a menos que a Terra
esteja, de facto, no centro do Sistema
Solar. Assim como não podemos saber que
↳ (3) Justificação
o Pai Natal existe se, na realidade, ele não
existir. Podemos concluir que a justificação
também é uma condição necessária para
Portanto, pode dizer-se que, além da
o conhecimento.
crença, a verdade também é uma
condição necessária para o conhecimento Alem disso, se acharmos que, depois de ter
verificado que a chave sorteada
correspondia à sua aposta o João passaria a
↳ (2) Verdade saber que ganhou o Euromilhões, então
podemos igualmente concluir que a
Será que para termos conhecimento basta
crença, a verdade e a justificação são
termos crenças verdadeiras?
condições simultaneamente necessárias e
em conjunto, suficientes para o V: efetivamente, há arroz de frango para o
conhecimento. almoço.
J: eu é que o cozinhei
Isto significa que, quando alguém tem uma
crença verdadeira justificada, tem J(a): o cão comeu o tudo, mas a filha chegou e fez
conhecimento, e quem quer que tenha mais arroz de frango.
conhecimento tem, necessariamente, uma _________________________________
crença verdadeira justificada. Ou seja:
Será o conhecimento possível?
↳ A resposta cética:
S sabe que P se, e só se,
↳ Cético: é quem desafia a nossa pretensão
1. S acredita em P;
de que sabemos com certeza seja o que for
2. P é verdadeira; e pondo em causa a possibilidade do
3. S tem uma justificação para acreditar conhecimento.
em P. ↳ Os céticos antigos, de entre os quais se
destaca Pirro de Élis, consideravam que,
uma vez que as pretensões de
Nota: _____________________________ conhecimento se podem revelar
No entanto, por si só, ter uma justificação injustificadas, o melhor é fazer é
para acreditar em algo não é uma condição suspender o juízo relativamente a todo e
suficiente para que se tenha conhecimento; qualquer assunto, isto é, abster-se de
significa apenas que é racional fazê-lo e, considerar que saibam que o que quer que
em determinadas circunstâncias, pode ser seja é absolutamente verdadeiro ou falso.
racional acreditar numa falsidade.
_________________________________ ↳ Tipos de ceticismo
↳ Ceticismo radical (Pirrónico): não é
Objeções á definição tripartida possível justificar de forma absoluta
nenhuma verdade.
do conhecimento:
Ex: os terra planistas tem uma grande descrença
na ciência e buscam as próprias explicações para o
mundo, acreditando assim que a terra é plana. Eles
↳ Objeção de Gettier: são um excelente exemplo de ceticismo radical.
↳ Não é uma objeção cética. ↳ Ceticismo moderado (David Hume):
↳ É possível ter C + V + J e não ter apenas podemos conhecer o que é
conhecimento, se a justificação que alcançável pela experiência empírica (por
possuímos for diferente da que realmente meio dos sentidos).
corresponde ao facto.
Ex: ______________________________ O argumento central a favor do ceticismo
C: eu sei que “o almoço é arroz de frango” ficou conhecido como «argumento cético
da regressão infinita» e pode ser alguma, apenas revela indisponibilidade
formulado nos seguintes termos: (ou mesmo incapacidade) para prolongar a
conversa. Isto acontece porque,
----------------------------------------------------
efetivamente, é sempre possível pedir
----------
uma justificação (ou seja, perguntar
(1) As nossas crenças justificam-se com base «porquê?» para cada uma das nossas
noutras crenças. crenças. No entanto, uma vez que a
(2) Se as nossas crenças se justificam com base justificação que apresentamos consiste
noutras crenças, então quando tentamos justificar noutra crença, também ela precisará de
uma crença caímos numa regressão infinita da ser justificada, e assim sucessiva mente.
justificação.
(3) Se quando tentamos justificar uma crença
↳ Daí que, na premissa 2, o argumento
caímos numa regressão infinita da justificação, estabeleça que o facto de todas as nossas
então não temos crenças justificadas. crenças se justificarem com base noutras
crenças implica que sempre que tentamos
(4) Se as nossas crenças se justificam com base
noutras crenças, então não temos crenças justificar uma crença acabamos
justificadas. forçosamente por cair numa regressão
infinita da justificação, isto é, acabamos
(5) Não temos crenças justificadas.
por retroceder de crença em crença
(6) Se não temos crenças justificadas, então não procurando justificar cada uma delas com
temos conhecimento.
base na seguinte, sem nunca encontrar uma
(7) Logo, não temos conhecimento. crença que possa por um ponto final neste
------------------------------------------------------------- processo. O que, por sua vez, implica que
- não temos crenças justificadas, que é
precisamente aquilo que é afirmado na
premissa 3.
↳ A premissa 1 estabelece que todas as
↳ Se conjugarmos este facto com a ideia
nossas crenças se justificam com base
afirmada na premissa 1 de que efetiva
noutras crenças. Esta ideia deve ser
mente todas as nossas crenças se justificam
familiar para todos aqueles que já
com base noutras crenças, somos
contactaram com uma criança na idade dos
validamente conduzidos à ideia de que não
porquês. Os pais dizem: «Come a sopa!», e
temos crenças justificadas. Ora, uma vez
a criança pergunta: «Porquê?». Os pais
que, por muito polémica que seja a
respondem: «Porque isso é importante para
definição tripartida de conhecimento, a
ti.», e a criança contra-argumenta:
justificação é uma condição necessária
«Porquê?». «Porque te torna mais
para o conhecimento (premissa 6),
saudável.», insistem os pais. «Porquê?»,
podemos concluir validamente que não
indaga novamente a criança. E a conversa
temos conhecimento, o que corresponde,
pode prolongar-se indefinidamente ou até
de certa forma, ã tese central do ceticismo.
que um dos dois desista. Normalmente, é o
adulto o primeiro a dar-se por vencido,
afirmando num tom impaciente: «Porque ↳ Contudo, por muito plausíveis que
sim!». No entanto, não é difícil perceber sejam, as premissas deste argumento
que «Porque sim!» não justifica coisa conduzem validamente a uma conclusão
muito difícil de digerir, pelo que vários -------------------------------------------------------------
autores se empenham arduamente na -
tentativa de mostrar a sua falsidade. (1) qualquer argumento contra qualquer crença
Estaremos condenados ao ceticismo? Ou tem de se apoiar noutra crença qualquer.
haverá alguma forma de mostrar que pelo (2) se qualquer argumento contra qualquer crença
menos uma destas premissas é falsa? tem de se apoiar noutra crença qualquer, então os
céticos não podem argumentar a favor da
suspensão global dos juízos relativamente a todas
as nossas crenças, a menis que se apoiem noutra
Objeções ao ceticismo crença qualquer.
↳ O ceticismo é autorrefutante (3), mas, visto que suspendem o juízo em relação
a todas as nossas crenças em simultâneo, os
Uma perspetiva é autorrefutante quando céticos não se podem apoiar em crença alguma.
se refuta a si mesma, isto é, quando
(4) logo, o cético não tem forma de argumentar a
demostra a sua própria falsidade. Em
favor da suspensão global do juízo relativamente a
que medida se pode considerar que o todas as nossas crenças.
ceticismo incorre neste tipo de erro? Bem,
-------------------------------------------------------------
a resposta salta á vista: é simplesmente
-
contraditório afirmar-se que se sabe que
o conhecimento não é possível. Afinal de ↳ Este argumento é valido e constitui uma
contas, se o conhecimento fosse forma bastante mais promissora de mostrar
verdadeiramente impossível nem isso se que não temos razão nenhuma para adotar
poderia saber. Mas será que isto constitui uma forma extrema de ceticismo.
uma ameaça seria para o ceticismo?
O ceticismo pode facilmente eliminar o ↳ David Hume, considera o ceticismo
caracter aparentemente contraditório da insustentável devido às suas implicações
sua perspetiva afirmando que não se praticas no nosso dia a dia. Se puséssemos
compromete com uma a firmação permanentemente em causa ideias que no
substantiva como esta, limitando-se apenas dia a dia assumimos como garantidamente
a suspender o juízo relativamente a todos verdadeiras, poderíamos acabar por nos
os assuntos. sentir incapazes de tomar qualquer
decisão ou fazer fosse que fosse.

↳ O ceticismo é insustentável
Russell, faz notar-se que, embora Objeção fundacionalista
possamos ter razões para suspender a
↳ O fundacionalismo é uma das mais
crença em relação a este ou aquele assunto,
antigas respostas ao problema do
é implausível pensarmos que temos
ceticismo. Os fundacionalistas rejeitam a
razões para colocar em suspenso todas
primeira premissa do argumento cético da
as nossas crenças em simultâneo. Ou
regressão infinita. Para estes autores, nem
seja, o ceticismo extremo é uma posição
todas as nossas crenças se justificam
insustentável de um ponto de vista
com base noutras crenças, pois existem
racional.
crenças que são de tal modo evidentes que
podemos considerar que se justificam a si sejam necessárias justificações adicionais.
mesmas. Por exemplo, não parecem ser Mas que tipo de crenças pode satisfazer
necessárias razões adicionais para este requisito?
acreditares que: a) existes; b) estas a ter a
Alguns fundacionalistas são chamados
experiência de ler; e c) 2+2=4. Isto
«racionalistas», pois defendem que este
acontece porque:
tipo de crenças provém da razão, são
1. Para que possas acreditar seja no crenças que podemos saber que são
q7ue for, tens obviamente de existir; verdadeiras através do pensamento apenas;
portanto, o facto de acreditares em diz-se. por isso, que são conhecidas o
a) garante, por si só, a veracidade priori. Outros são chamados de
dessa proposição. «empiristas» pois consideram que a
2. O facto de estares neste momento a crença básica acerca do mundo provém da
ter a experiência de ler um livro experiência sensível, isto e, são crenças
parece ser a única justificação de que só podemos saber se são verdadeiras
que precisas para acreditar em b), através dos nossos sentidos; diz-se, por
pois, mesmo que tudo não passe de isso, que são conhecidas a posteriori.
um sonho ou de uma ilusão, a
verdade é que estás a ter essa
experiência. Conhecimento a priori e
3. Basta compreender os significados
conhecimento a posteriori
de “2” de “adição”, de “4” e de
“identidade” para perceber que Pode distinguir se dois tipos de
2+2=4, pelo que não necessitamos conhecimento:
de qualquer justificação adicional
para acreditar em c) (a negação de ↳ Conhecimento a priori:
“2+2=4” implicaria uma contradição conhecimento que pode ser adquirido
nos termos). apenas pelo pensamento,
independentemente da experiência
Assim, para os fundacionalistas existem
dois tipos de crenças: ↳ Conhecimento a posteriori: ao
conhecimento que não pode ser adquirido
↳ As crenças básicas são autoevidentes, apenas pelo pensamento, uma vez que é
isto e, não podem ser seriamente postas em alcançado através da experiência sensível.
causa, pois são de tal modo evidentes que
não precisam de ser justifica das por outras A resposta fundacionalista
crenças: justificam-se a si mesmas.
↳ As crenças não básicas, pelo contrário,
não são autoevidentes, são inferidas a ↳ O fundacionalismo cartesiano
partir de outras crenças: justificam-se com Os fundacionalistas sustentam que a
base noutras crenças. existência de crenças básicas,
Assim, segundo o fundacionalismo visto autoevidentes, põe um travão na regressão
que crenças básicas não carecem de outra das cadeias de justificações, tornando
justificação, elas (crenças básicas) podem possível a existência de crenças
justificar as crenças não básicas sem que justificadas, por conseguinte, do
conhecimento. O fundacionalismo ou um método para alcançar um
apresenta-nos assim, uma imagem do conhecimento certo e indubitável. Além
conhecimento como um enorme edifício disso, enquanto os céticos sustentavam
sustentado por alicerces inabaláveis: apenas que devemos suspender o juízo em
crenças básicas ou fundacionais. relação à verdade ou falsidade de toda e
qualquer proposição, Descartes decide
rejeitar como falsas todas as proposições
↳ René Descartes é um dos mais famosos que não fossem absoluta mente certas e
racionalistas de todos os tempos. indubitáveis. Isto faz com que muitos
Descartes não estava disposto a aceitar a considerem que a dúvida cartesiana é ainda
impossibilidade do conhecimento sem mais extrema do que a dúvida cética, sendo
tentar, pelo menos uma vez na vida, por vezes chamada «hiperbólica» (ou
escapar a esta conclusão aparentemente exagerada). Assim, pode dizer-se que
inevitável. Com esse objetivo em mente. contrariamente ã dúvida cética, a dúvida
Descartes decide levar o ceticismo ao cartesiana era:
extremo e vencê-lo no seu próprio jogo, ou
seja, decide recorrer ao próprio ceticismo  Metódica: pois era apenas um
como método para provar a método para encontrar um
impossibilidade do ceticismo. conhecimento seguro;
 Provisória: pois subsistia apenas
↳ Descartes pensou que se duvidasse de até que se encontrasse algo
tudo, talvez pudesse encontrar algo de absolutamente certo e indubitável;
absolutamente indubitável, ou seja, uma
 Hiperbólica: pois não se limitava a
crença básica que fosse de tal modo
pôr tudo em dúvida, mas rejeitava
autoevidente que nem a mais extrema das
como falso tudo o que fosse
dúvidas a pusesse em causa. Uma crença
meramente duvidoso.
com estas características constituiria uma
 Radical: atinge a raiz dos
base sólida sobre a qual poderia edificar
com segurança o conhecimento. conhecimentos.

↳ Em suma, o seu objetivo era estabelecer


um conhecimento seguro e indubitável O Nota: --------------------------------------------
seu método era a dúvida metódica, que ----------
consistia em duvidar de tudo o que se
possa imaginar e averiguar se algo resistia O cérebro numa cuba
a esse processo. Imagine que um ser humano foi submetido
a uma cirurgia por um cientista do mal. O
cérebro da pessoa foi retirado do corpo e
A dúvida metódica colocado numa cuba com nutrientes que o
mantêm vivo. As terminações nervosas
↳ Ao contrário da dúvida cética que era foram conectadas a um supercomputador
permanente, pois era a conclusão a que os científico que faz com que a pessoa tenha a
céticos haviam chegado a partir da sua ilusão de que tudo está perfeitamente
argumentação, a dúvida cartesiana era normal. Parecem existir pessoas, objetos, o
provisória, pois era apenas uma estratégia céu etc.; mas, na verdade, tudo o que a
pessoa experimenta é resultado de causa tudo aquilo que julgamos saber,
impulsos eletrônicos que viajam do deitar abaixo todas as nossas convicções e
computador para as terminações nervosas. verificar se existe alguma que resista a
tamanha devastação. Estes argumentos são
Um cenário de pesadelo, de ficção
geralmente conhecidos por "razões para
científica? Talvez, mas claro que é
duvidar", pois a sua conclusão é
exatamente isso que você diria se fosse um
justamente a de que não podemos confiar
cérebro dentro de uma cuba! O seu cérebro
em crenças que tenham uma determinada
pode estar numa cuba, e não dentro de um
origem.
crânio, mas tudo que você sente é
exatamente igual ao que sentiria se Descartes apresentou várias razões para
estivesse vivendo num corpo de verdade duvidar:
no mundo real. O mundo à sua volta – sua
↳ as ilusões dos sentidos
cadeira, o livro em suas mãos, as suas
próprias mãos –, todo ele é parte de uma ↳ a indistinção vigília-sono
ilusão, pensamentos e sensações
↳ os erros de raciocínio;
introduzidos no seu cérebro sem corpo
pelo computador superpoderoso do ↳ a hipótese do génio maligno
cientista.
É provável que você não acredite que o seu
↳ As ilusões dos sentidos
cérebro está flutuando em uma cuba. A
maioria dos filósofos talvez não acredite Descartes começa por notar que uma
que são cérebros em cubas. Mas não é grande quantidade das suas crenças
preciso acreditar nisso; você só precisa provinha dos seus sentidos e decide
admitir que não tem certeza de que não é averiguar se os sentidos são uma fonte
um cérebro numa cuba. A questão é que, se fiável. O argumento das ilusões dos
for um cérebro dentro de uma cuba (você sentidos leva-o a concluir que não. De
não pode descartar essa possibilidade), acordo com este argumento, uma vez que
tudo o que você sabe sobre o mundo seria os nossos sentidos nos enganam algumas
falso. E, se isso é possível, então você não vezes, nunca podemos saber se nos estão a
sabe nada de nada. Essa mera possibilidade enganar ou não; portanto, nunca devemos
parece enfraquecer nossas afirmações de confiar nas informações adquiridas através
que conhecemos o mundo externo. Será deles.
que existe um modo de escapar da cuba?
----------------------------------------------------
Nota: _____________________________
----------
Aplicando o princípio hiperbólico da
dúvida, segundo o qual devemos rejeitar
como falso tudo aquilo que seja
minimamente duvidoso, Descartes conclui
Razões para duvidar que não temos justificação para acreditar
Conforme vimos, Descartes vai recorrer a em nada que tenha origem nos sentidos.
uma argumentação cética para pôr em _________________________________
Será este argumento suficiente para nos acordados) dá-nos um bom motivo para
persuadir de que nunca temos justificação duvidar da veracidade da nossa experiência
para acreditar nos nossos sentidos? Afinal, sensível. Habitualmente, só depois de
do facto de que. por vezes, os nossos acordarmos é que nos apercebemos que
sentidos nos enganam não se segue que estávamos apenas a sonhar. Mas
temos boas razões para nunca confiar poderemos alguma vez estar certos de
neles, até porque a maior parte dessas que já acordamos?
ilusões pode facilmente ser resolvida
Com efeito, a vivacidade e a intensidade de
recorrendo aos próprios sentidos. Por
certos sonhos convencem-nos muitas vezes
exemplo, posso aproximar-me para ver um
de que estamos a ter experiências reais,
objeto mais de perto, posso usar uma régua
quando na realidade essas experiências não
para fazer medições mais exatas e,
passam de ilusões provocadas pela
sobretudo, posso sempre usar os outros
atividade dos nossos cérebros
sentidos para me certificar de que não
adormecidos. Por exemplo, neste exato
estou a ser iludido por um deles.
momento, podes interrogar-te: “Estarei
realmente a ler isto, ou será que estou
apenas a sonhar?" Aparentemente, não
↳ A indistinção da vigília-sono existe um processo inequívoco para
Descartes reforça o argumento das ilusões determinar se uma experiência sensível é
dos sentidos com uma razão adicional para verídica ou se não passa de um sonho.
duvidamos de tudo aquilo que tenha uma Este argumento ficou conhecido na
origem sensível. literatura filosófica como argumento da
Em primeiro lugar, Descartes faz notar que indistinção vigília-sono e pode ser
não seria a primeira vez que alguém explicitamente formulado como se segue:
acreditava erradamente que estava a ter ______________________________________
determinadas experiências quando na
(1) Não podemos distinguir por nenhum sinal
realidade estava apenas a ter delírios
seguro as experiências que temos durante os
provocados por algum tipo de loucura. Mas sonhos daquelas que temos durante o estado de
mesmo que a nossa sanidade não esteja vigília.
posta em causa nem tenhamos boas razões
(2) Se não podemos distinguir por nenhum sinal
para acreditar que não estamos a alucinar, seguro as experiências que temos durante os
Descartes considera que devemos duvidar sonhos daquelas que temos durante o estado de
da experiência sensível, pois, por vezes, vigília, então as crenças que formamos a partir da
acreditamos que estamos a ter uma experiência sensível ou são falsas (porque estamos
determinada experiência, quando na apenas a sonhar) ou, ainda que sejam verdadeiras,
são-no apenas por acaso (porque não podemos
realidade estamos apenas a sonhar.
saber se estamos apenas a sonhar ou não).
Assim, para Descartes, o facto de não (3) Se as crenças que formamos a partir da
dispormos de um processo inteiramente experiência sensível ou são falsas ou, ainda que
seguro para distinguir as experiências que sejam verdadeiras, são-no apenas por acaso, então
temos durante os sonhos daquelas que não podem constituir conhecimento.
temos durante o estado de vigília (isto é, (4) Logo, as crenças que formamos a partir da
daquelas que temos quando estamos experiência sensível não podem constituir
conhecimento
______________________________________ cometer erros nos raciocínios mais simples
e, por isso, não podemos justificadamente
acreditar em crenças que tenham origem
no nosso raciocínio.
O argumento é válido e, à partida, as suas
Contudo, o argumento parece presumir
premissas parecem bastante plausíveis.
demasiado. Será que não existem
Mas se refletirmos mais sobre o assunto, raciocínios acerca dos quais podemos estar
acabaremos por nos aperceber que quer seguros? Descartes acreditava que não. E,
estejamos a dormir quer estejamos para o provar, concebeu uma das
acordados "2+ 3 = 5" e "um quadrado tem experiências mentais mais famosas da
sempre quatro lados" e, nesse caso, história da filosofia.
parecem existir conhecimentos à prova
deste argumento, nomeadamente, as
verdades da geometria e da aritmética. ↳ A hipótese do génio maligno
No entanto, como vimos anteriormente, Para poder pôr, realmente, em causa as
Descartes pretende levar a sua dúvida tão verdades mais elementares da geometria e
longe quanto possível e, por isso, vai da aritmética. Descartes concebeu a
propor novos argumentos que ponham à hipótese do génio maligno.
prova mesmo conhecimentos que, à
Ou seja, Descartes convida-nos a imaginar
partida, parecem tão seguros e
que existe um génio maligno, um ser tão
indubitáveis.
poderoso quanto perverso, que se diverte a
usar os seus poderes para nos induzir em
erro relativa mente a tudo e mais alguma
↳ Erros de raciocínios
coisa. A mera hipótese da sua existência
Depois de constatar que não podemos faz com que mesmo as proposições
confiar nas informações obtidas através aparentemente mais evidentes da
dos sentidos, Descartes vira a sua atenção geometria e da aritmética como por
para as crenças obtidas através do exemplo, «Um quadrado é uma figura
raciocínio. Estas últimas parecem-lhe geométrica com quatro lados iguais» -
bastante mais certas do que as primeiras, sejam postas em causa, pois a certeza que
pois as verdades da lógica, da geometria e temos acerca delas pode ser fruto das
da matemática não são afetadas pelas maquinações deste poderoso génio
ilusões percetivas e não deixam de ser maligno.
verdadeiras ainda que estejamos a sonhar.
O argumento do génio maligno diz-nos,
Quer estejamos a dormir, quer estejamos
então, o seguinte:
acordados: «2*2 = 4». Contudo, Descartes
apercebe-se que mesmo estas crenças não ______________________________________
são absolutamente certas e indubitáveis, {1} Só temos conhecimento se tivermos crenças
pois podemos cometer erros mesmo nos verdadeiras justificadas.
raciocínios mais elementares. Assim, o {2} Se não podemos saber se o génio maligno
argumento dos erros de raciocínio existe ou não, então a maioria das nossas crenças
baseia-se na ideia de que todos podemos são falsas, ou, ainda que sejam verdadeiras, são-no
apenas por acaso (pois não temos nenhuma
justificação para acreditar que não se trata de mais Quem quer que se questione acerca da
uma das suas maquinações). verdade do cogito tem automaticamente
{3} Ora, uma vez que o génio maligno tem o justificação para acreditar nele.
poder de nos fazer acreditar naquilo que ele
quiser, não temos maneira de saber se ele existe Assim. Descartes encontrou uma forma de
ou não. refutar o ceticismo por redução ao absurdo.
{4} Logo, não temos conhecimento. O seu argumento pode ser sintetizado
______________________________________ conforme se segue:

Aparentemente, enquanto a hipótese do


génio maligno não for afastada, não
podemos estar certos de nada.
______________________________________
(1) Se fosse verdade que nada se pode saber, então
nem sequer poderíamos saber que existimos.
↳ O cogito (a priori)
(2), mas sabemos que existimos (essa ideia não
O próprio Descartes mostra que o pode ser seriamente posta em causa).
argumento do Génio Maligno não é tão
(3) Logo, é falso que nada se pode saber.
inabalável quanto à primeira vista possa à
parecer. Pelo contrário, em vez de conduzir ______________________________________
à conclusão de que nada se sabe, a A importância do cogito no funcionalismo
Hipótese do Génio Maligno conduz à cartesiano é inquestionável. O cogito é
conclusão de que existe algo que podemos, uma crença básica, que não precisa de
garantidamente, saber. O problema está na ser justificada com base noutras crenças
segunda premissa do argumento, pois, e, por conseguinte, pode estabelecer como
ainda que eu não possa saber se estou, ou primeira evidência, fornecendo os alicerces
não, a ser enganado por um Génio seguros que Descartes procurava para
Maligno, existe algo que posso saber com edificar o conhecimento. Deste modo,
toda a certeza: que existo. Mesmo que o podemos considerar que o cogito
Génio Maligno exista e se esforce tanto representa o tão desejado triunfo sobre o
quanto pode para me enganar, nunca me ceticismo. Por mais extremas que as
poderá convencer de que não existo, nossas dúvidas possam ser, existirá sempre
pois, para que me possa convencer seja pelo menos uma coisa que podemos saber
do que for, eu tenho necessariamente de com toda a certeza: que existimos.
existir.
Mas será esta crença suficiente para fundar
O argumento pode ser formulado do todo o nosso conhecimento do mundo?
seguinte modo: Será que saber que existimos é suficiente
______________________________________ para saber que temos um corpo e
(1) Se penso, existo. restaurar a nossa confiança nas nossas
experiências sensíveis? Não, na verdade o
(2) Penso.
cogito não é, por si só, capaz de
(3) Logo, existo. estabelecer a verdade de nenhuma destas
______________________________________ coisas, pois enquanto não afastarmos
definitivamente o fantasma do Génio
Maligno não temos a certeza de que não ______________________________________
estamos a ser enganados por ele, Parte 1
acreditando erradamente que temos um
(1) Posso conceber que existo sem ter um corpo.
corpo, mãos, olhos, nariz, etc.
(2) Não posso conceber que existo sem ter uma
mente/alma.
Uma coisa pensante (3) Se posso conceber que existo sem ter um
corpo, mas não posso conceber que existo sem ter
Só há uma coisa de que podemos estar uma mente/alma, então a mente/alma não é igual
certos, ainda que o Génio nos engane: ao corpo.
temos de existir de algum modo para que (4) Logo, a mente/alma não é igual ao corpo.
este nos possa enganar. Mas isso não
implica que tenhamos necessariamente um ______________________________________
corpo. A única coisa que sabemos, com
toda a certeza, é que existimos enquanto
coisa que pensa, ou rés cogitans
(coisa/substância pensante, em latim), mas Uma vez que estabelece a distinção entre
nada sabemos acerca do mundo físico, do duas esferas da realidade de natureza
mundo da matéria, do mundo das coisas inteiramente diferente - O corpo e a mente
extensas (que ocupam um espaço), ou seja, -, esta posição ficou conhecida por
nada sabemos acerca da rés extensa Dualismo Cartesiano ou Dualismo
(coisa/l substância extensa, em latim). mente-corpo. Depois de estabelecer esta
Isto significa que o cogito estabelece distinção, Descartes apercebe-se que a sua
essência, ou natureza, se identifica com a
apenas a existência de uma substância
mente e não com o corpo. A segunda parte
pensante, mas não oferece qualquer
do argumento serve precisamente para
garantia da existência da realidade
sensível. Como tal, o cogito não é justificar essa identificação.
suficiente para nos assegurar que temos ________________________________________
um corpo, nem que as nossas __
experiências preceptivas são fiáveis. Parte II
Ao tomar consciência de que pode (5) Uma determinada propriedade faz parte da
imaginar que não tem um corpo, sem que essência de x se, e só se, não é possível conceber x
isso implique que não existe, mas não pode sem essa propriedade.
duvidar da sua existência enquanto (6) Logo, ter uma mente/alma (e não um corpo)
pensamento, Descartes conclui que é faz parte da minha essência.
essencialmente uma substância ______________________________________
pensante, isto é, uma mente ou alma
imaterial que existe independentemente do
corpo e que é de natureza inteiramente Mas se a única coisa que Descartes
distinta do mesmo. conseguiu demonstrar, até ao momento, foi
a sua existência enquanto coisa pensante,
poderá ele alguma vez estar certo de que
Podemos formular as diferentes etapas
deste argumento do seguinte modo:
sabe alguma coisa para além disso? sua imaginação}; dependem apenas da
Descartes acreditava que sim. nossa capacidade de pensar, ou seja,
correspondem a conceitos matemáticos -
como os conceitos de número; triângulo;
Um critério de verdade círculo; etc. - e a conceitos metafísicos -
como os conceitos de substância; verdade;
Descartes considerava que, uma vez que o
e Deus.
que torna o cogito uma crença tão evidente
não é mais do que o seu elevado grau de
clareza e distinção, estas características
deveriam ser adotadas como critério de A ideia de Deus
verdade, ou seja, como pro- cedimento De entre as várias ideias que Descartes
que nos permite distinguir o que é encontra na sua mente, existe uma que se
absolutamente verdadeiro do que é distingue de todas as outras a ideia de
meramente duvidoso ou falso. Assim, o Deus, ou ser perfeito. Mas por que razão
cogito não só fornece um fundamento esta ideia é tão especial? Bem. esta ideia é
seguro para o conhecimento, mas também especial porque provar que Deus existe e
um modelo daquilo que devemos não e enganador talvez seja a única forma
perseguir na procura de um saber de podermos estar certos de muitas outras
seguro e indubitável. coisas para além da nossa existência
enquanto pensamento, pois um criador
Tipos de ideias
supremo e sumamente bom não nos teria
Munido com o seu recém-alcançado criado de modo que nunca pudéssemos
critério de verdade, Descartes decide conhecer a verdade.
vasculhar a sua mente em busca de ideias
Para provar que Deus existe, Descartes
claras e distintas. É, nesse momento, que
recorre, entre outros, ao chamado
toma consciência de que existem
«argumento da marca».
essencialmente três tipos de ideias na sua
mente: ideias adventícias ideias factícias
e ideias inatas
O argumento da marca
↳ As ideias adventícias são ideias que não
dependem da sua vontade e parecem ser Para compreendermos melhor o
causadas por objetos físicos exteriores ã argumento da marca e importante
mente (exemplos: ouvir um ruído; ver o percebermos por que razão a ideia de
Deus é uma ideia inata e não uma ideia
sol; sentir o calor das chamas;).
adventícia ou factícia. Em primeiro lugar,
↳ As ideias factícias são ideias inventadas importa destacar que a ideia de Deus não
pela sua vontade e imaginação, a partir de pode ser uma ideia adventícia, pois, uma
outras ideias (exemplos: sereias; vez que se trata da ideia de um ser
unicórnios; centauros;). imaterial, esta não parece ser provocada
↳ As ideias inatas são ideias que não por objetos materiais exteriores à mente.
parecem ser causadas por objetos físicos Em segundo lugar, não pode ser uma
exteriores à sua mente nem dependem da ideia factícia porque é uma ideia
sua vontade (isto é, não são criadas pela demasiado perfeita para ser criada por um
ser imperfeito. Descartes pensava que A existência de Deus desempenha um
qualquer causa tinha de ser pelo menos tão papel crucial no fundacionismo cartesiano,
perfeita quanto os seus efeitos e, uma vez porque e o facto de Deus existir e não ser
que ele próprio reconhecia que duvidava e enganador que garante a verdade das
que não sabia, em suma, que não era um nossas ideias claras e distintas atuais e
ser perfeito, acreditava que não podia ser passadas
ele a causa de uma ideia tão perfeita ______________________________________
quanto a ideia de Deus. Sendo assim, a
única alternativa possível era esta ideia (1) Posso confiar naquilo que concebo de forma
clara e distinta se, e só se, Deus existe e não é
estar no seu espírito desde sempre, isto e, enganador.
ser uma ideia inata e ter sido lã colocada
por um ser pelo menos tão perfeito quanto (2) Deus existe e não é enganador.
ela, ou seja, por Deus, que teria implantado (3) Logo, posso confiar naquilo que concebo de
lá essa ideia no momento da criação, como forma clara e distinta.
uma espécie de assinatura, ou marca, do ______________________________________
seu criador. Isto significa que, para
Descartes, o simples facto de termos a Assim, uma vez que a existência de Deus
ideia de Deus é suficiente para podermos é simultaneamente necessária e
concluir que Deus existe. suficiente para podermos confiar
naquilo que concebemos clara e
______________________________________ distintamente também se segue destas
(1) Tenho a ideia de «ser perfeito». premissas que, se Deus não existisse, nem
(2) Visto que uma causa deve ter pelo menos tanta
sequer nisso poderíamos confiar. E, na
realidade quanto os seus efeitos, então, se eu tenho verdade, sem essa garantia seríamos
a ideia de «ser perfeito», é porque existe um ser incapazes de avançar um argumento, pois a
perfeito que é a origem desta ideia. verdade de cada premissa deixaria de ser
(3) Existe um ser perfeito que é a origem da minha assegurada no momento em que
ideia de perfeição. deixássemos de a conceber clara e
distintamente para nos concentrarmos
(4) Ou eu sou o ser perfeito, ou há outra coisa
(alem de mim) que é o ser perfeito e que deu noutro passo do argumento. Ou seja, Deus
origem à minha ideia de perfeição. não só garante que podemos confiar nas
nossas ideias claras e distintas atuais e
(5) Eu duvido.
passadas, como também assegura que
(6) Se eu duvido, então não sou perfeito. podemos confiar nos nossos raciocínios
(7) Não sou perfeito. apoiados em premissas com essas
características.
(8) Existe outra coisa (além de mim) que é o ser
perfeito e que deu origem à minha ideia de
perfeição.
______________________________________ A fase construtiva do
fundacionalismo cartesiano
A partir daqui. Descartes pode deduzir
O papel de deus no
muitas verdades e construir com
fundacionalismo cartesiano segurança o edifício do conhecimento,
apoiando-se naquilo que concebe com dormir. Por exemplo, se um matemático
clareza e distinção. Mesmo a existência das concebesse clara e distintamente uma
coisas materiais, anteriormente posta em demonstração perfeita de um teorema,
causa, adquire um novo grau de mesmo que estivesse a dormir, poderia
plausibilidade, porque Deus não nos teria estar tão seguro da sua veracidade como se
criado de modo que estivéssemos ela lhe tivesse ocorrido enquanto estava
permanentemente a representar-nos como acordado. Pelo contrário, se o que
existentes coisas que não passam de conceber não for claro e distinto, deve
fantasias. Pelo contrário, trataria de nos abster-se de lhe dar assentimento, mesmo
criar de modo que a nossa mente que esteja acordado.
recebesse do corpo as sensações
2. Além disso, nos sonhos acontecem
adequadas à sua preservação. Mas,
frequentemente coisas demasiado insólitas
então, o que acontece quando nos
para que sejam reais. Deste modo,
deixamos enganar pelos sentidos?
Descartes acredita ter finalmente triunfado
Como vimos, quando os sentidos nos sobre a mais radical das dúvidas; mas será
enganam é porque nos precipitamos a dar o isto verdade?
nosso assentimento a coisas que não
concebemos clara e distintamente, mas sim
de modo confuso. Para compreender a Objeções á resposta
verdadeira natureza das coisas devemos
racionalista de descartes.
proceder e a uma análise matemática e
geométrica das mesmas, pois só este tipo Eu penso, ou há pensamento em
de investigação se coaduna com o modelo curso
de certeza anterior- mente definido. Assim,
embora os nossos sentidos estejam Se prestarmos a devida atenção ao cogito,
sujeitos ao erro, Deus concedeu-nos a apercebemo-nos de que a sua certeza é
possibilidade de os corrigirmos através apenas momentânea - "Estou, neste
de um uso reto das nossas faculdades momento, a pensar, logo existo": se parar
racionais. Por exemplo, se considerarmos de pensar, posso muito bem deixar de
a distância a que o Sol se encontra de nós, existir. Mas, nesse caso, o cogito
somos capazes de corrigir pelo uso da dificilmente será verdadeiro, isto é,
razão a ilusão que se apresenta aos nossos dificilmente a consciência de que existe
sentidos relativamente ao seu tamanho. pensamento seria suficiente para provar
a existência de um único eu - ou seja, um
E o que acontece relativamente ao ser que se reconhece como sendo o mesmo
problema da indistinção vigília-sono? O ao longo do tempo - que reclame o
problema é afastado porque: pensamento atualmente em curso como
1. Quer estejamos a dormir quer estejamos seu.
acordados, corremos sempre o risco de Esta objeção foi primeiramente formulada
errar se damos assentimento a coisas que pelo filósofo alemão Georg C.
não concebemos clara e distinta- mente. Lichtenberg, embora tenha sido
Inversamente, se concebemos algo de posteriormente reforçada por vários
modo claro e distinto, a sua verdade está
assegurada mesmo que estejamos a
filósofos, como Bertrand Russell e A. J.
Ayer.
Objeção do círculo cartesiano
Lichtenberg considera que Descartes nem
sequer deveria dizer "Eu penso", deveria A principal objeção ao fundacionalismo
cartesiano ficou conhecida como «círculo
dizer simplesmente "há pensamento",
como quem diz "troveja". Segundo este cartesiano» e consiste em acusar
Descartes de incorrer numa petição de
autor, tudo o que Descartes conseguiu
princípio, pois procura estabelecer a
mostrar foi que existe pensamento, mas
não a existência de um qualquer Eu a quem existência de Deus raciocinando a partir de
ideias claras e distintas, mas admite que só
esse pensamento tenha necessariamente de
podemos estar certos de que as nossas
pertencer
ideias claras e distintas atuais e passadas
Claro que esta ideia nos pode parecer são verdadeiras porque Deus existe.
despropositada, como se afirmássemos que
podem existir amolgadelas sem haver uma
superfície amolgada. Contudo, ela está Hume: a resposta empirista
longe de ser uma evidência à prova de
Génio Maligno. Aliás, como é sugerido por Tal como Descartes, David Hume recorre
David Hume na sua obra Tratado da a uma abordagem fundacionalista para
Natureza Humana, podemos mesmo chegar responder ao desafio cético. No entanto,
à conclusão de que é mais evidente a diverge do fundacionalismo cartesiano no
existência de pensa- mentos do que a que diz respeito ao tipo de crenças que
existência de um Eu (de uma mente, ou considera autoevidentes. Ao contrário do
substância pensante), sobre o qual esses fundacionalismo cartesiano, que encarava a
pensamentos repousam. experiência sensível com enorme suspeita,
o fundacionalismo proposto por Hume
atribui o estatuto de crenças básicas
Objeções ao argumento da marca justamente às crenças que provêm da
nossa experiência sensível imediata,
O argumento da marca também é alvo de como por exemplo a crença "Estou, neste
fortes e serias objeções. Contrariamente ao momento, a ter uma experiência da cor
que é assumido nesse argumento, há quem azul".
defenda que:
Assim, em vez de recorrer a uma intuição
1. não podemos compreender a perfeição de caráter puramente racional como o
de Deus; cogito, Hume coloca na experiência
2. duvidar ê mais perfeito do que saber; sensível o maior grau de evidência a que
podemos aspirar quando procuramos saber
3. causas mais simples podem originar como as coisas são. Por esse motivo, o
coisas mais complexas; fundacionalismo clássico ficou também
4. podemos formar a ideia de perfeito por conhecido por fundacionalismo
oposição ã ideia de imperfeito, sem que empirista, ou simplesmente empirismo.
isso implique a existência de um ser Em contrapartida, o fundacionalismo
perfeito. cartesiano, uma vez que duvida da
veracidade do conhecimento sensível e
considera que só através das nossas Hume reforça esta diferença através do
evidências racionais podemos alcançar um contraste entre sentir e pensar. Sem
conhecimento seguro, é também designado dúvida, sentir uma dor é muito diferente de
por racionalismo. recordar uma dor sentida anteriormente. A
primeira experiência é forçosamente mais
vívida e mais intensa do que a segunda. E
O Princípio da Cópia se em algum momento a segunda se
assemelhar à primeira no que diz respeito à
David Hume era um empirista. A maioria sua vivacidade e intensidade, então é
dos empiristas tinha a crença de que porque deixamos de estar meramente a
quando nascemos, a nossa mente é como recordar uma dor e passamos
uma tábua rasa, uma folha em branco, que
posteriormente seria preenchida pela a senti-la.
experiência. Isto significa que, para estes Deste modo, Hume reformula o velho
autores, o conteúdo das nossas mentes tem princípio aristotélico segundo o qual "Nada
a sua origem na experiência. São os cinco está no intelecto sem que tenha passado
sentidos que fornecem informação sobre o pelos sentidos":
mundo, registando nas nossas mentes as
impressões colhidas do exterior.
Hume escolheu o termo "perceções" para Princípio da Cópia
designar o conteúdo das nossas mentes - Todas as ideias humanas são cópias de
ou seja, tudo aquilo que fazemos quando impressões.
observamos, sentimos, recordamos,
imaginamos, etc. Segundo Hume, as
nossas perceções podem ser de dois tipos: Hume justifica a sua aceitação deste
impressões e ideias. princípio - chamemos-lhe Princípio da
Cópia - com base na ideia de que um cego
de nascença seria incapaz de imaginar a
• As nossas impressões correspondem aos cor azul, justamente porque não possui
dados da nossa experiência imediata, ou qualquer impressão que corresponda a essa
seja, às experiências que temos no cor. O argumento de Hume pode ser
momento em que observamos, sentimos, formulado do seguinte modo:
amamos, odiamos, desejamos, e assim por
________________________________________
diante, e caracterizam-se pelo seu enorme __
grau de intensidade e vivacidade
(1) Um cego de nascença não tem qualquer
• As ideias são cópias enfraquecidas das impressão de cores.
impressões que surgem quando
(2) Se um cego de nascença não tem qualquer
recorremos à memória ou à imaginação impressão de cores, então ou um cego de nascença
para representarmos mentalmente não pode imaginar a cor azul, ou existem ideias
impressões que tivemos anteriormente, e, que não correspondem a qualquer impressão.
portanto, são menos intensas e menos (3) Um cego de nascença não pode imaginar a cor
vividas do que as impressões. azul.
(4) Logo, não existem ideias que não sua origem na imaginação, quando
correspondam a qualquer impressão. correspondem a combinações inéditas de
_____________________________________ ideias simples.
Assim, através da imaginação, podemos
Para além deste argumento, Hume deixa-se combinar a forma de um peixe com a
persuadir de que o Princípio da Cópia é forma de uma mulher para criar a ideia
verdadeiro, pois não lhe parece ser possível de sereia, pois, apesar de nunca termos
encontrar um único contraexemplo capaz visto uma sereia, temos as impressões
de o refutar. Chega mesmo a desafiar os correspondentes à forma do peixe e à
seus opositores a apresentar uma só ideia forma da mulher.
que não corresponda a qualquer impressão. Para tornar o Princípio da Cópia mais
Hume acreditava que acabaríamos sempre explícito, podemos reformulá-lo com duas
por ser capazes de mostrar que, afinal, alíneas.
existe uma impressão que está na base
Princípio da Cópia
dessa ideia e isso serviria apenas para
fortalecer a nossa confiança no Princípio Todas as ideias humanas:
da Cópia.
(a) ou são cópias diretas das impressões
Será que Hume tem razão? Não haverá correspondentes;
ideias que não correspondem a nenhuma
(b) ou são compostas por ideias mais
impressão? Afinal de contas, se esse fosse
simples que, por sua vez, são cópias diretas
o caso, como poderíamos ter as ideias de
das impressões correspondentes.
centauro, sereia, quimera, etc.?

A explicação que Hume apresenta para A Bifurcação de Hume


esta aparente inconsistência da sua teoria Considerando a distinção entre ideias e
baseia-se na distinção entre ideias simples impressões, Hume reduz todo o
e complexas. Segundo Hume: conhecimento humano a dois tipos:
• As ideias simples correspondem a relações de ideias e questões de facto.
impressões simples, ou seja, impressões de Por considerar que na busca de
coisas que não podem ser divididas em conhecimento existem apenas dois
partes mais pequenas, como a cor ou a caminhos a seguir, esta divisão ficou
forma dos objetos. conhecida como A Bifurcação de Hume.

• As ideias complexas, por sua vez,


correspondem a combinações de duas ou Assim, podemos apresentar a distinção
mais ideias simples. entre relações de ideias e questões de
facto do seguinte modo:

Estas combinações podem ter a sua origem • Relações de ideias: é o tipo de


na memória, quando apresentam a mesma conhecimento que pode ser obtido
configuração que tinham quando apenas mediante a análise do significado
surgiram na experiência, ou podem ter a dos conceitos envolvidos numa
proposição. Por exemplo, para saber que a
pro- posição "Os solteiros não são casados"
é verdadeira, basta saber o significado dos
conceitos de "casado" e de "solteiro".
Trata-se de uma verdade necessária, pois a
sua negação - há solteiros casados -
implica uma contradição nos termos. Este
tipo de conhecimento é característico de
áreas como a matemática, a geometria e a
lógica.

• Questões de facto: é o tipo de


conhecimento que só pode ser obtido
através de impressões, ou seja, através da
experiência, e que nos fornece
informação verdadeira acerca do
mundo. Por exemplo, "A neve é branca" é
uma questão de facto, pois, para se saber
que a neve é branca é preciso ter
experiência da neve e da sua cor. Não
existe nada nos conceitos de "neve" e de
"brancura" que torne a proposição “A neve
não é branca" uma contradição nos termos.
Este tipo de conheci- mento expressa
verdades contingentes - isto é,
proposições que são verdadeiras, mas que
poderiam não o ser – e é característico de
ciências da natureza como a física, por
exemplo.

Você também pode gostar