Você está na página 1de 11

Ao Juízo da 09ª Vara Cível da Comarca de Manaus | AM

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001

J OSÉ M ESS IAS OL IV E IRA DE S OUS A ,


devidamente qualificado nos autos em epígrafe,
por intermédio de sua advogada, vem apresentar sua réplica à contestação (fls. 177 –
207), aduzindo, para tanto, o que se segue.

Réplica à Contestação

Síntese da Contestação Síntese da Réplica

No p ont o 3.1 , pede o indeferim ento da O au tor n ão fez soment e u ma mera aleg aç ão
c onc essão da justiça g ratuita sob o d e h ip ossu fiên cia. Pelo contrário, anexou à
argu men t o d e que “ a mera aleg aç ão d e inc ial o seu contrac heque (fl. 26 )
h ip ossu fic iênc ia d o aut or e c on sid eran do c omp rovan do su a sit u aç ão fin anc eira, motivo
sequ er foi ap resen tad o u ma docu men t aç ão p elo qu al p ed e -se a manu t enç ão d a
d emon st rand o a sua sit u aç ão de g ratu id ad e c onc ed id a.
h ip ossu fic iênc ia ...” (fl. 182).

No p ont o 3.2, requer a form ação e C on forme ju risp ru dênc ia d o Sup erior T ribunal
“c itação dos litisc onsortes passivos d e J ust iç a (ST J ), n as aç ões em qu e se d iscute
nec essários, p ara qu e os c an did at os c on cu rso púb lico, é desnec essária a
afet ados d efen d am seu s in teresses, q ue form aç ão de litisc onsórc io passivo
serão, in equ ivoc amen t e, afetad os por u ma nec essário entre os c andidatos aprovados .
event u al procedênc ia do pedido do au t or.”
(fl. 183)

No p ont o 3.3, im pug na o v alor atribuído à É p ac ífico o ent en diment o d e qu e o valor da


c ausa , ped ind o-se q u e seja fixad o em R$ c ausa dev e ser equiv alente a 12 (doze)
12.229,43, equ ivalent e ao valor relativo à v enc im entos do carg o p retendido pelo
fase d o cert ame em d eb at e. c and id at o, ap lic an do -se, p or analog ia, o art .
292, III e § 2º d o C PC.

www.tipografiajuridica.com.br tipografiajurídica@adv.com.br 21 98232-2435


2

No p ont o 4.1, in forma qu e “ não pode o T od a a ju risp rud ên cia trazid a c omo
Judiciário substituir a banca fu nd amen t o pela requ erid a versa somente
examinadora quantoaos critérios de sob re a imp ossib ilid ad e de exame em se
seleção e avaliação , por se t rat ar de t rat and o d e qu est ões d e p rova, o que não é o
mérit o ad min ist rat ivo ” (fl. 190 ). c aso em tela . Ad emais, é c ediço o
entendim ento de que é possív el o reexam e
quando há ileg alidade na av aliaçã o.

No p ont o 4 .2, in forma qu e a aç ão não A cont rovérsia su sc it ad a p elo au t or g ira


pode ser adm itida um a v ez que o edital é exatament e n o fat o d e qu e a banc a
a lei do c onc urso , su jeit and o aqu eles qu e exam indadora (requerida) fundamen tou seu
se i nsc reveram às su as exig ên cias. (fl. ato de form a sujetiva , não send o econtrad o
193). seu s c rit ét ios n o edit al d o c onc urso.

Nos iten s 4.3 e 4.4, argu men t a qu e “ o Não se q uestiona a ac eitação do autor,
autor teve garantido o direito de q uando da inscrição no conc urso, como
inscrição e de participação no concurso c andidato neg ro (preto ou pa rdo), mas sim
para concorrer às vagas reservadas em a su a exc lu são b aseado em c rit érios
razão de ter se autodeclarada preto ou su bjetivos n ão p revist os em ed it al,
pardo ”. (fl. 196). c on figu ran do -se abu siva e ilegal su a
elimin aç ão .

No item 4.5 ad uz q ue “ a autodeclaração Uma vez q ue a p olít ic a d e c ot as é de d if íc il


não esgota o processo de seleção por via imp lement ação, c omo b em p ont u ou a
d as c ot as p ara n eg ros”, q u e “não se n eg a requ erid a, dev e-se seg uir o princ ípio da
q ue a p olít ic a p úb lic a de cot as rac iais n o razoabilidade e proporc ionalidade q uando
Brasil é d e difíc il imp lemen t aç ão” e q ue “ o da sua aplic aç ão, o que não foi feito pela
procedimento adotado pelaAdministração banc a , uma v ez que elim inou o autor, m as
Pública é legítimo ”. (fls. 19 6 – 198) aprov ou outros candidatos com o m esmo
fenótipo .

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
3

No item 4.7, in forma q ue “os crit érios O autor , c omo se vê n as imag en s anexad as ao
u t ilizad os p ara a verificaç ão da c ondiç ão p roc esso e n a inc luíd a pela req u erida, possui
rac ial d os ca nd id atos foram baseados nas c arac trísti cas de pessoa parda . Oc orre qu e
características fenotípicas consideradas não foram a dotados os m esmos critérios
e utilizadas pelo IBGE ”, qu e “ as para todos os c a ndidatos, u ma vez q ue
características fenotípicas avalia das algu mas b anc as aprovar am c ad id atos c om o
aludem aos tons de pele, às texturas de mesmo fenót ip o d o aut or e ou t ras n ão.
cabelos e aos traços fisionômicos ”, e qu e Ad emais, a jurisprudênc ia é pac ífica no
“a avaliaç ão foi feit a ap en as c om b ase n o sentido de que é nulo o ato adm inis trativ o
fen ótip o do au t or” (fls. 202 – 204). de v erificação da dec laraç ão rac ial
esc orado em critérios puram ente
arbitrários.

1 PRELIMINARES SU SCITADAS NA CONTESTAÇÃO


Justiça gratuita, litisconsortes necessários, do valor da causa

A banca, em sede preliminar, pede o indeferimento da concessão da


justiça gratuita sob o argumento de que “a mera alegação de hipossufi-
ciência do autor e considerando que sequer foi apresentado uma do-
cumentação demonstrando a sua situação de hipossuficiência, impe-
rioso se faz o indeferimento do pedido de gratuidade de justiça, devendo, o
Autor, em consequência, ser intimado para providenciar o recolhimento das
custas processuais devidas” (fl. 182).
No entanto, a verdade é que o autor não fez somente uma mera ale-
gação de hipossufiência. Pelo contrário, anexou à incial o seu contra-
cheque (fl. 26) comprovando sua situação financeira, motivo pelo qual
pede-se a manutenção da gratuidade concedida.
Ainda em sede preliminar, requer a formação e “citação dos litis-
consortes passivos necessários, para que os candidatos afetados defen-
dam seus interesses, que serão, inequivocamente, afetados por uma eventual
procedência do pedido do autor.” (fl. 183).
No entanto, quanto a essa suposta necessidade, o Superior Tribunal
de Justiça (STJ) já firmou entendimento no sentido de que é comple-
tamente dispensável tal formação.

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
4 Sobre o tema:

A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que 'é dispensável a


formação de litisconsórcio passivo necessário entre os
candidatos aprovados em concurso público, uma vez que
possuem apenas expectativa de direito à nomeação' (AgRg no
REsp 1.294.869/PI, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, DJe de 4.8.2014). No mesmo sentido: EDcl no REsp
1.662.582/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
DJe 9.10.2017.

RMS 58.456/MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,


julgado em 09/06/2020, DJe 07/08/2020.

Por fim, impugna o valor atribuído à causa, pedindo-se que seja fi-
xado em R$ 12.229,43, equivalente ao valor relativo à fase do certame em
debate (fl. 189).
No entanto, é pacífico o entendimento de que o valor da causa deve
ser equivalente a 12 (doze) vencimentos do cargo pretendido pelo can-
didato, aplicando-se, por analogia, o art. 292, III e § 2º do CPC. Nesse
sentido é a jurisprudência a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. CONCURSO


PÚBLICO DA GUARDA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. PLEITO
VISANDO À NOMEAÇÃO E POSSE EM CARGO PÚBLICO. PERDA
SUPERVENIENTE DO OBJETO. NOMEAÇÃO DA AUTORA DURANTE
A TRAMITAÇÃO DA DEMANDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM
JULGAMENTO DO MÉRITO. ACOLHIMENTO DA IMPUGNAÇÃO AO
VALOR DA CAUSA PARA FIXAR O MONTANTE EM R$ 1.000,00.
IRRESIGNAÇÃO DO EX-PATRONO DA AUTORA. 1. Apelo do
causídico com a finalidade de reforma da r. sentença para que a
impugnação ao valor da causa seja rejeitada, bem como para fixar
honorários advocatícios nos termos do artigo 85, § 2º do CPC. 2.
Demanda sem conteúdo econômico específico. Valor da causa
atribuído pela parte autora no importe de R$ 65.000,00 (sessenta e
cinco mil reais). Valor estimativo sem coerência com a causa e com
perspectiva de reflexo sobre os honorários advocatícios.
Descabimento. 3. Possibilidade de arbitramento do valor da causa
considerando o pedido mediato. Ainda que a pretensão autoral

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
5 corresponda à prática de um ato administrativo, é inegável que a
procedência da demanda proporcionará à demandante o benefício do
recebimento de remuneração pela nomeação em cargo público, por
prazo indeterminado. 4. Reparo no r. decisum para fixar o valor da
causa na importância correspondente ao somatório de 12 (doze)
meses de remuneração do cargo nomeado. Quantia indicada pelo
Réu/impugnante que se mostrou adequada. Aplicação, por
analogia, do § 2º do artigo 292 do CPC. Precedentes
jurisprudenciais. 5. Uma vez alterado o valor da causa, torna-se
descabida a manutenção da verba honorária arbitrada de forma
equitativa (artigo 85, § 8º do CPC). Acolhimento do apelo para fixar
os honorários advocatícios em 12% (doze por cento) sobre o valor
atualizado da causa, em consonância com o artigo 85, § 2º e § 3º, I
do CPC. 6. Recurso a que se dá parcial provimento. (TJ-RJ - APL:
XXXXX20188190001, Relator: Des(a). SERGIO RICARDO DE
ARRUDA FERNANDES, Data de Julgamento: 26/08/2021,
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/09/2021)

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. VALOR DA CAUSA


INCOERENTE COM O CONTEÚDO ECONÔMICO DA AÇÃO.
PARCELAS VINCENDAS. CORRESPONDÊNCIA A DOZES VEZES À
REMUNERAÇÃO MENSAL DO CARGO A CUJA NOMEAÇÃO
PRETENDE. ARTIGO 260, CPC/1973. INÉRCIA DO AUTOR.
APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Caso em que o autor pleiteia o
reconhecimento de ilegalidade no critério adotado pela Administração
Pública, quando da nomeação e posse de candidatos para provimento
de cargos do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, realizado no ano
de 2000. 2. O valor da causa foi considerado incoerente com o
conteúdo econômico da ação. 3. O autor mesmo tendo intimado a
manifestar-se em relação ao aditamento da petição inicial para
ajustar o valor da causa, quedou-se inerte, resultando no
indeferimento da petição inicial e a consequente extinção do processo
sem resolução do mérito. 4. A atribuição do valor à causa deve ser
compatível com a vantagem econômica objetivada na demanda.
In casu, acertadamente determinou o juízo a quo o ajuste do
valor da causa, para que correspondesse a dozes vezes à
remuneração mensal do cargo a cuja nomeação pretendia, na
forma do artigo 260, CPC/1973, recolhendo, ainda, a diferença de
custas. 5. Assim, no caso, o valor da causa deveria expressar o
proveito econômico a ser obtido pelo autor, tomando como base

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
6 o valor do vencimento do cargo pretendido, à época de R$
4.367,68. Entende-se, portanto, que o valor da causa deveria ser
a soma do valor de 12 meses do vencimento. Muito além do valor
atribuído à causa: R$ 1.200,00. 6. Cabe ressaltar ainda que contra a
decisão que determinou o ajuste do valor da causa, o autor interpôs
agravo de instrumento, o qual ratificou a primeira decisão. Ou seja,
o apelante vem, reiteradamente, tanto em agravo, quanto agora em
apelação, buscar guarida no Tribunal, para deixar de cumprir
decisão judicial anteriormente determinada. 7. Apelação desprovida.

(TRF-3 - AC: XXXXX20094036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR


FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento:
05/04/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3
Judicial 1 DATA:20/04/2017)

Diante disso, pede-se que não sejam reconhecidas as preliminares sus-


citadas em contestação pela requerida, mantendo-se inalteradas as dispo-
sições da inicial.

2 MÉRITO
Da alegação de impossibilidade de o poder judiciário substituir a banca e de
que o edital é a lei do concurso

Inicialmente, no ponto 4.1, a requerida argumenta que “não pode o


Judiciário substituir a banca examinadora quanto aos critérios de seleção e
avaliação, por se tratar de mérito administrativo” (fl. 190). A fim de justificar
seu argumento, junta três jurisprudências que respaldariam a tese.

No entanto, ao analisarmos o teor dos julgados, percebe-se que não se


aplicam ao caso em tela. Citamos aqui um trecho de cada uma das três
jurisprudências apresentadas.

“Já decidiu o Supremo Tribunal que não compete ao Poder


Judiciário, no controle jurisdicional da legalidade,
examinar o conteúdo de questões de concurso público para
aferir a avaliação ou correção dos gabaritos.”

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
7 “Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade,
substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas
pelos candidatos e notas a elas atribuídas.”

“o Poder Judiciário não pode, como regra, substituir a banca


examinadora de concurso público para avaliar as respostas
dadas pelos candidatos nem as notas a elas atribuídas, ou
seja, não pode interferir nos critérios de correção de prova.”

Ora, como é possível notar, todos os textos acima citados versam


sobre a impossibilidade de serem analisadas pelo poder judiciários te-
mas referentes a questões de provas e gabaritos, o que não é o cerne
da presente ação. Não se questiona aqui nenhuma questão do caderno
de provas ou o gabarito dado.

Ademais, no ponto 4.2, informa que a ação não pode ser admitida
uma vez que o edital é a lei do concurso, sujeitando aqueles que se
inscreveram às suas exigências. (fl. 193).

No entanto, a jurisprudência dos tribunais, embora reconheça a dis-


cricionariedade da Administração Pública na definição dos critérios de se-
leção e avaliação em concursos públicos, também estabelece limites claros
para essa atuação. O Poder Judiciário tem reiteradamente se pronunci-
ado sobre a possibilidade de controle judicial em situações em que haja
violação de direitos fundamentais, arbitrariedade ou ilegalidades ma-
nifestas na condução do processo seletivo.

A título de exemplo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal


(STF) tem consolidado entendimento no sentido de que a discricionariedade
da Administração Pública não pode ser exercida de forma arbitrária ou em
desacordo com os princípios constitucionais. O STF reconhece que a revi-
são judicial se faz necessária quando há indícios de desvio de poder,
violação ao edital, ausência de motivação ou qualquer outra ilegalidade
que comprometa a lisura e a transparência do concurso público.

Portanto, ao contrário do que alegado na contestação, a jurisprudência


pátria tem reconhecido a importância do controle judicial nos casos em que

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
8 há vícios ou irregularidades no processo seletivo, buscando assegurar a ob-
servância dos princípios constitucionais e a proteção dos direitos dos can-
didatos.

Sendo assim, é fundamental destacar que a intervenção do Poder


Judiciário não se trata de uma substituição arbitrária da banca exami-
nadora, mas sim de uma garantia do devido processo legal e da obser-
vância dos princípios constitucionais. A busca por um processo seletivo
justo, transparente e livre de arbitrariedades é essencial para a credibili-
dade do sistema de concursos públicos e para a preservação da confiança
da sociedade.

3.1 MÉRITO
Quanto à alegação de que o procedimento adotado foi legítimo

No restante da sua contestação, a requeria discorre acerca da validade


do procedimento de heteroidentificação que eliminou o autor bem como in-
forma que foram adotadas as características fenotípicas consideradas e uti-
lizadas pelo IBGE.
Apesar da afirmação feita pela requerida em sua contestação, a reali-
dade dos acontecimentos é completamente diferente.
Primeiramente, não havia outros critérios estabelecidos em edital
se não o de que a avaliação da comissão de heteroidentificação deveria
ter como base e critério o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Tal quesito, utilizado desde 1991 pelo IBGE, divide-se em 5 categorias:
branca, amarela, indígena, preta e parda. Marta de Oliveira Antunes, da
Gerência Técnica do Censo Demográfico do IBGE, explica que:

“O termo pardo remete a uma miscigenação de origem preta ou


indígena com qualquer outra cor ou raça. Alguns movimentos
negros utilizam preto e pardo para substituir o negro e alguns
movimentos indígenas usam indígenas e pardos para pensar a
descendência indígena. É uma categoria residual, mas que é
a maioria”.

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
9 Ademais, se filtrarmos os dados do IBGE para o estado do Amazo-
nas, vemos que, segundo os dados das Características Étnico-raciais da
População, em 2008, 67,3% (sessenta e sete vírgula três por cento) e
80,1% (oitenta vírgula um por cento), em 2021, da população do estado
se considerava parda.
Assim, é evidente que as bancas de heteroidentificação devem se
pautar pela razoabilidade quando da aferição das aparências dos candi-
datos autodeclarados pardos, considerando que estes, em sua maioria,
não terão os fenótipos estritamente condizentes com as pessoas pretas
ou com os de qualquer outra categoria do IBGE, afinal, fazem parte de
uma categoria residual.
Nesse sentido, em caso análogo recente, o Tribunal de Justiça do Mato
Grosso do Sul deu razão a candidato autodeclarado pardo que teve sua
condição não verificada por banca de heteroidentificação em concurso pú-
blico, in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CONTROLE


DE LEGALIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO - COTAS RACIAIS –
AUSÊNCIA DE PARÂMETROS LEGAIS OU MESMO EDITALÍCIOS –
CRITÉRIOS PURAMENTE ARBITRÁRIOS ADOÇÃO DE CRITÉRIOS
ELEITOS PELO IBGE – SEGURANÇA CONCEDIDA. [...] 2. É nulo o
ato administrativo de verificação da declaração racial, para fins
privilégio em concurso público, escorado em critérios puramente
arbitrários de características fenotípicas, sem previsão legal ou
editalícia. 3. Tal procedimento é incompatível com o disposto na Lei
12.990/14, que adota a classificação étnica feita pelo IBGE, que
divide os brasileiros entre pretos, pardos, brancos, amarelos e
indígenas. Pardo, segundo critério adotado pelo IBGE, é a pessoa
com várias ascendências étnicas, com mistura de cores de pele,
seja essa miscigenação mulata (descendente de brancos e
negros), cabocla (descendentes de brancos e ameríndios), cafusa
(descenden-tes de negros e indígenas) ou mestiça. (TJ - MS -
PROCESSO: 14110908320188120000 - Relator: Sideni Soncini
Pimentel - Data de Julgamento: 29/03/2019 - 4ª Seção Cível - Data
de Publicação: 02/04/2019).

Ora, o edital (e tampouco a lei) previa qualquer característica física que


deveria possuir o candidato para concorrer às vagas reservadas. Não havia

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
10 a previsão de que somente aqueles que possuíssem determinado tipo de
cabe-lo, boca ou nariz.
Assim, não poderia a banca de avaliação ter em mente características
físicas fixas e esperar que todos se enquadrassem nesse modelo pré-defi-
nido. A principal característica que deveria ser analisada era a cor de pele,
já que as demais características são extremamente variáveis, uma vez que
a etnia parda é residual.
Ademais, cumpre salientar que, conforme jurisprudência pátria, a atu-
ação das bancas de heteroidentificação se destina a coibir fraudes e
abusos. Nesse sentido:

(...) O critério da autodeclaração, diga-se, vai ao encontro dos valores


elencados como fundamentais pela Constituição Federal. É o caso da
dignidade da pessoa humana, estabelecido no artigo inaugural da Lei
Maior como fundamento da República. O artigo 3º, ainda, afirma ser
objetivo fundamental do Estado Brasileiro 'promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação'. A autodeclaração, com efeito, é critério
que nega ao Estado o poder de selecionar os indivíduos,
classificando-os em grupos étnicos/raciais, a fim de conceder ou
negar direitos. Não obstante, diante dos inúmeros e mais
absurdos casos de fraudes no sistema de cotas, perpetradas por
candidatos que falsificam a autodeclaração buscando acesso a
concorridas vagas em cargos públicos ou em instituições de ensino
superior, a jurisprudência vem entendendo legal a utilização de
critérios posteriores à autodeclaração, a fim de avaliar sua
veracidade. (TRF - 4ª Região - Apelação Cível nº
500092398.2015.4.04.7102/RS - Relator - Desembargador Luís
Alberto D'Azevedo Aurvalle - Julgado em 08/07/2015).

Ademais, deve prevalecer o que determina portaria normativa nº 4, de


6 de abril de 2018 que regulamenta a aplicação da Lei de Cotas n.
12.990/2014, que dispõe que, em caso de dúvida, deve-se beneficiar o
candidato. Essa é inteligência do art. 3º, § 2º, a saber:

Art. 3º A autodeclaração do candidato goza da presunção


relativa de veracidade. § 2º A presunção relativa de
veracidade de que goza a autodeclaração do candidato

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001
11 prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu
fenótipo, motivada no parecer da comissão de
heteroidentificação.

Isto posto, diante da cor e das demais características físicas do autor,


aferíveis visualmente por meio das fotografias durante sua vida, anexas ao
presente, além dos demais documentos comprobatórios de que sempre se
considerou e foi considerado pardo, é evidente que não houve qualquer
tentativa de abuso ou fraude por parte do autor e que fere a razoabili-
dade declarar que seu fenótipo não corresponde ao de uma pessoa
parda.

Assim, diante dos fatos trazidos na peça inicial, bem pelas fotos do autor, tanto as
que foram anexadas na inicial quanto a apresentada pela requerida, além das imagens
dos outros candidatos aprovados que possuem o mesmo fenótipo do autor, todo o con-
junto probatório demonstra a plausibilidade do direito do autor. Por este mo-
tivo, pede-se a manutenção da tutela já concedida.

4 PEDIDOS
Requer, então, o autor:

a. O reconhecimento da procedência dos argumentos e das provas apre-


sentadas na presente petição;
b. A rejeição dos argumentos apresentados pela parte requerida em sua
contestação;
c. A manutenção da tutela antecipada já concedida ao autor;
d. No mérito, requer a procedência da presente ação para declarar a ile-
galidade do ato que não considerou o autor por todos os fatos acima
narrados e, ao final, seja o autor considerado aprovado no concurso
público nas vagas reservadas aos candidatos negros (pretos e pardos);

Manaus (AM), 20 de junho de 2016.

Aldenires | OAB AM 8.105


Documento assinado digitalmente

Processo: 0431891-80.2023.8.04.0001

Você também pode gostar