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Manual do Curso de Licenciatura em Educação Física e Desporto

Introdução ao Pensamento
Contemporâneo
Universidade Católica de Moçambique
Centro de Ensino à Distância
Introdução ao Pensamento Contemporâneo i

Direitos de autor
Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique, Centro de Ensino à Distância
(CED) e contém reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste manual, no
seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico,
gravação, fotocópia ou outros) sem permissão expressa da entidade editora (Universidade Católica de
Moçambique-Centro de Ensino à Distância). O não cumprimento desta advertência é passível a
processos judiciais.

Docente: Bridgette Simone Bruce (Mestre em Educação/Ensino de EF e Desporto) e Djossefa Jose Nhantumbo
(Licenciado em EF e Desporto e Mestrando em Educação/Ensino de EF e Desporto)

Docente da Univesidade Católica de Moçambique – Centro de Ensino à Distância


Universidade pedagogica de Mocambique - Beira

Universidade Católica de Moçambique


Centro de Ensino à Distância
82-5018440
23-311718
82-4382930
Moçambique

Fax:
E-mail: eddistsofala@teledata.mz
Website: www. ucm.mz
Introdução ao Pensamento Contemporâneo ii

Agradecimentos
Agradeço a colaboração dos seguintes indivíduos e instituições na elaboração deste manual:

Pelo meu envolvimento nas equipas do CED


Universidade Católica de Moçambique
como Colaborador, na área de Educação
Centro de Ensino à Distância.
Física e Desporto.
À Coordenação do Curso de Educação Física Pela contribuição e enriquecimentos ao
e Desporto. conteúdo
Ao coordenador: Meste Bridgette Simone Pela facilitação, orientação e prontidão
Bruce durante a concepção do presente manual.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo iii

Visão geral 5
Bem vindo ao Ensino de Introdução ao Pensamento Contemporâneo 2º Ano ................. 5
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................... 6
Como está estruturado este módulo .................................................................................. 6
Ícones de actividade .......................................................................................................... 7
Habilidades de estudo ....................................................................................................... 7
Precisa de apoio? .............................................................................................................. 7
Tarefas (avaliação e auto-avaliação)................................................................................. 8
Avaliação .......................................................................................................................... 8

Unidade nº 1 9
Introdução ao Pensamento Contemporâneo ..................................................................... 9
Sumário ........................................................................................................................... 12
Exercícios 1..................................................................................................................... 12

Unidade nº 2 13
O Pensamento em Ciências do Desporto (abordagem filosófica) .................................. 13
Sumário ........................................................................................................................... 25
Exercício 2 ...................................................................................................................... 25

Unidade nº 3 26
O Pensamento em Ciências do Desporto (abordagem estética) ..................................... 26
Sumário ........................................................................................................................... 40
Exercício 3 ...................................................................................................................... 41

Unidade nº 4 42
Plástica e Pensamento do Corpo Contemporâneo .......................................................... 42
Sumário ........................................................................................................................... 58
Exercício 4 ...................................................................................................................... 59
Bibliografia ..................................................................................................................... 60
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 5

Visão geral
A Cadeira de Introdução ao Pensamento Contemporâneo foi introduzida para os
Formandos, que, na sua maioria, são já Professores do EP e/ou do ESG. Começa
nestas Presenciais, para, segundo o seu propósito, desenvolver uma forma
inovadora de estar e ser, conhecer e aplicar a mesma. Nesta cadeira vamos falar
de uma forma geral do pensamento contemporãneo ligado ao desporto
(abordagens filosóficas e estéticas).

Bem vindo ao Ensino de


Introdução ao Pensamento
Contemporâneo 2º Ano
Pretendemos que este módulo seja um contributo para que os
aprendentes adquiram um conhecimento aprofundado da cadeira de
Introdução ao Pensamento Contemporâneo.

Quando terminares o estudo da Introdução ao Pensamento


Contemporâneo 1 – 2º Ano, o formando será capaz de:

1. Fornecer as grandes linhas do Pensamento Contemporâneo.


2. Adequar o Pensamento Contemporâneo às questões colocadas pelas
Ciências do Desporto.
3. Perceber a Estética como um argumento hipervisibilizador do
Objectivos Desporto.
4. Entender o Desporto na perspectiva de uma ecologia cultural do
Corpo Humano.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 6

Quem deveria estudar este


módulo
Este Módulo foi concebido para os estudantes do 2º ano do curso
de Licenciatura em Educação Física e Desporto.

Como está estruturado este


módulo
Todos os módulos dos cursos produzidos por CED - UCM encontram-
se estruturados da seguinte maneira:
Páginas introdutórias
 Um índice completo.
 Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os
aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo.
Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de
começar o seu estudo.

Conteúdo do curso / módulo


O curso está estruturado em unidades. Cada unidade incluirá uma
introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo
actividades de aprendizagem, e uma ou mais actividades para auto-
avaliação.

Outros recursos
Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma
lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos podem
incluir livros, artigos ou sites na internet.

Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação


Tarefas de avaliação para este módulo encontram-se no final de cada
unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para
desenvolver as tarefas, assim como instruções para as completar. Estes
elementos encontram-se no final do modulo.

Comentários e sugestões
Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários
sobre a estrutura e o conteúdo do curso / módulo. Os seus comentários
serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este curso / módulo.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 7

Ícones de actividade
Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens
das folhas. Estes icones servem para identificar diferentes partes do
processo de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de
texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo
Caro Estudante, antes de mais o ensino à distância requer
de ti uma grande responsabilidade, ou seja, é necessário que
tenhas interesse em estudar, porque o teu estudo é ‘auto-
didáctico’. Entretanto, vezes há em que te acharás possuidor de
muito tempo, enquanto, na verdade, é preciso saber gerí-lo para
que tenhas em tempo útil as fichas informativas lidas e os
exercícios do módulo resolvidos, evitando que os entregues fora
de tempo exigido.

Precisa de apoio?

Há exercícios que o caro estudante não poderá resolver sozinho, neste


caso contacte o tutor, via telefone, escreva uma carta participando a
situação e se estiver próximo do tutor, contacte-o pessoalmente.
Os tutores têm por obrigação, monitorar a sua aprendizagem, dai o
estudante ter a oportunidade de interagir objectivamente com o tutor,
usando para o efeito os mecanismos apresentados acima.
Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interação, em caso de
problemas específicos ele deve ser o primeiro a ser contactado, numa
fase posterior contacte o coordenador do curso e se o problema for de
natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo número 825018440.
As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante,
tem a oportunidade de interagir com todo o staff do CED, neste
período pode apresentar dúvidas, tratar questões administrativas, entre
outras.
O estudo em grupo, com os colegas é uma forma a ter em conta,
busque apoio com os colegas, discutam juntos, apoiem-me
mutuamnte, reflictam sobre estratégias de superação, mas produza de
forma independente o seu próprio saber e desenvolva suas
competências
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 8

Tarefas (avaliação e auto-


avaliação)
O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e
auto-avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues antes
do período presencial.
Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não
cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante.
Os trabalhos devem ser entregues ao CED e os mesmos devem ser
dirigidos aos tutores/docentes da cadeira em questão.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo
os mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os
direitos do autor.
O plágio deve ser evitado. A avaliação da cadeira será controlada da
seguinte maneira:

Avaliação
Os exames são realizados no final da cadeira e os trabalhos marcados
em cada sessão têm peso de uma avaliação, o que adicionado os dois
pode-se determinar a nota final com a qual o estudante conclui a
cadeira.
A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da cadeira.
Nesta cadeira o estudante deverá realizar: 3 (três) trabalhos; 2 (dois)
testes e 1 (exame).
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 9

Unidade nº 1
Introdução ao Pensamento
Contemporâneo
Que somos nós, que são esses olhos que estão no mundo e vêem e
conhecem e compreendem? Seres pensantes, somos a dimensão única,
segundo sabemos, onde aquilo que é se revela em nosso pensamento
objectivo, em nossa compreensão, em nossa acção, em nossa criação,
em cada forma de nossa experiência. Mais ainda: temos não apenas
consciência, mas consciência de nós mesmos. Nesta Consciência não
há tão-somente revelação, mas a revelação de si para si mesma.

Ao completares esta unidade / lição, serás capaz de:

 Ter noções sobre o pensamento contemporâneo no Desporto.

Objectivos

Feito de forma multidisciplinar ou em forma de de intervenção no


espaço do pensamento filosófico sobre o desporto podemos apontar o
esboço de concepções teóricas que tem influenciado de maneira
relevante o pensamento sobre o desporto no.

Henri Wallon compreende o desenvolvimento psíquico da criança


(base de seus estudos do desenvolvimento humano) como um acto
descontínuo e marcado por contradições e conflitos, resultado da
maturação orgânica e das condições ambientais. Essa visão contraria a
idéia de um desenvolvimento linear e em etapas definidas e seguidas,
que compreenderiam períodos marcados, com carácter de sucessão.
Para Wallon, aspectos dos diferentes momentos do desenvolvimento
não são propriamente “superados” por outros, mas podem reaparecer
em outra fase da vida, ganhando novos sentidos de acordo com as
diferentes condições do sujeito. O estudo de Wallon, leva em conta o
contexto em que vive a criança, considerando as influências do
ambiente social, das experiências culturais. Esse meio em que a
criança vive não é estáctico e homogêneo, ele também transforma-se
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 10

junto com a criança. A cada idade estabelece-se um tipo próprio de


interações entre o sujeito e seu meio. Conforme a disponibilidade da
idade a criança interage mais fortemente com um ou outro aspecto de
seu contexto, extraindo dele os recursos para o seu desenvolvimento.
Este, se baseará nas necessidades e competências específicas da
criança naquele momento de vida. Esta determinação recíproca entre
as condutas das crianças e o seu meio, conferem um caráter de
relatividade ao processo de desenvolvimento. Ainda assim,
considerando a influência do ambiente e da cultura no
desenvolvimento, este tem uma dinâmica e ritmo próprios, resultantes
do que Wallon chama de princípios funcionais que agem como leis
constantes. Os factores orgânicos são os responsáveis pela sequência
fixa entre os estágios do desenvolvimento, embora não garantam uma
homogeneidade no seu tempo de duração (as circunstâncias sociais
interferem nesse aspecto).

As etapas do desenvolvimento têm um ritmo descontínuo, marcado


por rupturas, retrocessos e reviravoltas, movimentos que provocam
profundas mudanças em cada etapa vivida pela criança. Portanto, a
passagem dos estágios de desenvolvimento não se dá de modo linear,
por ampliação. Trata-se de facto em um movimento de continua
reformulação, marcada por crises que afetam a conduta da criança.
Conflitos se instalam nesse processo e eles são propulsores do
desenvolvimento aos quais chama de factores dinamogênicos (que
conferem dinâmica). Tais conflitos podem ser resultado de
desencontros entre o comportamento da criança e o ambiente exterior
(exógeno: que é relativo ao mundo externo) ou originários de factores
orgânicos, relativos a maturação infantil (endógenos: causa interna).

Em suma, o desenvolvimento é um processo pontuado por conflitos.


Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos desencontros
entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos
adultos e pela cultura. De natureza endógena, quando gerados pelos
efeitos da maturação nervosa. Até que se integrem aos centros
responsáveis por seu controle, as funções recentes ficam sujeitas a
aparecimentos intermitentes e entregues a exercícios de si mesmas, em
actividades desajustadas das circunstâncias exteriores. Isso
desorganiza, conturba, as formas de conduta que já tinham atingido
certa estabilidade na relação com o meio” (Galvão, 1995).
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 11

A maioria das definições de filosofia são razoavelmente controversas,


em particular quando são interessantes ou profundas. Esta situação
deve-se em parte ao facto de a filosofia ter alterado de forma radical o
seu âmbito no decurso da história e de muitas das investigações nela
originalmente incluídas terem sido mais tarde excluídas. Uma
definição minimalista mas satisfatória é que a filosofia consiste em
pensar sobre o pensamento. Isto permite-nos sublinhar o carácter de
segunda ordem da disciplina e tratá-la como uma reflexão sobre
géneros particulares de pensamento — formação de crenças e de
conhecimento — sobre o mundo ou porções significativas do mundo.

Uma definição mais pormenorizada, mas ainda assim incontroversa e


abrangente, é que a filosofia consiste em pensar racional e
criticamente, de modo mais ou menos sistemático, sobre a natureza do
mundo em geral (metafísica ou teoria da existência), da justificação de
crenças (epistemologia ou teoria do conhecimento), e da conduta de
vida a adoptar (ética ou teoria dos valores). Cada um dos três
elementos listados possui uma contraparte não filosófica, da qual se
distingue pelo seu modo de proceder explicitamente racional e crítico
e pela sua natureza sistemática. A ética, ou filosofia moral, no sentido
mais inclusivo, pretende articular, de uma forma racional e
sistemática, as regras ou princípios subjacentes. (Na prática, a ética
tem-se restringido aos aspectos morais da conduta e, em geral, tem
tendência para ignorar a maioria das acções que praticamos em virtude
de critérios de eficiência ou prudência, como se fossem demasiado
básicos para justificarem um exame racional).

A filosofia é a virtude do intelecto especulativo, habilitando-nos a


dizer a verdade e tornando-nos capazes da actividade da
contemplação. Transformações bruscas e profundas a nível social,
económico, científico e tecnológico são alguns dos sinais que marcam
a sociedade contemporânea. Um outro sinal dos tempos é igualmente a
valorização atribuída ao corpo: da ciência à filosofia, da arte ao
desporto, o interesse sobre o corpo manifesta-se numa multiplicidade
de discursos, em que a linguagem corporal se assume como uma forma
de expressão que viabiliza e promove a comunicação e a inter-acção
social.

A questão mais geral encontrada neste ramo da filosofia, concerne à


natureza e aos propósitos do desporto e áreas inerentes. As raízes da
filosofia do desporto se confundem com a própria origem da filosofia
desde que Platão em sua obra seminal “A República” identificou a
ginástica e a música (as artes em geral) como bases da educação.

A Filosofia é natural e necessária ao homem. Demonstramos


frequentemente insatisfação diante de muitos acontecimentos do nosso
cotidiano. Estamos a todo instante buscando significações. Tomelin
(2003) nos alerta que: pela reflexão filosófica poderemos ter mais
clareza sobre qual caminho tomar em nosso posicionamento ético e
político, de forma a contribuir para a construção de valores humanos.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 12

Por meio da reflexão é possível que se tenha mais de uma dimensão


dos factos. A palavra Filosofia é de origem grega: philos = amigos;
Sophia = sabedoria. Neste sentido ser filosofo é ser amigo do saber e
não seu dono. Sabendo que ensinar a filosofar é ensinar a questionar,
duvidar, admirar, conceituar implica numa postura de maior abertura
em tudo o que envolve o espaço da ação pedagógica (TOMELIN,
2003, p.56).

O conhecimento filosófico possibilita ao professor acompanhar de


forma reflexiva e crítica a ação pedagógica transformando a sua
educação assistemática (de senso comum) em uma educação
sistematizada (guiada pela consciência filosófica).

Para SANTIN (1987, p. 40), "a Filosofia desenvolve um gênero


específico de raciocínio e lança mão de um número mais ou menos
ilimitado de recursos, através dos quais é possível ter acesso aos mais
variados assuntos e às mais complexas questões do mundo humano".

Sumário
A filosofia do desporto refere-se à analise conceptual e à interrogação
das práticas desportivas e áreas a elas relacionadas (jogos, exercícios
físicos, dança, Educação Física, biociências etc), examinando-se temas
substantivos de ética, epistemologia, metafísica, axiologia e estética,
envolvendo o uso do corpo como actividade humana ou institucional.
A filosofia do desporto não somente lida com insights de vários
campos da filosofia, mas sobretudo gera interpretações compreensivas
do desporto em si mesmo. Do ponto de vista de método de
investigação, a filosofia do desporto é aparentada com a história como
também se orienta por argumentação, interrogação e diálogo de modo
sistemático, quer por meio de análise – ou crítica -, ou síntese, isto é,
de forma especulativa.

Exercícios 1

1. O que entendes por filosofia do desporto? Define com tuas


palavras segundo o grau de compreensão do abordado nesta
unidade.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 13

Unidade nº 2
O Pensamento em Ciências
do Desporto (abordagem
filosófica)
Nesta unidade estudaremos acerca da abordagem filosófica do
Pensamento em ciências do desporto.

Ao completares esta unidade / lição, serás capaz de:

 Analisar o pensamento em ciências do desporto partindo de uma


abordagem filosófica.

Objectivos

A sociedade contemporânea vive influenciada pelos “ventos” de


mudanças nas variadas áreas, o que leva a que se adopte um tempo
definido pela busca e experimentação de actividades novas que se
expressam em diferentes domínios de nossa vida e que geram um nível
alto de possibilidades de ações e sensações. Estes tempos que nos
referimos são tempos de: sentir, experimentar, explorar; viver as
enormes possibilidades, auto-realizantes, divertidas, enriquecedoras e
saudáveis que invadem todos os domínios da nossa vida, tais como, a
escola, o lazer, o desporto, as festas populares, etc. Vivemos num
período em que a sociedade mundial caracteriza-se pelo pluralismo de
idéias, pela complexidade das práticas e dos saberes.

Mas o que vem a ser complexidade? Para MORIN & LE MOIGNE


(2000), a complexidade é uma palavra-problema e não uma palavra-
solução; a complexidade desafia, não dá respostas. A dificuldade em
conceber este pensamento complexo está no facto de que ele
(pensamento complexo) deve enfrentar o emaranhado, a contradição e,
porque não dizer, a solidariedade dos fenômenos entre eles.
Independentemente das definições propostas a respeito da
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 14

complexidade, ela surpreende pela sua irrealidade, isto é, pela


irreversibilidade de seu conteúdo, por sua dificuldade de
entendimento, por não possuir um sentido concreto. Com efeito, difere
da complicação, com a qual ela é confundida, por preguiça intelectual
ou por galanteria retórica, que se caracteriza facilmente por sua
visibilidade. A complexidade está para a complicação do mesmo modo
que a entropia está para a energia: uma espécie de avaliação do
'valor de mercadoria', definida pelo observador, de um lingote de
mistura metálica, com determinado peso e imposto a este observador.
O 'muito complicado' pode não ser 'muito complexo' e o muito simples
(o grão da matéria!) pode ser dado como muito complexo (MORIN;
LE MOIGNE, 2000).

Quando pensamos no desporto para crianças e jovens não há como


dissociá-lo das idéias acima expostas, tendo em vista que o desporto
em si é permeado de unidades, de relações entre estas unidades, de
significados, de incertezas, não podendo, portanto, ser resumido a uma
idéia simples ou a uma lei. Isto nos remete ao sistema desportivo
centrado nos quadros competitivos, em que a pedagogia do desporto
fortemente influenciada pelo paradigma reducionista, busca e elege o
tipo ideal de atleta, promovendo a fragmentação, a exclusão e a
seleção desportiva como forma de se chegar às seleções futuras
(SANTANA, 2005). É preciso, pois, pensar num desporto para todos e
não num desporto que seja privilégio apenas dos mais dotados.

HOMEM (2003) salienta que o grande problema está na crença


errônea de muitos profissionais de educação física de que o desporto é
somente para quem tem talento. Tal facto, segundo Santana (2005),
nos remete a pensar no número de crianças e adolescentes que se
submetem a este tipo de pedagogia; uma pedagogia que elege o
rendimento, as vitórias e a competição como o maior objectivo. A este
respeito o autor assevera que:

... uma pedagogia reducionista .., se faz quando ignora o todo em


detrimento das partes; que ignora, por exemplo, que a criança que se
interessa por desporto é a mesma que se relaciona com os amigos,
com a família, com a escola, que tem necessidades de brincar
despretensiosamente, de se divertir, de ser aceita, de transpor limites,
que imagina ser esse ou aquele craque, que tem desejo de jogar, que
precisa aprender a conviver, a cooperar e a construir autonomia.
Portanto, a criança que faz desporto não é apenas o atleta em
potencial que alguns procuram, pois acalenta em si e fora de si uma
sociedade de factores [imprevisibilidade] que nem sempre atenderam
os desejos unilaterais de um pensamento simplista (SANTANA, 2005:
8).

O pensamento complexo configura-se numa nova visão de mundo, que


aceita e procura compreender as mudanças constantes do real e não
pretende negar a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza dos
fenômenos, mas sim, conviver com elas. Este pensamento tem-se
revelado contextual - uma vez que, procura explicar os fenômenos
considerando o seu contexto, a sua totalidade e a sua interactividade -,
sendo utilizado por teóricos de diferentes áreas do conhecimento
(professores, cientistas sociais, pedagogos do desporto, técnicos,
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 15

psicólogos, etc.) que buscam dar conta de uma complexidade teórico-


científica sempre crescente (FLORENTINO, 2006a).

Contudo, é importante dizermos que não se trata, de acordo com


MORIN (2005), de retomar a ambição do pensamento reducionista
que é a de controlar e dominar o real. A intenção do pensamento
complexo não é a de controlar o çãos aparente dos fenômenos, mas
sim, trata-se de exercer um pensamento capaz de lidar com o real. Para
tanto, deve-se ter em mente que a complexidade não vem em
substituição da simplicidade, a complexidade surge onde o
pensamento simplificador é ineficiente, ou seja, na explicação de
fenômenos complexos.

Cada vez mais, as pessoas procuram uma prática desportiva que não se
resuma ao modelo tradicional de desporto. Actualmente, as pessoas
buscam uma modalidade desportiva que lhes proporcionem o contato
com a natureza, o espírito de aventura, o prazer, enriquecendo, por
assim dizer, a vida quotidiana (FLORENTINO, 2007b). A maioria dos
estudos sobre o desporto já vem apontando para um sensível aumento
da sua importância em termos qualitativos nas sociedades pós-
modernas, mostrando que o desporto vem se desenvolvendo como um
sistema flexível, informal e não-formal, correspondente àquilo que
poderíamos considerar ser o desporto como um direito de todo o
cidadão (HOMEM, 2003).

Dessa forma, cabe aos professores de educação física criar condições


para que o desporto seja assumido como um valor de referência na
formação de crianças e jovens. Em particular, devemos enquanto
professores e pedagogos em desporto lutar contra uma pedagogia que
está mais preocupada em cumprir metas e etapas de treinamento,
estabelecendo um tipo idealizado de modelo de atleta que deve ser
seguido milimetricamente. Em face, acreditamos ser importante
visualizarmos e implementarmos uma pedagogia mais complexa que
respeite a vontade e os hábitos desportivos de cada criança para,
assim, irmos ao encontro de um "novo desporto", mais educativo e
responsável.

Não obstante, para alterarmos o quadro descrito no item anterior, é


preciso entendermos que qualquer que seja a modalidade desportiva
que o cidadão venha a optar, como factor de saúde, de prazer ou
mesmo na busca de resultados, este deve merecer uma atenção
redobrada de profissionais formados e, ao mesmo tempo, de uma
"formação de profissionais que desenvolvam conhecimento e
pesquisas no sentido de propiciar a esse sujeito os benefícios que ele
espera da prática desportiva" (MOREIRA et al., 2006: 188).

Adentrando na questão da formação profissional em desporto,


acreditamos serem importantes algumas considerações de cunho
teórico-epistemológico quando o que está em jogo é a formação e o
desenvolvimento de nossas crianças. Com relação ao trabalho
interdisciplinar, MOREIRA et al. (2006) salientam que a base
epistemológica pode ser conseguida por meio da teoria da
complexidade, pois para os autores o profissional em desporto deve
ser um educador na sua relação com os seus alunos e um pesquisador
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 16

dos elementos que, por assim dizer, constituem a complexidade do


fenômeno desportivo. Nas palavras dos autores:

Esse complexo universo da formação profissional em desporto deve


contemplar elementos, numa teia de integrações, que estão presentes
nos sentidos de ensino, pesquisa e extensão a partir do fenômeno ser
humano que pretende desenvolver conhecimento e prática em
desporto, como: Filosofia, Antropologia, Psicologia, História,
Administração, Pedagogia, Medicina, Fisiologia, Biomecânica,
Anatomia, Testes e Procedimentos Estatísticos, Formas de Avaliação.
Com esse suporte, por exemplo, deverão aparecer pesquisas que, nas
áreas das humanidades, questionam os valores éticos da prática
desportiva, investiguem as razões, o porquê de determinadas
comunidades serem afetas a determinados desportos... (MOREIRA et
al., 2006: 188).

Sendo assim, é correto afirmar, como havíamos salientado no início


deste ensaio, que o professor ou pedagogo em desporto é um educador
e, por ser um educador a pedagogia terá uma participação decisiva na
facilitação de conhecimentos, de valores e no saber-fazer e no saber-
compreender as actividades e os pressupostos ligados ao desporto,
tanto para crianças quanto para jovens e adultos. O desporto enquanto
fenômeno cultural e social apresenta-se numa complexidade
organizacional, onde o todo e as partes se inter-relacionam
(MOREIRA; PELLEGRINOTTI; BORIN, 2006). Isto significa dizer
que o desporto é formado pelo tecido da complexidade, o qual é
composto de diferentes variáveis que, por sua vez, geram outras
variáveis - num espaço de tempo o qual não podemos determinar - que
se inter-relacionam e que não podem ser explicadas por uma matriz
reducionista, mas sim, por uma matriz complexa.

Outrossim, a complexidade traz em seu seio o desconhecido, o


misterioso. A complexidade nos torna sensível a enxergar as
evidências, antes imperceptíveis, isto é, a impossibilidade de expulsar
a incerteza do conhecimento. O problema da complexidade não é o de
colocar a incerteza entre parênteses ou de fechar-se para um ceticismo
generalizado, mas o de integrar profundamente a incerteza no
conhecimento e o conhecimento na incerteza, para compreender a
natureza da natureza (MORIN, 2003).

Com efeito, a educação física e a pedagogia do desporto como um


todo não devem se preocupar apenas em ensinar as técnicas corretas
do desporto; mas, serem uma área que torne seus alunos sujeitos
autônomos e emancipados nas questões corporais, nos valores morais
e éticos. SANTANA (2005) acrescenta que:

... O pensamento complexo não exclui conhecimentos. Tampouco


exclui o surgimento de crianças que chegarão ao desporto
profissional. Trata-se de levantar o facto de que não dá para reduzir a
ação do pedagogo desportivo apenas à consideração desses e de
outros factores sob o signo da racionalidade. Há outras dimensões
humanas, como a afetividade, a sociabilidade, o desenvolvimento
moral, e toda uma série de evidências de complexidade relevantes...
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 17

Pensamos que o professor no trato com o desporto deve desenvolver


uma abordagem mais complexa que se preocupe com a formação da
criança e do adolescente, oportunizando novas experiências, criando
condições para que o desporto se assuma como um valor de referência
na saúde e no bem-estar de muitas crianças e jovens. Em outros
termos, uma pedagogia e um desporto que esteja voltado para o novo
enquadramento axiológico de nossa sociedade na participação de
crianças e adolescentes, refletindo, sobretudo, uma elevada
significação existencial para todos aqueles que nele participam ou
virão a participar. Ou, como salienta BENTO (2004) "estou a pensar
em tudo quanto nos perfaz por dentro e por fora, nos pensamentos e
atos, nos sentimentos e gestos, nos ideais e nas palavras, nas emoções
e reações. Estou a pensar no Homem-Todo, na pessoa de fora e na
expressão da sua beleza e grandeza na pessoa de dentro".

Ou seja, uma visão de desporto que tenha como substrato o paradigma


da complexidade que outras áreas já reivindicam, e que consiste numa
visão sistêmica, ou seja, holística que "consiga, através de um esforço
de convergência e de coexistência, superar o passado (nem o negar ou
ignorar) e incorporar toda a pluralidade e pluridimensionalidade do
desporto dos tempos contemporâneos.

Dito isto, devemos procurar ver a complexidade não como um


conceito teórico, mas como um facto da vida. "Por mais que tentemos,
não conseguiremos reduzir essa multidimensionalidade a explicações
simplistas, regras rígidas, fórmulas simplificadoras ou esquemas
fechados de idéias" (MARIOTTI, 2000: 87). Neste sentido, o
paradigma complexo resultará do conjunto de novas concepções, de
novas visões, de novas descobertas e de novas reflexões que vão se
reunir. Segundo MORIN (2005: 77 [grifo nosso]): "Estamos numa
batalha incerta e não sabemos ainda quem será o vencedor". O
pensamento complexo resulta da complementaridade das visões de
mundo linear e sistêmica; essa abrangência possibilita a elaboração de
saberes e práticas que permitem buscar novas formas de entender a
complexidade dos sistemas naturais e de lidar com ele, o que
evidentemente inclui o ser humano e o desporto.

Qual o valor do desporto na sociedade contemporânea?

É sabido que vivemos numa sociedade complexa e caótica. A


instituição família encontra-se, hoje, de "mãos atadas" que, somado ao
desaparecimento da socialização primária, mergulha numa profunda
crise de valores sociais. É neste ponto que entendemos o papel
decisivo do desporto, juntamente com a educação, na busca por
princípios e valores sociais, morais e éticos. É necessário, portanto,
buscarmos uma nova orientação a qual os valores do desporto, do jogo
e da brincadeira, não permaneçam apenas dentro das escolas ou dos
clubes, mas que transitem para além. Dessa forma, cabe ao professor
de Educação Física criar condições para que o desporto seja assumido
como um valor de referência na inclusão e no bem-estar, não apenas
de crianças e jovens, como também de adultos e idosos.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 18

Outrossim, no desporto, assim como na educação, o desenvolvimento


dos valores também se faz importante e necessário quando o que está
em jogo é a formação humana. É sabido que o desporto apresenta um
caráter normativo e prescritivo em suas práticas, onde existam
responsabilidades e direitos, quer tratamos do desporto no setor da
educação, da saúde, do lazer, da cultura ou do rendimento. O desporto
comporta e deve assumir seu estatuto cultural e as obrigações que esta
circunstância lhe impõe, incluindo sua dimensão de tempo e espaço.

No mundo contemporâneo, diversos factores interferem, pressionam e


geram expectativas e tensões na vida social. De modo geral, tais
factores podem estar relacionados aos problemas que decorrem do
avanço científico e tecnológico de nosso tempo. Convivemos com
mudanças contínuas, crises paradigmáticas, ausência de valores morais
e éticos, ou seja, vivemos e convivemos com a instabilidade, com o
indeterminismo. Num mundo que se caracteriza, cada vez mais, pela
complexidade podemos nos questionar que tipo de educação e de
desporto deverá permear nossa sociedade complexa e de valores tão
mutáveis. Para ROITMAN (2001: 147):

O grande desafio que se nos apresenta e deverá ser enfrentado por


todos nós, nesse período de grandes mudanças tecnológicas, com
novos padrões de comunicação, em uma globalização unificadora das
sociedades, em meio a crises, competições, desencontros, quebras de
valores e instabilidade, é o de educar sem perder a perspectiva do
humano.

Dessa forma, que contribuições caberiam ao desporto e à educação


física na formação humana de crianças e jovens? Podemos dizer que o
desporto e sua prática estão diretamente relacionados ao homem e à
sua necessidade de humanizar-se, tornando-se pleno e
intrinsecamente inserido na trajetória histórica e cultural de seu povo.
Actualmente são várias as manifestações de cultura corporal de
movimento na contemporaneidade, todas elas aglutinando o exercício
físico a uma prática socializante. Para VARGAS (1995), o desporto é
uma instituição privilegiada em que o mito, a sociedade e a própria
humanidade se inscrevem de forma profunda, pois... nele estão
inscritos a força e a técnica, o empenho e o desempenho, a aventura e
o risco, a inteligência e a intuição, o indivíduo e o grupo, a sorte e o
azar, o gênio e a equipe, a ética e a estética, a moral e o imoral [...]
resumindo: o desporto envolve o homem na plenitude de sua
individualidade e de ser social (VARGAS, 1995: 123).

Não é segredo para ninguém o papel primeiro que o desporto


representa, o de propiciar a vivência do jogo, da comunicação, da
cooperação, da sociabilidade, da competição, etc. desporto e homem
estão interligados, um depende do outro; assim sendo, podemos dizer
que o desporto "emerge de um campo absolutamente constitutivo da
essência humana: a necessidade fundamental de estar ativo, de agir e
de se movimentar livre de exigências e prescrições, implicando a
totalidade do homem (intelecto, emoções, sensações e motricidade) ..."
(BENTO, 2004: 39-40).
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 19

Hoje, há uma nova orientação, por assim dizer, na qual as áreas que se
relacionam com o movimento humano - incluindo o desporto - não
podem estar isoladas de seu contexto social, cultural e humanístico. De
acordo com QUEIRÓS (2004), não se pode mais ignorar as mudanças
que ocorrem no sistema social e no sistema tradicional do desporto,
tendo em vista que o mesmo está inserido em uma mudança de
valores, tal como outros sistemas parciais da sociedade
contemporânea. Para tanto, devemos buscar compreender quais os
valores que regem o desenvolvimento do desporto na actual
conjuntura social; qual o seu paradigma norteador no processo de
mudanças axiológicas as quais estamos vivendo contemporaneamente.

Os sistemas sociais, como um todo, e os diferentes sistemas sociais em


particular, desenvolvem-se a partir de uma ordem dominante de
valores ou de diferentes valores ao longo de nossas vidas; valores,
estes, que derivam do tipo e das características comunicacionais de
cada agrupamento pertinente ao "sistema-mundo" (FLORENTINO,
2006b; FLORENTINO & SALDANHA, 2007). Portanto, podemos
pensar que se todo e qualquer processo de formação do ser humano
visa o aperfeiçoamento ou o desenvolvimento pleno, não somente das
crianças e jovens, mas do grupo e da sociedade como um todo, então,
o desporto enquanto actividade social, desenvolvido à luz de
princípios e referenciado por objectivos, também se vê pautado por um
quadro de valores, de mensagens e de comunicações que serão
importantes para a prática pedagógica em educação física e desporto.

Em face do que foi exposto fica claro a necessidade de o professor ou


pedagogo em desporto perceber e considerar o ser humano como um
todo, não desprezando e nem negando a sua individualidade, as suas
diferenças e, muito menos, a sua complexidade. Devemos enquanto
pedagogos em desporto enfatizar o desporto como um projeto
axiológico, embasado em valores que atingem o seu objectivo maior,
qual seja, o de reforçar o seu caráter educativo e renovador no que
tange, acima de tudo, ao desporto para crianças e jovens.

Portanto, uma das formas de se alcançar este objectivo é pensarmos


numa prática educativa do desporto orientada por um tendência
inclusivo, que vise à promoção de actividades recreativas, formativas e
sociais. Uma prática que (re)construa valores, tais como:
responsabilidade, respeito ao próximo, respeito às regras,
desenvolvimento da personalidade, da tolerância, da integração e
convivialidade. E para que isso ocorra é preciso que o professor
acredite na mudança, zele por uma coerência total entre suas idéias e
suas ações na prática educacional; busque conteúdos e uma
metodologia de ensino dinâmica. Em suma, uma aprendizagem
formativa que faça do seu aluno um ser pensante, autônomo, criativo e
crítico.

Ainda em relação ao papel do professor e do próprio desporto na


educação e formação pessoal de crianças e adolescentes, Bento com
propriedade acrescenta que:

Ora o desporto é pedagógico e educativo quando proporciona


oportunidades para colocar obstáculos, desafios e exigências, para se
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 20

experimentar, observando regras e lidando corretamente com os


outros; quando fomenta a procura de rendimento na competição e
para isso se exercita, treina e reserva um pedaço da vida; quando
cada um rende o mais que pode sem sentir que isso é uma obrigação
imposta do exterior [...] É educativo quando não inspira vaidades vãs,
mas funda uma moral do esforço e do suor, quando socializa crianças
e jovens num modelo de pensamento e vida, assente no empenhamento
e disponibilidade pessoais para a correção permanente do erro [...]
embora não seja uma panacéia, o desporto funciona como um pólo
que realça os valores da cidadania e do trabalho em equipe, ao
mesmo tempo em que combate frontalmente fenômenos destrutivos que
caracterizam a nossa sociedade, Tais como droga, violência e
criminalidade. Sobretudo porque ensina e comprova que todos podem
fazer alguma coisa por si próprios (BENTO, 2004: 54-55).

Em suma, o desporto enquanto fenômeno social, rico em sentidos e


significados, não está "desobrigado de ser um campo de educação. De
ser um factor de qualificação da cidadania e da vida" (BENTO, 2004:
54), como bem havíamos salientado ao longo deste ensaio. Não
obstante, não podemos deixar de comentar e de fazer menção - afinal
foi um dos objectivos propostos - que a finalidade do desporto é a de
"irritar" (no sentido de provocar uma mudança), de corroborar, de
fazer o ser humano uma pessoa única, inseparável. Em outros termos,
a missão do desporto em nossa opinião é fazer perceber o homem
enquanto sujeito e não como um simples objecto; é fazê-lo dar-se
conta de sua totalidade e complexidade (física, moral, estética e
espiritual).

Derivado do grego “ethiké” ou do latim “ethica” (ciência relativa aos


costumes), ética é o domínio da filosofia que tem por objectivo o juízo
de apreciação que distingue o bem e o mal, o comportamento correcto
e o incorrecto. Os princípios éticos constituem-se enquanto directrizes,
pelas quais o homem rege o seu comportamento, tendo em vista uma
filosofia moral dignificante. Os códigos de ética são dificilmente
separáveis da deontologia profissional, pelo que não é pouco frequente
os termos ética e deontologia serem utilizados indiferentemente.

A ética pode ser definida como a ciência da moral. É justamente


através de algum princípio ético (como o princípio ético do dever, de
Kant) que se pode avaliar se o agir ou o comportamento de algum
indivíduo ou de um determinado grupo social deve ser considerado
como moral. A Moral é aquilo que uma determinada sociedade aceita
como sendo certo, ou justo, num determinado espaço de tempo, acerca
da conduta ou do comportamento social de seus integrantes. Esta
expressão possui termos correlatos.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 21

O desporto é, de facto, um fenómeno cultural alvo de várias


modificações. Este conceito sofre as alterações quase de modo
instantâneo, na medida em que a sociedade evolui no
redimensionamento dos seus princípios e dos seus valores.

Actualmente o desporto corre o sério risco de acumular um conjunto


de perdas morais que o descredibilizam socialmente como factor
educativo. O sistema desportivo não pode continuar a abrir mão de um
conjunto de princípios e valores que assegurem sentido cultural e
formativo à prática desportiva.

A aquisição de valores e princípios não se faz por imposição, por


“decreto”, pela simples leitura de documentos, é algo que se constrói,
implicando, por isso, o seu “ensino” e a sua “prática”. Esses princípios
e valores têm de estar presentes em todas as dimensões e expressões
da prática desportiva e são independentes do rendimento ou sucesso
desportivos

O desporto faz parte da nossa sociedade, ambos são regidos pelos


mesmos sistemas de normas e valores. Deste modo, e analisando a
evolução do desporto moderno e dos valores sociais actuais, onde a
ambição e os interesses pessoais subjacentes à competitividade dos
estilos de vida adoptados se sobrepõem aos interesses sociais5, é
legitimo questionar a aplicação da ética da mesma forma como foi
entendida no passado.

Nesta perspectiva, o desporto, pelas suas regras, objectivos e


exigências implica, na sua prática, o respeito por valores éticos e
morais, tais como: solidariedade, honestidade, disciplina, paciência,
compreensão, respeito pelo outro e pela regra, superação, trabalho, etc.

É da responsabilidade pessoal e insubstituível que cada um pais,


professores, treinadores, dirigentes tem em relação às crianças e
jovens para as quais constitui um modelo de referência. Num ciclo de
vida nacional em que os modelos de referência são constituídos e
destruídos a uma velocidade vertiginosa, importa proporcionar aos
jovens a oportunidade de conhecerem e conviverem com modelos
positivos.

O acesso dos jovens à prática desportiva hoje em dia faz-se de forma


generalizada, o problema consiste em fazer corresponder essa prática a
princípios educativos e morais. Deste modo surge a seguinte questão,
sobre a qual vale a pena reflectir um pouco. Será que o modelo de
Desporto de rendimento e as elevadas exigências, estará a
proporcionar aos jovens, inferências e modelos correctos de prática
desportiva?

Assim, se é importante a divulgação e a defesa dos valores, princípios


e mensagens éticas do Desporto, como contributo relevante para a
moralização do acto desportivo, importa de igual modo denunciar
todos aqueles que contribuem para a criação de situações lesivas e
atentatórias daqueles princípios.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 22

A validade positiva da função social que o desporto desempenha tanto


no plano formativo como no educativo, obriga os vários responsáveis,
ao adequado tratamento dos efeitos perversos consequentes da
sobrevalorização dos aspectos negativos do seu universo, geradores de
atitudes e comportamentos opostos às finalidades de um Desporto são
e salutar. É por isto que a questão da ética e do fair-play no desporto
não pode deixar de ser um imperativo.

Aristóteles conferiu a primeira versão sistemática da ética, definindo--


a como sendo o compromisso efectivo do homem que o deve levar ao
seu perfeccionismo pessoal, é o compromisso que se adquire consigo
próprio de ser sempre mais pessoa. No sentido etimológico a palavra
ética “compreende, antes de tudo, as disposições do homem na vida, o
seu carácter, os seus costumes, e, naturalmente, também a sua moral”.

Outro conceito pode ser atribuído à palavra ética, o qual no domínio


da filosofia que tem por objectivo o juízo de apreciação que distingue
o bem e o mal, o comportamento correcto e o incorrecto.

A ética é um ideal que tem sobressaído neste nosso mundo em


constante mutação, considerando o homem como o novo valor
absoluto dos tempos modernos e a moral como parte integrante do
próprio ser humano.

O desporto é invadido pelos interesses da sociedade, cada vez mais


sob a influência dos valores comerciais que muitas vezes o sustentam,
vai ter, como tal, cada vez mais de respeitar as regras que norteiam
aqueles interesses, mesmo que isso obrigue a algumas transformações
da sua prática, em certos casos enraizada através de um passado de
largos anos. Ora, esses interesses estarão, por certo, muito pouco
preocupados com a ética desportiva.

Não é viável pensar somente em uma ética do desporto, pois uma ética
desportiva, desvinculada de uma ética da sociedade, é impossível, uma
vez que o desporto não se manifesta num vácuo social, mas acontece,
sim, num contexto sóciocultural, vinculado a uma ética da sociedade
moderna.

A excessiva importância dada à vitória na prática desportiva,


principalmente, a partir da profissionalização do desporto e os
interesses económicos dos patrocinadores de atletas e eventos
desportivos provocou profundas mudanças nas actividades
desportivas, as quais passaram ferir os objectivos estabelecidos
quando da criação do desporto moderno.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 23

O doping, a violência, as injúrias aos árbitros, o fazer batota, as


agressões entre os praticantes devem-se ao reforço do conceito de que
a vitoria é a única coisa que interessa.

Mas, será que é possível praticar desporto e entrar em competições,


revelando indiferença face ao resultado final, como se ele não tivesse
qualquer valor? Não, não faz sentido participar numa competição
desportiva se essa presença não estiver desligada da tentativa de
vencer. O respeito pelo regulamento das modalidades é o primeiro
factor que condiciona as tentativas dos participantes no sentido de
serem eles os vencedores, definindo o significado de “ganhar”. Outra
limitação aos esforços dos praticantes, no sentido de vencerem as
competições em que participam, tem sido a noção de desportivismo ou
de ética desportiva. Ideias como as do respeito pelo adversário, a
recusa de situações injustas de vantagem, a modéstia no momento da
vitória e o facto de se saber perder têm servido, de diferentes maneiras,
para se definir aquilo que é melhor e mais civilizado, os limites
razoáveis dos esforços para vencer, procurando manter as emoções,
associadas às vitorias e às derrotas, sempre sob controlo, mesmo
quando elas são muito intensas.

Em relação a uma ética no desporto é necessário o empenho de todasas


pessoas envolvidas com este fenómeno, através de acções como: a
defesa de uma prática desportiva pautada por valores morais, éticos e
deontológicos; que sejam adoptados dentro do ponto de vista de uma
ética da responsabilidade, situando-nos no interior do desporto para
criticá-lo; e, finalmente, criticar o universo do desporto moderno em
nome de promessas que ele faz e não cumpre

Mas afinal,como podemos definir o conceito de ética desportiva? É


preciso ter em consideração que a “sua tarefa é, pois, a de reflectir
sobre o desporto como um lugar de moralidade no contexto da vida
sócio-cultural.

Mais especificamente, por ética desportiva, entende-se o conjunto de


valores morais existentes na prática desportiva, condenando a
violência, a corrupção, a dopagem e qualquer forma de discriminação
social. É através da ética que se podem traçar, pelo menos de uma
maneira teórica, os limites do custo do sucesso, definindo um conjunto
de critérios que possibilitem saber qual o significado de uma vitória a
qualquer preço. Como já foi referido existem várias interpretações
acerca do conceito de ética. A ética associada ao desporto adquire um
novo termo Espírito Desportivo - Fair Play.

Os fairs eram os mercados da Idade Média onde se cultivava a


honestidade, lealdade, cavalheirismo, justiça e seriedade4. Este
conceito, que está associado ao espírito desportivo, foi agregado no
desporto no final do século XIX, através de PIERRE DE
COUBERTIN “o esforço é a alegria suprema; o sucesso não é um
objectivo, mas apenas um meio de visar mais alto”.

O Fair Play significa muito mais do que o simples respeitar das regras;
engloba as noções de amizade, de respeito pelo outro, e do espírito
desportivo, representa um modo de pensar, e não simplesmente um
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 24

comportamento. O conceito abrange a problemática da luta contra a


batota, a arte de usar a astúcia dentro do respeito das regras, o doping,
a violência (tanto física como verbal), a desigualdade de
oportunidades, a comercialização excessiva e a corrupção.
O Fair Play é um conceito positivo. O Código do Fair Play considera
o desporto como uma actividade sociocultural que enriquece a
sociedade e a amizade entre as nações, desde que seja praticado
lealmente. O desporto é também considerado como uma actividade
que, se for exercida de maneira leal, permite ao indivíduo conhecer-
se melhor, exprimir-se e realizar-se; desenvolver-se plenamente,
adquirir uma arte e demonstrar as suas capacidades; o desporto
permite uma interacção social, é fonte de prazer e proporciona bem-
estar e saúde. O desporto, com o seu vasto leque de clubes e de
voluntários, oferece a ocasião de envolver-se e de tomar
responsabilidades na sociedade. Além disso, o envolvimento
responsável em certas actividades pode contribuir para o
desenvolvimento da sensibilidade para com o meio ambiente.
O Fair Play vulgarmente referido como “jogo limpo” (também são
usadas as expressões correto, honesto, legal) ou “espírito desportivo”
— corresponde a um preceito normativo genérico de bom
comportamento individual e colectivo, e respeito às regras das
competições desportivas.

“Quando ganhar é tudo, fazemos tudo para ganhar” (Nicholas, 1989)

O termo Espírito Desportivo é definido na literatura especializada


como um código de atitudes; respeito pelas normas prescritas
derivadas de um código de Ética; um mero comportamento moral
assumido no meio desportivo.

O espírito desportivo não é uma noção que diz apenas respeito ao


desporto, mas o próprio princípio de toda a coexistência e de toda a
cooperação entre os Homens. Todo o Homem deveria ter a
possibilidade de fazer desporto no quadro do espírito desportivo.
Todas as pessoas, seja qual for a sua raça, origem, sexo, idade e
capacidades – do profissional ao diminuído físico – deveriam poder
praticar desporto segundo as suas necessidades, cultura e capacidades
físicas.

É irrefutável o facto de que o Desporto transmite uma série de valores,


quer sejam próprios da sociedade em que está inserido ou por outro
lado, pré-estabelecidos pelas sociedades antecedentes 25. Nas últimas
décadas, tem-se tornado numa componente importante da sociedade
moderna, dado que os jovens dispõem de mais tempo livre e o
Desporto desempenha um papel relevante nos domínios da educação,
saúde, lazer, etc.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 25

Sumário
A Ética Desportiva surge como uma estrutura moral que define alguns
limites para o comportamento dos desportistas, de forma a preservar
um sistema desportivo civilizado. É possível competir respeitando o
adversário, reconhecendo o seu valor e competência, vendo-o como
um oponente indispensável, sem o qual não existe competição. As
regras da Ética Desportiva exigem que, além de respeitar o adversário,
se saiba reconhecer o mérito do vencedor, guardando para si os
sentimentos de tristeza e desapontamento.

Exercício 2
1. Faça um breve resumo dos conteúdos abordados nesta unidade
sobre o pensamento contemporãneo em ciências do desporto.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 26

Unidade nº 3
O Pensamento em Ciências
do Desporto (abordagem
estética)
A palavra estética é originária do grego, “aisthesis”, significando
percepção ou sensação. Segundo HEGEL, só em meados do século
XVIII, através de A. BAUMGARTEN (1714-1762), é que esta palavra
entrou no vocabulário moderno, querendo significar a “ciência das
sensações” (p.7). Aqui, neste Unidade, estética será entendida como a
reflexão filosófica sobre a beleza e a arte, e como um significativo
valor humano.

Ao completares esta unidade / lição, serás capaz de:

 Analisar o pensamento em ciências do desporto partindo de uma


abordagem estética.
 Entender porquê os aspectos estéticos também devem ser
Objectivos considerados na elaboração de propostas pedagógicas com
desporto;
 Reconhecer que é possível contribuir, através do desporto, para a
educação estética de nossos.

Num entendimento tradicional, perspectivar o desporto do ponto de


vista estético conduz-nos imediatamente a pensar na beleza de
diversas modalidades desportivas. Na verdade, ao falar-se em estética
do desporto, rapidamente se evoca a beleza de movimentos
desportivos característicos da ginástica rítmica desportiva, da
patinagem artística, da natação sincronizada ou da ginástica artística.
TAKÁCS (1989) afirma que a perspectiva do senso comum tende a
demarcar os desportos belos, atrás referidos, dos desportos "feios"
como o boxe, o râguebi, a luta ou as corridas de longa distância.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 27

Para PATRÍCIO (1993, p.117) “a estética é a disciplina que tem como


objecto formal a reflexão sobre a beleza”, sendo que esta ocupa hoje
um lugar cimeiro no quadro axiológico da sociedade onde nos
inserimos, de tal forma que DELFIM SANTOS considere que “o belo
não é um conceito nem uma idéia: é um valor e, portanto, residente na
esfera emocional do homem” (SANTOS, 1982, p.14). É, talvez,
repousado nesta afirmação de belo como valor, que vários autores
consideram que uma moral humanista se deve pautar pelo Bom e pelo
Belo (FERNANDES, 1999; PATRÍCIO, 1993), pelo que a busca da
excelência humana deve também orientar-se por estes importantes
valores.

As palavras belo, beleza e estética, quando percebidas através desta


visão humanista, não mais poderão ser consideradas como elementos
simbólicos da futilidade ou da frivolidade dos nossos tempos, mas
encaradas como valores existenciais, pelo que deverão ocupar o seu
devido lugar no processo educativo, não podendo a Escola alhear-se
destes valores em nenhum dos seus ciclos ou níveis de ensino.
Acreditamos na educação em valores, pelo que estes terão que ser
considerados na sua plenitude.

PLATÃO (428-347 a.C.), na sua extraordinária obra República, um


dos documentos mais impressionantes que conhecemos, alude à
necessidade da harmonia entre a alma e o corpo – o seu aspecto
externo - enfatizando a beleza corporal, sendo que o belo e o bom, no
século V a.C., traduziam o ideal de perfeição física e moral. A
grandeza humana tinha assim um suporte físico pleno de harmonia
estética, como, aliás, a estatuária grega evidencia com todo o seu
esplendor. É de salientar que o nu artístico grego, ainda hoje referência
estética, foi inspirado pelos corpos dos atletas de então (PEREIRA,
1988).

LEONARDO DA VINCI não se cansava de aludir à beleza da


natureza, quer na sua proporção quer na sua essência, embora
tenhamos a consciência que Hegel não considerava a natureza na
perspectiva estética. Para ele, estética é a transcendência da natureza,
isto é, a obra humana situada para lá do natural.

TOURAINE (1994), na sua análise à modernidade, entende a evolução


do pensamento como uma passagem da razão de Deus para a razão do
estado, e desta para uma razão estética, assumindo esta última um
papel no pensamento contemporâneo. A este respeito, LIPOVETSKY
(1994) não hesita em considerar o imperativo narcísico como
glorificado pela nossa cultura, nem TOURAINE (1994) em elevar os
deuses do prazer ao altar-mor do panteão do nosso tempo.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 28

A estética, em especial a corporal, aparece como um valor de extrema


importância nesta nossa sociedade, considerada por MARC AUGÉ
(1994) como sendo da imagem. Entendemos legítima a abordagem
pela estética do corpo humano, mesmo na linha da transcendência da
matéria enunciada por Hegel, para quem as obras de arte “não são
produtos NATURAIS, mas produtos humanos” em virtude de
considerarmos o corpo humano como uma verdadeira construção
cultural, sendo comparável a um pedaço de madeira que cada um
esculpe de acordo com a sua própria vontade e satisfazendo os mais
variados projetos individuais.

A idéia da “morfogênese cultural” do corpo humano, já apresentada


por GARCIA (1998), mostra-nos que cada vez mais a própria forma
corporal está umbilicalmente submetida à cultura, sendo, por isso, em
grande parte um produto do espírito e não simplesmente o resultado da
natureza. GUARDINI (1999), nas suas famosas Lições de Ética na
Universidade de Munique, alude que uma obra de arte é uma criação
cultural, na qual o ser humano supera a própria natureza,
acrescentando-lhe algo, sendo que essa realização pressupõe liberdade,
a partir da qual se situa perante o mundo em que actua.

Sendo o corpo humano, como já indicamos, uma construção, é justo


referenciá-lo como uma verdadeira obra de arte, como uma imagem
produzida pela cultura, como algo mobilizável pelos diferentes
ambientes socioculturais e não como um simples produto da biologia
ou da natureza.

A imagem que o nosso tempo “elegeu” como a ideal, aproxima -se


bastante daquela evidenciada pelos jovens, de onde resulta o
imperativo ético de “mantêm-te jovem o mais tempo possível”
(MEINBERG, 1990). No entanto, este imperativo não perspectiva a
totalidade dos valores associados à juventude, mas apenas aqueles
referentes ao aspecto exterior, à imagem que se projeta para a
sociedade. Mais importante que as virtudes/defeitos da juventude, são
as impressões corporais transmitidas para o exterior, onde o ser é
nitidamente subjugado ao parecer. Não se é jovem, mas tenta-se
parecer jovem.

A imagem, ou se quisermos ser mais rigorosos, os contornos corporais


postos em evidência pela imagem tornam-se preponderantes nesta
nossa sociedade contemporânea, nomeadamente nos meios urbanos
ocidentalizados, onde se institucionalizou toda uma cultura, mesmo
um negócio, em torno deste relevante valor.

O homem tem a consciência que é ser finito e essa consciência cada


vez mais énos proporcionado pelo corpo. Com efeito, o tempo
somatiza-se (GARCIA, 1999), modificando de tal forma os nossos
corpos que basta a imagem destes para que consigamos perceber a
idade do outro. Na busca da eternidade, o homem moderno tudo faz
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 29

para que o corpo não evidencie as indeléveis marcas do tempo,


tentando assim iludir aquilo que é inexorável e, até hoje, invencível.

Cresce o número daquelas pessoas que não querem ser vistas com
determinado invólucro exterior, reflexo do tempo, mas com um outro,
mesmo que o interior seja completamente diferente. Querem ser vistas
sem o tempo, cristalizados num momento efêmero mas socialmente
confortável, ou seja, querem permanecer jovens. O corpo associado a
estas idades é aquele onde tudo parece ser harmonia, onde a beleza se
irradia com mais evidência, onde se atinge melhor a ilusão da idéia de
perfeição humana. É ainda o corpo com que muitos de nós
gostaríamos de perpetuar para a eternidade.

Para que tal aconteça é necessário construir uma imagem


estéticamente agradável, valendo tudo, mesmo o desporto, assumindo
este um importante papel para a consecução deste processo de
simulação.

Como trabalhar com manifestações artísticas em nossas aulas de


desporto? A primeira coisa a ter em mente é que o desporto não
precisa ser somente trabalhado no campo. Obviamente que não
devemos negar que o campo é o local por excelência para
trabalharmos com a prática desportiva, mas também há possibilidades
de trabalhar em outros espaços ou utilizando outras estratégias que não
os elementos técnicos e tácticos do jogo.

Podemos utilizar as manifestações artísticas de forma multifacetada.


Um das possibilidades é seu uso para discutir algo ligado à prática
desportiva em si: torcida, violência, regras, entre outros. Outra
possibilidade é o uso para discutir algo ampliado, ligado por exemplo
ao contexto político nacional. Chamaremos a primeira possibilidade de
utilização da arte para discutir a prática desportiva em si e a segunda
de utilização da arte para uma discussão ampliada a partir do desporto.
Ambas tratam-se de uma educação pelo desporto a partir da arte.

Existe ainda outra possibilidade de grande importância, relacionada à


perspectiva de educação estética: a utilização da arte, a partir do
desporto, para uma educação para a arte. Já que estamos utilizando a
arte para discutir algo ligado ao desporto, aproveitamos para trabalhar
com nossos alunos os elementos da arte em si: as suas características,
o movimento em que se insere, a característica do artista. É importante
que não utilizemos a arte somente como um meio de educação, mas
também como um fim. Ela pode sim ser um veículo para discussão de
muitos elementos e temáticas, mas também é em si um conteúdo.
Estas dimensões devem ser trabalhadas de forma articuladas.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 30

O árbitro

“O árbitro é juiz por definição. Este é o abominável tirano que exerce


sua ditadura sem oposição possível e o verdugo afectado que exerce
seu poder absoluto com gestos de ópera. Apito na boca, o árbitro sopra
os ventos da fatalidade do destino e confirma ou anula os gols. Cartão
na mão, levanta as cores da condenação: o amarelo, que castiga o
pecador e o obriga ao arrependimento, ou o vermelho, que o manda
para o exílio.

Os bandeirinhas, que ajudam, mas não mandam, olham de fora. Só o


árbitro entra em campo; e com toda razão se benze ao entrar, assim
que surge diante da multidão que ruge. Seu trabalho consiste em se
fazer odiar. Única unanimidade do futebol: todos o odeiam. É vaiado
sempre, jamais é aplaudido.

Às vezes, raras vezes, alguma decisão do árbitro coincide com a


vontade do torcedor, mas nem assim consegue provar sua inocência.
Os derrotados perdem por causa dele e os vitoriosos ganham apesar
dele. Álibi de todos os erros, explicação para todas as desgraças, as
torcidas teriam que inventá-lo se ele não existisse. Quanto mais o
odeiam, mais precisam dele.

Durante mais de um século, o árbitro vestiu-se de luto. Por quem? Por


ele. Agora, disfarça com cores”. A questão das regras e do
cumprimento de regulamentos é uma das mais polêmicas entre as que
envolvem a prática desportiva. Ao redor dessa questão se encontram
várias outras dimensões, como a violência, desencadeada por alguma
reação negativa a alguma decisão, sem falar de valores como
honestidade, justiça, entre outros. Na verdade, podemos afirmar, nesse
sentido, que os campos de futebol de alguma forma apresentam os
desafios e paradoxos de construção de uma sociedade democrática.

Do corpo da competição do atleta de alto rendimento, espera-se


perfeição e excelência de movimentos. De forma extemporânea e algo
simplista, a perfeição pode remeter para uma certa fidelidade a
estereótipos técnicos, isto é, pode sugerir reprodução, imitação de
modelos. É possível, contudo, realizar outras leituras acerca desta
categoria. Na perfeição existe, de facto, uma afinidade com modelos
técnicos que, até certo ponto, pode ser entendida como imitação.

Para Aristóteles, imitar é co-natural ao homem, é reconhecer o que


está fora de si e exerce atracção, determinando uma escolha que exige
imitação. De acordo com esta perspectiva, nenhum acto imitativo é
passivo ou inócuo; imitar é partilhar, por adesão profunda às
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 31

disposições daquilo que se imita. Pode-se, contudo, imitar de muitas


maneiras diferentes, o significa, segundo Aristóteles, e de acordo com
o seu conceito de mimesis, que toda a imitação é diferença. Assim,
permite-se ao observador distinguir naquela forma determinada de
execução técnica, uma certa autonomia e singularidade, não se
tratando, portanto, de uma cópia literal. A técnicidade não pode ser
redutível à simples disposição imitativa, traduzindo-se, antes, numa
actualização dos modelos, que revela a dinâmica produtiva humana.

No desporto passa-se algo de muito semelhante ao que acontecia com


os pintores impressionistas, que usavam de forma repetida o mesmo
modelo, fundamentados em duas ordens de razões: a inesgotabilidade
do modelo e o sentimento de que nunca conseguiam verdadeiramente
atingi-lo. No desporto, quando uma técnica passa a estar
completamente dominada e rotinizada o atleta aspira a criar algo de
novo. Não se trata apenas do estilo que o desportista é capaz de
manifestar quando domina habilmente uma técnica, mas sim de
desenvolver novas formas para atingir o mesmo objectivo.

Perfeição e excelência remetem também para virtuosismo, que pode


ser entendido como a capacidade que alguém possui em conseguir ser
tão perfeito técnicamente, que acaba por contaminar estéticamente
quem o observa. A estética do desporto prende-se muito com este
“contágio”, com o fascínio que o atleta em movimento é capaz de
exercer sobre o observador.

Ao expressar-se através do corpo, o movimento desportivo adequa-se,


ao mesmo tempo que é adequado, ao morfótipo do atleta. Da ginasta
de rítmica ou do saltador em altura espera-se linearidade, que permita
amplitude de movimentos e grande impulsão vertical; do halterofilista
ou do culturista espera-se significativa hipertrofia muscular que
possibilite manifestações superlativas de força em regime de potência;
dos lutadores sumo esperam-se quantitativos excepcionais de massa
gorda. O corpo do desportista comunica, é um corpo-livro, que possui
uma certa gramática de gestos e que, através da sua narrativa, conta a
história daquela pessoa que é o atleta. A harmonia entre o tipo
morfológico e a tipologia do movimento é fundamental neste processo
de comunicação. Procura-se uma relação perfeita entre forma e
função, ou seja, entre o modelo do corpo e o movimento que lhe é
requerido pela modalidade em causa. A experiência estética induzida
pela observação de desporto encontra na variabilidade morfológica do
corpo desportivo, alguns dos nutrientes que a alimentam e potenciam.
Para CUNHA E SILVA (1999), o desporto tem a capacidade de
comunicar ao movimento corporal uma mais valia estética. Trata-se
como que de uma injecção cromática com que o Desporto dá valor ao
movimento.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 32

Domínio Técnico

A melhor execução técnica coincide com uma maior valorização


estética. Um juiz internacional de ginástica artistica masculina
relaciona os factores de dificuldade, perfeição e estética, opinando que
quando mais dificil foi a habilidade realizada, mais a execução técnica
tem que ser excelente atingindo, a performance daí resultante, uma
qualidade estética.

Assim, qualquer tipo de activade fisica que evidencie uma habilidade


técnica de um nivel superior é, para KIRK (1984), fonte potencial de
experiencia estética. Além disso, BOXILL (1988) argumenta que o
domínio excelente da técnica desportiva favorece a criação de um
estilo próprio e que este constitui um catalisador de resposta estética.
Se nao existir domínio técnico dificilmente existirá estilo e uma
valorização estética.

Plástica do corpo

De forma equívoca, a estética do desporto é associada, quase


exclusivamente, às formas do corpo de alguns desportistas o que, em
termos de tipo morfológico, radica no ectomorfismo – percentagem
elevada de massa magra e muscularidade moderada. A morfologia
corporal interfere, naturalmente, na representação da estética do corpo
desportivo, e intervém como um factor de influência na estruturação
da experiência estética desencadeada pelo desporto. Contudo, o olhar
estético amplia, ao invés de reduzir, as possibilidades desse corpo, o
que significa que a diversidade de tipos morfológicos exibida pelo
corpo desportivo expressa as suas potencialidades em termos de valor
estético.

Ao metamorfosear-se, pelo exercício físico e pelo treino, o corpo


desportivo evidencia-se como um corpo de variabilidades, que revela
todas as suas possibilidades plásticas por intermédio do movimento
desportivo (CUNHA & SILVA, 1999). A plástica do corpo em
movimento traduz-se nas linhas, formas, relevos, volumes daquele
corpo que preenche o espaço e ocupa o tempo com o movimento. O
corpo humano, graças ao treino intensivo a que pode ser submetido,
adquire qualidades e graus de plasticidade optimais. Pode quase
afirmar-se que o corpo é uma matéria plástica, no sentido em que é, de
certa forma, modelável (pelo exercício físico e pelo treino). WITT
(1989) considera o corpo humano e os seus movimentos submetidos à
influencia do desporto como aspecto primordial ao reconhecimento de
qualidades estéticas na activade desportiva. BENTO (1995) situa o
corpo no cerne da Estética do desporto, corpo entendido como meio de
expressao do eu e da subjectividade que lhe é propria, o que o vincula
à experiencia estética. Para CUNHA E SILVA (1999) o protegonismo
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 33

cultural do curpo desportivo advém, em parte, do caracter estetico que


o transporta.

A plasticidade do corpo exibida pela actividade cinétrica do corpo


humano na multiplicidade dos dinamismos inerentes às varias
activadades desportivas pode se configurar como um mapa, um esboco
que revela e indica a ligação do desportista ao homem e do Desporto
ao mundo.

O Morfótipo dos Desportistas

Existe uma relação entre a modelação do corpo e as acções motoras


em si. Pois as qualidades estéticas do corpo humano potencialmente
aumentadas pelas alterações que lhe advem da prática desportiva o que
se repercute na estética dos movimentos desportivos e nos efeitos que
produzem no público.

O corpo desportivo, que é capaz de se transformar pelo movimento e


pelas alterações morfológicas, é tambem um corpo que faz da
epiderme o palco das suas melhores representações: da forca à
velocidade ou à ampliutude de movimentos, do esforco à coragem ou
à superação, da criatividade ao estilo ou à emoção.

As relações de cooperação e oposição.

A confrontação e a cooperação existentes neste tipo de desportos


amplificam as suas possibilidades estéticas, situaando-as próximo da
arte dramática. KUPFER (1988) vê na variabilidade e na
imprevisibilidade do confronto intra e inter-equipas, nas evoluções
ofensivas e defensivas, nos factores estruturantes e edificadores do
jogo, uma mais valia estética.

O caractér estético dos jogos desportivos colectivos passa pelas


relações de cooperação e oposição entre os atletas, e que a estética
destas interacções em muito se liga, de facto, com a criatividade e a
improvisação com que são originadas.

Entre colaboradores e opositores:


• Constante adaptação, readaptação e combinação de
movimentações;
• Luta e esforços colectivos;
• Variabilidade e imprevisibilidade do confronto intra e inter-
equipas;
• Evolução ofensiva e defensivas.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 34

Processo:
• Luta para vencer as dificuldades colocadas pelo adversário;
• Estratégias de parceria e cumplicidade com os companheiros.
• Superação das limitações próprias e das adversidades da
competição.

As dimensões vitória/derrota

A ambição de ganhar para elevar o carácter estético do desporto pois


um jogo bem jogado agrada do ponto de vista estético e só ocorre
numa competição que envolva o desejo de ganhar e sem ele existem
faltas de concentração o que tem influência no carácter artístico da
perfomance.

A dualidade vitória/derrota não desvaloriza o carácter estético do


corpo. Uma vez que aleatoriedade e a imprevisibilidade dos eventos
desportivos conduz, frequentemente, a que a derrota seja encontrada
por quem a produziu um melhor desempenho. No entanto, no desporto
o processo deve ser valorizado relativamento ao produto, pois a vitória
nem a derrota são determinantes por si mesmas na apreciação estética.
Importante é o como se venceu ou se foi derrotado.

A natureza quantitativa do resultado desportivo

O resultado numérico obscurece o carácter do espetáculo desportivo.


Isto é, o valor do resultado não pode ser considerado de forma isolada.
Por exemplo, se visionarmos os 8.90 m e 4.90 m como resultado de
dois saltos em comprimentos, sabemos que as prestações que os
originaram foram substancialmente diferentes e que o valor mais
elevado revela, muito provavelmente, uma realização passível de nos
impressionar mais vivamente em termos estéticos. No entanto não é o
valor em si que produz esse efeito mais observação da perfomance.

Qualidade do espectáculo desportivo

A qualidade do espectáculo desportivo sobretudo a questões


relacionadas com o domínio técnico, opções tácticas, eficácia e
economia de movimentos, concretização das jogadas, e também o
espaço de encontro entre o espetacdor e o actor e a criação do
resultado, da marca, de novas expressões e poderes sobre o corpo.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 35

Espaço Físico

A diversidade de características dos espaços foi considerada com um


factor que influencia na apreciação estética.

MARTINS (1999) apela à importância dos espaços onde se


desenvolvem as competições desportivas e os acha similares a um
palco. WILT (1989), faz referência ao facto de a actividade desportiva
ter desenvolvido o seu próprio ambiente do ponto de vista estético,
mencionando a necessidade em atender aquilo que designa por
“imediações” do exercício físico, do trino e da competição,
enfatizando como um traço importante das qualidades estéticas do
desporto, a arquitectura dos espaços desportivos.

CONSTANTINO (1990) fala da importância da arquitectura


desportiva para o valor estético do desporto, particularizando o caso
dos estádios olímpicos, que segundo ele constituem actualmente
“auténticas catedrais do desporto”.

Assim, todo o envolvimento que rodeia as realizações desportivas


constituem portanto oum envolvimento iconográfico que contribui
para a construção de significados que enriquecem a experiência
estética desportiva.

Utilização de Materiais

A utilização dos diferentes materiais permite exibir a versatilidade do


corpo humano na sua capacidade de adaptação às condições mais
diversas, possibilitando a emergência das categorias estéticas com
força, agilidade, equilíbrio, eficiência, superação, poder e estilo.

A diversidade de materiais associados às várias práticas desportivas


possui uma relação muito ténue com o efeito decorativo. Trata-se de
algo que se relaciona com a estrutura interna de cada modalidade e que
contribui para a sua identidade e caracterização. Contudo, a aparência
dos aparelhos parece-nos cada vez mais cuidade e apelativa.

O desporto actual começa a evidenciar uma tendêndia no sentido de


despertar uma resposta estética no público através de aspectos mais
óbvios.

Vestuários e acessórios

A moda do vestuário desportivo tem traços inerentes às qualidades


estéticas comuns a muitos desportos. Bento (1997), refere-se a moda
como um dos termos constituintes da dimensão cultural e estética do
desporto.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 36

O vestuário é mais do que um simples meio de protecção corporal,


sendo uma forma de demonstração simbólica que desempenha uma
função de atracção.

A dimensão sensorial da estética radica no que estimula os orgãos dos


sentidos:

• As combinações de cores dos equipamentos, os modelos, os


contrastes corpo/facto/ acessórios, etc., entusiasmam, em
maior ou menor grau, os nossos olhos, o nosso sentido da
visão, contribuindo para a apreciação estética.

Presença de música e de elementos do reportório da dança.

É previsível que a contribuição de duas formas de arte absolutamente


estabelecidas, como são a música e a dança, interfira na apreciação
estética, principalmente em modalidades como a ginástica artística, a
ginástica rítmica, a patinagem artística e a natação sincronizada.

A associação da música e dos elementos do reportório da dança, bem


como dos outros elementos que constituem os exercícios em muito
condiciona a totalidade da coreografia, sendo que a qualidade da
relação música/movimento se repercute, muito provavelmente, em
termos de apreciação estética. A dança sempre associou o movimento
corporal à música, resultando a sua combinação numa mais-valia do
domínio expressivo.

Há uma grande intimidade entre a música, os elementos do reportório


de dança e as técnicas desportivas. Os desportos onde se regista a
presença da música e de elementos importados e/ou adaptados da
dança, a comuniicação está facilitada, dado que nestas duas formas de
arte existe quase sempre a intenção de comunicar algo ao espectador.

O corpo desportivo tem inspirado a arte do nosso tempo visto que a


literatura, o cinema, a arquitectura, a fotografia, a pintura, a escultura
ou a dança, encontram na liberdade de movimentos expressa pelo
corpo desportivo, fonte originária para a criação artística. O atleta joga
com o valor estético do desporto, expondo categorias como a força, a
velocidade, a habilidade ou a disputa, produzindo no artista um
sentimento de identidade, que o impele a entrar no jogo. A participar
no grandioso e mediático jogo de futebol, no qual o corpo colectivo
encontra um dos espaços mais excelentes de expressão, ou no não
menos grandioso e igualmente mediático combate de boxe,
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 37

protagonizado pelo corpo individual. A propósito do último filme que


integra o que pode ser já considerado como um marco na
cinematografia dedicada ao desporto, a antologia Rocky, é oportuno
evocar o fascínio que o boxe tem exercido sobre a arte. O corpo do
boxeur é treinado e disciplinado para resistir e sobreviver, qual
metáfora da inexorável condição humana.

Na sociedade mediatizada do século XXI, em que a imagem


desempenha um papel crucial, a imagem do corpo desportivo adquiriu
um protagonismo nunca antes alcançado. O corpo desportivo
converteu-se no corpo da moda, exercendo uma forte atracção sobre o
imaginário social, que procura continuamente aproximar o seu corpo
do cânone instituído.

Se a atracção sobre a forma é algo que caracteriza o domínio da


Estética, também enquanto categoria antropo-filosófica, a Estética
refere-se a atingir uma singularidade.

A estética do corpo da competição

Do corpo da competição do atleta de alto rendimento, espera-se


perfeição e excelência de movimentos. De forma extemporânea e algo
simplista, a perfeição pode remeter para uma certa fidelidade a
estereótipos técnicos (pode sugerir reproduçã e/ou imitação de
modelos). É possível, contudo, realizar outras leituras acerca desta
categoria. Na perfeição existe, de facto, uma afinidade com modelos
técnicos que, até certo ponto, pode ser entendida como imitação.

No desporto passa-se algo de muito semelhante ao que acontecia com


os pintores impressionistas, que usavam de forma repetida o mesmo
modelo, fundamentados em duas ordens de razões: a inesgotabilidade
do modelo e o sentimento de que nunca conseguiam verdadeiramente
atingi-lo. No desporto, quando uma técnica passa a estar
completamente dominada e rotinizada o atleta aspira a criar algo de
novo. Não se trata apenas do estilo que o desportista é capaz de
manifestar quando domina habilmente uma técnica, mas sim de
desenvolver novas formas para atingir o mesmo objectivo.

Perfeição e excelência remetem também para virtuosismo, que pode


ser entendido como a capacidade que alguém possui em conseguir ser
tão perfeito tecnicamente, que acaba por contaminar esteticamente
quem o observa. A estética do desporto prende-se muito com este
“contágio”, com o fascínio que o atleta em movimento é capaz de
exercer sobre o observador.

Ao expressar-se através do corpo, o movimento desportivo adequa-se,


ao mesmo tempo que é adequado, ao morfótipo do atleta. Da ginasta
de rítmica ou do saltador em altura espera-se linearidade, que permita
amplitude de movimentos e grande impulsão vertical; do halterofilista
ou do culturista espera-se significativa hipertrofia muscular que
possibilite manifestações superlativas de força em regime de potência;
dos lutadores sumo esperam-se quantitativos excepcionais de massa
gorda. O corpo do desportista comunica, é um corpo-livro (RIBEIRO,
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 38

1994), que possui uma certa gramática de gestos (GIL, 1997) e que,
através da sua narrativa, conta a história daquela pessoa que é o atleta.
A harmonia entre o tipo morfológico e a tipologia do movimento é
fundamental neste processo de comunicação. Procura-se uma relação
perfeita entre forma e função, ou seja, entre o modelo do corpo e o
movimento que lhe é requerido pela modalidade em causa. A
experiência estética induzida pela observação de desporto encontra na
variabilidade morfológica do corpo desportivo, alguns dos nutrientes
que a alimentam e potenciam. Como sublinha CUNHA & SILVA
(1999), o desporto tem a capacidade de comunicar ao movimento
corporal uma maisvalia estética. Trata-se como que de uma injecção
cromática com que o Desporto valora o movimento.

A estética do corpo da recreação

Na sociedade mediatizada do século XXI, em que a imagem


desempenha um papel crucial, a imagem do corpo desportivo adquiriu
um protagonismo nunca antes alcançado. O corpo limpo, plano,
lustroso, jovem, saudável, sedutor, exerce uma forte atracção sobre o
imaginário social que, a qualquer preço, procura aproximar o seu
corpo deste estereótipo tão difundido. Se é certo que a atracção sobre a
forma é algo que caracteriza o domínio da estética, certo é também
que, enquanto categoria antropo-filosófica, a estética se refere a, pela
forma, atingir uma singularidade. Não é isto, contudo, que os clientes
dos ginásios, health clubs, fitness centers, clubes de saúde, etc.,
procuram. Neste locais, orientados pelos valores da economia de
mercado, imperam os princípios do rendimento, da eficácia, da
competitividade. O lucro exprime-se por meio do consumo calórico, a
eficiência na depleção dos açúcares e das gorduras traduz a eficácia
dos programas de treino, a concorrência expõe-se nas imagens
reflectidas pelos espelhos que não mentem nem iludem. O cliente que
agora pedala no cicloergómetro, rumo a um destino nunca alcançado,
pode até não saber o nome do seu colega do lado que rema no vazio,
de mãos presas ao remoergómetro, estranho passageiro de uma
embarcação que desliza por um rio sem margens nem caudal. No
entanto, ele conhece ao pormenor a topografia do corpo do seu
companheiro de viagem, eles relacionam-se pelo olhar antroposcópico.

Segundo GUMBRECHT (2006) os frequentadores de ginásios são, ao


mesmo tempo, atletas e espectadores. Nestes espaços, mais de
vigilância inter-corporal do que de inter-acção social, a estética revela-
se na sua acepção mais próxima do senso comum, como meio de
atingir objectivos pessoais e reconhecimento social. É a estética do
instituto de beleza, da massagem e depilação, da cosmética e da
maquilhagem. Não deixa de ser, naturalmente, uma dimensão da
estética, a da superfície. Mas a superfície por si só, isolada, definha e
extingue-se; existe para permitir a comunicação, a articulação com a
profundidade, a manifestação do interior. A estética, ao olhar a
superfície, olha em profundidade e exerce uma influência sobre o
interior.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 39

A estética do corpo deficiente

No movimento do corpo diferente, deficiente, o desporto descobriu um


outro espaço para manifestar a sua estética. Na sociedade da imagem
em que estamos imersos o corpo é, como salienta Rodrigues(9) “um
factor de inclusão ou de exclusão social. A comunicação que ele
veicula aproxima ou afasta as pessoas de determinadas realidades
sociais.” (p. 40). As malformações corporais, congénitas ou
adquiridas, atentam contra a integridade estética e funcional do corpo.
Os indivíduos deficientes podem apresentar uma aparência física que
choca e angustia os ditos normais, que têm dificuldade em reconhecer
valor estético no corpo diferente. Portadores de um corpo que se afasta
do estereótipo do corpo da pessoa dita normal, o corpo deficiente é
frequentemente considerado menos belo, despertando atitudes de
rejeição e de repulsa. O desporto para deficientes, que tem o seu
expoente máximo no desporto paralímpico, sinaliza um exemplo de
como o corpo deficiente possibilita a abertura a novos olhares sobre o
corpo desportivo, olhares esses que alargam e enriquecem os
horizontes da estética do desporto. A força, a graça, a perfeição, a
elegância, o equilíbrio, o ritmo, a harmonia, a criatividade, a
transgressão, a superação, adquirem um valor semântico acrescentado
por meio das performances exibidas pelo corpo desportivo deficiente.
Se é certo que o desporto de alta competição exige dedicação, talento e
desgaste físico, do desportista deficiente ele exige tudo isto de forma
ampliada, na medida em que à luta para chegar mais alto, e ser mais
rápido e mais forte, se junta o combate contra os estigmas que o
acompanham, enquanto portador de um corpo deficiente. Deste modo,
a categoria superação contribui de forma muito expressiva para a
estética do desporto para deficientes.

Busca, força, inspiração, celebração foram o lema dos Jogos


Paralímpicos de Atenas 2004. Os heróis da mitologia grega, que
ultrapassavam a sua capacidade humana, oferecendo narrativas únicas
com as suas conquistas, revelam-se como uma imagem excelente da
transcendência a que o corpo deficiente acede através do movimento
desportivo. Busca do nunca antes alcançado, força para mostrar que
quando os deficientes são a referência, os diferentes podem ser os
normais, inspiração na criação de momentos de uma emocionalidade
singular, celebração da liberdade, que não se aprisiona em corpo
nenhum, muito menos no do desportista deficiente.

A estética do corpo envelhecido

A liberdade do corpo por meio do desporto expressa-se também


através do desporto para seniores, que redimensiona o valor estético
do corpo. A sociedade contemporânea impõe o desequilíbrio entre a
idade biológica e a aparência física, de modo que envelhecer deixou de
ser natural, tornou-se quase perverso.

Há que envelhecer mantendo um aspecto belo, jovem e saudável. É


certo que a associação entre desporto e saúde é hoje em dia
incontestável, parecendo muito consistente a fundamentação científica
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 40

quanto aos benefícios do exercício físico na redução, por exemplo, dos


acidentes cardiovasculares e dos acidentes vasculares cerebrais,
sobretudo devido ao controlo e diminuição dos factores de risco. Mas
qual o papel da estética no domínio do desporto para os mais velhos?
Ao nível do senso comum, o papel do desporto respeita,
principalmente, à manutenção de uma forma física que se afaste da
flacidez e da obesidade. Para as mulheres, sobre as quais a pressão
social relativamente ao estereótipo corporal se exerce de forma bem
mais acentuada do que em relação aos homens, a utilização do
desporto como um meio de esculpir o corpo pode tornar-se quase uma
obsessão. Numa sociedade em que se inventam e reinventam, a um
ritmo frenético, meios para manter a juventude, mas em que não se
ensina a lidar e a aceitar o declínio do corpo com a idade, as categorias

morais culpa e censura podem perturbar significativamente o


quotidiano do género feminino (e cada vez mais também o do
masculino). No domínio filosófico, a estética há muito transpôs a
norma, o padrão, o cânone. O olhar estético procura insistentemente
desvendar novas formas nas formas estereotipadas, jogar com a luz,
com as sombras, com o espaço, com o tempo, com o belo e com o
feio. O nosso corpo deve ser um lar, não uma prisão. A forma como o
vemos e como com ele convivemos deve ser estética, mas não no
sentido anestésico que prolifera actualmente.

Os gordos, os baixos, os calvos, os flácidos, os pouco bronzeados, os


velhos, são invisíveis, estamos anestesiados perante a sua presença,
eles tornam-se transparentes aos nossos olhos. No entanto, o corpo
envelhecido tem um valor estético próprio, ele preserva a memória da
vida por que passou, revela a história do ser do homem no mundo. No
domínio estético, o desporto para seniores terá que projectar para
primeiro plano a categoria estética liberdade. O corpo envelhecido que
pratica desporto é mais livre, não apenas porque tem mais força, maior
amplitude de movimentos, mais agilidade, mais equilíbrio, mas
também porque é mais capaz de conciliar a aparência com a essência.

Se actualmente o desporto pode ser olhado como mais um dos palcos


em que o corpo contemporâneo oscila entre um desejo de superfície e
um desejo de profundidade, a estética do corpo desportivo pode
representar um espaço de conciliação e de harmonia, espaço de
libertação, e não de constrangimento, do desportista e do homem do
século XXI.

Sumário
A importância da educação estética na formação plena do homem
ficou inequivocamente reforçada pelas ideias expressas neste capítulo.
Mostrou-se o tão difundido papel da arte, em particular da dança neste
domínio, destacando-se o lugar que o desporto, enquanto objecto
estético pode desempenhar no processo de educação estética. A
relevância social e cultural que o desporto adquiriu na
contemporaneidade e que tem suscitado que seja objecto de múltiplas
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 41

abordagens, justifica que a abordagem estética inclua o interesse pela


educação estética através do desporto. Enquanto dimensão
eminentemente antropológica, a estética permite ao ser humano ler o
mundo através de um olhar que concilia a racionalidade com a
emocionalidade.
.

Exercício 3
1. Por que devemos estudar as relações entre desporto e arte?
2. Reflicta em duas páginas sobre a importância da estética no
desporto.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 42

Unidade nº 4
Plástica e Pensamento do
Corpo Contemporâneo

Nesta unidade abordaremos aspectos ligados à plástica e o vínculo


com o pensamento do corpo contemporãneo. O que será plastica?

Ao completares esta unidade / lição, serás capaz de:

 Saber definir plástica;


 Establecer a relação plástica, corpo e pensamento no desporto.

Objectivos

Falar do corpo é falar de um espaço multidisciplinar, porque se pode


falar dele a partir de muitas perspectivas. O corpo é lugar dos
determinismos e condicionamentos biológicos, cada vez mais
evidentes com os avanços da medicina, da biotecnologia e da genética
- é a tendência biologicista; o corpo é expressão do psiquismo, e
portanto, como descobriram muitos psicoterapeutas, o corporal pode
ser via de acesso ao psíquico - é a tendência psicologista; o corpo é
também matéria na qual se inscrevem as marcas das classes e grupos
sociais - é a tendência sociologista.

O corpo é objecto histórico. Cada sociedade, segundo CERTEAU


(citado por SANT'ANNA, 1995) tem o seu corpo, assim como cada
sociedade tem sua língua, e, assim como a língua, "o corpo está
submetido à gestão social tanto quanto ele a constitui e a ultrapassa"
(SANT'ANNA, 1995, p. 12). Enfim, o corpo é uma construção
cultural.

Em todos esses tendênciaes portanto, de alguma maneira, o corpo é


linguagem, é expressão da natureza, da individualidade e do
pertencimento social; é, pois, linguagem da vida e do homem. Mas a
tendência biologicista é para o biólogo, a tendência psicologista é para
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 43

o psicólogo, e assim por diante. Então, o que podem ser "corpo" e


"cultura" para a Educação Física e para o Desporto?

De que espaço disciplinar poderiam a Educação Física e o desporto


falar do corpo e da cultura? Seria possível uma abordagem com o
"olhar", com a tendência da Educação Física e do desporto?

São várias as inferências que buscam definir o que é o corpo afinal.


Para VARGAS (1990), o corpo é um turbilhão de acontecimentos
culturais, sociais, animais e psíquicos, uma confluência de fenômenos,
uma teia de emoções, de movimentos, um leque inesgotável de gestos.

FEIJÓ (1992) considera que corpo e mente são um dado


fenomenológico da percepção diária, dessa forma, nenhum dos dois
deve ser negado ou diminuído.

BRITO (1996,) afirma que estudos actuais têm evidenciado como a


psiconeuroimunologia e a psiconeuroendocrinologia, estudam as
relações do corpo físico, com os corpos energético, emocional e
mental.

LADISLAU & PIRES (2007,) relatam que o corpo de um indivíduo ao


mesmo tempo em que guarda vários traços de sua subjetividade e de
sua fisiologia, também pode esconder tais traços, e se aventurar na
tentativa de desvendar esses mistérios é perceber o quanto é inútil
separar a obra da natureza daquela realizada pelos homens, pois o
corpo é “biocultural”, tanto a nível genético, quanto oral e gestual.

Para VILLAÇA & GÓES (1998), pensar o corpo é pensar em suas


possibilidades e em seus limites, percebendo-o como um dos
elementos constitutivos do universo, no qual se produzem as
subjetividades.

Na Grécia antiga, vários filósofos já passavam a expressar discussões


sobre a relevância da dimensão corporal do homem, tentando explicar
sua importância. Eles buscavam preconizar a harmonia entre corpo e
mente, demonstrada nas belas estátuas nuas, feitas através de uma
expressão inteligente (VARGAS, 1998).

Platão pregava a dicotomia entre corpo-alma, para ele era fundamental


fazer ginástica desde a infância e a adolescência, dessa maneira, a
ginástica cuidaria do corpo e a música cuidaria da alma, criando uma
harmonia entre os dois. Sócrates considerava que um corpo saudável
era resultado de um corpo trabalhado e Aristóteles postulava que a
educação compreendia três momentos: a vida física, o instinto e a
razão.

Ainda segundo VARGAS (1998), na idade média, o corpo e a


sexualidade eram vistos como sinônimos de pecado e, assim, os
conceitos religiosos da educação preconizavam a elevação do poder
mental e espiritual, renegando-se qualquer ação expressiva corporal.
Somente as habilidades guerreiras dos cavaleiros e seus soldados eram
permitidas, quando tinham como ideal a conquista de “lugares santos”
e o combate às pessoas consideradas infiéis.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 44

Contemporaneamente MARLEAU-PONTY em sua obra


Fenomenologia da Percepção, propõe uma nova idéia sobre dimensão
corporal e ressalta que é através do nosso próprio corpo que
interagimos com o mundo e as pessoas ao nosso redor. Dessa forma,
compreende-se que, quer seja na filosofia antiga, quer seja na filosofia
actual, o corpo surge como um ponto crucial para as relações humanas
(NOVAES, 2001).

Segundo SILVA et al. (2007) o corpo que temos hoje, guarda muitos
vestígios dos corpos de antigamente. Alguns desses vestígios vêm à
tona com maior evidência, outros nem tanto, mas todos deixaram suas
marcas. Representações de saúde, beleza, doença, juventude,
virilidade, etc., não desapareceram, simplesmente, adquiriram novas
características, produzindo “novos corpos”. Dessa forma, a
individualidade das aparências criadas a partir da super valorização da
imagem, leva o indivíduo a acreditar que o corpo é o local da
identidade, que o corpo fala sobre a personalidade e actualmente a
individualização do eu é de grande importância, já que, hoje ser único
é ser visível.

Analisar o corpo através do parâmetro cultural é compreendê-lo


situado no tempo onde vive, mas não apenas ligado à natureza
biológica, e sim, em interação com o mundo ao seu redor, e dessa
maneira, perceber como o corpo é provisório, passível de inúmeras
mudanças, de diversas formas de aperfeiçoá-lo, significá-lo. É acima
de tudo, entender que a construção daquele corpo é a todo o momento
atravessada por diferentes marcadores sociais como raça, gênero,
geração, classe social e sexualidade (LADISLAU & PIRES, 2007).

Intimamente ligadas ao corpo humano estão às relações sociais,


culturais, políticas e econômicas do momento histórico vivido e essas
relações influenciam por completo o universo das técnicas e práticas
corporais, fazendo com que, o corpo tenha, após a modernidade, se
tornado um dos elementos mais complexos e interessantes (SOARES,
2001 citado por BANDEIRA & ZANELLA, 2007).

Segundo ADORNO (1994) citado por BANDEIRA & ZANELLA


(2007), dentre as várias categorias que constituem essas relações,
encontramos a indústria cultural e sua relação com o corpo humano
sob o âmbito mercadológico, fazendo do corpo uma mercadoria. Nessa
conjuntura, a indústria cultural tenta alienar a sociedade e convencê-la
de que o consumidor é o sujeito nessa relação, quando na verdade ele
não passa de objecto.

Neste contexto, o corpo, influenciado pela cultura do belo, tem sido


um dos principais agentes para o crescimento do consumo. Diante da
ditadura da beleza e influenciados pela meios de comunicação, os
corpos vêm sendo homogeneizados a determinados padrões estéticos
(BANDEIRA & ZANELLA, 2007).

A centralização que o corpo adquiriu na idade contemporânea levou ao


aumento do número de produtos e serviços relacionados ao corpo, ao
seu desenvolvimento, manutenção, controle. A indústria da beleza não
pára de crescer, assim, o corpo torna-se um modelo sob o qual são
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 45

conferidas diversas marcas, transformando-se em algo provisório,


mutável, conforme o desenvolvimento de cada cultura (SILVA et al.
2007).

A questão tradicional de aceitar ou não o corpo recebido torna-se


agora: como mudar o corpo e até que ponto? O desenvolvimento das
ciências da vida nos últimos anos permite hoje que o corpo sofra
alterações não somente na aparência, mas também nos elementos de
sua estrutura, e a possibilidade de recusa ou aceitação do corpo é uma
alternativa oferecida ao indivíduo a partir do distanciamento advindo
com a tomada de consciência de sua própria imagem (VILLAÇA &
GÓES, 1998).

Actualmente, vários são os discursos que tentam convencer a todos de


que vivemos em tempos de diversidades e de relativismos. Esses
discursos pregam a existência de conceitos em que o respeito a normas
e padrões estaria se extinguindo, assim, entende-se que finalmente, a
hora de valorizar e respeitar as diferenças teria chegado. Entretanto,
quando o assunto é corpo, observa-se o que pode ser chamado de
“paradoxo contemporâneo”. Por um lado, vivemos um momento
denominado por muitos de pós, no qual conquistamos uma certa
liberdade, que permite a cada indivíduo se expressar livremente, ser e
ter o que quiser, inclusive no que diz respeito ao corpo. Por outro lado,
há uma série de discursos, principalmente midiáticos, que desejam
convencer a todos, estabelecendo um modelo corporal a ser seguido.
Logo, aquele contexto de apoio à diversidade e esse poder
normatizador sobre o corpo, constituem o “paradoxo contemporâneo”
(VILAÇA et al. 2007).

O facto de a cultura ditar normas em relação ao corpo, às quais o


sujeito deverá se acostumar a qualquer custo, até o ponto de esses
padrões lhe parecerem naturais, vem fazendo com que o homem tenha
dificuldade em lidar com a sua própria imagem.

BANDEIRA & ZANELLA (2007,) questionam se o facto de a


sociedade buscar enquadrar seus corpos aos modelos ditados pela
meios de comunicação, não esteja fazendo com que as pessoas passem
a adotar imperceptivelmente a idéia de colectivo, perdendo a
autonomia e a tão desejada visibilidade através do ideal de ser único,
ser diferente.

No decorrer da história, chegamos a um ponto em que as pessoas, em


busca do desejo de tornar o corpo perfeito, procuram separá-lo de seu
patrimônio genético e cultural (LADISLAU & PIRES, 2007).

Encantadas por belas imagens, por físicos inigualáveis, expostos pela


meios de comunicação, elas se aventuram a reformar o corpo por meio
dos avanços tecnológicos e científicos. O resultado dessa reforma é a
satisfação de ver o corpo padronizado aos modelos estéticos actuais, a
conquista de uma possível visibilidade perante a sociedade e uma falsa
individualidade, falsa porque, um modelo estético que é comum a
todos não confere a ninguém exclusividade.

Na Grécia, mais ou menos entre os séculos 300 a.C. e 200 d.C. reinava
o período Helenístico. Nesse período, a idéia de corpo era traduzida
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 46

através da physis (físico), sinônimo de corpo na actualidade e que se


tornou popular após o século XIX com a prática das chamadas
educação física e actividade física (SOARES, 2007).

Segundo SOARES (2006,) o caminho grego no qual o ser humano


poderia existir e se desenvolver era guiado por três valores: o belo, a
justiça e o bem, de forma que a prática da ginástica actuaria para
manutenção e equilíbrio destes.

No helenismo, a estética corporal em harmonia com os valores


culturais formava o homem grego sensível. Nesse período, a ginástica
era vista como exercício das faculdades individuais e o ginásio como
um indicador do nível de desenvolvimento da nação, essa duplicidade
diferenciava os gregos das sociedades bárbaras, dando-lhes
sensibilidade (SOARES, 2006).

ABRANTES (1998) citado por SOARES (2006,) afirma que o período


helenístico foi fortemente influenciado pelo pensamento estóico, que
pregava a exclusividade da existência dos corpos. O materialismo e o
corporeísmo valorizados pelas idéias estóicas foram criticados pelo
cristianismo e pelas filosofias e ciências modernas, já que o facto de
Deus ser considerado pelos estóicos como modo de ser da matéria, não
estava de acordo com os princípios filosóficos e científicos.

O helenismo ao seu final foi revolucionado por Alexandre Magno, que


na tentativa da monarquia universal e dotado de valores estóicos,
inverteu a problemática platônica e aristotélica de valorização do
equilíbrio entre corpo e espírito e também a idéia da physis, que
juntamente com as mudanças na política, destruiu a harmonia entre
sociedade e indivíduo na Grécia, levando a sua invasão pelo Império
Romano. “A estruturação do individualismo, fundamentado na nova
filosofia helenística, leva a uma perspectiva individual da ética da
estética, a physis transforma-se em um físico material singular de cada
indivíduo” (SOARES, 2006 citado por SOARES, 2007).

A inversão do entendimento da physis faz com que o povo grego,


agora greco-romano perca a capacidade de manter o equilíbrio entre
corpo, espírito e beleza (SOARES, 2007). SOARES (2006), sustenta
que foi nessa época que teve início o individualismo e o egocentrismo
que reinam até hoje.

Com a queda da sociedade grega o entendimento da civilização quanto


às relações entre corpo e espírito também caem por terra, a partir desse
momento tem início a idéia da actual cultura corporal de valorização
do físico ao espiritual. Surge na antiguidade, a idéia da superioridade
da matéria em relação ao espírito. Quando o cidadão greco-romano
adota o pensamento estóico pregado no helenismo, talvez
inconscientemente, ele esteja criando um novo fenômeno de culto ao
corpo, conhecido na modernidade como fenômeno estético de
adoração ao belo, o determinado modelo corporal imposto pela
sociedade (SOARES, 2007).

Entende-se estética como a ciência do belo, sendo o belo o subjetivo


de cada um, ou seja, características que tornam um objecto ou corpo
agradável ou não (DUFRENNE, 1998 citado por CARDOSO, 2006,).
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 47

Segundo NOVAES (2001), nas civilizações pré-colombianas, a beleza


estava ligada ao privilégio de poder produzir alguma deformidade.
Assim, uma desproporcionalidade entre a orelha e o nariz, pode ser
considerada uma deformidade para a nossa cultura, mas para outro
povos não. Por outro lado, uma musculatura desenvolvida pode ser
considerada uma anomalia por alguém de uma cultura diferente da
nossa.

Para FEIJÓ (1992) citado por NOVAES (2001,) o conceito de beleza é


universal, já aquilo que é considerado belo é relativo aos padrões de
cada cultura, de cada época. Hoje a estética surge atrelada à noção de
beleza, ligada a cultura corporal (DUFRENNE, 1998 citado por
CARDOSO, 2006).

Segundo ARANHA & MARTINS (2003,) citados por SOARES


(2007) a beleza muda de padrão com o tempo, e tal mudança depende
mais da cultura e da visão em alta no momento do que de uma
exigência interior de belo, assim, factores como meios de
comunicação e cultura podem influenciar na subjetividade estética das
pessoas.

Desde a queda do período helenístico quando teve início o fenômeno


estético, o corpo passou por diversas transformações. Hoje ele passa a
ser visto como objecto de beleza, desejo, status. Surgem padrões a
serem seguidos no que diz respeito à estética corporal, técnicas de
modificação para que as pessoas se enquadrem nesses padrões. A
prática de exercícios, as dietas, as cirurgias são algumas dessas
técnicas que têm se tornado comuns no campo do esteticismo
(SOARES, 2007). Para SOARES (2006) é como se hoje fosse
necessário sintonizar os corpos com os objectos tecnológicos de
consumo.

De acordo com LE BRETON (2003) citado por VILAÇA et al. (2007)


o avanço tecnológico, que culminou com a substituição do trabalho
braçal pelas máquinas, ajudou para o engrandecimento do fenômeno
do culto ao corpo, pois a partir do momento em que os músculos não
estavam mais ligados à idéia de força e eficiência mecânica para gerar
lucros, o corpo estaria livre para ser trabalhado das mais diversas
formas possíveis fora das indústrias.

No decorrer da história da humanidade, a forma como homens e


mulheres trataram o corpo se fez sob uma quase total irracionalidade.
Isso pode ser percebido pelos padrões estabelecidos em diferentes
momentos na história, assim, a sociedade sempre determinou, ao longo
das décadas, um tipo de corpo (FERREIRA et al., 2005,).

Voltamos aqui àquela noção do “paradoxo contemporâneo”; o


transcorrer da história determinou ao longo dos anos o fim de certas
“amarras” da sociedade, no momento em que o corpo poderia ser
tratado e trabalhado sob os mais diversos pontos de vista, ele se vê
encurralado por um novo modelo que restringe seu uso. Dessa forma é
necessário se pensar o corpo como um objecto destinado a seguir
determinado padrão (VILAÇA et al., 2007). Dando-se evidência aos
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 48

corpos masculinos o que é padrão actualmente são os modelos altos,


fortes e robustos (LADISLAU & PIRES, 2007).

Hoje em dia, pode-se perceber que o sexo masculino tem se mostrado


muito mais preocupado com a aparência. Essas preocupações estão
voltadas para os cabelos, para a altura, para os pêlos, entre outras.
Segundo POPE et al. (2000, p.204) a preocupação masculina com os
cabelos se faz pelo medo de que estes sejam ralos demais anunciando
uma provável calvície ou que estejam ficando grisalhos. Para os
homens, um cabelo livre da aparência grisalha, das caspas e da
calvície, sugere que eles sejam mais jovens, mais bonitos e bem-
sucedidos, atraindo as mulheres.O aspecto das mamas também é uma
das preocupações masculinas. Mamas grandes ou gordas podem ficar
com um aspecto feminino e gerar certa insegurança dos rapazes quanto
à masculinidade e virilidade. Dessa forma milhares de homens
recorrem à cirurgia para redução de mamas anualmente (POPE et al.,
2000).Preocupar- se com o facto de ter pêlos demais ou de menos
também é comum entre os homens e ser baixo para a maioria deles
também é motivo de alerta, já que para a sociedade os homens têm que
ser mais altos que as mulheres (POPE et al., 2000).

Analisando todas essas características consideradas importantes para o


gênero masculino, pode-se concluir que ter muito cabelo, mamas que
não tenham aspecto feminino e ser bastante alto são para a maioria dos
homens sinônimos de força, virilidade, dureza e masculinidade (POPE
et al., 2000).

Para BEIRAS (2007), a masculinidade que os homens tanto buscam


afirmar, nada mais é do que uma construção histórica e social, que
através de certos atributos determinam o que é o masculino. Mas com
o tempo esses símbolos sofreram certas transformações e a noção de
maturidade e masculinidade anunciadas antigamente pela barba e por
outros pêlos corporais, hoje está mais voltada para a aparência
musculosa e mesomórfica.

POPE et al. (2000) ressaltam que essa preocupação com a aparência


musculosa tem levado muitos homens a sacrificar boa parte de suas
vidas para se exercitarem exaustivamente nas academias, buscando um
tórax mais musculoso, um abdômen mais definido. Vários homens e
jovens adultos estão gastando muito na compra de suplementos
alimentares, esteróides anabolizantes ou outras drogas perigosas para
“aumentar” o corpo, e assim, melhorar a estética. No entanto, podemos
nos questionar, por que a noção de beleza do masculino está ligada a
imagem de um corpo musculoso?

A pergunta acima pode ser respondida se resgatarmos a história e


verificarmos que desde antigamente a doutrina cristã por mais rigorosa
que fosse, permitiu que o tema da imagem musculosa do herói se
tornasse convenção artística, até a invenção da fotografia no século
XIX (VILLAÇA & GÓES, 1998).

Na era pós-industrial a idéia de construção do corpo (body building)


ganhou força quando os antigos valores a que o corpo se apegava
sofreram um impacto com a espetacularização do mundo
contemporâneo. Kenneth Dutton, primeiro body builder, ao final do
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 49

século XIX, Sandow, o magnífico, ressaltam que sua expressão


individual passou a ser valorizada, diante de uma série de
acontecimentos, entre eles o movimento da cultura física germânica, a
espetacularização das formas corporais para a população e o
importante papel da fotografia para contemplação da estética, o que
acontecia anos atrás somente através da pintura e das esculturas
(VILLAÇA & GÓES, 1998).

Para ITO et al. (2008), desde o surgimento da primeira fotografia, esta


tinha como função primordial apenas reproduzir de maneira precisa os
fenômenos naturais, sendo usada somente de forma objectiva e
realista. Posteriormente, o caráter apenas documental da fotografia viu
surgir outra maneira de se ver o mundo sob o ponto de vista da
preocupação estética nas imagens.

Em meio às crises que se configuravam entre os anos de 1870 a 1880,


às greves violentas e a imigração descontrolada de povos do sul e do
centro da Europa, a cultura física passou a fazer parte da cultura
americana como motivo de fuga para todos os problemas. Foi o
momento da valorização dos músculos masculinos. A nudez passou a
encontrar nos heróis gregos e romanos a permissão estética e a
aceitação pela moral puritana devido à força e vigor muscular.
Naquela época, passou-se a pensar que um corpo de homem, se fosse
musculoso, jamais estaria verdadeiramente nu (VILLAÇA & GÓES,
1998).

Segundo SUGUIHURA (2007), desde as estátuas gregas, há um elo


entre imagem e o discurso que determina o tipo de corpo característico
de cada sociedade. Na Grécia antiga, os heróis da mitologia eram
imortalizados em estátuas que expressavam, pelos corpos “perfeitos”,
os valores, as atitudes que levavam ao sucesso, ao reconhecimento.

Com todos os eventos que cercavam essa nova moda de adoração às


formas corporais masculinas, o body building entrou em ascensão,
passando a caracterizar a construção da massa muscular, desligada da
noção de força e saúde. Tal tendência se estendeu até a Primeira
Guerra, como um ideal de perfectibilidade a ser alcançado. No início
do século XX, a exibição corporal se tornou frequente. Com o
desprendimento das amarras da moralidade, nos anos de 1920 a 1930,
os ícones desportivos eram mostrados ressaltando o hedonismo que se
instaurou no mundo do desporto. Surge uma nova linguagem, a body
language, caracterizada como um tipo de comunicação não verbal, que
utiliza as posturas, os gestos e expressões faciais (VILLAÇA &
GÓES, 1998).A comunicação não-verbal deslumbra os seres humanos
desde seus primórdios, pois envolve todas as manifestações de
comportamento não expressadas pelas palavras, podendo ser
observada na pintura, literatura, escultura e outras formas de expressão
humana. Pode-se dizer que o movimento inserido em um contexto
traduz o significado de uma mensagem (SILVA, 2000).

Muitos dos adeptos do body building até 1930 eram levantadores de


peso que se apresentavam em circos, ou como modelos fotográficos,
porém com o declínio do teatro de variedades, o body building passou
a seguir caminhos variados. O levantamento de peso se tornou uma
modalidade olímpica em 1920 e se transformou em um tipo de
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 50

treinamento para aquisição de força. O ato de posar passou a exigir


uma ênfase na estética voltada para fotografias e a atenção as formas
seria o determinante. Com a crise do modelo “herói”, a
espetacularização dos músculos do homem perfeito se tornou
curiosidade de cabaré (VILLAÇA & GÓES, 1998).

A preocupação com o corpo perfeito renasce nos anos 40 com a


criação do concurso de Mister América. Da América essa obsessão
pelo corpo se espalhou pelo mundo e novos concursos para exaltação
do físico masculino foram criados como o Mister Universo, no final
dos anos 60, e o Mister Olympia, repercutindo nos cinemas com os
filmes de gladiadores até a era Schwarzenegger. Dessa forma, o body
building é reinventado (VILLAÇA & GÓES, 1998). A preocupação
masculina com relação ao corpo faz parte da cultura narcísica, que tem
no body building, uma de suas mais fortes expressões.

Segundo POPE et al.(2000) a valorização da beleza corporal


masculina é muito comum em outras culturas, sendo que em algumas
delas, a estética do homem é tida como mais importante que a estética
da mulher. Na África, os homens da tribo Wodaabe, são fortes
guerreiros e líderes políticos, mas também cuidam de sua aparência,
enfeitam-se, ficam descontentes com suas rugas e imperfeições,
pintam seus rostos e fazem penteados nos cabelos. Nessa tribo, os
homens até participam de concursos de beleza tendo as mulheres como
juradas.

A adoração ao corpo masculino pode ser vista em vários momentos da


história. A masculinidade das estátuas gregas e romanas é um
exemplo. Na idade média a beleza masculina era contemplada através
dos heróis cristãos: altos, fortes e elegantes. Na Inglaterra elisabetana,
os homens já eram muito vaidosos com sua aparência e preocupados
com seu vestuário (POPE et al., 2000).

Contemporaneamente um corpo esculpido, com músculos bem


torneados é objecto de valorização para os homens. Cada cultura
constrói sua imagem de corpo e essas imagens se estabelecem como
maneiras próprias de ver e viver o próprio corpo (RUSSO, 2005).

A preferência por determinadas características do corpo masculino,


pode ser explicada parcialmente pela biologia e pelo processo
evolutivo. A idéia de beleza através da simetria dos traços corporais, já
está moldada na mente das pessoas e se torna uma preferência
colectiva. Outro exemplo dessa preferência colectiva é um grande
tamanho de corpo. No mundo animal, o tamanho corporal é
extremamente importante, já que o animal maior é aquele que domina.
Da mesma maneira, desde tempos mais antigos, para o sexo
masculino, ter um corpo maior e mais forte, confere aos homens
algumas vantagens, como proteção para a prole e luta por uma fêmea
(POPE et al., 2000).

Durante séculos a aparência masculina foi valorizada por diversas


culturas, nos mais diversos locais, muito disso, pela vontade de atrair
as mulheres e dominar outros homens. No entanto, os homens
modernos estão mais inseguros com seus corpos, com relação aos
homens de antigamente e isso pode ser explicado pelo papel de
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 51

destaque que as mulheres conquistaram na sociedade (POPE et al.,


2000).

Vários autores (ASSUNÇÃO, 2002; BALLONE, 2005; CHOI, POPE


JR., OLIVARDIA, 2006; POPE Jr., PHILLPIS, OLIVARDIA, 2000;
MIRELLA, 2006) citados por FALCÃO (2007) afirmam que o papel
masculino e feminino na sociedade vem sendo modificado nas últimas
décadas.

POPE et al. (2000,) acreditam que a igualdade entre os sexos


conquistada pelas mulheres ao longo dos anos em muitos aspectos da
vida diária, foi um dos responsáveis por desencadear a insegurança
dos homens com relação à imagem corporal. Os autores ressaltam que
as mulheres hoje podem fazer praticamente qualquer coisa como um
homem. Actualmente é possível encontrá-las ocupando desde cargos
políticos, até ingressando em academias militares, papéis antes,
restritos apenas ao público masculino, além disso, elas se tornaram
mais independentes financeiramente. Diante dessa situação, o que teria
restado aos homens para afirmar a sua masculinidade, teria sido
apenas o corpo, pois um dos aspectos em que as mulheres dificilmente
se igualam ao sexo masculino é no desenvolvimento da musculatura.

De acordo FALCÃO (2008), à medida que as conquistas femininas


foram ganhando destaque na sociedade, a preocupação masculina com
relação ao corpo também aumentou, devido a um sentimento de
masculinidade ameaçada. Esse facto pode ser visto com mais
intensidade a partir dos anos 60 em que é possível perceber os maiores
avanços tecnológicos das mulheres e as mais notáveis transformações
nas atitudes culturais com relação ao corpo masculino. Para eles, obter
um corpo musculoso se tornou importante porque a musculatura
representa a masculinidade e está relacionada às funções culturais dos
homens de serem fortes, poderosos, eficazes, dominadores e
destruidores.

Escritores como JAMES GILLETT & PHILIP WHITE, citados por


POPE et al. (2000) afirmam que um corpo musculoso representa hoje
em dia, uma tentativa dos homens de resgatarem o auto controle e o
valor masculino, já que a igualdade entre os sexos, tirou deles o papel
exclusivo de provedores e protetores. Michelle Cottle, jornalista,
afirmou em um artigo recente que “com as mulheres tornando-se cada
vez mais independentes, os pretendentes estão descobrindo que
precisam colocar na mesa mais do que uma carteira recheada se
esperam ganhar (e manter) a linda donzela”.

A estética corporal masculina evoluiu com o passar dos anos,


acompanhou o desenvolvimento da história da humanidade,
caracterizando-se e se deixando influenciar pelas mais diversas
culturas. Actualmente, ela se caracteriza por corpos fortes e
musculosos, como uma maneira dos homens afirmarem a
masculinidade ameaçada pelo avanço do feminismo, mas também
como tendência a acompanhar a padronização dos corpos através de
um modelo de beleza imposto pela meios de comunicação e pela
sociedade.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 52

O modernismo contemporâneo trouxe consigo o capitalismo


desenfreado, onde tudo está à venda, incluindo o corpo. O
consumismo gerado pela meios de comunicação transforma as
adolescentes em alvo principal para vendas, desenvolvendo os tais
modelos de roupas estereotipados; a indústria de cosméticos lançando
a cada dia uma nova fórmula, com cremes e gel redutores para
eliminar as “formas indesejáveis” do corpo e a indústria farmacêutica
faturando alto com medicamentos que inibem o apetite.

Um exemplo vivo é a actual forma como a modelagem corporal vem


sendo abordada pelos meios de comunicação cresceu de forma
gigantesca, e o corpo feminino está sob os holofotes há um bom
tempo; antes as preocupações eram comportamentais, agora a imagem
está à frente de qualquer objetivo. Portanto, nada mais actual do que a
adoração desenfreada pelo corpo magro e o efeito cascata que é
desencadeado por esta adoração.

No caso da musculação (body building, por exemplo), a intervenção


do profissional de Educação Física é preponderante para fomentar a
mudança de paradigmas construídos pela indústria cultural, na conduta
para com o praticante de musculação sobre a importância da prática a
longo prazo e priorizar os princípios da ética para esclarecimento de
resultados verdadeiramente possíveis de serem alcançados, sobre o
tempo de adaptação e respeito às individualidades biológicas gerando
a conscientização da corporeidade do praticante.

Também, os meios de comunicação e a indústria da “corpolatria”


produzem um discurso que nos diz o tempo todo que beleza, saúde,
potência, sedução e sucesso são indissociáveis e que não poderemos
jamais viver sem esses elementos. Cuidar do corpo em si, nos afirmam
eles, é indispensável ao bem-estar e à felicidade. Ser jovem, saber
dançar os ritmos da moda, vestir-se bem, freqüentar academias são
alguns ditames que estão sendo incutidos no tecido social. A criação
constante de necessidades pelo sistema midiático e pelo mercado vem
fomentando o narcisismo e o hedonismo.

Para KALICK (1988) citado por BRUMBAUGH (1993), os


consumidores percebem que a meios de comunicação apresenta um
mundo estilizado e idealizado. Programas de televisão, filmes,
anúncios em revistas, fotos e imagens em calendários, etc., são todos
bem iluminados, armônicos, transmitindo e reforçando a imagem
idealizada de perfeição. Imagens de homens musculosos e bem-
sucedidos e de mulheres bonitas, atraentes e sensuais são veiculadas
ostensivamente em uma tentativa de transferir sentimentos e
características do(a) modelo para o produto (ENGLIS, SOLOMON e
ASHMORE, 1994; ENGLIS e SOLOMON, 1995), como uma
“contaminação” com o sagrado. Corpos são colocados em cena em
função das fantasias humanas tentando-se, assim, evocar (e
satisfazer?) seus desejos sexuais. O corpo nada mais é, nesse contexto,
que um objeto socialmente estereotipado, idealizado. A exposição
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 53

prolongada a essas imagens pode provocar efeitos negativos nos


indivíduos e na sociedade como um todo. Homens e mulheres
comparam sua atratividade física com as dos modelos dos anúncios e
estas comparações, muitas vezes, levam a uma baixa auto-estima e
auto-percepção negativa (MARTIN & GENTRY, 1997), uma vez que
a meios de comunicação tem o poder de criar e ditar padrões de
beleza, moda e comportamentos. Em estudos que comparam a
satisfação de homens e mulheres com sua aparência física, os homens
geralmente se dizem mais satisfeitos que as mulheres (BURTON et al.,
1994). Entretanto, a pressão sobre os homens com relação à sua
atratividade física é crescente.

Nunca se falou tanto em vaidade masculina como nos dias de hoje. Já


não é mais tão difícil encontrarmos homens indo a salões de beleza
para fazer as unhas, se submeterem às cirurgias estéticas, freqüentarem
clínicas especializadas em beleza e utilizarem cosméticos. Homem que
se preocupa com sua aparência física já não é mais sinônimo de
“frescura” como em outros tempos, apesar de ainda existirem
preconceitos sociais. Novas categorias emergem nesse contexto, tais
como o metrossexual, o urbessexual, entre outros, como representação
moderna das novas preocupações masculinas com sua atratividade
física.

A preocupação em manter um corpo bonito e saudável acompanha a


humanidade desde a antiguidade e cada época houve um estereótipo
aceitável de boa forma e beleza, a simetria era considerada atributo
essencial ao corpo. Nesse sentido o povo grego como expoente
civilizador de sua época institui as competições esportivas como meio
da celebração das qualidades corporais. A presença corporal
doutrinava o exercício do poder: o êxito dos torneios esportivos
exercia um enorme fascínio social, chegando a determinar o resultado
de guerra e disputas territoriais.

Gonçalves (1994, p.18) cita que nessas sociedades eram valorizadas as


qualidades corporais como força, destreza e agilidade, não somente em
torneios e competições, também eram importantes para a vida militar e
política. Vencer uma competição significava não somente a
compreensão de uma superioridade física, mas muito mais: o
reconhecimento do vencedor como um elemento superior daquela
sociedade.

No século XIX, a consideração de beleza e os cuidados com o corpo


ganham novas tendências com o desenvolvimento e a expansão
industrial capitalista, há a necessidade de disciplinar o corpo do
trabalhador para este se tornar apto a acompanhar o ritmo da máquina.
A educação física higienista contribuiu em 1930 como corrente
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 54

predominante baseada no liberalismo. Era caracterizada pela ênfase


dada à saúde, formando homens e mulheres sadios, forte, dispostos a
ação. Estava preocupada com a formação moral. A idéia central seria
estabelecer padrões de conduta, que atenderiam os interesses das elites
dirigentes, entre todas as outras classes sociais. (GHIRALDELLI,
1988).

A expansão industrial, as descobertas da medicina, a disseminação dos


desportos, o fenômeno da moda e o cinema contribuem decisivamente
no processo de valorização de ideais e padrões de beleza, as silhuetas
mudam, a cintura torna-se comprimida, o busto dilata e o corpo
começa a ganhar uma figura atlética e o século XX inicia-se
acentuando essas formas.

Os anos 1980 foram marcados pela geração saúde pois começaram a


proliferar as academias de ginástica. O corpo ganha centralidade e
destaque no espaço urbano das grandes metrópoles. Dos anos 1990
para cá, assistimos à expansão dos centros estéticos no mundo, o
aumento significativo da veiculação de revistas – principalmente
femininas – ligadas a comportamento, moda, saúde, bem-estar e
estética. Com a evolução da medicina, surgem novas técnicas
estéticas. Isso, aliado ao fenômeno do culto ao corpo, faz com que o
número de cirurgias plásticas com finalidades estéticas evoluam
substancialmente nesse período. A preocupação com a beleza e
modelamento do corpo torna-se cada vez mais presente na vida da
sociedade moderna, sendo, para muitos, “o centro ordenador da sua
existência” (KNOOP, 2008, p.3).

Tornou-se comum a idéia de que a preocupação com a aparência e


juventude, está cada vez mais disseminada em todas as classes,
profissões e faixas etárias, e tem maior expressão na cidade do Rio de
Janeiro, em função de sua natureza e história (GOLDENBERG, 2002).

A cultura de si que se desenvolve nos marcos da actualidade poderia


fazer ouvir uma voz uníssona postulando comportamentos narcisistas,
egocêntricos e altamente alienantes de modo a acentuar as tendências
de isolamento, a quebra de vínculos e a desagregação social que
enfrentamos em nosso mundo (RAGO, 2006, p.236).

No entanto, por trás da construção dos padrões de boa forma e beleza


esconde-se uma ideologia política, elitista e social, pois a estética
corporal serve como divisor social na medida em que exclui os que
não estão nos arquétipos difundidos pelos meios de comunicação de
massa e para se alcançar o “corpo perfeito” é necessário fazer um
investimento, já que as técnicas, regimes, cosméticos e cirurgias não
são de baixo custo. (FLOR, 2010).

Corpolatria e indústria cultural

Para Goldenberg (2002. p 10) o corpo é um agente das diferenças


sociais, sendo “cultivado sob a moral da boa forma, surge como marca
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 55

indicativa de certa virtude superior daquele que o possui. Um corpo


coberto de signos distintos que, mesmo nu, exalta e torna visíveis as
diferenças entre grupos sociais”.

Um corpo são é um corpo moreno, mas não negro – as consequências


de séculos de escravidão ainda relacionam a cor negra ao desprezo e a
negatividade – um corpo que se quer sempre à mostra, por meio de um
vestuário tropicalmente leve e sedutor, um corpo que traz sinais de
exercícios físicos constantes, um corpo que aproveita a luz do sol
(GOLDENBER, 2002. p.51).

Bauman (2008) explica que o preço de algumas mercadorias é fixado


de acordo com seu poder de ostentação e retorno emocional que
proporciona aos consumidores, deste modo, os próprios consumidores
se tornam mercadorias ao serem objectos de consumo do mercado, na
medida em que são eles os definidores dos valores de seus produtos. O
corpo propriedade (corpo-mercadoria) é visto como instrumento
pessoal, em que o proprietário sente-se com poder sobre seu objecto de
pertence. Os enxertos ou transplantes de órgãos humanos reforçam a
ideia de corpo propriedade. Uma vez tendo a ideia que o corpo é uma
propriedade, admite-se que este pode ser comercializado. Ele entre na
esfera de economia de mercado, estabelecendo o mecanismo de oferta
e procura. A escravidão, a prostituição, entre outros aspectos, são
exemplos de um corpo-mercadoria (PIROLO, 1996)

Através das ideas de LIPOVETSKY (2007) podemos comparar a


busca constante de um corpo padronizado pela indústria de consumo
com uma atividade esportiva, assim como em um jogo há a
competição, há emoção da conquista ou derrota, é uma atividade de
entretenimento e ainda proporciona prazer. O autor salienta que o ato
da compra mobiliza os cincos sentidos do consumidor,
proporcionando um maior bem-estar subjetivo, a atividade ainda
trabalha com a função identitária ao buscar responder a questão “quem
sou eu”.

VEBLEN citado por FLOR (2010) afirma que o consumo gera


emulação e a conquista de determinado bem torna-se base
convencional da honorabilidade. E isto pode ser observado na busca
pelo padrão estético, assim como as pessoas lutam para adquirir
determinado produto/objecto, invejam o que o outro possui e
reconhece a classe social do indivíduo pela mercadoria, o corpo
também é um bem adquirido com trabalho, esforço, é admirado pelos
outros e define a posição social.

Como prática do consumo envolve a aquisição de mercadoria,


achamos para melhor esclarecer definir o termo. KARL MARX citado
por FLOR (2010) define a mercadoria como uma forma elementar da
riqueza capitalista, tem a propriedade de satisfazer as necessidades do
ser humano e adquire um valor de uso quando se realiza o consumo.
Deste modo, pode-se compreender como próprio corpo, os cosméticos,
as cirurgias, as academias, os personal trainners na sociedade
capitalista da boa forma e beleza são utilizados para criar vínculos
e/ou para estabelecer distinções sociais e satisfazer necessidades.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 56

Os meios de comunicação de massa tem sido um importante veículo


na divulgação, construção dos padrões de beleza, de exclusão social e
consumo, pois enquanto dispositivo de poder a serviço de uma
comunicação baseada nas fórmulas de mercado actualiza
constantemente as práticas coercitivas que atuam explicitamente sobre
a materialidade do corpo.

O consumo na verdade quer elevar a condição dos consumidores à de


mercadorias vendáveis. Os membros dessa sociedade são eles próprios
mercadorias de consumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de
consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade. Fazer de
si mesmo, e não apenas tornar-se uma mercadoria (BAUMAN, 2008).

O corpo perfeito proporciona status social e ainda é uma mercadoria


que pode ser comprada, trocada ou valorizada. No mercado de
consumo, os mais esbeltos, torneados, sensuais e atraentes, são os mais
disputados, desejados e valorizados. A aparência física e a
performance do corpo funcionam como características distintivas,
signos de status e condição social. São signos relacionais e com valor
de troca (KNOOP, 2008, pag. 7).

Segundo SIQUEIRA & ALMEIDA citados por FLOR (2010), na


meios de comunicação a experiência do corpo se confunde com a de
consumo, pois “não é o espetáculo do martírio que interessa (os
suplícios e as dificuldades para alcançar o corpo modelo), mas o
espetáculo do resultado das transformações (a conversão do corpo), ou
seja, o corpo convertido ao modelo é o espetáculo” (SIQUEIRA et al.,
2010, pag. 179), torna-se rótulo de embalagem de mercadoria, de
gestos de heroísmos, de ideias revolucionárias ou reacionárias
(SANTIN, 1990, p. 143), o que normalmente faz com que este ser
submeta a interesses.

GARRINI citado por FLOR (2010) enfatiza que a meios de


comunicação coloca o consumo como agente motivador para obter as
formas físicas desejadas e ainda exaltam os bens simbólicos
destinados para o tratamento da boa forma e beleza.

Já FLOR (2010) na análise de sua pesquisa sobre a propaganda


exercida pelas revistas Boa Forma e Cláudia, concluiu que o corpo
tornou-se um objecto com valor de troca. O corpo bem cuidado pode
garantir ao indivíduo melhor performance e aceitação social, podendo
ser considerado um capital social, cultural e simbólico. Como a posse
de uma mercadoria identifica status, grupo social, bom ou mau gosto,
a beleza também faz este papel. A sensação de possuir um corpo de
acordo com os padrões impostos pela meios de comunicação se
assemelha às sensações e esforços para adquirir um produto que
satisfaça as necessidades emocionais físicas e sociais, tal como uma
necessidade da era líquida-moderna citada por BAUMAN (2008) que
associa a felicidade não somente a simples satisfação das necessidades
básicas, mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre
crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida
substituição dos objectos destinados a satisfazê-la.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 57

A obtenção de um patamar de saúde considerado possível de se


avaliar, permite uma corrida desenfreada, à busca do “corpo malhado”,
o corpo dos olhares dessa sociedade, afinal indivíduos que se entregam
a essa idolatria estão carentes de conhecer outro mundo, constituído de
um ser social crítico, para então, compreender a questão da saúde de
forma menos consumista (LIMA, 2009). E é a comunidade escolar que
deve desenvolver a criticidade na contextualização do entendimento
dos jovens com relação à saúde e forma física. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais sugerem que a orientação do educando o leve a
reconhecer-se como elemento integrante do ambiente, adotando
hábitos saudáveis de higiene, alimentação e atividades corporais,
relacionando-os com efeitos sobre a própria saúde e de recuperação,
manutenção e melhoria da saúde coletiva (BRASIL, 2001).

Esse corpo exigido (corpo malhado) é escasso de saúde, de vida, de


bem estar, de autonomia. Todas as relações atuais são medidas, o
homem é medido, ou seja, até o simples prazer de um passeio de carro
se avalia habitualmente pelo número de quilômetros percorridos, pela
velocidade atingida e pelo consumo de gasolina. Em se tratando de
atividade física, o homem entregue a corpolatria, é reduzido a um
percentual de gordura e seus protocolos e ainda, ao aumento do
perímetro de seus membros superiores ou inferiores conforme seu
desejo (patológico?), ou objetivo diante do espelho matéria (que
reflete a imagem) e espelho da sociedade actual (LIMA, 2009). Esta
sociedade não leva em consideração a diversidade biológica e cultural,
que são factores contribuintes na forma corporal.

Por isso é necessário conhecer a diversidade de padrões de saúde,


beleza e estética corporal que existem nos diferentes grupos sociais,
compreender a sua inserção dentro da cultura em que são produzidos,
analisando criticamente os padrões divulgados pela meios de
comunicação e evitar assim o consumismo e o preconceito
(BRASIL,2001,p.63).

O discurso competente não exige uma submissão qualquer, mas algo


profundo e sinistro: exige a interiorização de suas regras, pois aquele
que não a interiorizar corre o risco de ver-se a si mesmo como
incompetente, anormal, a-social, como detrito e lixo (CHAIUÍ,1999,
p.11-3).

O profissional de Educação Física que atua em academias está


enredado nesse sistema de mercadorização do corpo. Somente é
considerado como um bom profissional quando o número de alunos
que frequentam suas aulas é elevado, principalmente nos períodos de
pouca procura durante o ano. Assim, o qualitativo está
comprovadamente tomado pelo quantitativo e esse profissional passa a
ser um mero repetidor de técnicas de marketing, adestrado para a
conquista do aumento dos números da empresa. Esse profissional não
tem nome, ele é reconhecido por números, ele é mais “um”, nessa
sociedade regida pelo quantitativo (LIMA, 2009).
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 58

O corpo do desportista tem-se vindo a construir como uma categoria à


parte no universo da corporeidade contemporânea. Podemos mesmo
falar de uma corporeidade paradoxal. A identidade contemporânea é
caracterizada por uma grande liberdade no usufruto do corpo. O
direito ao corpo é uma das grandes reivindicações (e conquistas)
sociais que mais marcaram a segunda metade do século vinte. O corpo
objecto de pressão e repressão parecia, na senda de todos esses
movimentos libertários, ter-se finalmente emancipado. Todavia a
sociedade contemporânea continua a evidenciar um corpo em que o
paradigma da vigilância se constitui como organizador principal.
Falamos do corpo do desportista. A partir da relação entre desporto e
doping, entre corporeidade e manipulação, tentaremos avaliar e
discutir a presença de um corpo obrigado (segundo Foucault), numa
sociedade desobrigada.
A indústria cultural por meio do “fetiche” da mercadoria seduz com
facilidade os olhos de quem vê, e explora de forma mecânica e
emancipa-o para o consumo. Há uma grande preocupação com a
aparência e com a aprovação externa, especialmente entre os
indivíduos mais jovens. Os homens buscam construir o modelo
aprovado do corpo, por meio do ganho de massa muscular, não apenas
pelos exercícios, mas, ainda, pelo uso reforçador de substâncias
ergogênicas e de vitaminas. As mulheres partem nessa busca, pelo
emagrecimento e as cirurgias plásticas estéticas. Os corpos de homens
e de mulheres devem ser modelados segundo uma geografia de
gênero, a partir da qual, os mesmos desejos permitam conduzir a uma
cada vez maior distinção das formas corporais.

Sumário
Cuidar do corpo é muito bom, querer um corpo magro e belo também
é bom, mas os limites que se tem ultrapassado para a conquista deste
corpo é que devem ser avaliados e discutidos. Exageros têm sido
vistos e isso é o que deve ser criticado. Quanto educadores do corpo,
vemos tudo isso como uma crise sem fim, construída por todos nós. A
sociedade abraça conceitos e a aceitação é sempre mais fácil do que a
negação.A identidade corporal construída pelos homens é o reflexo
das imposições do mercado de consumo que coisifica o corpo e produz
homens insatisfeitos consigo mesmo.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 59

Exercício 4
1. Como vê uso do corpo pelos meios de comunicação em
Moçambique?
2. Dê algumas sugestões de como pode como professor/treinador
contribuir para uma melhor compreensão do corpo e assim
educar a geração de indivíduos sob sua responsabilidade a um
comportamennto exemplar em quanto ao uso do corpo.
Introdução ao Pensamento Contemporâneo 60

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