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Medicina UFPel – Patologia Especial

Aula 6 – Patologia do Pâncreas


Sumário
I. Estrutura
II. Anomalias Congênitas
a. Heterotopia
b. Pâncreas anelar/anular
c. Pâncreas divisum
d. Agenesia
III. Pancreatites
a. Pancreatite Aguda
b. Pancreatite Crônica
IV. Tumores benignos e malignos

Estrutura pancreática
• Glândula anfícrina
o Ilhotas de Langhans – secreção endócrina
▪ Células beta: insulina
▪ Células alfa: glucagon
▪ Células c: somatostatina
o Ácinos pancreáticos: secreção exócrina
▪ Suco pancreático – enzimas digestivas
• Peso aproximado: 75 g
• Medição: 15 a 23 cm no maior eixo
• Constituído por cauda, corpo, colo e cabeça (região mais volumosa).

Manoella Becker Jaccottet


• Glândula friável, revestida por cápsula delgada, aspecto bocelado na superfície externa, coloração
amarelo-rosada.
• Na estrutura interna: uma série de canalículos
o Fundem e formam um canalículo mais extenso, o ducto pancreático principal/Ducto de Wirsung.
▪ Esse ducto se bifurca e sua parte principal se anastomosa com o ducto colédoco que traz
a secreção biliar e ambos vão desembocar na 2ª porção do duodeno, na papila duodenal
maior, eliminando sua secreção conjunta.
▪ Uma pequena parte da secreção será drenada pela papila menor (também na 2ª porção
duodenal) e este ducto é chamado de Pancreático Acessório/Santorini.

Embriogênese Pancreática
O pâncreas, no sistema digestório, se forma junto ao duodeno.
O pâncreas se origina pela fusão de duas estruturas embrionárias, o pâncreas ventral e pâncreas dorsal. Durante
o desenvolvimento, ocorre uma rotação no sentido anti-horário da porção ventral em direção a porção dorsal,
que se fundem para formar o pâncreas. O sistema canalicular que antes era distinto, acabar se fundindo
• Da porção dorsal → origina praticamente toda a extensão do ducto pancreático principal.
• Da porção ventral → origina apenas uma parte do ducto pancreático que vai se fundir com o pancreático
principal formando a junção na papila duodenal maior.

Anomalias Congênitas
Heterotopia:
• Desenvolvimento de um tecido normal, fora de seu lócus/local habitual, ou seja, há um desenvolvimento
de tecido pancreático fora de sua localização anatômica;
• 2% das pessoas apresentação essa patologia
• Etiologia:
o Ainda não se sabe muito qual a etiologia, pode ser uma metaplasia, um erro na embriogênese,
mas se acredita que seja esse último devido algum erro de migração.
• Localização:
o Praticamente ao nível de toda extensão do tubo digestório, podendo aparecer desde o estômago
até o íleo, abarcando todas as partes do intestino.
o Quando há o divertículo de Meckel, também é possível que ocorra uma metaplasia pancreática.
• Macroscopia:
o Nódulos submucosos proeminentes, mas que confirmados na microscopia devem apresentar as
células acinares pancreáticas;
o Observa-se infiltrado inflamatório, tendo em vista que as enzimas produzidas pelas células
pancreáticas podem ser irritativas para a mucosa.
• Consequência:
o Podem causar dor, sangramento, podem ulcerar e eventualmente malignizar;

Pâncreas Anelar (anular)


• Etiologia
o Defeito na embriogênese (rotação)
o Pâncreas acaba se circunscrevendo completamente ao duodeno, ao redor da porção medial
• Localização:
o Circunscrição do duodeno
• Consequências
o Possível síndrome obstrutiva

Pâncreas Divisum:
• Etiologia:
o Também um defeito na embiogênese
o Problema na fusão entre as porções ventral e dorsal, não ocorrendo uma fusão completa.
• Consequência:
o O sistema canalicular não se forma corretamente e pode sobrecarregar uma das porções do
pâncreas
o Se houver essa sobrecarga, as enzimas que estão sendo produzidas podem atacar o pâncreas e
causar um processo inflamatório, levando a uma pancreatite que pode cronificar com o tempo.

Pancreatites
Pancreatite aguda
• Definição: inflamação do parênquima pancreático de grau variável (lesões potencialmente reversíveis).
Pode passar despercebida e até ser letal.
• Etiologias:
o 1º: litíase biliar – causa + importante
▪ Formação de cálculo biliar no ducto em comum (colédoco com a junção do pancreático
principal).
o 2º: alcoolismo
▪ Ainda que não seja crônico, o consumo de bebida alcoólica pode levar a pancreatite
aguda
o 3º idiopática
▪ Sem uma explicação óbvia
▪ Ainda são comuns
o Outras causas nem tão comuns
▪ Trauma
▪ Hiperlipidemia
▪ Hipercalcemia,
▪ Infecciosa (paramyxovirus, caxumba),
▪ Fármacos
• Esteróides, azatioprina, ACO, furosemida e tiazídicos
• O fato desses fármacos serem mais associados com pancreatite aguda é porque
eles também são de consumo muito frequente.
▪ Isquemia
• Peculiaridade: são lesões que, uma vez o processo inflamatório se extinga, pode ser que tenhamos
reversão completa da função da glândula. Ou seja, pode ficar sem sequelas.
• Mecanismos
o Ativação enzimática das pré-enzimas dentro do parênquima pancreático (as quais deveriam ser
ativadas no momento que entram nos ductos). Ocorre a fusão grânulos de zimogênio às vesículas
lisossomais, por isso as enzimas são ativadas dentro do ácino.
o Essa ativação provoca a autodigestão do pâncreas, que é acompanhada de um processo
inflamatório.
o Normalmente, o pâncreas eliminaria enzimas inativas e elas seriam ativas no momento da
excreção.
• Fisiopatologias propostas (teorias):
o Lesão direta da célula acinar pancreática
o Obstrução canalicular (ductal)
▪ Litíase: cálculo obstruiu e a secreção retorna e lesa as células.
o Erro no transporte enzimático intracelular
▪ Grânulos de zimogênio podem apresentar uma interrupção no seu transporte, levando
a fusão das enzimas lizossomais e assim estabelecendo o quadro inflamatório
o Possivelmente, todas essas teorias estão corretas, isoladamente ou em conjunto.

• Classificação (grau):
1. Parenquimatosa / edematosa (branda). Mortalidade: < 2%
2. Necrosante (grave). Mortalidade 10%
3. Hemorrágica (severa). Mortalidade 30%

• Outra Classificação:
1. Edematosa
o Se caracteriza por apresentar mais edema na periferia da glândula e eventualmente
apresentar focos pequenos de esteatonecrose, porém nem por isso vai ser chamada de fase
necrótica.
2. Necrohemorrágica (pois as 2 variantes estão presentes no mesmo processo inflamatório) Ø
o Dor importante, em faixa no abdômen superior (hipocôndrios, região epigástrica e inclusive
regiões lombares) associada a náuseas e vômito, elevação da amilase e lipase (mais
específico e mais tardio ocorrendo de 72- 96h depois do início do processo inflamatório) e
diminuição da calcemia.
▪ Amilase e lipase se elevam na corrente circulatória por conta da destruição do tecido
pancreático, que permite o extravasamento das enzimas pancreáticas pelos vasos
danificados
▪ A diminuição do cálcio sérico ocorre pois a presença de enzimas atacando o tecido
pancreático e a necrose aumentam o pH celular, e o Ca++ (grande tampão) se
desloca e se deposita no tecido necrosado para tentar minimizar o caráter ácido,
com isso, a calcemia diminui (hipocalcemia)
o Macroscopia
▪ Hemorragia (Sinais de Gray Turner e Cullen)
• A hemorragia pode ser tão exuberante que pode levar o indivíduo a um
choque fatal
• O sangramento não fica restrito à glândula, podendo se expandir pelo
retroperitônio e invadir os planos musculares do abdome, chegando
inclusive ao subcutâneo (lateral e gástrico)
• Sempre são sinais de gravidade
▪ Necrose
• Esteatonecrose: “pingos de vela”
• Depósitos de cálcio nos locais necróticos que por vezes acabam se tornando
rádio detectáveis.
• Não fica restrita só a glândula, por ter lipases, pode começar a digerir o
tecido adiposos peripancreático e se estender até os epíplons no próprio
peritônio

Esteatonecrose: adipócitos de aspecto normal ao lado de adipócitos “apagados”. As paredes parecem mais
espessas. As chamadas células fantasma são as que já sofreram necrose, mas ainda estão mantendo o arcabouço
original. Esteatonecrose é muito comum na pancreatite aguda pois o pâncreas produz LIPASES, que degradam o
tecido adiposo pancreático

Complicações Graves da Pancreatite Aguda - necrótica


• Choque
• SARA (Síndrome de Angústia Respiratória Aguda)
o Complicações no parênquima pulmonar devido a grande quantidade de enzimas presentes na
circulação
• IRA (Insuficiência Renal Aguda)
• Abscesso pancreático da área necrótica
• Pseudo-cisto
o Abcesso parcialmente digerido (não necessariamente um abcesso), que levou a formação de
uma cavidade.
• Obstrução duodenal, por compressão

Critérios de Ranson
Indicam a letalidade do quadro de pancreatite aguda
• Ureia – Aumento de U > 10% ou Aumento de BUN > 5mg/dl
• Base – Excesso de base (BE) < 4mEq/l ou Déficit de base > 4mEq/l

Nas pancreatites agudas é importante avaliar esses parâmetros para obter o prognóstico e pensar no plano
terapêutico do paciente;

Pancreatite crônica
• É difícil determinar a prevalência da pancreatite crônica, mas provavelmente varia entre 0,04-5% da
população
• Definição
o Processo de longo prazo de inflamação parênquima associada a destruição acinar, que quando
ocorre de forma crônica, a reparação se dá por fibrose, levando ao comprometimento
irreversível da função – produção de enzimas digestivas e hormônios. (na aguda às vezes é
reversível, não tem fibrose)
o A causa mais comum da pancreatite crônica é o abuso do álcool por longo período de tempo
• Patogênese
o Obstruções (cálculos e rolhas proteicas)
o Tóxico - metabólica (álcool)
o Estresse oxidativo (álcool)
o Necrose e fibrose
o Essencialmente, os mesmos fatores da pancreatite aguda, mas estendidos ao longo
o do tempo.
• Etiologia
o Álcool (2º lugar na aguda, 1º lugar na crônica)
o Obstrução (1º lugar na aguda, 2º lugar na crônica)
o Idiopática (3ª causa em ambas)
o Hereditária (defeitos gênicos)
o Malformação (pâncreas divisum)
o Autoimune
• Morfologia
o Fibrose parenquimatosa
o Reduzido número e tamanho dos ácinos
o Relativo acometimento das ilhotas de Langerhans
o Variável dilatação dos ductos pancreáticos
• Macroscopia
o Aumento inicial edematoso
o Redução volumétrica progressiva (história natural ao longo do tempo, fica bem pequeno).
▪ Por conta da fibrose e do colágeno que se organiza e contrai.
o Aspecto brancacento, endurado, com calcificações
o Cálculos podem formar-se na luz dos ductos, principalmente quando a pancreatite é de etiologia
alcoólica
▪ Nem sempre são derivados da vesícula, ás vezes são formados dentro do próprio
pâncreas.
▪ Formados pela precipitação do conteúdo proteináceo que fica no interior dos ductos
pancreáticos.
▪ Precipitação → formação de micelas → união de micelas
• Microscopia:
o Perda de elementos glandulares (mar de ácinos roxos substituídos por fibrose)
o Fibrose
o Sistema ductal encontra-se frequentemente dilatado (ectasia ductal), por causa de estenose
cicatricial, de fibrose periductal ou de cálculos na luz dos duetos
o Rolhas proteicas (formadores de cálculos)
o Calcificações
o Inflamação crônica inespecífica perilobular e periductal (infiltrado inflamatório crônico em torno
dos lóbulos e dos ductos - infiltrado de mononucleares, principalmente linfócitos)
▪ Linfócito costuma predominar, mas não tem uma célula que aponte uma causa
específica, não é um cluster.
o Espessamentos vasculares
o Fibrose perineural
▪ Fibrose, na periferia dos nervos que suprem o pâncreas
▪ Estimula os nervos
▪ Estímulos álgicos → DOR CRÔNICA PROGRESSIVA
• No RX, algumas vezes o pâncreas pode ser visto devido à calcificação (vários pontos de esteatonecrose
tamponados pelo cálcio).
• Clínica:
o Dor recorrente e progressiva
o Disfunção exócrina (perda de glândulas) → esteatorréia, hipoalbuminemia e emagrecimento.
▪ Esteatorreia: perda excessiva de conteúdo lipídico pelas fezes por conta da falta de lipase
para digerir.
▪ Hipoalbuminemia: porque as proteases estão em falta, não desdobra proteína não há
absorção -> pouca quantidade de proteína circulante.
▪ Emagrecimento: as manifestações supracitadas já explicam.
o Disfunção endócrina → diabetes (destruição das ilhotas)
o Calcificações ao Rx
o Pseudocistos
▪ Pseudocistos formam-se por autodigestão em um surto de pancreatite aguda ou, como
já mencionado, por obstrução ductal, aumento da pressão e ruptura do ducto, com
formação de cavidade cuja parede é constituída de fibrose e infiltrado inflamatório
mononuclear; pode haver ou não comunicação desta com o sistema ductal
▪ Pode formar um abscesso no seu interior.
▪ Para o cisto ser verdadeiro, ele precisa ter um revestimento epitelial no seu interior. Isso
importa a questão de confusão com tumor.

Tumores Pancreáticos
Tumores Pancreáticos Benignos
• Cistos Congênitos:
o Raros
o Doença Policística pancreática associada a Doença Policística hepática e renal).
• Pseudo-cistos:
o Pós pancreatite
o Aspecto tumoral devido ao aumento do volume
• Cistoadenomas:
o Neoplásicos,
o Tumores benignos mais frequentes do pâncreas, mas bem menos frequentes que os malignos.
o Podem complicar por compressão.
• Tumores sólidos endócrinos: (grande produção desses hormônios).
o Insulinomas – células β
o Glucagonomas – células α
o Somatostatinomas – células C
o Gastrinomas – células G
▪ (S. de Zollinger-Ellison) → causa de múltiplas úlceras gástricas.

Tumores Pancreáticos Malignos


Carcinoides
• Produzem serotonina
• Raros
• Comportamento maligno atenuado (na maioria das vezes não são malignos
o Predição de malignidade maior quando eles são volumosos - infiltrantes e metastatizantes.

Carcinomas pancreáticos
• Também chamados de adenocarcinomas.
• Tem aumentado a frequência.
• É o tumor pancreático mais frequente, superando as neoplasias benignas em muitas vezes
• Epidemiologia:
o Homens
o Negros
o Após 60 anos
o Mulheres diabéticas.
• Etiologia/fatores associados:
o Tabagismo
▪ Aumento do risco em 8x
▪ Fator isolado mais importante
o Dieta rica em lipídios (obesidade)
o Pancreatite crônica hereditária
o Químicos: benzidina, nitrosaminas (tabaco).
▪ Exposição laboral.
o Síndromes: Von Hippel Lindau, Peutz-Jeghers
o Café (?????)
• Sinais clínicos de alerta
o Emagrecimento/anorexia, náuseas e vômitos
o Dor (invasão perineural) em faixa no abdome alto
o Icterícia (tumores de cabeça pancreática)
▪ Quando o tumor comprime a cabeça pancreática no nível do colédoco com o ducto
pancreático principal.
▪ Icterícia obstrutiva + palpação indolor da vesícula (SINAL DE COURVOISIER)
▪ Tumor de Cabeça de Pâncreas
▪ A vesícula é indolor pois não está inflamada
o Síndrome de Trousseau: tromboflebites, migratórias.
▪ 10% dos casos.
▪ Associado a hipocalcemia.
▪ O Armand Trousseau identificou o sinal nele mesmo.

o Os fatores de risco atuam no epitélio pancreático levando a uma série de erros genéticos e
alteração de alguns genes. Esse processo ocorre ao longo do tempo, por isso é um CA mais
comum em mais velhos.
o Eventos em conjunto: encurtamento da telomerase, mutação no gene, ativação de anti-
oncogênicos.
o Conjunto sequencial de mutações -> tumor maligno -> potencial de metástases.

• Características
o Macroscopia
▪ Limites imprecisos: é mais fácil palpar do que visualizar.
▪ Se infiltram, aumentando o volume da glândula.
▪ São bem densos e aumentam a firmeza da glândula.
▪ Células glandulares malignas e no permeio muito tecido desmoplásico
▪ Caráter brancacento, fosco, firme.
▪ Se infiltra principalmente ao redor dos nervos.
o Microscopia
▪ Usualmente são adenocarcinomas, ou seja, tem origem a partir dos epitélios dos ductos
pancreáticos
▪ Podem ser cistoadenocarcinomas, ocorrendo a formação de cistos, são raros, mas
apresentam um prognóstico melhor que os adenocarcinomas
▪ Células glandulares malignas (mais escurinhas),
▪ Tecido desmoplásico entremeado, dando um caráter brancacento, fosco, firme
▪ Infiltração perineural → muita dor
o Localização
▪ 5% das vezes na cauda,
▪ 15-20% no corpo,
▪ 60% na cabeça.
▪ Esses valores correspondem aos volumes do pâncreas → áreas com mais células →
maiores chances
▪ Podem se originar dos ductos pancreáticos.
o Disseminação:
▪ Gânglios linfáticos loco regionais:
• Peri pancreáticos
• Hilo hepático
• Das curvaturas gástricas
• Mesentéricos
o Metástase
▪ Principalmente para o fígado
• Evolução
o Apenas 20% são ressecáveis, ou seja, a cada 10 diagnósticos em 8 nem a ressecção vai se indicar
pois o prognóstico é pior
o Cirurgia de Wipple:
▪ Gastroduodenopancreatectomia total, bem complicada.
▪ Dos que fizeram a cirurgia: sobrevidas péssimas.
• Diagnóstico
o Difícil detecção precoce por ser um tumor profundo, localizado no retroperitônio.
o Fazer exames de imagem com frequência em paciente mais velhos, a partir dos 50-60 anos
▪ US 1X por ano, rápido, barato, não invasivo
o Tentar identificar elementos produzidos pelo tumor de forma sérica
▪ Não se sabe ainda quais são esses fatores, porém algumas proteínas já estão sendo
identificadas

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