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Resumo do Capítulo 2 e 3 de Eichengreen – O padrão-ouro e a crise do entreguerras

O padrão ouro surge em 1870 quando os países estabeleceram o ouro como a base para seus
meios de pagamento, estabelecendo o câmbio fixo baseado no padrão ouro. Ainda que no
século XIX muitos países tivessem adotado o padrão bimetálico de prata e ouro, com o tempo
ele foi sendo substituído completamente pelo padrão ouro devido a certas inconsistências
desse modelo e questões econômica-políticas.

Enquanto a Grã-Bretanha emerge como maior potência industrial e comercial do mundo, tendo
adotado o padrão ouro, a França, líder do bimetalismo europeu, é derrotada na guerra Franco-
Prussiana, tornando a Grã-Bretanha o principal refúgio monetário estável da Europa, tornando
o padrão-ouro mais atrativo para realização de comércio e acordos financeiros. Além disso,
com a Revolução Industrial foi eliminado o principal obstáculo técnico referente à cunhagem
com as máquinas a vapor.

As principais características da adoção do padrão ouro foi um grande cenário de deflação,


devido a característica escassa do metal, e a construção de um grande sistema monetário
internacional baseado com moedas de ouro ou papel-moeda lastreado em ouro e voltado para
a defesa da conversibilidade e manutenção das reservas de ouro nos bancos.

O funcionamento do padrão-ouro, de forma simplificada, se dava através do modelo de David


Hume. Os países com superávit comercial experimentavam importação de ouro e inflação,
tendo assim maiores incentivos a importação (devido aos preços altos do mercado interno) e
assim gerando saída do ouro importado e uma correção do desequilíbrio comercial. Já os
países deficitários, que exportavam seu ouro, experimentavam deflação, tendo maiores
incentivos a exportação (devido a preços altos no mercado externo) e assim gerando entrada
de ouro e corrigindo mais uma vez o desequilíbrio comercial. O modelo teve que ser
futuramente atualizado para incluir a intervenção dos bancos estatais, os quais aumentavam
ou reduziam a sua taxa de juros com objetivo de contribuir para o fluxo rumo ao equilíbrio
comercial descrito por Hume.

Um sentimento de solidariedade internacional foi um dos fatores para a manutenção desse


padrão por um longo período. Devido a variações das taxas de juros dos diferentes países para
manter suas reservas, muitas vezes gerando concorrência pelo ouro, os países passaram a
atuar coordenadamente para que os países deficitários tivessem fluxos de ouro visando manter
a estabilidade do padrão-ouro, principalmente em momentos de crise.

O principal calcanhar de Aquiles do padrão, entretanto, se encontrava no sistema de reservas


fracionárias dos bancos privados. Os bancos recebiam os depósitos em ouro mas mantinham
apenas uma fração do seu dinheiro nos cofres, enquanto a outra aplicava em ativos
financeiros, gerando possível risco de insolvência para os bancos, sendo assim necessário um
emprestador de última instância para socorrer a liquidez do sistema, mesmo que isso
contradissesse a manutenção da conversibilidade do ouro. Inicialmente esse esforço foi feito a
partir de associações de bancos privados e evoluiu para intervenções estatais futuramente.

As periferias, entretanto, apresentavam problemas com o padrão-ouro. As cooperações de


países raramente alcançavam países distantes, os quais não tinham tanta necessidade de
socorro por não colocar em risco a estabilidade o padrão, além de não possuírem
emprestadores de última instância. Enquanto a Grã-Bretanha tinha o benefício de ser uma
potência mundial, seus empréstimos de capital eram compensados com grandes quantidades
de exportação, gerando crescimento e estabilidade financeira para o país, enquanto nos países
periféricos os problemas de exportação agravavam a absorção de capital externo, gerando
problemas auto reforçados nas contas correntes e de capital. Sendo assim, muitos países do sul
da Europa e na América do Sul foram obrigados a abandonar a conversibilidade do ouro e
permitir a desvalorização de suas moedas.

A Grã-Bretanha foi a grande fonte de estabilidade e sustentabilidade do padrão ouro. O fato de


ser uma grande potência de exportação combinada com uma grande exportação de capital
davam as contas do país estabilidade. O compromisso do Estado com manter a
conversibilidade geravam confiança nos trades para que discrepâncias no valor da moeda
fossem corrigidos mais rapidamente. Porém, problemas com a sustentabilidade vieram
futuramente decorrentes da produção de ouro, problemas de liquidez, motivos políticos que
conflitavam com a manutenção da conversibilidade e crescimento de tensões na Europa, que
acabou com a cooperação financeira entre os países.

A Primeira Guerra Mundial acabou por definitivamente abalar o padrão ouro e causar
mudanças drásticas na economia e no sistema. A guerra deslocou a prioridade europeia da
conversibilidade para a emissão de moeda para financiar a guerra, gerando por fim o abandono
da conversibilidade e desvalorização da moeda. Apenas o dólar manteve sua conversibilidade.
Futuramente, devido a experiência hiperinflacionária decorrente da guerra, os países voltaram
para o padrão-ouro.

A Grã-Bretanha volta ao padrão ouro em 1925 com objetivo de retornar à paridade anterior à
guerra de 4,86 dólares por libra. Os Estados Unidos, entretanto, buscando esfriar sua economia
e aumentar as reservas de ouro optou por políticas deflacionárias, o que forçou a Grã-Bretanha
por sua vez a elevar juros a níveis altíssimos provocando problemas no mercado exportador,
aumento do desemprego e depressão econômica, gerando um enfraquecimento econômico
vital para o abandono completo em 1931.

Devido a Grande Depressão de 1929 uma série de países passaram a sofrer não apenas com
recessões, mas também com crises de liquidez bancárias e corrida aos bancos, iniciada na
Áustria e Alemanha, com efeitos sistêmicos por toda a Europa. A Grã-Bretanha novamente
abandona a conversibilidade em 1931, com outros países acompanhando a sua decisão
também atrelando suas moedas à libra e adotando juntamente com a Grã-Bretanha o sistema
de controles cambiais, enquanto os Estados Unidos são o único país que mantem o padrão-
ouro.

A flutuação cambial controlada pelo Estado na Europa gerou maior susceptibilidade à


volatilidade e especulação desestabilizadora. O principal caso se deu com a moeda francesa,
que devido a instabilidade política, ganhou maior volatilidade e especulação de venda. A
estabilização da moeda só veio em 1926 com a vitória da direita política e planejamento estatal
claro de contração econômica.

A reconstrução do padrão-ouro se deu como característica principal a suplementação das


reservas de ouro com divisas estrangeiras aplicado fortemente na Europa, padrão denominado
ouro-divisas, e uma menor coordenação entre os países.

Em decorrência de políticas de acúmulo de ouro por parte da França, aumento dos juros da
Alemanha e políticas contracionistas estadunidenses com objetivo de acúmulo de ouro elevou
a pressão sobre outros bancos centrais, gerando um aumento generalizado de taxas de juros e
aperto de crédito, fatores que agravaram algumas das economias chave para manutenção do
padrão-ouro. Devido essas políticas, os movimentos de estabilização do fluxo de ouro,
proposto por Hume, não aconteciam. Enquanto alguns países registravam superávits
persistentes e entrada de ouro, outros registravam déficits persistentes e saída de ouro.

Com a Grande Depressão a demanda mundial caiu drasticamente gerando problemas na


exportação. Dessa maneira, o principal dilema dos países foi entre manter a conversibilidade
da moeda no padrão-ouro ou defender a sua economia através da desvalorização da moeda. A
América Latina, Canadá e outros países optaram pela desvalorização da moeda, abandono da
conversibilidade e expansão monetária. Políticas expansionistas também ganharam força na
Europa, colocando em dúvida o posicionamento das autoridades sobre a defesa da
conversibilidade, gerando falta de confiança no mercado e assim movimentos especulativos
desestabilizadores. Com menores receitas e maiores níveis de inadimplência decorrente da
depressão, ocorreu também uma contração de crédito por parte dos bancos e problemas de
liquidez.

A Grã-Bretanha, por fim, suspende a conversibilidade em 1931 depois da tentativa de sua


manutenção. O aumento de juros não foi eficaz para atrair capital, devido a outros países
também elevarem a sua taxa de juros gerando maior concorrência pelo capital, e acabou por
agravar o desemprego, inadimplência e suas contas públicas. Por fim, os movimentos de
traders contra a libra esterlina gerou pressão suficiente para elevação dos juros a um nível
insustentável e por fim um abandono total às políticas contracionistas. No início de 1932, 25
países acompanham a sua decisão e abandonam a conversibilidade.

Devido também a questões políticas os Estados Unidos também abandona o padrão ouro e se
volta a políticas expansionistas devido a vitória de Roosevelt nas eleições americanas. A
América Latina e a Europa Oriental acompanham a decisão dos Estados Unidos.

Todo o sistema monetário, assim, se voltou para uma flutuação cambial administrada pelo
Estado. Com o rompimento do vínculo com o padrão ouro, governos e bancos centrais
passaram a possuir maior liberdade de políticas independentes. Os países que optaram mais
cedo pela desvalorização da moeda tiveram uma recuperação mais rápida vinda do mercado
externo, assim o autor afirma que a desvalorização foi parte da solução para a Grande
Depressão. Através do Acordo Tripartite as desvalorizações foram coordenadas gerando
estabilidade cambial e sustentação de um comércio durável. O centro financeiro do mundo é
deslocado da Europa para os Estados Unidos, que emerge como uma potência mundial.

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