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Medidas de ocorrência: conhecendo a distribuicão ...

Duquia RP, Bastos JLD


NOTAS DE EPIDEMIOLOGIA E ESTATÍSTICA

Medidas de ocorrência:
conhecendo a distribuição de
agravos, doenças e condições de
saúde em uma população
Measuring disease occurrence:
understanding the distribution of
diseases and health conditions in a
defined population

RODRIGO PEREIRA DUQUIA1


JOÃO LUIZ DORNELLES BASTOS2

Dando continuidade às Notas de Epidemiologia tação de medidas de tratamento, prevenção e o


e Estatística deste periódico, abordaremos neste planejamento em saúde.
artigo um dos assuntos mais importantes em Essencialmente, podemos medir a ocorrência
epidemiologia básica: as medidas de ocorrência de uma doença ou condição de duas formas:
ou de freqüência. examinando um grupo de pessoas em um único
momento no tempo para identificar os acome-
tidos ou portadores de uma determinada ca-
1 MEDIDAS DE OCORRÊNCIA racterística em particular ou acompanhando um
grupo de indivíduos por um determinado pe-
As medidas de ocorrência são geralmen-
ríodo para avaliar o surgimento de novos casos.
te utilizadas para descrever a distribuição de
Para entender como medir a ocorrência de uma
doenças em uma população, o que permite iden-
doença ou condição, há necessidade de conhecer
tificar grupos de risco e sugerir explicações para
quatro conceitos matemáticos básicos:
as variações em suas freqüências. Com elas,
podemos também descrever outras caracterís- • RAZÃO: é a divisão de um número por
ticas da população em estudo como, por exemplo, outro. Varia de zero a mais infinito (+∞).
o tabagismo ou a adesão à prática de atividade Exemplo: Em uma determinada univer-
física regular. sidade, existem 22,5 alunos por sala de
Saber quantificar ou medir a ocorrência de aula.
um fenômeno adequadamente consiste em uma • PROPORÇÃO: compreende toda razão em
habilidade fundamental para o estudo de um que o numerador está contido no denomi-
determinado problema, agravo ou condição de nador. Varia de zero a um, quando
saúde. Tal conhecimento permite a implemen- expresso em termos absolutos ou de 0% a

1 Dermatologista, mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas. Serviço de dermatologia da PUCRS e HSCPOA.
2 Odontólogo, mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas.

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100%, quando expresso em termos relativos tipo de medida de freqüência se distingue da


ou percentuais. Exemplo: dos 50 alunos do prevalência para períodos, que será explicitada
curso de medicina, 10 apresentam asma, abaixo.
sendo que esta proporção pode ser expressa
por 0,2 ou 20%. b) Prevalência para períodos
• ODDS: palavra inglesa sem tradução ade- É a prevalência medida em um período de
quada para o Português, que se refere à tempo.1,2 Exemplo: Em um estudo realizado na
divisão do número ou probabilidade de cidade de Pelotas no ano de 2007, foi avaliada a
que um evento ocorra pelo número ou prevalência do uso de protetor solar durante o
probabilidade de que não ocorra. Ainda na trabalho em um período de 4 meses (dezembro
turma de medicina citada acima, para cada de 2005 a março de 2006).4 Isto significa dizer que,
estudante doente, pode haver quatro estu- no numerador desta prevalência, foram incluídos
dantes sadios, ou seja, o odds será igual a todos os indivíduos que utilizaram, ao menos
¼ ou 0,25. uma vez, protetor solar durante o período
• TAXA: refere-se à velocidade instantânea de estudado e, no denominador, foram conside-
uma mudança por unidade de tempo. Pode rados tanto os que não utilizaram protetor como
variar de zero a mais infinito (+∞). Observe aqueles que o fizeram. Assim, ao contrário da
que a taxa não mede a proporção da prevalência pontual, a prevalência para períodos
população afetada, mas a razão do número não considera apenas um ponto específico no
de casos pelo tempo em risco de apresentar tempo, mas abrange um período maior para seu
a doença. Exemplo: 5% da população afri- cálculo. Observe que para avaliação desta
cana morre a cada ano por uma causa prevalência, não houve um acompanhamento
específica. dos indivíduos durante os quatro meses, mas
uma simples identificação durante este período
Com base nos conceitos explicitados, co- do uso ou não do protetor solar.
mentaremos abaixo sobre as principais medidas
de ocorrência utilizadas em epidemiologia. c) Odds de prevalência
Em estudos como o que foi mencionado
1.1 Medidas estáticas acima, podemos também calcular o odds de
a) Prevalência prevalência. Para tanto, divide-se o número de
casos pelo número de não-casos, conforme
Informa a proporção de acometidos por uma
demonstrado na Tabela 1.1
doença ou outro problema de saúde em uma
determinada população em um dado momento
no tempo.1-3 Exemplo: A prevalência de indi- TABELA 1 – Avaliação do uso do protetor solar na
víduos portadores de HIV no dia 1 de julho de cidade de Pelotas.
2005 em uma determinada cidade é de 5%. Isto
N
significa que, nesta ocasião, 5% das pessoas
daquela cidade apresentavam o vírus HIV. Usaram protetor solar no verão 128
Para o cálculo da prevalência, utilizamos no Não usaram protetor solar no verão 296
numerador todos os indivíduos com HIV da Total 424
cidade e, no denominador, todos os indivíduos
que constituem a população desta cidade,
inclusive os acometidos pela condição em estudo.
Observe que a prevalência é uma proporção, pois Tomando ainda como referência o estudo
no seu cálculo o numerador estará sempre acima, observe que, para um mesmo estudo,
contido no denominador: o denominador da fração será sempre menor
quando utilizamos odds de prevalência do que
Número de casos quando utilizamos a prevalência.4 Desta forma,
Prevalência =
Total de indivíduos que constituem a população em estudo o odds será sempre maior que a prevalência em
um mesmo estudo. Essa medida de ocorrência é
Pelo fato de a prevalência mencionada acima pouco utilizada para descrever a ocorrência de
se referir a um ponto específico no tempo, ela é doenças em epidemiologia, mas está implícita
também denominada prevalência pontual. Este quando utilizamos alguns métodos estatísticos

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largamente adotados como, por exemplo, re- nado.1-3 Em outras palavras, ela estima o risco
gressão logística: médio de adoecimento em um grupo de indiví-
duos. A incidência cumulativa trabalha com
Odds de prevalência =
Número de casos populações fixas, ou seja, não há entrada ou saída
Número de não casos de novos indivíduos, depois de definida a po-
pulação em estudo e iniciado o acompanhamento
Exemplo: Em um estudo de base popula- de um grupo de pessoas. A interpretação da
cional realizado na cidade de Pelotas, 424 indi- incidência cumulativa é fácil de ser realizada em
víduos ficaram expostos ao sol em períodos de nível individual. Por exemplo, o risco de um
maior intensidade solar durante o trabalho. indivíduo ter um infarto do miocárdio dentro
Desses indivíduos, 128 referiram ter utilizado de 15 anos é de 20%. O cálculo da incidência
protetor solar. A prevalência do uso do protetor cumulativa é feito da seguinte forma:
solar nesta população foi de 30%.4 Já o odds de
Incidência Número de casos novos no decorrer do período
prevalência foi maior, conforme demonstrado =
cumulativa População exposta ao risco de adoecer no início do período
abaixo:
128
Prevalência do uso do protetor solar = = 0,3 = 30% Exemplo: Em uma determinada empresa,
424
foram admitidos 600 novos funcionários com
128 mais de 50 anos de idade. Na admissão, todos
Odds de prevalência de protetor solar = = 0,43 = 43%
296 coletaram sangue para medida de glicemia de
jejum, sendo que nenhum deles apresentava
Observe que o odds foi maior do que a diabetes mellitus. Esses 600 funcionários fizeram
prevalência. Se utilizarmos a prevalência para exames de glicemia a cada 3 meses, sendo
medir a ocorrência do uso de protetor solar, diagnosticados 60 novos casos de diabetes mellitus
obtemos um valor de 30%. Se utilizarmos o odds durante o acompanhamento do primeiro ano.
de prevalência, este valor sobe para 43%. Esta é Note que, no início do estudo, nenhum dos
uma forma utilizada por alguns autores de funcionários tinha diabetes, mas, no decorrer de
indústrias farmacêuticas para superestimar seus um ano, 60 desenvolveram a doença (Tabela 2).
achados. Neste caso, a incidência cumulativa foi de
1.2 Medidas dinâmicas 60
= 0,1 = 10%
600
1.2.1 Incidência
no primeiro ano de acompanhamento.
A incidência de uma doença ou agravo é
definida como o número de casos novos que
b) Densidade de incidência
surgem durante um período específico de tempo
em uma população em risco de desenvolver tal A densidade de incidência, ao contrário,
doença.3 trabalha com populações dinâmicas. Ao contrário
É uma medida dinâmica, que leva em con- da incidência cumulativa, seu cálculo permite o
sideração a dimensão tempo. Os casos novos são ingresso ou a saída de novos indivíduos após o
aqueles que, no início do estudo, não apresen- início do acompanhamento.1-3 A densidade de
tavam a doença e que, no decorrer do incidência é uma medida de velocidade, expressa
acompanhamento, desenvolveram-na. Dessa na forma de taxa. Ao contrário da incidência
forma, o numerador será constituído pelos casos cumulativa, sua interpretação é difícil em nível
novos. Por sua vez, o denominador pode variar, individual.
a depender do tipo de medida de incidência que O denominador para o cálculo da densidade
estamos adotando, ou seja, incidência cumulativa de incidência é composto pelo número de
ou densidade de incidência. indivíduos livres de doença, multiplicado pelo
tempo em risco com que cada um deles con-
a) Incidência cumulativa ou risco tribuiu no período observado.
A incidência cumulativa é uma proporção Às vezes, contabilizar o período que cada
que estima o risco de desenvolvimento de uma indivíduo permaneceu em risco de apresentar o
doença ou problema de saúde em uma popu- desfecho pode ficar muito trabalhoso e demo-
lação, durante um período de tempo determi- rado. Desta forma, podemos utilizar uma apro-

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ximação chamada de população na metade do semelhante às demais medidas de ocorrência,


período. Neste caso, o denominador para o cálculo sendo diferenciadas apenas pelo desfecho, que
da densidade de incidência é constituído pelo sempre será morte.
número de indivíduos que não desenvolveram a
doença em estudo no final do período observado a) Coeficiente de mortalidade
mais a metade dos indivíduos que apresentaram (taxa ou densidade de mortalidade)
o desfecho. Essa medida é equivalente à densidade de
Na Tabela 2, partindo da premissa de que o incidência, ou seja, é calculada pelo número de
risco de adoecer seja constante ao longo do mortes por determinada ou por qualquer doen-
tempo, o denominador da densidade de inci- ça dividido pela população-tempo em risco de
dência é constituído pelos indivíduos que não morrer.1,2
desenvolveram a doença no período estudado,
mais a metade dos indivíduos que desenvol- b) Mortalidade cumulativa
veram a doença. Esse número expressaria o Da mesma forma que a incidência cumu-
tempo em risco com que cada um dos indivíduos lativa, a mortalidade cumulativa é obtida pela
participantes contribuiu no período observado. divisão do número de óbitos pela população
Observe que para o cálculo da densidade de em risco de morrer no início do período de es-
incidência e da incidência cumulativa utilizamos tudo.1,2
denominadores diferentes. Para melhor com-
preensão, demonstramos na Tabela 2 os cálculos c) Mortalidade proporcional
da densidade de incidência e da incidência Esta é uma medida de ocorrência muito
cumulativa. utilizada em locais onde dados de informação
sobre saúde são escassos ou de qualidade duvi-
2 MEDIDAS DE MORTALIDADE dosa. Isto porque mesmo em locais onde a esta-
tística sobre saúde é precária, existem informa-
Existem ainda as medidas de mortalidade. ções sobre o número e a causa do óbito, mas não
Muitas dessas medidas são calculadas de forma se dispõe dos denominadores populacionais.

TABELA 2 – Cálculo das medidas de incidência cumulativa e densidade de incidência a partir de uma situação
hipotética.

Número de
Início de cada Final de indivíduos Densidade de Incidência
Ano Período avaliado
ano cada ano acometidos ao incidência cumulativa
longo do tempo

Período de um ano

600 indivíduos 540 indivíduos 60 60


1 Sadios sadios 60 = 0,11% = 0,10%
570 600
60 indivíduos desenvolveram a doença
durante o ano

Período de um ano

540 indivíduos 500 indivíduos 40 100


2 Sadios sadios 60+40=100 = 0,08 % = 0,17 %
520 600
40 indivíduos desenvolveram a doença
durante o ano

Período de um ano

500 indivíduos 470 indivíduos 30 130


3 Sadios sadios 100+30=130 = 0,06 % = 0,21%
485 600
40 indivíduos desenvolveram a doença
durante o ano

Período de um ano

470 indivíduos 450 indivíduos 20 150


4 Sadios sadios 130+20=150 = 0,04 % = 0,25 %
460 600
20 indivíduos desenvolveram a doença
durante o ano

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Para este cálculo, utilizamos no numerador o 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS


número de óbitos por uma determinada causa e
no denominador o número total de óbitos.1,2 O conhecimento das propriedades das me-
Exemplo: Em uma cidade morreram 100 indiví- didas de ocorrência é fundamental para con-
duos em um ano, sendo que 10 deles faleceram fecção e interpretação adequada dos dados de um
por doenças cardiovasculares. Desta forma a determinado estudo. A informação obtida com
mortalidade proporcional por doença cardiovas- cada tipo de medida de ocorrência apresenta
cular é de 10%. características específicas, que determinam uma
utilização muito particular de cada uma delas. As
propriedades de cada medida de ocorrência não
3 MEDIDAS DE LETALIDADE devem ser de conhecimento dos pesquisadores
A letalidade é uma medida de freqüência apenas, mas sim de todos aqueles que se pro-
onde todos os indivíduos em estudo estiveram põem a melhor compreender estudos epide-
ou estão doentes.1,2 Da mesma forma do que nas miológicos e aplicar seus resultados em sua
outras medidas de ocorrência, podemos calcular prática diária, tanto em nível individual quanto
a densidade de letalidade e a letalidade cumu- coletivo.
lativa. Essas medidas nos trazem informações
sobre a gravidade de uma determinada doença, REFERÊNCIAS
informando-nos a respeito da velocidade com
1. Rothman KJ, Greenland S. Modern epidemiology. 2ª ed.
que os doentes morrem. Lippincott: Raven; 1998.
2. Medronho RA. Epidemiologia. 1ª ed. São Paulo: Athe-
a) Densidade de letalidade neu; 2004.
É calculada pela divisão do número de mortos 3. Gordis L. Epidemiology. 3ª ed. Baltimore: Elsevier
pela população-tempo em risco de morrer, onde Saunders; 2004.
4. Duquia RP, Baptista Menezes AM, Reichert FF, de
somente contribuem para este cálculo os acome-
Almeida HL, Jr. Prevalence and associated factors with
tidos pela doença em estudo.1,2 sunscreen use in Southern Brazil: A population-based
study. J Am Acad Dermatol. 2007;57(1):73-80.
b) Letalidade cumulativa
É calculada através da divisão do número de Endereço para correspondência:
RODRIGO PEREIRA DUQUIA
mortes pelo o número de doentes no início do Rua Engenheiro Alfredo Corrêa Daudt, 205
CEP 90480-120, Porto Alegre, RS, Brasil
estudo.1,2 E-mail: rodrigoduquia@terra.com.br

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