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SUCESSÕES E PROCEDIMENTOS

SUCESSÓRIOS

DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

Para ser inserido na relação jurídica hereditária, o sujeito deve ter legitimidade sucessória
passiva para receber a herança. Portanto, não é toda pessoa que pode ser chamada à sucessão.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no


momento da abertura da sucessão.

A regra material esculpida no art. 1.798 do Código Civil se aplica tanto na sucessão legítima
quanto na testamentária.

LEGITIMIDADE ESPECIAL

Em se tratando de sucessão testamentária, determina o Código Civil:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:


I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde
que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - as pessoas jurídicas;
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a
forma de fundação.

a) Filhos ainda não concebidos (prole eventual):

Nascituro não é mesmo que prole eventual. O nascituro já foi concebido, porém ainda não
nasceu. A prole eventual nem sequer foi concebida, por isso “eventual”, estando condicionada à sua
concepção.

Vamos imaginar a seguinte situação: A realiza testamento beneficiando filho ainda não
concebido de B. Todavia, ao tempo de sua morte, B deve estar vivo, sob pena de caducar a cláusula
testamentária. Portanto, sendo concebido e nascendo com vida, a herança lhe será deferida,
consolidando o direito sucessório.

E se essa “prole eventual” nunca se concretizar? Existe algum prazo de


?
espera? O que acontece com a parcela da herança a ela destinada?
?

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b) Pessoas jurídicas: é possível a destinar da herança, em todo ou em parte, para pessoas
jurídicas, como associações, igrejas, instituições de ensino, etc.

c) Fundações:

Art. 62, CC: Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura
pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a
que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de:
I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e
conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;
IX – atividades religiosas;

A fundação pode ser beneficiada em duas situações:

Se já constituída, é beneficiada por testamento, sendo considerada pessoa jurídica e se


enquadrando no inciso II do art. 1.799. Se não existe, pode ser constituída diretamente pelo
testamento, afetando bens para a sua constituição e funcionamento, conforme art. 1.799, III e art.
62, CC.

IMPEDIMENTOS LEGAIS

Prestigiando o princípio da autonomia da vontade, algumas pessoas não podem ser


nomeadas herdeiras nem legatárias, não possuindo, portanto, legitimidade sucessória passiva.

Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver
separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se
fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
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Caso alguma dessas pessoas sejam privilegiadas por disposições testamentárias, determina
o Código Civil que serão consideradas nulas, ainda que simuladas:

Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não


legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato
oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os
descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a
suceder.

Vamos imaginar a seguinte situação: A é casado com B e mantém relação paralela com C
(concubina). A fica proibido de beneficiar C de forma indireta, beneficiando, por exemplo, o irmão
desta em testamento. A também não pode simular uma compra e venda para C ou pessoa interposta.

Mas atenção para o seguinte artigo:

Art. 1.803. É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do


testador.

Vamos imaginar a seguinte situação: A é casado com B e mantém relação paralela com C
(concubina) e com esta tem um filho, D. A pode testar em favor de seu filho D, respeitando a legítima
dos demais herdeiros necessários.

EXCLUSÃO DA SUCESSÃO

INDIGNIDADE

Com natureza essencialmente punitiva, pode ser entendido como um instituto de amplo
alcance, se aplicando à sucessão legítima ou testamentária. Assim, afasta da relação sucessória
aquele que cometeu ato grave, reprovável socialmente, contra a integridade do autor da herança.

O algoz não deve herdar da vítima.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:


I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso,
ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da
herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

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Se assemelha muito com a previsão contida no art. 557, Código Civil, que permite a
revogação da doação por ato de ingratidão do donatário.

CAUSAS/HIPÓTESES

As hipóteses autorizadoras da exclusão estão taxativamente previstas em lei, não admitindo


interpretação extensiva ou analógica, já que prevê uma sanção. São elas:

a) Autoria, coautoria ou participação em homicídio doloso tentado ou consumado:

Não há, pelo texto legal, exigência quanto à condenação criminal, assim, a mera comprovação
no juízo cível da conduta atentatória à vida do autor da herança pode ensejar a aplicação da pena
sucessória.

Contudo, havendo fundada dúvida acerca da autoria ou materialidade do fato, poderá


reconhecer a prejudicialidade e aguardar o desfecho da lide da esfera penal. Caso sobrevenha
sentença penal absolutória transitada em julgado, o sucessor excluído não poderia propor, via de
regra, ação rescisória, por não se encontrar no rol do art. 966 CPC.

Vale lembrar a regra do art. 1.815, §2º, CC, no sentido de que o Ministério Público tem
legitimidade para demandar a exclusão do herdeiro ou legatário, principalmente nos casos em que o
herdeiro a ser declarado indigno não concorre com outros sucessores interessados.

b) Delitos contra a honra:

A imagem e a honra também integram o patrimônio moral do sujeito, e merecem ser tuteladas.

c) Violência ou fraude:

Se a autonomia privada é um dos princípios garantidos no Direito Sucessório, o ato que


impeça a plena exteriorização da vontade do autor da herança pode ensejar a exclusão da sucessão.

Esses atos violentos podem ser entendidos como a coação, que vicia o consentimento para
a prática do ato jurídico, podendo ser física, agindo diretamente sobre o corpo da vítima, ou moral,
que incute na vítima um temor constante que perturbe seu espírito.

Já a fraude pode ser entendida como dolo, induzindo o titular da herança a praticar ato falso
em contexto fático. Por exemplo: enfermeira que induz o autor da herança a crer que seu filho
faleceu, para que ela mesma figurasse como beneficiária. Ou ainda, herdeiro destrói testamento, ou
falsifica documento para que receba maior fração da herança.

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PROCEDIMENTO

A exclusão do herdeiro em caso de indignidade é declarada por sentença, logo, exige-se


processo judicial para apuração das causas autorizadoras da exclusão.

Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de


indignidade, será declarada por sentença.

Deve ser exercido no prazo decadencial de quatro anos, a contar da data da abertura da
sucessão (art. 1.815, §1º, CC).

EFEITOS

Os efeitos da exclusão por indignidade são pessoais, portanto, os descendentes do herdeiro


excluído sucedem como se ele fosse herdeiro pré-morto.

Art. 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro


excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.

Vamos imaginar a seguinte situação: A é pai de B, C e D. B pratica atos violentos contra


seu pai A, viciando seu consentimento. B é excluído da herança por este motivo. Se B não tem filhos,
seus irmãos C e D receberão cada 1/2 da herança. Caso B tenha filhos, seus filhos receberão sua
cota, 1/3, que será repartida entre eles, ficando C e D também com 1/3 cada.

O herdeiro excluído, cujo filho recebeu sua cota na herança, pode vir a ser
?
herdeiro deste?
?

TEORIA DO HERDEIRO APARENTE

Disciplina o Código Civil:

Art. 1.817. São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros


de boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro,
antes da sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando
prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos.
Parágrafo único. O excluído da sucessão é obrigado a restituir os frutos e
rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser
indenizado das despesas com a conservação deles.

Vamos imaginar a seguinte situação: A, na qualidade de herdeiro e inventariante, vende


para B, terceiro de boa-fé, um determinado bem que compõe a herança, mediante autorização
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judicial. Se A vier a ser excluído da herança, a alienação em favor de B permanece válida. Da mesma
forma, os atos que A praticar, antes de sua exclusão, para administração da herança, como a
conservação de rebanho que compõe o acervo hereditário, serão considerados válidos.

Em qualquer caso, subsiste a possibilidade de demanda quanto às perdas e danos, além da


restituição dos frutos e rendimentos, ressalvando o direito de indenização pelas despesas com
conservação.

PERDÃO

a) Expresso:

Art. 1.818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança
será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em
testamento, ou em outro ato autêntico.

? O que pode ser entendimento como “outro ato autêntico”?


?

b) Tácito:

Art. 1.818: [...]


Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em
testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da
indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária.

DESERDAÇÃO

Historicamente, a deserdação consistia em um castigo imposto pelo pai ao filho como ato
preparatório para adoção de terceiro. Assim, havia grande margem de decisão em favor do autor
da herança, que poderia decidir de acordo com o caso concreto. Posteriormente há uma evolução
no sentido de restringir a deserdação, sendo cabível apenas nos casos descritos em lei, mormente
nos casos de ingratidão.

Portanto, a deserdação é uma medida sancionatória que exclui a relação sucessória, sendo
esta medida imposta pelo testador ao herdeiro necessário que tenha cometido qualquer dos atos
de indignidade previstos nos art. 1.962 e 1.963 do Código Civil.

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação
dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
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II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação
dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com
o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

? Pode haver deserdação no caso de abandono afetivo?


?

PROCEDIMENTO

Exige-se declaração expressa de causa, por meio de testamento.

Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação


ser ordenada em testamento.

Não se exige que o testador tenha conhecimento jurídico para tanto, todavia, a interpretação
do testamento deve restar clara, evidente, livre de dúvidas. Não há deserdação implícita.

Após a abertura da sucessão, o herdeiro que for beneficiado pela exclusão do outro deverá,
mediante ação própria, provar a veracidade de causa alegada pelo testador, em um prazo
decadencial de quatro anos.

Art. 1.965. Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação,


incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador.
Parágrafo único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no
prazo de quatro anos, a contar da data da abertura do testamento.

O art. 1.816, CC determina que os efeitos da indignidade são pessoais.


?
? Isso se aplica à deserdação?

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EXERCITANDO O QUE APRENDEU

(2021 – FGV – TJ-PR) Lucas deliberadamente matou seu próprio pai, Leônidas, movido pelo
rancor de o pai ter se oposto ao seu casamento. Aberto o testamento de Leônidas, redigido dois
meses antes de sua morte, ele deixava para Lucas, além da sua parte na legítima, um relógio de
ouro de seu uso pessoal. Leônidas deixou uma neta, Melina, filha de Lucas, seu filho único. Diante
disso, é correto afirmar que:

a) Lucas mantém seus direitos à herança do pai, tanto na parte legítima quanto
especificamente ao relógio, pois não foi deserdado expressamente no testamento;
b) Lucas fica excluído da sucessão no tocante à parte legítima do acervo hereditário, mas
mantém o direito a receber o relógio de ouro;
c) Lucas fica excluído de pleno direito da sucessão, herdando Melina, automaticamente, em
seu lugar, como se Lucas fosse pré-morto;
d) Melina poderá herdar no lugar de Lucas, como se ele fosse pré-morto, se, em até quatro
anos, ajuizar ação de indignidade, e esta for reconhecida por sentença judicial;
e) tanto Lucas como Melina serão excluídos da sucessão de Leônidas, devendo o juiz
pronunciar de ofício a indignidade no âmbito do procedimento sucessório.

(2015 – VUNESP – MPE/SP) No que diz respeito à deserdação dos descendentes por seus
ascendentes, assinale a alternativa correta.

a) As causas de deserdação são exemplificativas, podendo o testador ter razões particulares


para excluir o herdeiro.
b) O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro anos, a contar
da data da abertura da sucessão.
c) Valerá a deserdação feita pelo autor da herança, em documento particular outro, que não
o testamento, desde que reconhecido pelos demais herdeiros.
d) A deserdação pode ser ordenada em testamento, sem a indicação dos motivos.
e) Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a
veracidade da causa alegada pelo testador.

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