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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ref. Processo:
XXXXXXXXXX, brasileira, solteira, manicure, portador da cédula de identidade R.G. nº
XXXXXX, e inscrito no CPF nº XXXXXXX, residente e domiciliado na Rua XXXXXXXXX, Sã o
Paulo - SP, por seu advogado e bastante procurador que esta subscreve, XXXXXXXXX,
brasileiro, solteiro, OAB/XXXXXXX, escritó rio na rua XXXXXXXX, com procuraçã o anexa
(Doc.), vem respeitosamente a presença de Vossa Excelência, impetrar ordem de
HABEAS CORPUS (COM EXPRESSO PEDIDO DE CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM)
, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII da Constituiçã o Federal, e os artigos 654, § 1º,
alínea b do Có digo de Processo Penal e bem como na decisã o recente do STF sobre o HC
143641/SP, figurando como autoridade coatora a 3ª Câ mara Criminal do TJ-SP, pelos fatos
e razõ es a seguir expostos:

DOS FATOS
A paciente foi condenada em primeira e em segunda instancia a 5 anos de pena por ter
praticado crime de Trá fico de Drogas e Condutas Afins, tipificado no artigo Art. 33 "caput"
do (a) SISNAD.
Sabendo que devido algumas decisõ es judiciais o risco da paciente ser presa apó s segunda
instancia é alto, mesmo ferindo a presunçã o de inocência e a mesma sendo mã e de uma
criança menor de 12 anos, possuindo até moradia pró pria, eis que foi impetrado o Habeas
Corpus Preventivo no TJ-SP de nú mero 2090600-72.2019.0000, porém foi negado o seu
direito tanto a liberdade quanto a prisã o domiciliar, que era um direito da mesma.
Dessa forma a paciente, que ainda confia nos seus direitos, na devida justiça, vem até Vossa
Excelência buscar o que pleiteia através desse HABEAS CORPUS. A tentativa é de conseguir
novamente seu direito à prisã o domiciliar que é dela por direito.
DO DIREITO
A Constituiçã o Federal, ampara o pleito do paciente em seus artigos 5º, inciso LXVIII,
quando diz que:
"Art. 5º. Todos sã o iguais perante a lei, sem distinçã o de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança, e a propriedade, nos termos seguintes:
LVII - Ninguem será considerado culpado até o trâ nsito em julgado de sentença penal
condenató ria;
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coaçã o em sua liberdade de locomoçã o, por ilegalidade ou abuso de
poder;"
O Có digo de Processo Penal nos seus dispositivos, fala que:
"Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de
outrem, bem como pelo Ministério Pú blico.
§ 1º - A petiçã o de habeas corpus conterá :
b) a declaraçã o da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coaçã o, as
razõ es em que funda o seu temor;"
Recentemente o STF decidiu sobre o tema:
Ementa: HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA BRASILEIRA DO
HABEAS CORPUS. MÁ XIMA EFETIVIDADE DO WRIT. MÃ ES E GESTANTES PRESAS.
RELAÇÕ ES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁ VEIS.
ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃ O. EMPREGO DE REMÉ DIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS.
LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃ O ANALÓ GICA DA LEI 13.300/2016. MULHERES
GRÁ VIDAS OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕ ES PREVENTIVAS CUMPRIDAS EM
CONDIÇÕ ES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃ O DE CUIDADOS MÉ DICOS
PRÉ -NATAL E PÓ S-PARTO. FALTA DE BERÇARIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF. SISTEMA
PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO
ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃ O. DETENÇÕ ES CAUTELARES
DECRETADAS DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁ VEL. INCAPACIDADE DO ESTADO DE
ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS À S ENCARCERADAS. OBJETIVOS DE
DESENVOLVIMENTO DO MILÊ NIO E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁ VEL DA
ORGANIZAÇÃ O DAS NAÇÕ ES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA
INFÂ NCIA. APLICAÇÃ O À ESPÉ CIE. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃ O DE OFÍCIO. I –
Existência de relaçõ es sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estã o a exigir
soluçõ es a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir
lesõ es a direitos de grupos vulnerá veis. II – Conhecimento do writ coletivo homenageia
nossa tradiçã o jurídica de conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico,
conhecida como doutrina brasileira do habeas corpus. III – Entendimento que se amolda ao
disposto no art. 654, § 2º, do Có digo de Processo Penal - CPP, o qual outorga aos juízes e
tribunais competência para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso de
processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coaçã o ilegal. IV –
Compreensã o que se harmoniza também com o previsto no art. 580 do CPP, que faculta a
extensã o da ordem a todos que se encontram na mesma situaçã o processual. V -
Tramitaçã o de mais de 100 milhõ es de processos no Poder Judiciá rio, a cargo de pouco
mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza
coletiva para emprestar a má xima eficá cia ao mandamento constitucional da razoá vel
duraçã o do processo e ao princípio universal da efetividade da prestaçã o jurisdicional VI -
A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada à queles
listados no art. 12 da Lei 13.300/2016, por analogia ao que dispõ e a legislaçã o referente ao
mandado de injunçã o coletivo. VII – Comprovaçã o nos autos de existência de situaçã o
estrutural em que mulheres grá vidas e mã es de crianças (entendido o vocá bulo aqui em
seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art.
2º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) estã o, de fato, cumprindo prisã o
preventiva em situaçã o degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pó s-parto,
inexistindo, outrossim berçá rios e creches para seus filhos. VIII – “Cultura do
encarceramento” que se evidencia pela exagerada e irrazoá vel imposiçã o de prisõ es
provisó rias a mulheres pobres e vulnerá veis, em decorrência de excessos na interpretaçã o
e aplicaçã o da lei penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de
outras soluçõ es, de cará ter humanitá rio, abrigadas no ordenamento jurídico vigente. IX –
Quadro fá tico especialmente inquietante que se revela pela incapacidade de o Estado
brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até mesmo à s mulheres que
nã o estã o em situaçã o prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”, julgado pelo
Comitê para a Eliminaçã o de todas as Formas de Discriminaçã o contra a Mulher das Naçõ es
Unidas. X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saú de
materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentá vel nº 5 (alcançar a igualdade de
gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da Organizaçã o das Naçõ es
Unidades, ao tutelarem a saú de reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o
pleito formulado na impetraçã o. X – Incidência de amplo regramento internacional relativo
a Direitos Humanos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser
priorizada soluçã o judicial que facilite a utilizaçã o de alternativas penais ao
encarceramento, principalmente para as hipó teses em que ainda nã o haja decisã o
condenató ria transitada em julgado. XI – Cuidados com a mulher presa que se direcionam
nã o só a ela, mas igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as
consequências da prisã o, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituiçã o, cujo teor
determina que se dê prioridade absoluta à concretizaçã o dos direitos destes. XII – Quadro
descrito nos autos que exige o estrito cumprimento do Estatuto da Primeira Infâ ncia, em
especial da nova redaçã o por ele conferida ao art. 318, IV e V, do Có digo de Processo Penal.
XIII – Acolhimento do writ que se impõ e de modo a superar tanto a arbitrariedade judicial
quanto a sistemá tica exclusã o de direitos de grupos hipossuficientes, típica de sistemas
jurídicos que nã o dispõ em de soluçõ es coletivas para problemas estruturais. XIV – Ordem
concedida para determinar a substituiçã o da prisã o preventiva pela domiciliar - sem
prejuízo da aplicaçã o concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP -
de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mã es de crianças e deficientes, nos
termos do art. 2º do ECA e da Convençã o sobre Direitos das Pessoas com Deficiências
(Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo
DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condiçã o, excetuados os
casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus
descendentes ou, ainda, em situaçõ es excepcionalíssimas, as quais deverã o ser
devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. XV – Extensã o da
ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mã es de
crianças e de pessoas com deficiência, bem assim à s adolescentes sujeitas a medidas
socioeducativas em idêntica situaçã o no territó rio nacional, observadas as restriçõ es acima.
(HC 143641, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em
20/02/2018, PROCESSO ELETRÔ NICO DJe-215 DIVULG 08-10-2018 PUBLIC 09-10-2018)
Com o advento da Lei nº 13.257/16, restou esvaziado o conteú do normativo do inciso III,
porque o inciso V ampliou a possibilidade de prisã o domiciliar para a mulher com filho de
até 12 (doze) anos. Eis o atual teor do art. 318 do Có digo de Processo Penal no ponto em
aná lise:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente
for:
(...)
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou
com deficiência;
IV – gestante (redaçã o dada pela Lei 13.257/16);
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (redaçã o dada pela
Lei 13.257/16).
(...)
Pará grafo ú nico. Para a substituiçã o, o juiz exigirá prova idô nea dos requisitos
estabelecidos neste artigo. (redaçã o dada pela Lei 13.257/16)
Informo a Vossa Excelência, que a paciente tem um relacionamento em uniã o está vel com
quem mora, tem filho, trabalha como autô noma e tem residência fixa, fazendo prova pelos
documentos anexados (docs.).
Assim fica demonstrado que o paciente idô neo, possuindo excelente conduta social, nunca
tendo sido processado anteriormente.
Vossa Excelência analise a situaçã o a seguir sobre o fato da paciente ser mã e de uma
criança menor de 12 anos.

PROTEÇÃO DAS VIDAS EM JOGO (CRIANÇA) NO DIREITO CONSTITUCIONAL


BRASILEIRO E NO DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS:
A CONVENÇÃ O SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA foi internalizado ao direito pá trio por
meio do Decreto nº 99.710/90 e, dentre outros preceitos, estabelece os seguintes:
Art. 2º, item 2: Os Estados Partes tomarã o todas as medidas apropriadas para
assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminaçã o ou castigo por causa
da condiçã o, das atividades, das opiniõ es manifestadas ou das crenças de seus pais,
representantes legais ou familiares.
Art. 3º, item 1: Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituiçõ es
pú blicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou ó rgã os
legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.
Art. 9º, item 1: Os Estados Partes deverã o zelar para que a criança não seja separada
dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisã o judicial, as
autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos
legais cabíveis, que tal separaçã o é necessá ria ao interesse maior da criança. Tal
determinaçã o pode ser necessá ria em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a
criança sofre maus tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem
separados e uma decisã o deve ser tomada a respeito do local da residência da criança.
Art. 24, item 1: Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor
padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à
recuperaçã o da saú de. Os Estados Partes envidarã o esforços no sentido de assegurar que
nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitá rios.”
Art. 24, item 2: Os Estados Partes garantirã o a plena aplicaçã o desse direito e, em especial,
adotarã o as medidas apropriadas com vistas a:
a) reduzir a mortalidade infantil;
b) assegurar a prestaçã o de assistência médica e cuidados sanitá rios necessá rios a todas as
crianças, dando ênfase aos cuidados bá sicos de saú de;
c) combater as doenças e a desnutriçã o dentro do contexto dos cuidados bá sicos de saú de
mediante, inter alia, a aplicaçã o de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos
nutritivos e de á gua potá vel, tendo em vista os perigos e riscos da poluiçã o ambiental;
d) assegurar à s mã es adequada assistência pré-natal e pós-natal;
e) assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças,
conheçam os princípios bá sicos de saú de e nutriçã o das crianças, as vantagens da
amamentaçã o, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevençã o de
acidentes, e tenham acesso à educaçã o pertinente e recebam apoio para a aplicaçã o desses
conhecimentos;
f) desenvolver a assistência médica preventiva, a orientaçã o aos pais e a educaçã o e
serviços de planejamento familiar.”

A Constituiçã o Cidadã , por sua vez, no seu artigo 227 estipula que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saú de, à alimentaçã o, à educaçã o,
ao lazer, à profissionalizaçã o, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitá ria, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redaçã o dada Pela
Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
Também o Estatuto da Criança de do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) determina que:
Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a
condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua
família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
DAS ALTERNATIVAS AO APRISIONAMENTO DA MULHER MÃE DE CRIANÇA MENOR DE
12 ANOS E DEVER ESTATAL DE PROTEÇÃO DIFERENCIADA DAS ESPECIFICIDADES DE
GÊNERO:
Na busca por reverter a dramá tica realidade carcerá ria nacional, o Conselho Nacional de
Justiça, o Ministério da Justiça e o pró prio Supremo Tribunal Federal têm adotado medidas
integradas para minimizar os danos do encarceramento em massa, com a adoçã o de
relevantes medidas, tais como as audiências de custó dia, que têm possibilitado maior apuro
na aná lise da necessidade-adequaçã o da prisã o preventiva, ampliando a aplicaçã o de
medidas cautelares diversas da prisã o.
Para tanto, prescinde-se de esforço interpretativo, uma vez que o pró prio legislador, na
reforma processual promovida pela Lei n.º 12.403/11, aumentou o rol de medidas
cautelares substitutivas da prisã o e previu, inclusive, hipó tese expressa destinada à presa
que tem sob os seus cuidados criança menor de seis anos de idade. Com o advento da Lei
nº 13.257/16, restou esvaziado o conteúdo normativo do inciso III, porque o inciso V
ampliou a possibilidade de prisão domiciliar para a mulher com filho de até 12
(doze) anos.
Comentando o dispositivo, PAOLO VERCELONE, Presidente da Associaçã o Internacional de
Juízes de Menores e de Família, na obra organizada por MUNIR CURY, Des. ANTÔ NIO
FERNANDO DO AMARAL E SILVA e EMÍLIO GARCÍA MENDEZ, Estatuto da Criança e do
Adolescente Comentado: comentá rios jurídicos e sociais, Sã o Paulo: Malheiros, 1992,
explica:
Os princípios afirmados no artigo sã o três: a) crianças e adolescentes gozam de todos os
direitos fundamentais assegurados a toda pessoa humana; b) eles têm direito, além disso, à
proteçã o integral que é a eles atribuída por este Estatuto; c) a eles sã o garantidos também
todos os instrumentos necessá rios para assegurar seu desenvolvimento físico, mental,
moral e espiritual, em condiçõ es de liberdade e dignidade. A primeira regra contém
implicitamente a afirmaçã o da plena capacidade jurídica do cidadã o menor de idade quanto
aos direitos fundamentais. O fato de estar física e psiquicamente imaturo nã o exclui a
perfeita correspondência entre a situaçã o jurídica da criança e do adolescente e a situaçã o
jurídica do adulto no que diz respeito aos direitos fundamentais, os quais podem ser
identificados basicamente nos direitos da personalidade seja em relaçã o ao Estado, seja em
relaçã o aos outros cidadã os. A segunda regra reforça a primeira, no sentido de que o
legislador afirma a plena compatibilidade entre a titularidade dos direitos fundamentais e a
proteçã o integral. Deve-se entender a proteção integral como o conjunto de direitos
que são próprios apenas dos cidadãos imaturos; estes direitos, diferentemente
daqueles fundamentais reconhecidos a todos os cidadãos, concretizam-se em
pretensões nem tanto em relação a um comportamento negativo (abster-se da
violação daqueles direitos) quanto a um comportamento positivo por parte da
autoridade pública e dos outros cidadãos, de regra dos adultos encarregados de
assegurar esta proteção especial. Em força da proteção integral, crianças e
adolescentes têm o direito de que os adultos façam coisas em favor deles. A terceira
regra, aná loga a outras das Constituiçõ es modernas (como o art. 3 o , c. 2, da Constituiçã o
italiana), posto que liberdade e dignidade sã o os bens mais preciosos de toda pessoa
humana, impõ e à coletividade a eliminaçã o de qualquer obstá culo que, limitando de fato a
liberdade e a igualdade dos cidadã os, impeça o pleno desenvolvimento da pessoa humana.
(p. 17/18).
(...)
JOSÉ CARLOS DIAS explica:
Vê-se, desde logo, que muitos dos dispositivos protegem nã o só os adultos, mas, também, a
criança e ao adolescente. Exemplo de garantia constitucional voltada à proteçã o da criança.
É que, afastado do amor e carinho maternos, o infante estaria sendo penalizado em
sua educação e desenvolvimento, pois é sabido que, especialmente em tenra idade,
as crianças adquirem impressões sobre o certo e o errado, acostumam-se com o
ambiente em sua volta e tomam-no como padrão. É nesta fase que os indivíduos
entranham em seus caráteres o modelo de relacionamento que têm com os pais, seja
de amor ou desamor, de contato intenso ou inexistente, e que transportam para a
vida toda, com as consequências que isso pode ter, conforme ressalta a psicóloga e
professora universitária de São Paulo, Dra. DIRCE MARIA BENGEL DE PAULA: A
criança reage ao ambiente de forma reflexa no início de sua vida. Estes
comportamentos reflexos vão diminuindo de intensidade, o que auxiliará o
profissional da área de saúde em seu diagnóstico em relação à normalidade ou
patologia neurológica. A criança é totalmente dependente do indivíduo que assume
seus cuidados. A ligação inicial da criança com o adulto que dela cuida exige total
integração; caso contrário, o adulto não conseguirá entender o comportamento
manifesto da criança, impedindo que esta encontre satisfação de suas necessidades.
Este primeiro período do desenvolvimento infantil é de extrema importância no que
concerne às ligações afetivas futuras estabelecidas pela criança, tanto no plano
individual quanto no grupal. É o protótipo da relação afetiva adulta. Se o adulto que
dela cuida conseguir ser-lhe continente nos momentos de desconforto, o ambiente
passará a ser visto pela criança como um objeto satisfatório, onde as relações
estarão sendo sempre ampliadas, e ela investirá mais positivamente no mesmo. O
aspecto do desenvolvimento cognitivo enfatiza o comportamento de exploração ao
ambiente pela criança, ampliando sua percepção e cognição em relação às pessoas e
coisas com as quais mantém interação. Imita, repete eventos produzidos
acidentalmente, ao mesmo tempo em que desenvolve o conceito de objeto, tão
necessário para o estabelecimento de ligações afetivas. A criança, quando adquire a
noção da constância do objeto afetivo, principalmente em relação à mãe ou
substituta da mesma, pode estabelecer com a mesma uma ligação individual. Quanto
à cognição, as reações do tipo reflexo passam a ser orientadas para metas que
possibilitam uma maior exploração e assimilação do ambiente que circunda a
criança. O estímulo oferecido pelo ambiente no sentido de auxiliar o alcance dessas
metas estabelecidas pela criança será percebido por ela como incentivo positivo e a
busca de gratidão será mais facilmente alcançada. Próximo aos dois anos a criança já
tem condições de formar representações mentais de ações passadas, podendo imitá-
las e criando novos meios de resolver os problemas encontrados no percurso de
realização de uma meta, combinando mentalmente esquemas e conhecimentos
anteriormente adquiridos. Neste aspecto, o comportamento adulto passa a ser
assimilado com maior intensidade como um modelo do mundo que a cerca. A forma
como este for assimilado implica em como a criança se comportará numa relação
extrafamiliar, e mesmo o modelo introjetado será reproduzido enquanto adulto,
evidentemente respeitando suas próprias condições mentais, que lhe são inatas.
Embora a criança não possa ser vista como uma tábula rasa onde o adulto
incrustaria seus desejos, ela é fortemente influenciada pelo meio onde estabelece
suas primeiras relações afetivas, por serem estas as primeiras experiências tidas
enquanto indivíduo em formação. (in Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado:
comentá rios jurídicos e sociais. Organizado por Munir Cury e outros. Sã o Paulo: Malheiros,
1992. p. 211/212)
(...)
Não pode o Estado, a quem compete o dever de assistência, cuidado e proteção das
crianças e adolescentes, através de seu Poder Judiciário, quedar inerte diante da
excepcional condição em que se encontra a paciente, de forma a concorrer, pela
omissão, com a situação de risco de ofensa à integridade física ou mental a que se
submeteria seu filho, com os potenciais danos psicológicos que tal situação poderia
acarretar.
(...)
Desse modo, melhor que se permita à paciente cuidar de seu filho com tranquilidade,
livre do ambiente nocivo do cárcere, sem, porém, furtar-se à eventual aplicação da
lei penal e à devida instrução do processo a que responde, mais em atenção ao
inocente infante do que a si própria, de forma que não se contamine a saúde ou a
personalidade do recém-nascido, razã o pela qual é de conceder-se habeas corpus de
ofício para determinar que aguarde em prisã o domiciliar o julgamento da açã o penal a que
responde, forte nos arts. 1º, III, da CF, e 318, III, da Lei 12.403/2011 (...).”
(STJ. 5ª Turma, unâ nime, j.06/12/2011).
Nesse sentido, à luz das normas constitucionais e de Direito Internacional de Direitos
Humanos acima elencadas, deve ser afastada a imposição de prisão preventiva à
Defendente, garantindo-lhe o direito de apelar, senão em liberdade, ao menos em
prisão domiciliar. Tudo como forma de preservar a convivência familiar digna ( ECA, art.
19) junto à criança, na medida em que esta é pessoa em desenvolvimento ( ECA, art. 6º) e
deve ter assegurada, com absoluta prioridade, proteçã o à vida, à saú de e à convivência
familiar ( CR, art. 227), sob pena de total banalizaçã o da indignidade no sistema penal
paulista.
Recentemente o STF decidiu sobre o tema:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL
PENAL. PACIENTE MÃ E DE FILHOS MENORES DE 12 ANOS DE IDADE. ACUSADA
REINCIDENTE. PRISÃ O DOMICILIAR COM FUNDAMENTO NO ART. 318 DO CPP.
POSSIBILIDADE. APLICAÇÃ O DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO HC
COLETIVO 143.641/SP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A
decisã o de primeiro grau de jurisdiçã o que indeferiu a prisã o domiciliar à paciente, mã e de
duas crianças menores de 12 anos de idade, uma com pouco mais de 8 meses de idade e
outra com 2 anos e 8 meses de idade, destoa das diretivas constantes do Habeas Corpus
coletivo 143.641/SP. II – Apesar de o juízo de primeiro grau ter aludido à reincidência da
paciente, penso que tal circunstâ ncia, por si só , nã o pode ser ó bice à concessã o da prisã o
domiciliar. A lei é expressa sempre que a reincidência é circunstâ ncia apta a agravar a
situaçã o da pessoa envolvida na persecuçã o penal, e este nã o é o caso da concessã o da
prisã o domiciliar prevista no art. 318 do Có digo de Processo Penal. III – A acusaçã o nã o diz
respeito a crime praticado mediante violência ou grave ameaça, nem contra os
descendentes, e que nã o estã o presentes circunstâ ncias excepcionais que justificariam a
denegaçã o da ordem ou mesmo que recomendariam cautela. IV – Agravo regimental a que
se nega provimento. (HC 164368 AgR, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda
Turma, julgado em 22/02/2019, PROCESSO ELETRÔ NICO DJe-041 DIVULG 27-02-2019
PUBLIC 28-02-2019)
A paciente tem um filho menor de 12 anos como constam nos documentos em anexo e faz
jus de tal benefício.
DA LIMINAR
No caso concreto, estã o presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, pois nã o é
razoá vel a demora imotivada na prestaçã o jurisdicional da qual a paciente está sendo
imposta no â mbito da execuçã o penal, em favor do paciente que deixará de acompanhar o
crescimento do seu filho e cria-lo da maneira como merece para cumprir sua pena imposta
num sistema penitenciá rio "totalmente falido" , como bem enfatizou a Ministra do E.
Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon; dividindo uma cela com mais de 10
pessoas, apesar de a Lei de Execuçã o Penal prever o alojamento em cela individual com
á rea mínima de seis metros quadrados.
Indiscutivelmente, o sistema de execuçã o da pena em ambiente carcerá rio para essa
paciente nã o seria justo tem uma criança pequena para criar, protegida assim pela
Constituiçã o Federal, pelo Có digo de Processo Penal e pelas jurisprudências dos tribunais
superiores.
Enfim, pode-se dizer que o direito à prisã o domiciliar tem funcionado como uma
verdadeira vá lvula de segurança e contribuído para impedir a implosã o desta sinistra
caldeira de maldade humana em que se transformou nosso combalido sistema
penitenciá rio.
Assim sendo, impõ e-se a CONCESSÃ O DE MEDIDA LIMINAR, para determinar com absoluta
urgência, o pedido de conversã o em prisã o domiciliar.
PEDIDO
Por todo o exposto, tendo provado a procedência de seu justo receio, requer à Vossa
Excelência, a expediçã o de salvo conduto que conceda a liminar concedendo a conversã o
em prisã o domiciliar na forma do art. 318, V do Código de Processo Penal e da decisão
recente do STF sobre o HC 143641/SP, sob pena de responsabilizaçã o pessoal,
expedindo-se o competente ALVARÁ DE SOLTURA, sendo feitas as comunicaçõ es
necessá rias à ilustre autoridade coatora e à a autoridade judiciá ria de plantã o, tudo por ser
de JUSTIÇA.
Nestes termos
Pede deferimento
Sã o Paulo/SP, xx, de xxxxxx, de 2019.
Advogado
OAB

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