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UNIVERSIDADE ABERTA ISCED

Faculdade de Ciências de Educação


Curso de Licenciatura em Ensino de Português

Tema: O Léxico mental: formas e modelos de processamento

Cadeira: Lexicologia do Português

Ângelo Lucílio João


Tete,
Junho
2023

UNIVERSIDADE ABERTA ISCED


Faculdade de Ciências de Educação
Curso de Licenciatura em Ensino de Português

Tema: O Léxico mental: formas e modelos de processamento

Cadeira: Lexicologia do Português

Trabalho de campo a ser


submetido na coordenação do
curso de licenciatura em Ensino
de Português da Unisced.

Ângelo Lucílio João


Tete,
Junho
2023

Índice
1. Introdução..................................................................................................................4

1.1. Objectivos...............................................................................................................4

2
1.1.1. Objectivos Gerais:...............................................................................................4

1.1.2. Objectivos específicos........................................................................................4

1.1.3. Metodologias do trabalho...................................................................................5

2. O léxico mental: o léxico ou os léxicos?....................................................................6

2.1.1. Os constituintes do léxico e suas características.................................................9

2.1.2. Problematização das conceptualizações acerca do léxico e da gramática........10

2.1.3. O léxico e a gramática mentais.........................................................................11

3. Formas e modelos de processamento.......................................................................12

3.1.1. Modelos de reconhecimento visual de palavras...............................................12

3.1.2. Modelos de dupla rota.......................................................................................13

3.1.3. Modelos conexionistas......................................................................................14

3.1.4. Modelos de compreensão de leitura textual......................................................15

3.1.5. Modelos de compreensão de leitura e processamento léxico-semântico..........16

4. Conclusão.................................................................................................................18

5. Referências Bibliográficas.......................................................................................19

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1. Introdução

A nossa perspetiva concebe o léxico como um domínio dinâmico, estruturado em rede


que, perfaz a interface entre as estruturas fonológica, semântica e sintática da
linguagem. Assentamos, assim, a visão do léxico e da sua gramática numa conceção de
linguagem como uma arquitetura paralela, essa arquitetura, faculdade cognitiva e, por
isso, localizada no domínio da mente-funcional, é externalizável através da ação e
possui implicações sociais que podem determinar o seu uso.

O dinamismo do léxico não se atém à simples renovação lexical, entendida como mero
aparecimento e desaparecimento (em relação ao uso) de lexemas. Na verdade, esta
capacidade revela-se no caráter gerativo da formação do léxico, assim compreendida
quer por visões sintaticocêntricas, quer por visões lexicalistas, bem como na capacidade
de o falante produzir e interpretar lexemas nunca antes produzidos ou recebidos (usando
uma formulação chomskyana). Esse dinamismo revela-se, de modo mais agudo, por
exemplo, nos matizes semânticos dos produtos, na variabilidade morfológica
apreensível através de regras e inferências, ou nos constrangimentos e compatibilidades
que regem a combinação de afixos e bases. Esse dinamismo intriga-nos, de modo que
procuramos os seus mecanismos. As bases da produtividade que lhe subjazem
localizam-se na própria conceção gerativa de linguagem e apoiam-se em evidências
psicolinguísticas.

1.1. Objectivos
1.1.1. Objectivos Gerais:

Com este trabalho pretende chamar-se a atenção dos professores para a urgência de
apelarem à activação consciente do léxico mental bilingue dos seus alunos, de modo a
que estes possam vir a desenvolver uma competência lexical progressivamente mais
sólida.

1.1.2. Objectivos específicos

 Descrever O Léxico mental: formas e modelos de processamento;

 Caracterizara formas e modelos de processamento do Lexema mental;

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1.1.3. Metodologias do trabalho

A realização desta pesquisa em epígrafe baseou-se em revisões bibliográficas sobre a


temática central (livros, artigos, documentários, entre outros materiais), a qual serviu
como base de suporte teórico na abordagem. Destaca-se que o estudo é fruto do trabalho
proposto pelo tutor desta cadeira acima em referência. A pesquisa básica tem o intuito
de gerar novos conhecimentos através de verdades ou interesses universais.

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2. O léxico mental: o léxico ou os léxicos?

Após termos indagado alguns dos problemas que advêm da delimitação do léxico como
um objeto mental, equacionamos outras questões relativas à extensão do léxico, desta
vez concernentes a opções conceptuais de alguns quadros teóricos da linguística. Já
apontámos que uma das diferenças entre o léxico e a gramática reside no grau de
abstração que algumas correntes, nomeadamente a gramática generativa standard,
atribuem a um e a outro domínio. O grau de abstração da gramática é encarado como
maior do que o grau de abstração do léxico. A gramática opera com regras ou padrões,
que são abstrações por excelência, enquanto o léxico, não obstante o seu carácter
abstrato advindo do carácter mental, é muitas vezes descrito como uma lista de itens, e
não de regras ou padrões, inscrita na memória de longo prazo.

Indagaremos posteriormente se assim é de facto (secção 2.2). Todavia, é esta a visão da


gramática generativa standard, segundo a qual o léxico é concebido como um domínio
de fixação de itens na memória de longo prazo. Duas conceções clássicas de léxico
opostas advêm desta noção:

 A primeira representa um léxico maximalista, constituído por todas as formas


existentes. Nesta conceção, todas as palavras estão listadas no léxico,
independentemente de serem regulares ou não. Neste caso, o léxico mental seria
aproximado a um produto lexicográfico muito extenso e conteria lexemas como
casa, gato, luz, cair, de, já, agora, não construídas, mas também todas as
construídas regularmente, como admiravelmente, familiar, economização, etc.
 ii) A segunda exibe um léxico minimalista, constituído apenas pelas palavras
que não são regulares. De acordo com esta conceção, apenas as palavras
irregulares estão listadas no léxico, nesse acervo da memória de longo prazo.
Neste caso, apenas as palavras idiossincráticas, impredizíveis, não explicáveis
através de regras, estão no léxico. Por exemplo, as palavras casa, gato, luz, cair,
de, já, agora, não construídas, estão no léxico. Também formas construídas não
predizíveis como os compostos bahuvrihi, ou seja, exocêntricos, como
rabirruivo ou cara-metade estão inscritas no léxico. A favor desta visão estão
não apenas as necessidades da elegância do modelo teórico, mas também o
argumento psicolinguístico de que os falantes não podem sobrecarregar a
memória de longo prazo com itens que são construíveis. No entanto, estudos
psicolinguísticos contrariam esta visão, como veremos na secção 2.3 e 4.1.
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Um outro obstáculo a colocar a esta visão tem que ver com os limites da própria análise
operada pelo linguista. Quer isto dizer que, se o linguista não conseguir determinar
regras que tornem o lexema predizível, vai considerar que este se encontra inscrito no
léxico. No entanto, se conseguir determinar regras explicativas, já o vai integrar na
gramática.

Uma conceção que se destaca das duas anteriores foi desenvolvida trata-se do
mecanismo de tripartite lexical licensing, que substitui o late lexical, em que o léxico é
concebido como a collection of stored associations among fragments of disparate
representations.

Há ainda a considerar uma terceira conceção em torno do léxico, o léxico contém não
apenas as formas existentes, mas também as formas potenciais, como pretende
Bauer.Esses lexemas potenciais apenas são possíveis se se conceber o léxico de acordo
com um full-entry model, dado que os lexemas potenciais não são gerados na sintaxe.

Do exposto, conclui-se que o termo léxico pode ser entendido em aceções divergentes,
reconhecidas por Aronoff e resgatadas por Gaeta.Um léxico apresenta-se como
listagem dos itens irregulares de Bloomfield,um léxico,emerge como domínio de
lexemas potenciais, que, sendo potenciais, têm de ser construídos através de padrões ou
paradigmas que, obviamente, não são irregulares. Regressaremos a esta distinção a
propósito da formação de palavras (secção 3).

Dependente da aceção de léxico está, consequentemente, a aceção de lexicalização. Nas


aceções observadas em cima, o léxico é conotado com uma listagem gramática
generativa standard, a analisar ou com uma organização paradigmática de palavras .

i. Processo de integração de unidades no léxico. O léxico é aqui encarado como


domínio das palavras, independentemente de estarem inscritas na

memória de longo prazo ou não. Desta definição advêm duas conceções possíveis:

i. a) processo de integração de unidades na memória de longo prazo. Neste sentido,


integra-se aqui toda a formação de lexemas, desde que estes passem a estar integrados
na memória de longo prazo;

i. b) formação de lexemas, incluindo daqueles que não se integrem na memória de longo


prazo, como é o caso de palavras advindas de processos criativos e de hapax legomena.
É este o sentido de lexicalização usado em Lyons.
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ii. um processo gradual de fixação de sequências de palavras em grupos formal e
semanticamente coesos, com um comportamento semelhante ao de uma unidade
do léxico. Nesta aceção, estamos perante casos de idiomatização ou fórmulas.
iii. Mutação de uma palavra gramatical em palavra lexical (sendo o oposto de
gramaticalização).
iv. Processo pelo qual uma palavra morfologicamente complexa começa a ter um
comportamento igual ao de uma palavra não derivada, pelo menos num aspecto
(semântico, fonológico2, sintático, morfológico), tornando-se, assim,
impredizível.
v. Processo de especialização semântica de uma palavra. Estas aceções, à exceção
daquela subsumida em (i.b), podem ser reduzidas a duas visões:
1. Lexicalização como processo diacrónico de mudança (aceções ii, iii, iv, v);
2. Lexicalização sob o ponto de vista sincrónico, listagem de itens no léxico como
acervo de palavras inscritas na memória de longo prazo (aceção i.a). A aceção
apresentada em (i.b) mostra o léxico como domínio das palavras
independentemente do seu processamento.

Todos os falantes possuem um arquivo linguístico mental que funciona como


repositório, isto é, como que um glossário em permanente atualização e que é,
mormente, designado por léxico mental, conceito fundamental no âmbito da Abordagem
Lexical no processo de ensino de línguas não maternas. O Léxico Mental é uma especie
de inteligente de unidades léxicas.

Luque Durán explica este conceito como “una realidad mental paralela a otra realidad
física que conocemos como mundo (externo e interno)”. De acordo com o autor, esta
última é formada por duas componentes: as unidades, elementos cristalizados,
particulares, únicos e discretos, e as redes que são as várias relações (de substituição,
coaparição, inclusão, oposição, etc.) estabelecidas entre as diferentes unidades, a
capacidade para relacionar formas com significados utilizas adecuadamente
sechama competencia léxica.

O conceito em análise aponta para o universo das unidades lexicais que se movimentam


e agregam numa plataforma léxico-conexional intrínseca à mente do falante. Atendendo
ao cariz ativo do léxico mental, convém sublinhar que a conjugação

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da memória semântica (conceitos) com a informação (fonológica, morfológica,
sintática, semântica, entre outras) transmitida pelas unidades lexicais é essencial ao ato
comunicativo e reflete a atividade associativa habitual no input e output linguísticos.

O léxico mental congrega em si mesmo o resultado de todas as funções (memorizar,


analisar, relacionar…) desempenhadas pelo nosso cérebro. Ao recebermos o input, ele é
processado, sendo feita uma filtragem qualitativa e setorial da informação lexical que
chega do exterior, de forma a otimizar a posterior utilização. Neste contexto, Marta
Baralo afirma que e importante conhecer os fonemas das palavras extremadamente
compleja”, daí que tal processamento, consciente ou não, seja uma etapa fundamental
na construção da competência comunicativa.

As unidades lexicais armazenam-se na memória em redes associativas e a sua


organização é efetuada segundo noções e subnoções.De acordo com a Molina,
a imagem do lexical mental como uma rede é a mais consensual. Ele aponta as
características mais importantes da basa do sistema associativo que se estabelecem são
diferentes autores: fonéticas, gráficas, semánticas.

2.1.1. Os constituintes do léxico e suas características

Do exposto em cima advêm muitos problemas para a compreensão das unidades que
cabem no léxico. Se é pacífica a decisão de integrar no léxico itens não construídos, já a
integração, ou não, de itens construídos tem sido motivo de grande polémica e de
nutrição de muita teorização linguística, como analisaremos nos capítulos 2 e 3 do
presente volume.

Dentro dos itens não construídos, há ainda a decidir se apenas as palavras fazem parte
do léxico ou se também os morfemas afixais se inserem naquele domínio. Em algumas
propostas da morfologia lexicalista, que discutiremos nas secções 2.2.2 e 3.1.2, palavras
e afixos têm lugar no léxico como entradas lexicais autónomas. Os argumentos que
fundamentam esta posição condensam-se a seguir:

a) Os afixos ostentam entre si as mesmas relações semânticas que são tecidas entre
as palavras, tais como a sinonímia (e.g. os sufixos -ment- e -ção em relaxamento
e relaxação, a antonímia (e.g. os prefixos sub- e super- em substrato e
superstrato ou ene es- em empalhar e espalhar), a hiponímia/hiperonímia (e.g.

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os próprios elementos hiper- e hipo- nos lexemas aqui usados) ou a polissemia
(e.g. o afixo -ão que gera nomes agentivos, como saltão, e nomes eventivos,
como abanão).
b) Tanto as palavras como os afixos possuem uma categoria lexical (e.g. o sufixo-
idade possui a categoria lexical N, uma vez que a sua anexação a bases
adjetivais gera nomes) e quadros de subcategorização responsáveis por
constrangimentos na atualização co-textual (e.g. o sufixo -idade marca os nomes
como de género feminino).
c) Tanto as palavras como os afixos participam das estruturas X-barra. Selkirk
(1982) aponta que os sufixos assumem propriedades de núcleos sintáticos em
estruturas núcleo-complemento (e.g. avaliador de exames, em que de exames é o
complemento do agentivo protagonizado pelo sufixo -dor).

2.1.2. Problematização das conceptualizações acerca do léxico e da gramática

Num volume cujo título encerra uma formulação que pode suscitar interrogações e
celeuma, por atribuir ao léxico o estatuto gramatical, ou seja, o estatuto de domínio
organizado, é necessário dedicar espaço à problematização das diversas
conceptualizações em torno de léxico e de gramática. Este espaço será ocupado
inicialmente por aceções genéricas relativas a estes conceitos, de modo a que se obtenha
a sua clarificação enquanto termos técnicos da linguística atual.

O termo léxico advém do grego lexikon (biblion) (livro) de palavras, derivado de lexis
palavra, correlato do verbo falar. O termo gramática tem igualmente origem no grego,
grammatikē (tekhnē) (arte) das letras, proveniente de gramma, grammat- letra do
alfabeto.

A origem etimológica de ambas as palavras faz incidir essa luz no significado que tanto
léxico quanto gramática foram adquirindo ao longo dos estudos linguísticos. Para
ilustrarmos essa variação no significado dos dois termos, podemos recorrer ao
vocabulário português e latino de Raphael Bluteau que publicado entre 1712 e 1728, e
contrapor as informações aí colhidas às noções que hodiernamente a linguística tem de
léxico e de gramática.

Assim, no vocabulário, na entrada gramatica, podem obter-se as seguintes


informações:

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«Derivase do Grego Gramma, que quer dizer Letra, a Grammatica das Lingoas, e o
primeiro degrao das letras. He a porta, porque se entra a todas as ciencias, e o
fundamento de todas as Artes Liberaes, disciplinas nobres. Dividese a Grammatica, em
artificial, Historica, propria. A Grammatica artificial ensina o concerto, disposiçaõ das
letras, com que escrevemos, a ortografia, propriedade das palavras, que falamos. A
gramatica historica, propria se ocupa no conhecimento dos lugares, obras dos
historiadores, poetas, na explicaçaõ do que neles por antiguidade, diferença da lingua
està escuro e duvidoso, principalmente nas tres linguas hebraica, grega e latina em
umas e outras, na própria de cada hum ensina a gramatica a pronunciaçaõ das
letras,declinaçaõ dos nomes, a conjugaçaõ dos verbos, a construiçaõ das partes da
Oraçaõ, o som, & accento diverso das palavras, a distinçaõ das Vogaes, consoantes, a
ordem de fallar com propriedade, pureza, policia. Crates, Embaixador de Attalo foi o
primeiro, que trouxe a Roma a Arte da gramatica. Polemon a ensinou publicamente; por
isso foi chamada Arte de Polemon.

No seu Tratado da Vaidade das ciencias diz Agrippa, que as regras da Grammatica e do
falar correcto não tem outro fundamento, que a vontade dos Antigos e que o mais
erudito gramatico se veria muito embaraçado se achara obrigado a dizer a razão porque
Jupiter faz Jovis no genitivo, Iter, Itineris. O mais antigo livro de ramatica em latim e o
de Despauterio, em Grego o de Gaza, em Hebraico o de Kimhi.

2.1.3. O léxico e a gramática mentais

O percurso acerca das aceções de léxico e gramática que temos vindo a explorar é um
percurso desconstrutivo e, por isso, apoia-se num trajeto que tem início no léxico e na
gramática externos (os manuais que compilam o conhecimento interno) e fim no léxico
e na gramática internos (o conhecimento mental). No entanto, este não é o trajeto
fenomenológico real, no caso das línguas maternas e também das línguas 2 adquiridas
em contexto real e não artificial, ainda que muitas vezes os falantes escolarizados o
tomem como verdadeiro. Como já implicámos através das referências a Saussure, um
manual como um dicionário ou uma gramática não preexistem ao conhecimento interno
da língua. Os manuais são antes o resultado desse conhecimento, compactado e
sistematizado de um modo que pode até nem coincidir com a sua formatação mental.
Sob o ponto de vista fenomenológico, a formulação correta será, pois, o trajeto que vai

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do léxico e da gramática internos aos correspondentes externos. O trajeto inverso é aqui
utilizado com um intuito desconstrutivista, como dissemos, para esclarecer que o objeto
de estudo da linguística não é constituído pelo léxico e pela gramática externos, mas sim
pelos internos. Se a linguagem é um fenómeno mental, é na mente que encontramos o
léxico e a gramática primeiros. Os produtos externos que deles se possam construir são
extensões, aqui necessariamente secundarizadas, daqueles.

O mais óbvio problema dos manuais (gramáticas ou dicionários) reside na sua extensão,
sendo este problema de três tipos:

 A extensão dos dicionários e das gramáticas, enquanto manuais, varia de acordo


com o público-alvo visado pelas editoras e, por isso, não constituem o acervo
perfeito do léxico, dos esquemas e das relações estruturais internas de uma
língua.
 Os dicionários e as gramáticas, enquanto manuais, refletem uma norma ou um
padrão e não o léxico e a gramática mentais individuais.
 No caso dos dicionários, embora hoje seja exequível uma rápida dicionarização
de lexemas através de processos e suportes digitais que permitem a constante
atualização das obras, sem acarretamento de custos para o público, verifica-se
um desfasamento entre a lexicografização dos lexemas e o seu uso real. Apesar
de os problemas dos manuais aqui apresentados serem já suficientes para
compreendermos a sua imperfeição relativamente aos objetos mentais de que
partem, refletiremos em seguida acerca de uma limitação ainda mais profunda
dessas obras.

Uma obra lexicográfica ou gramatical, por muita qualidade que tenha, não atingirá
nunca a completude nem organizacional nem extensional do conhecimento mental que
pretende descrever. No caso dos dicionários, não se trata apenas do problema da
extensão numérica de entradas e da extensão e qualidade dos dados contidos nas
mesmas entradas, que já focámos.Trata-se sobretudo da complexidade de organização
em rede que o conhecimento lexical mental constrói, que, mesmo com a hodierna
capacidade de hipertextualização explícita digital, os atuais produtos lexicográficos não
atingem.

3. Formas e modelos de processamento

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3.1.1. Modelos de reconhecimento visual de palavras

O reconhecimento de palavras envolve uma variedade de subprocessos: identificação


dos traços que compõem as letras, identificação de letras, identificação da palavra no
nível ortográfico, acesso ao seu significado e integração sintática e semântica. Apesar de
se considerar que o acesso ao significado é o objetivo do reconhecimento de palavras,
há dúvidas sobre em que momento do processamento esse acesso acontece e qual papel
ele desempenha, se algum, no reconhecimento de palavras.

Os modelos de leitura no nível da palavra diferem na maneira como as palavras são


representadas. Em modelos localistas ou de conhecimento lexical, cada palavra constitui
uma unidade no léxico do indivíduo. O acesso lexical visual ocorre quando essa palavra
escrita é localizada no léxico ortográfico na memória.

Um autor na área dos modelos conexionistas, esses modelos utilizam um princípio de


isomorfismo perceptual-representacional: unidades de representação no sistema
cognitivo correspondem a unidades perceptuais no discurso e na leitura.

Em modelos de representação distribuída, ao contrário, não se fala em acesso lexical,


pois não há um léxico a ser acessado, mas padrões de ativação sobre unidades de
representação ortográficas, fonológicas e semânticas. Nos modelos distribuídos, as
palavras não são representadas localmente, isto é, não constituem unidades
representacionais, mas são representadas por padrões de ativações de unidades que
constituem componentes ou traços de unidades perceptuais, essas unidades se
encontram em um nível subsimbólico de representação. A discussão, nesses modelos,
enfoca os níveis de ativação necessários para acessar o significado e para produzir a
leitura.

3.1.2. Modelos de dupla rota

Os modelos de dupla rota, geralmente ligados ao grupo de Coltheart, postulam dois


mecanismos para a leitura: um mecanismo (ou rota) fonológico e outro lexical. Nesses
modelos, quando uma palavra é apresentada, inicialmente são processados os traços que
compõem suas letras; em seguida, as letras são decodificadas. A partir daí, duas rotas
são passíveis de utilização.

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A rota fonológica converte diretamente grafemas em fonemas, fornecendo um output
fonológico através de um sistema de conversão grafema-fonema regular. A rota lexical,
por sua vez, é constituída de duas sub-rotas (razão pela qual se afirma que o modelo de
dupla rota é, na verdade, composto de três rotas): uma rota lexical semântica, ou
indireta, e uma lexical não semântica, ou direta. A rota lexical não semântica funciona
através da identificação, no léxico do indivíduo, da representação ortográfica de uma
palavra. O léxico ortográfico é ligado com o léxico fonológico, a partir de cuja
representação fonológica o sistema fonêmico pode produzir um output. A rota lexical
indireta, por sua vez, trabalha com o acesso ao sistema semântico: a identificação de um
item no léxico ortográfico possibilita a identificação do seu significado no sistema
semântico, que envia ativação ao léxico fonológico para a produção do output. Dessa
maneira, na rota lexical, o acesso ao significado pode influenciar na leitura.

Uma característica importante desse modelo é que, na rota lexical, a ativação não
percorre o caminho entre os léxicos ortográfico e fonológico e o sistema semântico
unidirecionalmente: os três componentes podem tanto se excitar ou se inibir
mutuamente. Afirmam que conexões excitatórias e inibitórias bidirecionais estão
presentes entre os componentes da rota lexical, com exceção da ligação entre os léxicos
ortográfico e fonológico, que possuem conexões entre si apenas excitatórias. Dessa
forma, o sistema semântico pode influenciar o acesso no léxico ortográfico e no léxico
fonológico, assim como a ativação no léxico fonológico pode ser repassada para o
sistema semântico.

3.1.3. Modelos conexionistas

Os primeiros modelos conexionistas de leitura de palavras foram propostos nos anos


1980 por Rumelhart, McClelland e Seidenberg sendo atualmente relacionados ao nome
de David Plaut, Esses modelos podem utilizar tanto representações localistas como
distribuídas apesar de serem mencionados eventualmente na literatura apenas como
subtipos de modelos distribuídos.

Plaut,características distintivas dos modelos conexionistas são a relação com


mecanismos de aprendizagem e menor utilização de diferentes mecanismos de
processamento. Nesses modelos, ao contrário do que ocorre em modelos de dupla rota,

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o enfoque não cai sobre mecanismos ou rotas diferentes de processamento, mas sobre os
diferentes tipos de informação que são processados.

Modelos conexionistas utilizam uma estrutura básica na qual unidades são


interconectadas em uma rede. Existem unidades de input e de output. Além disso, há
também unidades ocultas que medeiam a relação entre input e output. São
características importantes desse modelo as relações entre as unidades e os mecanismos
de aprendizagem. As unidades são ligadas por conexões às quais são atribuídos pesos
variáveis, que modulam a ativação recebida por uma unidade de outras e o resultado
(output) dessa ativação. Além disso, a rede também conta com um mecanismo de
feedback, que altera os pesos entre as unidades de acordo com o resultado do output.

3.1.4. Modelos de compreensão de leitura textual

Diversos modelos também foram propostos para explicar a compreensão de leitura. Um


dos mais utilizados é o modelo de Construção-Integração. Nesse modelo, um texto é
dividido, informacionalmente, em proposições, que são unidades de significado
compostas de um número n de conceitos, dos quais um serve como predicado e os
outros como argumentos. O conhecimento é representado em uma rede, cujos nodos são
conceitos ou proposições. Cada conceito é conectado a um conjunto de conceitos
relacionados associativa ou semanticamente. Nesse tipo de representação, os conceitos
não são explicitamente definidos, mas seus significados podem ser construídos a partir
das relações com seus vizinhos diretos na rede e, de forma mais completa, com todos os
outros nodos. Cada nodo possui um núcleo (head) e um número de posições (slots) para
argumentos. Dessa forma, nodos são formalmente equivalentes a proposições, de
maneira que proposições são representadas de forma similar a conceitos.

Nesse modelo, o leitor constrói uma representação coerente do texto a partir do input
linguístico e da ativação de representações na rede. O processamento ocorre em ciclos,
que correspondem aproximadamente a frases descrevem três níveis de elaboração no
texto. O primeiro é um nível linguístico, no qual palavras e sentenças do texto são
identificadas. Esse nível envolve o reconhecimento de palavras e seus subprocessos,
assim como a análise das palavras em suas funções nas sentenças. O segundo nível é o
de análise semântica, em que o significado de palavras deve ser combinado em
proposições, que são interligadas em uma rede chamada microestrutura. A

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microestrutura é constituída de proposições, formadas através das palavras do texto e de
sua organização sintática, e das relações de coerência entre essas proposições.

Além disso, a microestrutura é organizada em estruturas de ordem superior, de forma


que não apenas proposições, mas também seções maiores de um texto, são conectadas
semanticamente. Essas conexões envolvem o reconhecimento de tópicos globais e de
suas inter-relações, formando uma estrutura global do texto chamada

macroestrutura, que representa o essencial do conteúdo do texto. A microestrutura e a


macroestrutura juntas são chamadas texto-base, ou o conteúdo do texto organizado
hierarquicamente na forma proposicional.

O texto-base representa o conteúdo expresso pelo texto, mas garante apenas sua
compreensão superficial. Para uma compreensão mais profunda, é necessária a
construção de um modelo mental da situação (situation model) que é descrita pelo texto
Esse modelo envolve aquilo que é expresso pelo texto mais as relações que são inferidas
a partir daí, e depende tanto da informação fornecida pelo texto quanto da sua
integração com o conhecimento e as metas de compreensão do leitor.

3.1.5. Modelos de compreensão de leitura e processamento léxico-semântico

A relação entre processamento léxico-semântico e compreensão de leitura textual pode


ocorrer, além do nível mais local, em um nível mais global, ou macroestrutural. A
macroestrutura envolve a integração de significados entre sentenças, o que, no modelo
de Construção-Integração, envolve os mesmos mecanismos computacionais, ou
mecanismos similares àqueles envolvidos na identificação de palavras.

É possível ainda que características da organização do sistema semântico estejam


relacionadas a processos mais globais de compreensão, relacionados com a
macroestrutura do texto, palavras são conectadas não apenas a outras palavras com
significado próximo, mas também a palavras funcionalmente relacionadas, em um
mecanismo de script. Essa organização das palavras na memória pode favorecer a
compreensão de relações causais e, consequentemente, da compreensão. A noção de que
relações funcionais são importantes para a compreensão da linguagem e,
especificamente, da leitura foi apontada diversas vezes na literatura. Apresenta uma lista
de possíveis relações semânticas entre palavras (excluídas relações de sinonímia e

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antonímia) classificadas em relações categóricas e funcionais. As relações funcionais se
dividem em relações que representam atividades expressas por um predicado verbal e
relações descritas por conhecimento situacional ou scripts. Esse conhecimento causal é
importante para uma variedade de tarefas semânticas, incluindo a compreensão de
leitura textual.

Modelos conexionistas que relacionam o processamento do significado de palavras com


a macroestrutura também foram propostos, por exemplo, apresenta um modelo no qual
estão presentes unidades de ativação tanto para a representação de palavras quanto de
macrounidades, que são similares às macroproposições. As palavras são constituídas da
ativação de microtraços, como em outros modelos conexionistas. A ativação conjunta
de palavras permite a ativação das macrounidades, que são então reunidas para a
construção de esquemas para a representação do texto de maneira mais global. Os
mesmos mecanismos computacionais utilizados na união de microtraços são recrutados
para a reunião de macrounidades em esquemas. Nesse ponto, que também é apresentado
em termos de um mecanismo computacional geral. Modelos como esse refletem uma
característica importante do referencial conexionista, que é tentar se aproximar ao
máximo do desempenho de participantes humanos, propondo menor quantidade de
mecanismos que possuam aplicação mais geral.

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4. Conclusão

O objetivo deste estudo foi apresentar os principais modelos de leitura de palavras e de


compreensão de leitura textual, examinando o papel que esses modelos atribuem ao
processamento léxico-semântico. As conclusões em relação aos modelos examinados
aqui devem ser comparadas com as previsões de outros modelos, nos quais o
processamento léxico-semântico possui um papel distinto. Por exemplo, na visão
simples da leitura, a leitura é composta por dois componentes, decodificação e
compreensão oral, e a semântica contribui para o segundo componente, mas não para o
primeiro.

O estudo possibilitou ver que, apesar de ficar claro que o processamento léxico-
semântico desempenha um papel em modelos de reconhecimento de palavras, ainda não
está claro qual é esse papel na leitura proficiente, e a relação desse componente com
variações em características psicolinguísticas como regularidade, lexicalidade e
concretude. É necessário investigar como a utilização do componente léxico-semântico
na leitura de palavras modifica-se durante o desenvolvimento linguístico. Além disso,
dado que idiomas diferentes podem demandar estratégias distintas por partes dos
leitores a generalização dos resultados de estudos em inglês deve ser interpretada com
cautela, sendo importante desenvolver estudos específicos sobre o português.

Em relação à compreensão de leitura textual, a relação com o processamento léxico-


semântico é menos especificada. Modelos de compreensão de leitura, sugerem uma
relação, mas ainda é preciso examinar para quais processos de compreensão de leitura,
como construção de proposições e inferências, o processamento léxico-semântico
contribui. Além disso, dado que diferentes elementos contribuem de maneira distinta em
diferentes fases do desenvolvimento para a compreensão de leitura, essa relação pode se
modificar com a idade ou a escolaridade dos leitores. Adicionalmente, é importante
discutir a relação entre o processamento semântico no nível da palavra, e o
processamento semântico no nível da sentença e do texto.

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5. Referências Bibliográficas 

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