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Natureza do Conhecimento

II
Prof. Martin Motloch
Conhecimento como produto CVJ
Conhecimento: crença verdadeira justificada (CVJ)
De acordo com essa análise, 3 condições precisam ser
satisfeitas para que se possa atribuir a uma pessoa um
conhecimento:
(i) Aquilo que o sujeito crê (tipicamente, uma proposição) tem
de ser verdadeiro(a) (verdade)
(ii) O sujeito tem que assentir aquilo que é verdade, ou seja,
tomá-lo como verdadeiro (crença)
(iii) O sujeito tem que ter (boas) razões para crer que aquilo
que ele/ela assente é verdade (justificação)
OS CONTRA-EXEMPLOS DE GETTIER

Gettier (1963)
Is Justified True Belief Knowledge?
É A CRENÇA VERDADEIRA JUSTIFICADA CONHECIMENTO?
Contra a análise CVJ: não é verdade que todos os casos de CVJ
são casos de conhecimento.
Apresenta 2 contra-exemplos à análise CVJ:
Técnica argumentativa cujo objetivo é mostrar que a análise CVJ
se apoia em generalizações falsas.
O que está em jogo aqui: o alcance e a completude da análise
CVJ clássica.
Situação inicial
Smith (S) e Jones (J) se candidataram para um emprego
Suponha-se que S esteja justificado em crer na seguinte
proposição conjuntiva:
P. J é o homem que vai conseguir o emprego e J tem
dez centavos no bolso.
Razões de S para crer que P:O presidente da
companhia declarou que quem será escolhido no final é
J.S contou os centavos no bolso de J há 10 minutos
Suponha-se que S ainda esteja justificado a crer que Q
por estar justificado a crer que P e por P implicar Q e por
S ter deduzido Q de P.
Q. O homem que vai conseguir o emprego tem dez
centavos no bolso
2 pressupostos
Falibilismo
“(...) no sentido de “justificado” no qual S está justificado em
crer que P é uma condição necessária para S saber que P, é
possível para uma pessoa estar justificada em crer numa
proposição que é de fato falsa.”
Modelo inferencialista da justificação
“Para qualquer proposição P, se S está justificado em crer que
P e P implica Q, e S deduz Q de P e aceita Q como resultado
dessa dedução, então S está justificado em crer que Q.”
Smith (S) e Jones (J) se candidataram para um emprego
II
O presidente da empresa mudou de ideia e tomou a
decisão de dar o emprego ao próprio S (sem informar S
dessa mudança).
Suponha-se, além disso, que o próprio S seja a pessoa
que tem dez centavos no bolso sem que S esteja ciente
disso. (Ex: J colocou discretamente os centavos no bolso
de S).
P, então, é falso (sendo os dois membros da conjunção
falsos), embora Q continue verdadeiro.
2º caso: Smith, Jones, Brown, o carro de Jones e o
paradeiro de Brown
Situação inicial
S(mith) tem 2 amigos: J(ones) e B(rown)
Suponha-se que S está justificado em crer que:
r. J possui um Ford.
Desde que S o conhece, J possui um Ford,
sempre apareceu com Ford e sempre deu carona
para ele com Ford.
Raciocínio
• S está ainda justificado em crer nas seguintes
proposições disjuntivas (embora S ignore onde
seu amigo B está no momento):
s. J possui um Ford ou B está em Boston
t. J possui um Ford ou B está em Barcelona
u. J possui um Ford ou B está em Brest-Litovsk
Disjunção: é verdadeira se e somente se pelo menos um
membro da disjunção é verdadeiro. Logo, basta r ser
verdadeiro para que as disjunções sejam verdadeiras.
A hipótese falibilista
Agora supõe que J tenha alugado o carro.
r, portanto, é falso.
Acontece que, por pura coincidência, B está no
momento em Barcelona.
t, portanto, é verdade pois basta um membro da
disjunção ser verdade para a disjunção enquanto todo
ser verdade.
De acordo com Gettier, esse não é um caso de
conhecimento embora S creia que t, t seja verdade
(enquanto todo) e S esteja (inferencialmente)
justificado em crer que t.
Casos Gettier sem crenças falsas I
Olhando distraidamente pela janela, durante uma aula,
detenho-me, surpreendido, ao ver uma vaca em frente do
edifício de Física. Aquilo que eu estou a ver, no entanto, é um
carrinho de compras muito bem disfarçado que será usado na
corrida anual de carrinhos de compras a ter lugar dentro de
momentos (estamos em plena rag week). Por detrás do
carrinho, no entanto, está efetivamente uma vaca, que acaba
de fugir de uma quinta das imediações mas que eu não
consigo ver. Eu tenho uma crença verdadeira — está uma vaca
no pátio — e uma crença que é justificada dado que este tipo
de prova observacional é normalmente assumido como
justificação suficiente para a crença perceptual.
Pais de estábulos falsos
False-barn-country de Goldman Alvin Goldman (1976, Discrimination
and Perceptual Knowledge) :suponha que está a viajar pelo campo e
que vê o que pensa ser um estábulo; vê isso de forma clara a curta
distância, e tem o aspecto de um estábulo, e assim sucessivamente;
além disso, é um estábulo. Tem então a crença verdadeira justificada
de que é um estábulo. Mas as pessoas desse local, para parecerem
mais ricas do que realmente são, construíram fachadas de estábulos
bem realistas que não se podem distinguir facilmente do que
realmente são quando vistas da autopista. Há mais fachadas de
estábulos do que estábulos reais. A crença de que está vendo um
estábulo não foi, de forma alguma, inferida da crença na ausência de
fachadas de estábulos. Provavelmente, a possibilidade de existirem
fachadas de estábulos é algo que nunca lhe ocorreu, e muito menos
algo que desempenhou qualquer papel no seu raciocínio.
O Relógio de Russell
Bertrand Russell, no livro Conhecimento Humano: O seu Alcance e
Limites. não se baseia em inferências dedutivas mas em inferências
indutivas: Esta manhã, quando vinha para a escola, a Ana viu que o
relógio da igreja marcava exatamente 8h e 10m. Em consequência
disso, fez a seguinte inferência:
O relógio até agora tem sido fiável.
O relógio marca 8h e 10m.
Logo, são 8h e 10m.
Ana tem uma crença verdadeira justificada. É verdadeira porque são de
fato 8h e 10m. Ana o saiba, o relógio avariou ontem quando marcava
exatamente 8h e 10m. Podemos dizer, nestas condições, que a Ana
sabe que são 8h e 10m? Não parece, uma vez que o relógio estava
parado.
Caso Gettier no direito
Suspeito foi acusado de posse de drogas e condenado.
Prova: Foram encontradas 10 kg de drogas no carro que ele
dirigia.
A polícia plantou as drogas (Má sorte)
De fato tinha 11 kg de drogas no carro bem escondidos que
ninguém achou (boa sorte).
Ligação entre a evidência (justificação) e o veredito ?
O mecanismo
A verdade é alcançada por acaso (um tipo de sorte).
No caso 2, é má sorte ser vitima de mentiras de Smith
sobre a posse de Ford e , você acaba com uma crença
verdadeira por causa de outra caraterística acidental da
situação que nada tem a ver com sua atividade
cognitiva. Portanto um elemento de boa sorte e má
sorte neutralizam-se mutuamente.
Estrutura Geral de Casos Gettier
A justificação é “defeituosa”, mas a crença torna-se verdadeira
graças à sorte.
S acredita que A por causa de B. B é incorreto, mas A torna-se
verdadeiro por causa de um outro argumento graças à sorte.
Nos dois casos Gettier uma premissa é falsa.
A evidência não torna necessariamente a crença verdadeira.
Existe uma lacuna entre a evidência (a justificação do sujeito)
e a crença verdadeira justificada.
As evidências são desconectadas dos truthmakers da crença.
Discussão do Problema
Os exemplos de Gettier parecem sustentar-se em duas
intuições: (I) Problema do acaso epistémico: o conhecimento
é incompatível com o modo acidental como certas crenças são
verdadeiras (II) problema da natureza e alcance da
evidência :não basta as crenças candidatas a conhecimento
estarem justificadas, mas é necessário, além disso, que
estejam apropriadamente sustentadas. Esse é o aquilo em
que um agente cognitivo acredita
A chamada “Indústria-Gettier” é uma longa e multifacetada
discussão filosófica em torno do Problema de Gettier e do
modo como deve ser solucionado.
I.1 Conhecimento como processo
No conhecimento temos dois elementos básicos: o sujeito
(cognoscente) e o objeto (cognoscível). O cognoscente é o
indivíduo capaz de adquirir conhecimento ou o indivíduo que
possui a capacidade de conhecer. O cognoscível é o que se
pode conhecer.
Conhecer é uma relação que se estabelece entre o sujeito que
conhece e o objeto conhecido. No processo de conhecimento,
o sujeito cognoscente se apropria, de certo modo, do objeto
conhecido.
Dualidade na relação de conhecimento
O conhecimento sempre implica uma dualidade de
realidades: de um lado, o sujeito cognoscente e, de
outro, o objeto conhecido, que está possuído, de certa
maneira, pelo cognoscente. O objeto conhecido pode,
às vezes, fazer parte do sujeito que conhece.
Pode-se conhecer a si mesmo, pode-se conhecer e
pensar os seus pensamentos.
Conhecimento sensível/intelectual
Se a apropriação é física, por exemplo, a representação de
uma onda luminosa, de um som, causando uma modificação
de um órgão corporal do sujeito cognoscente, trata-se de um
conhecimento sensível (a posteriori). Tal tipo de
conhecimento é encontrado tanto em animais como no
homem.
Se a representação não é sensível, o que ocorre com
realidades tais como conceitos, verdades, princípios e leis,
tem-se então um conhecimento intelectual (a priori)
Razão e experiência
Retire um livro retangular da sua estante e olhe para a capa.
Qual é a cor predominante, e quantos lados tem? Para
ficarmos sabendo a cor do livro, temos de observá-lo (ou
pedir a alguém que o faça por nós). A justificação para a nossa
crença acerca da sua cor é fornecida pela experiência (nossa
ou de outrem). Mas não precisamos de olhar para um livro
retangular para saber quantos lados tem. Sabemos que os
retângulos têm quatro lados pelo simples facto de pensarmos
no que é ser um retângulo. Adquirimos este conhecimento
usando apenas os nossos poderes de raciocínio; não temos de
considerar a informação dada pelos nossos sentidos.
Questão de jure ou de facto
Modalidades epistêmicas: Uma crença que se encontra
justificada com base na experiência, encontra-se justificada a
posteriori; uma justificada de forma independente da
experiência e pelo pensamento apenas, encontra-se
justificada a priori. A distinção entre a priori e a posteriori
deve assim ser entendida como uma distinção epistémica entre
dois modos, putativamente, distintos de conhecer (ou entre
dois tipos de justificação epistémica). Apesar disto, pode-se,
derivadamente, falar de proposições a priori e proposições a
posteriori: (i) uma proposição é a priori se, e só se, pode ser
conhecida a priori por criaturas como nós; (ii) uma proposição
é a posteriori se, e só se, só pode ser conhecida a posteriori
por criaturas como nós.
Exemplos de a priori e a posteriori
Conhecimento a priori
Todos os solteiros são não-casados.
Dois mais dois são quatro.
Se um objeto x é maior do que um objeto y, e y é maior do
que z, então x é maior do que z.
Conhecimento a posteriori:
A neve é fria.
O céu é azul.
Teresina é a capital do Piauí
Envolvimento da experiência
Há um sentido em que a experiência está envolvida na
aquisição de todas as crenças. Para saber que os solteiros são
homens não-casados, tenho de saber o significado de
«solteiro», de «não-casado» e de «homem», e esta
compreensão linguística é adquirida por meio de lições, de
instrução e de práticas que envolvem algum tipo de
experiência. A experiência desempenha, pois, um certo papel
na aquisição do conhecimento a priori, visto estar envolvida
no processo que leva à compreensão da linguagem em que
esse conhecimento é expresso.
Justificação sem experiência
Determinar-se a verdade acima expressa é conhecida a
priori é uma questão que tem a ver com perceber se
necessitamos de qualquer experiência adicional para
justificar a nossa crença de que os conceitos de
solteiro e de homem não -casado se aplicam ao mesmo
tipo de pessoa. A resposta é não. Não precisamos de
perguntar aos nossos amigos solteiros se são ou não
casados; temos justificação para acreditar que não o
são pelo simples facto de possuirmos os conceitos
relevantes.
Independente da experiência ?
O que conta com experiência (somente a experiência
perceptual).Nesse caso justificações derivadas da
experiência introspetiva e memorial contaria como a
priori. Poderia saber a priori que comi café da manhã
esta manhã ou estou com dor de cabeça ou com sede.
O uso estrito de “a priori justificação” significa
justificação derivada somente do uso da razão.
Portanto experiência nesse sentido envolve (memória,
introspeção e percepção).
Conhecimento a priori e a posteriori
Modalidades epistêmicas: a priori/a posteriori, que se
referem ao modo como uma dada verdade é conhecida. A
proposição é a priori (epistemicamente necessária), se o seu
valor de verdade é conhecido usando somente o raciocínio
sem recorrer à experiência; senão, ela é a posteriori.
“2 + 2 = 4’’ ou “ Todos os solteiros são não-casados’’ (a
priori),
Este livro é amarelo” ou “Metais dilatam com calor” (a
posteriori)

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