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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUÍZ(A) DE

DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE CAMPO


GRANDE – MS.

BENEDITO DE OLIVEIRA PEDRAL JUNIOR,


brasileiro, portador do CPF 000.628.651-88 e inscrito no RG 1.293.960 SSP/MS,
residente na Rua Avenida Rancho Neder, 536, Monte Castelo, Campo
Grande/MS, CEP 79010/170, através de sua advogada que esta subscreve,
conforme procuração em anexo, vem, mui respeitosamente, perante Vossa
Excelência, propor

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE PROCESSO


ADMIINSTRATIVO DECORRENTE DE MULTA DE TRÂNSITO C/C
TUTELA DE URGÊNCIA E SUSPENSÃO DA APLICAÇÃO DA
PENALIDADE, CC MULTA DIÁRIA

Em face do DETRAN-MS – DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DE MATO


GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito público, Autarquia Estadual,
inscrita no CNPJ sob o nº 01.560.929/0001-38, com endereço na Rodovia MS
080, s/n, Km 10, saída para Rochedo, CEP 79114-901, em Campo Grande/MS,
CEP 79114-901, e-mail arcampogrande@detran.ms.gov.br, pelos motivos de fato
e razões de direito que a seguir passa a alinhavar.

DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

Consoante disciplina o artigo 98, caput, do CPC, “A pessoa natural ou


jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as
custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à
gratuidade da justiça, na forma da lei”.

Para tal pleito, a Requerida anexa a declaração de hipossuficiência, bem


como afirma perceber salário mensal insuficiente para arcar com as despesas
mensais, o que demonstra a inviabilidade de pagamento das custas judicias sem
comprometer sua subsistência.

Importante destacar que a assistência por advogado particular não pode


ser parâmetro ao indeferimento do pedido, como já decidiu a jurisprudência
pátria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C


COBRANÇA DE FGTS. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA –
REQUISITOS DEMONSTRADOS. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. Para a concessão da justiça gratuita, é necessária a
comprovação da hipossuficiência financeira. O fato de a
agravante ser representados processualmente por
advogado particular não obsta a concessão da justiça
gratuita se há prova de que seu rendimento mensal é
insuficiente para custear as despesas processuais. (TJMS.
Agravo de Instrumento n. 1405760-03.2021.8.12.0000, Ribas do
Rio Pardo, 3ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Odemilson Roberto
Castro Fassa, j: 20/06/2021, p: 23/06/2021)

Assim, considerando a demonstração inequívoca da necessidade da


Requerida, com fulcro no artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal e no artigo 98
do CPC, requer seja deferida a gratuidade de justiça.

I – DOS FATOS

Alega o órgão atuador que foi praticado o ato de recusar-se a ser submetido a
qualquer dos procedimentos previstos no artigo 277, infração tipificada no artigo
165-A do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), no dia 25/11/2021, às
21:43, no veículo de placa OON5749.

Foi lavrado o Auto de Infração de Trânsito TEN0157362.

Contudo, processo administrativo n. 19474/2022 não foi conduzido nos moldes


da legalidade, além de narrar fatos incompletos, que distorcem e se distanciam
da realidade fática, conforme será demonstrado a seguir.
VERDADE FÁTICA

Partindo-se da premissa de que a presunção de legitimidade de que goza o agente


público é relativa e carece de prova, por ser mera antecipação de uma realidade
confirmável, impera que sejam esclarecidos os fatos acerca do que realmente
ocorreu.

A parte Peticionária foi abordada pura e simplesmente porque estava saindo de


uma “conveniência”, do posto de combustíveis, momento em que sacava dinheiro
em um caixa eletrônico do estabelecimento.

Neste momento, foi abordado pela autoridade policial e lhe foi exigido a aferição
etílica.

Totalmente descabida tal pretensão.

Não bastasse isso, o que se destaca é que o resultado em momento algum foi
mostrado à parte, que conta apenas com a palavra do agente.

Diante do suposto resultado, com o qual a parte não concorda, a mesma optou
por deixar de efetuar o teste de etilômetro com o equipamento homologado pelo
INMETRO, que supostamente estaria disponível, o que também não se pode
assegurar, uma vez que o condutor responsável pela retirada do veículo não
passou pelo teste válido.

Em virtude do narrado, sendo claro que é indevida a autuação, espera- espera-se


que os argumentos abaixo expostos sejam considerados procedentes e suficientes
para o afastamento da pretensão estatal, por ser medida de inteira justiça.

DA FRAGILIDADE DA PROVA COLHIDA. AGENTE NÃO


APRESENTOU O RESULTADO DO TESTE PASSIVO REALIZADO

No caso em tela, o autor, certo de sua sobriedade, se dispôs a realizar o pré-teste


com o aparelho passivo, tendo lhe causado imensa estranheza a comunicação pelo
agente de trânsito acerca do resultado positivo.

Além disso, contribuiu para a sua insegurança sobre a confiabilidade do teste o


fato da autoridade não ter apresentado em momento algum o resultado no
equipamento, tendo meramente falado, o que notoriamente compromete de
forma insanável a sua legitimidade.

Sabidamente os agentes de trânsito possuem presunção de veracidade referente


aos seus atos e declarações. Contudo, esta deve ser tratada como uma mera
antecipação daquilo que poderia ser comprovado. No presente caso, nada mais
restaria, senão a palavra do agente contra a do cidadão, o que não se pode admitir,
principalmente tratando-se de tipo legal alicerçado em prova pericial.

No momento da abordagem havia uma test testemunha que poderá confirmar a


omissão da autoridade, caso seja oportunizado pelo órgão. Frise-se que em
momento algum o agente mostrou o resultado do pré-teste.

Diante do exposto, tendo em vista o flagrante desrespeito a norma legal, o teste


passivo perde o seu valor probatório, tendo constituído uma ilegal coação para
que a parte autora não realizasse o teste, assim, não existindo materialidade que
possa sustentar a imputação, resta imperativo que o auto de infração seja
arquivado e julgado insubsistente, nos termos do artigo 281 do CTB.

DA NULIDADE. AUTO DE INFRAÇÃO COM RASURAS

O Manual Brasileiro de Infrações de Trânsito, que tem por fim uniformizar e


padronizar os procedimentos de fiscalização em todo território nacional,
estabelece regras que devem ser obrigatoriamente seguidas por todas as
autoridades de trânsito e seus agentes.

A referida instrução define o auto de infração como uma peça informativa que
subsidia a Autoridade de Trânsito na aplicação das penalidades, devendo o seu
preenchimento obedecer às disposições contidas no artigo 280 do CTB e demais

normas regulamentares, sendo que não poderá, de forma alguma, conter rasuras,
emendas, uso de corretivos, ou qualquer tipo de adulteração.

Ademais, o agente de trânsito deverá realizar o seu preenchimento com letra


legível, preferencialmente, com caneta esferográfica de tinta preta ou azul.

É notória a intenção do legislador, no sentido de afastar a presunção de


legitimidade das informações lançadas pelo agente de trânsito, diante do cenário
de incerteza proveniente do documento que contém falhas, o que não se trata de
mero erro formal, que pode ser convalidado após a conclusão do ato, visto que
este entendimento afastaria as garantias constitucionais do contraditório e da
ampla defesa, o que não se pode admitir, sendo imperativo a sua anulação.

Nesse sentido, vejamos decisão do Poder Judiciário sobre a matéria:


“ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. EXCESSO
DE VELOCIDADE. AUTO DE INFRAÇÃO COM RASURAS.
PROVA BILATERALMENTE DIABÓLICA. ESTADO DE
DÚVIDA CRIADO PELO AGENTE PÚBLICO.
PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO
ADMINISTRATIVO AFASTADA. POSSIBILIDADE DE
REENQUADRAMENTO. DANO MORAL. NÃO
CABIMENTO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1.
A conduta ilícita não

é questionada nos autos, sendo fato incontroverso. Também não


há dúvidas quanto a ter havido rasura no auto de infração, sendo
que os próprios agentes da União admitiram que houve alteração
numérica. 2. O valor anotado antes da rasura não faria incidir o
Apelante na multa imposta aos que ultrapassam em mais de 20%
a velocidade máxima permitida. Ocorre que não ficou esclarecido
nos autos o motivo da rasura apresentada no auto de infração, a
qual poderia ser, de fato, mera correção de erro no momento da
autuação, como também ato deliberado para penalizar mais
gravemente o infrator, que se recusou a assinar o auto de
infração. 3. Ocorre que no caso, o motivo que levou o agente
atuador a praticar a rasura no auto de infração não é passível de
comprovação por meio de prova, limitando-se à narrativa de
cada parte envolvida, não servindo, assim, a teoria da
distribuição dinâmica do ônus da prova para oferecer uma
solução segura, vez que se trata de prova bilateralmente
diabólica. 4. No caso, caberia ao agente da Polícia Rodoviária
Federal apresentar documento formalmente perfeito, livre de
rasuras, de forma a garantir maior segurança e confiabilidade
de que os valores anotados no auto de infração de fato
correspondiam à medição da velocidade aferida por meio de
equipamento portátil. 5. O estado de dúvida foi criado pelo
próprio agente público, de maneira que não mais persiste a
presunção de legitimidade do ato administrativo, devendo ser
anulado o auto de infração. [...] 8. Apelação parcialmente
provida, para anular o auto de infração impugnado, com o
cancelamento dos pontos atribuídos à CNH do Autor em virtude
da autuação, invertendo o ônus sucumbenciais. (TRF-2 - AC:
200951140001464, Relator: Desembargador Federal ANTONIO
HENRIQUE C. DA SILVA, Data de Julgamento: 03/12/2013,
QUINTA TURMA

ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 18/12/2013). – Grifo


nosso.”

Portanto, no caso em análise, resta manifesto que o auto de infração não atendeu
aos pressupostos de validade, visto que há tanto rasuras, como partes do texto
borradas, devendo ser declarado nulo, julgado insubsistente e devidamente
arquivado, nos termos do que estipula o artigo 281 do CTB.

DA NULIDADE DA IMPUTAÇÃO. AUSÊNCIA DE SINAIS DE


EMBRIAGUEZ. RECUSA AO TESTE DO ETILÔMETRO

Saliente-se que seria no mínimo ultrajante penalizar os condutores quando estes


se recusam a realizar o teste de etilômetro ofertado pelos agentes de trânsito. Isto
porque é vedada a presunção de que a pessoa Peticionária conduzia o veículo sob
os efeitos do álcool, desassociada da constatação de quaisquer sinais ou indícios
externos de embriaguez.
No caso em comento, não foram verificados e apontados tais indícios pelo agente
de trânsito.

Deste fato, seria lógico concluir que, ou o agente de trânsito realmente não
verificou nenhum sintoma que pudesse comprovar ou levantar suspeita quanto à
suposta embriaguez da parte Requerente, ou este é apenas outro erro formal do
auto de infração, mais uma vez ensejando o cancelamento da infração como um
todo, em decorrência dos inúmeros erros que afrontam a lei do processo
administrativo. Sob tal análise, não pode prosperar o presente auto de infração,
já que não restou descrito pelo agente público uma clara situação de infração de
trânsito, não indicando sequer quais os sintomas que demonstraram a suposta
alteração na capacidade psicomotora da pessoa, Requerente, limitando-se a
narrar um fato que possui mera tipicidade formal, porém totalmente desprovido
de tipicidade material.

Frise-se, não se pode concluir que a pessoa Requerente apresentava sinais de


embriaguez quando não foram apontados quais sinais seriam estes, e tampouco
penalizá-la quando não lhe foi dada a devida segurança do exercício dos seus
direitos, por um erro exclusivo do agente de trânsito ao não lhe oportunizar outro
meio de prova irrefutável, cerceando claramente o seu direito constitucional de
defesa. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial consolidado:

“FAZENDA PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. RECUSA EM


REALIZAR O TESTE DE ETILÔMETRO. INFRAÇÂO DE
TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE CONSTATAÇÃO DE
EMBRIAGUEZ POR OUTROS MEIOS. NULIDADE DO
AUTO DE INFRAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. I. De início,
importante destacar que, no dia 28.5.2017, a requerente foi
abordada e identificada pelo agente público, que o autuou com
fulcro na infração prevista no artigo 165-A do Código de Trânsito.
Incontroverso o fato da recusa da requerente em se submeter ao
teste de etilômetro, devidamente registrado no respectivo Auto de
Infração N. Y0001173359 (Id 7883458). II. Para a verificação da
infração (esfera administrativa), na hipótese de recusa à
realização do teste do etilômetro, especificada no Art. 165-A do
Código de Trânsito, as normas de trânsito autorizam a
constatação de sinais de embriaguez pela autoridade de trânsito,
os quais deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo
específico (Art. 277 do CTB e arts. 3º, inciso IV, e 5º, inciso II, da
Resolução CONTRAN nº 432/2013) III. No presente caso, tem-se
por insuficiente a mera descrição no Auto de Infração de recusa do
teste do etilômetro, sem especificar o comportamento da
condutora a ser lançado pelo agente público, na medida em que, a
mera recusa, por si só, não comprova que a requerente conduzia
veículo sob influência de álcool, pois, como bem salientado na
sentença, auto de infração que se limita a mencionar aquela
recusa, sem detalhar especificadamente as reais condições do
condutor, ainda mais quando se considera que a Resolução
432/2013, do CONTRAN, prevê 23 sinais de embriaguez,
supletivos do teste de alcoolemia. Precedentes: TJDFT, 1ª Turma
Recursal, Acórdão sinais de embriaguez, supletivos do teste de
alcoolemia. Precedentes: TJDFT, 1ª Turma Recursal, Acórdão
n.1156341, DJE: 05/04/2019, 3ª Turma Recursal, Acórdão
n.1159595, DJE: 27/03/2019, Acórdão n.1152929, DJE:
28/02/2019. IV. Desse modo, escorreita a sentença que decidiu
pela procedência do pedido autoral e declarou a nulidade do Auto
de Infração n. Y0001173359. V. Recurso conhecido e improvido.
Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Sem custas
processuais. Condenado o recorrente ao pagamento dos
honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa
(Lei n. 9099/95, Art. 55). (TJ-DF 07024465120198070016 DF
0702446-51.2019.8.07.0016, Relator: FERNANDO ANTONIO
TAVERNARD LIMA, Data de Julgamento: 02/05/2019, 3ª Turma
Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de
Publicação: Publicado no DJE: 08/05/2019. Pág.: Sem Página
Cadastrada) – Grifo nosso.”

“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA.


TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO. ART. 165 DO CÓDIGO
DE TRÂNSITO (CTB). RECUSA EM FAZER O TESTE DO
"BAFÔMETRO". SINAIS DE EMBRIAGUEZ. AUSÊNCIA
DE CONSTATAÇÃO. NULIDADE DO auto e dos efeitos
decorrentes de sua lavratura. devolução do valor de multa pago.
1. A mera recusa à submissão ao teste com etilômetro
("bafômetro"), ainda mais considerando a indicação da infração
como sendo a prevista no art. 165 do CTB - não houve a indicação
da combinação com o art. 277, § 3º, desse Código -, sem a efetiva
constatação da embriaguez, ainda que por outros meios de prova,
não é suficiente para a imposição das penalidades previstas no
referido artigo do CTB. 2. É nulo o auto de infração lavrado pela
Polícia Rodoviária Federal em desfavor do autor, bem como são
nulos seu correlato procedimento administrativo e o processo
administrativo instaurado pelo DETRAN/RS em decorrência
desse auto para aplicação da penalidade de suspensão do direito
de dirigir. 3. O valor pago pelo autor a título de multa deve lhe ser
restituído. 4. Sentença reformada. Invertidos os ônus
sucumbenciais. (TRF-4 - AC: 50033007420174047101 RS
5003300-74.2017.4.04.7101, Relator: MARGA INGEBARTH
TESSLER, Data de Julgamento: 20/03/2018, TERCEIRA
TURMA) – Grifo nosso.”

Todo o alegado encontra facilmente respaldo na Resolução nº 432/2013 do


CONTRAN, em seu artigo colacionado a seguir:

DOS SINAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA

Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão


ser verificados por:

– exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico


perito;

– constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos


sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo
II.

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo


agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não
somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a
situação do condutor.

§ 2º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o


inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo
específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo
II, o qual deverá acompanhar o auto de infração. – Grifo nosso
Reitera-se assim, que em análise ao exposto, resta apenas concluir que o agente
realmente não constatou nenhum sintoma nas ações da parte Requerente que
pudesse comprovar ou causar suspeita quanto ao seu estado de embriaguez.

Isto posto, requer seja reconhecida a nulidade do auto de infração e, assim, o


arquivamento da autuação imputada.

DA NULIDADE. NÃO ATENDIMENTO DE PRESSUPOSTO DO TIPO


LEGAL. LEI SECA. AUSÊNCIA DE RETENÇÃO DA CNH.
HABILITAÇÃO FÍSICA APRESENTADA

O auto de infração não merece subsistir, visto que eivado de nulidade, carecendo
de forma legal, requisito essencial a todo ato administrativo.

No ponto, imperioso que se esclareça que o tipo legal imputado prevê como
penalidade, além da multa, o recolhimento do documento de habilitação e
retenção

do veículo, observado o disposto no § 4º do artigo 270, quanto à questão da


retenção do veículo.

No que tange ao recolhimento da CNH, importante que se registre que apesar da


previsão de exceção ao recolhimento quando apresentada a CNH digital, no caso
em tela a parte Requerente estava com sua CNH física, a qual foi apresentada ao
agente e devolvida, havendo informação inverídica vinculada no ATI.
Salvo disposição em contrário, o nosso ordenamento jurídico afasta a
possibilidade da aplicação de apenas parte da pena quando há expressa previsão
de pena composta, ou seja, é vedado imputar somente a sanção pecuniária,
deixando o restante da pena sem aplicação.

No caso em comento, restou pendente a retenção da CNH da pessoa Condutora,


requisito essencial à perfeição e eficácia da imputação, o que vicia
substancialmente o ato punitivo.

Ademais, tratando-se de infração em que há teoricamente perigo abstrato


envolvido e não somente caráter administrativo, mostra-se deveras necessário
que o agente cumpra com todas as medidas previstas no CTB, como forma de
garantir a segurança do trânsito, sob pena de se esvair sua finalidade. É flagrante
que a cisão da pena feriria de forma drástica o seu caráter educativo, bem como
geraria insegurança jurídica, inadmissíveis em um Estado Democrático de
Direito.

A aplicação das penas de forma isolada não pode ser adotada com base em
nenhum entendimento jurídico, visto que isso significaria contrariar
manifestamente o texto da lei. Ademais, a conduta praticada pelo agente público
fere expressamente o Princípio da Legalidade, uma vez que os atos praticados
pela Administração Pública devem estar totalmente subordinados à expressa
previsão legal, sendo que qualquer afastamento aos mandamentos da lei importa
na total invalidade do ato praticado.

Assim sendo, o presente auto de infração, no estado em que se apresenta, é


manifestamente contrário à Legislação Pátria, de modo que sua anulação é
medida que se impõe, nos termos do que preconiza o parágrafo único do artigo
281 do CTB.
DA NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE PUNIR A RECUSA

Não merece prosperar a pretensão estatal, tendo em vista que a recusa está
totalmente amparada pela Constituição Federal. O Princípio "nemo tenetur se
detegere”, também conhecido como o direito de não produzir prova contra si
mesmo, está consagrado pela Carta Magna, assim como pela legislação
internacional, como um direito mínimo e fundamental a qualquer cidadão
acusado, sendo de suma importância seu cumprimento.

Além da interpretação legal, cabe salientar o entendimento jurisprudencial, que,


assim como a Carta Magna, ampara a recusa e evidencia a irregularidade de uma
autuação quando não há qualquer indício de ingestão de álcool, pois é arbitrária
a obrigatoriedade em condutor que não apresenta sinais de alteração
psicomotora.

Nesta lógica, colaciona-se entendimento firmado pelo Desembargador Mauro


Caum Gonçalves:

“RECURSO INOMINADO. DETRAN/RS. AUTO DE


INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. RECUSA DO CONDUTOR EM
SUBMETER-SE AO TESTE DO ETILÔMETRO. ARTIGO
165-A DO CTB.

INCONSTITUCIONALIDADE. SENTENÇA REFORMADA. O


demandante foi autuado pelo cometimento de infração de trânsito
consistente em Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico,
perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de
álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo
art. 277 , prevista no artigo 165-A do CTB. De acordo com a
redação do artigo supracitado, e a lógica que dele se depreende,
somente é possível autuar o condutor que se recuse a realizar os
testes caso esse apresente sinais externos de influência de álcool -,
os quais deverão ser devidamente certificados por meio do Termo
próprio, com descrição de todas as características que levam à
conclusão e na presença de testemunha idônea, ou outros meios,
descritos no art. 277 do CTB. Desse modo, não sendo constatado
formalmente que o cidadão conduzia veículo automotor sob sinais
externos de álcool ou substância psicoativa, não há infração de
trânsito. Destarte, autuar o condutor que não apresenta qualquer
ameaça à segurança no trânsito, pela mera recusa em realizar os
testes oferecidos pelos agentes de trânsito, configura
arbitrariedade. Infração pelo artigo 165-A do CTB que viola
frontalmente os Princípios Constitucionais de Liberdade (direito
de ir e vir), Presunção de Inocência e de Não Auto Incriminação e
Individualização da Pena, previstos no art. 5º, XV, LVII, LXIII, e
XLVI da CF. Aplicação afastada, no caso concreto, pelo controle
difuso de constitucionalidade, com afastamento da regra de
Reserva de Plenário (Recurso Cível Nº 71007504608, Segunda
Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator:
Mauro Caum Gonçalves, Julgado em 21/03/2018)” – Grifo nosso.

Resta evidente, no caso em tela, a quão arbitrária e desarrazoada é a autuação


realizada em virtude da simples recusa da pessoa do condutor que, destaque-se,
em momento algum apresentou indícios de ingestão de álcool. A pretensão
estatal, dessa forma, encontra-se eivada de irregularidades e não deve prosperar,
sob pena de afrontar os princípios constitucionais de liberdade, presunção de
inocência e de não autoincriminação e individualização da pena.
No mesmo sentido, o Relator Desembargador José Jarbas de Aguiar Gomes, nos
autos do processo 1001184-86.2016.8.26.0042, da 11ª câmara de Direito Público,
destaca que:

O simples fato de o impetrante não ter se submetido voluntariamente ao exame


de etilômetro não justifica a sua autuação com as mesmas penalidades previstas
a quem for flagrado na direção de veículo automotor sob influência de álcool. –
Grifo nosso.

Cabe ressaltar que a jurisprudência (entendimento judicial) é fonte do Direito


Administrativo e deve ser considerada para fins de interpretação e julgamento de
demandas. De modo que, cabe ao julgador, caso decida de forma contrária,
fundamentar minuciosamente sua decisão explicitando as razões e as
justificativas para o não acolhimento, especialmente sobre a discordância para
com o entendimento judicial.

Caso contrário, o julgador estaria igualmente em desacordo com o Princípio da


Legalidade, em especial, em desacordo com a Lei Nº 9.784/99, em seu artigo 50,
que dispõe:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com


indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III– decidam processos administrativos de concurso ou seleção


pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de
processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos; – Grifo nosso.


Portanto, face às razões aqui apresentadas, espera-se o cancelamento da presente
autuação, especialmente pelo conflito existente entre a penalidade e o

entendimento judicial. Caso o Nobre Julgador entenda de outra forma, o que nem
de longe se cogita, espera-se que justifique minuciosamente sua visão, em
conformidade para com a Lei nº 9.784/99 e, consequentemente, para com o
princípio da legalidade.

DA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO À REGULARIDADE DO


EQUIPAMENTO DE ETILÔMETRO NO MOMENTO DA ABORDAGEM.
RECUSA AO TESTE

Segundo previsão expressa na Resolução nº 432/2013 do Conselho Nacional de


Trânsito - CONTRAN, o aparelho etilômetro utilizado pelos agentes de trânsito
nas abordagens deve ter o seu modelo aprovado pelo INMETRO e deve ter a sua
verificação metrológica inicial, eventual, em serviço e anual realizada também
pelo INMETRO ou por órgão da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade
– RBMLQ.

Em análise do caso em comento, nenhum comprovante formal sob tal


regularidade foi apresentado à pessoa Condutora no momento da abordagem. Tal
situação traz insegurança e temor, não se podendo esperar conduta diversa de
qualquer outro condutor que estivesse em tal situação.
Apesar da presunção de veracidade de que são dotados os agentes públicos, não
há como se esperar que os condutores realizem o teste de etilômetro, o qual pode
trazer danos de imensurável quantificação aos mesmos, sem que tenham a
certeza de que o resultado apresentado de fato estará correto e condizente com a
verdade.

Destarte, no caso de impossibilidade de verificação por parte dos condutores


acerca das aludidas normas técnicas, uma vez que não apresentado o laudo no
momento da abordagem, a recusa se torna plenamente justificável. Não existindo
materialidade que possa sustentar a imputação, resta imperativo que o auto de
infração seja arquivado e julgado insubsistente.

DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO


1.212.315. RECUSA AO TESTE. LIQUIDAÇÃO INCONSTITUCIONAL
DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA .

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, prevê que "ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Desta forma, o artigo 165-A é flagrantemente inconstitucional, posto que
presume a culpabilidade diante da mera recusa do condutor em realizar o teste
do etilômetro.

Salienta-se que nosso ordenamento jurídico tem positivado o princípio da


presunção de inocência, sendo que as previsões principiológicas constitucionais
ostentam força normativa.

Neste ponto, vejamos o seguinte acórdão, do qual fora interposto Recurso


Extraordinário de nº 1.212.315, o qual foi negado provimento pela Ministra
Cármen Lúcia em junho de 2019, em harmonia com a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal:
“Como se vê dos autos, a autuação decorre somente do fato de a
parte autora ter se recusado ao teste do bafômetro, pouco
importando o estado de embriaguez. Decorre da mera conduta de
negar-se a realizar o teste, com fundamento no novel artigo 165-A
do CTB. O artigo 165-A é flagrantemente inconstitucional, pois
liquida com a presunção de inocência. O motorista visivelmente
alcoolizado que o agente de trânsito indica tais sinais e comprova
com testemunhas ou até mesmo com mídia, necessita demonstrar
através de teste que não está sob influência de álcool punível.
Aquele com sinais de embriaguez precisa demonstrar, através da
prova, sua condição regular, se quiser impedir a aplicação da
sanção. Agora, o cidadão que o agente de trânsito não encontra
nenhum sinal de condução de veículo com influência proibida de
álcool, tanto que o agente nada assinala, permanece hígida a
presunção de inocência. A inconstitucionalidade está no fato de o
cidadão ser obrigado a provar o que não lhe cabe. Está regular,
tanto que nada aponta o agente, ou não lhe assinala nenhum sinal
de efeito de álcool. O cidadão que nada é apontado pelo agente de
trânsito, pois nada diagnosticou, não tem o ônus de provar que
está regular, milita a seu favor a presunção de inocência. Esta
robustecida pelo fato de o agente nada informar, porque não
encontrou sinais de condução sob o efeito ilegal de álcool.
Portanto, a mera negativa de não se submeter ao bafômetro sem
que sejam apontados sinais de influência ilegal de álcool pelo
agente de trânsito não pode incidir norma severa de multa elevada
e mais doze meses de suspensão da habilitação. O art. 165-A fere a
presunção de inocência e caracteriza constrangimento ilegal
obrigar o cidadão a submeter-se ao teste de bafômetro, a que não
está obrigado, por mera conduta de estar guiando veículo.
Absurda a nova lei que pune motorista que não se submete ao teste,
pouco importando se bebeu ou não. Pune pela mera conduta de
guiar e não realizar o teste. Assim, o art. 165-A é inconstitucional
e caracteriza constrangimento ilegal obrigar alguém a teste do
etilômetro, sob pena sob pena de multa, apartado ou independente
se bebeu ou não e sem nenhum sinal de tê-lo feito. (TJ-RS - Recurso
Cível: 71007670771 RS, Relator: Thais Coutinho de Oliveira, Data
de Julgamento: 30/07/2018, Turma Recursal da Fazenda Pública,
Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/08/2018) – Grifo
nosso.”

Além disso, a Ministra destacou que:

“Em outros precedentes, este Supremo Tribunal assentou que o


direito à não autoincriminação impede que os acusados sejam
compelidos a participar de exames para fornecer elementos de
prova em procedimentos de investigação e processos criminais.

No julgamento do Habeas Corpus n. 93.916 (de minha relatoria,


Primeira Turma, DJe 27.6.2008), referente a crimes de trânsito,
anotei não ser possível “presumir que o paciente estaria
alcoolizado pela recusa em se submeter ao exame de dosagem
alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia
qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado
de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não
produzir prova contra si mesmo”.
Ora, o que se extrai da presente decisão é a impossibilidade de se presumir que o
cidadão está dirigindo embriagado, quando não há provas nesse sentido.

Ao se permitir imputar infração de tamanha gravidade, está-se liquidando com a


presunção de inocência, presunção essa garantida constitucionalmente. Ante o
exposto, a anulação do presente procedimento é medida que se impõe.

DO CONFLITO NORMATIVO. PREVALÊNCIA DO CÓDIGO DE


PROCESSO PENAL SOBRE O CÓDIGO DE TRÂNSITO

Há muito é discutida a validade da multa por recusa ao teste do etilômetro


imposta pelo artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro - CTB. As vertentes
garantistas entendem que a tipificação viola, dentre outros princípios jurídicos, o
“in dubio pro reo”, uma vez que gera, inevitavelmente, a ideia de que o fato de a
pessoa Condutora se recusar a realizar o teste de alcoolemia consiste em assumir
que havia algo de errado em sua conduta.

Ora, o ordenamento jurídico brasileiro, em todos os seus anos de existência, vem


buscando garantias para preservar os cidadãos, protegendo-os dos abusos legais
e da “força desproporcional” do Estado.

Neste sentido, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo - TJ/SP, no recurso


de número 1003599-6.2019.8.26.0223, tratou de ir contra a norma de trânsito e
a favor das garantias do cidadão. Vejamos:
“TRÂNSITO. RECUSA DE SUBMISSÃO A
PROCEDIMENTOS VERIFICADORES DE INFLUÊNCIA
ALCOOLICA. CONFLITO DA NORMA DO § 3º do ART. 277
do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) COM A
REGRA DO ART. 186 DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL -CPP. - Prevendo o CTB ser crime, suscetível de pena de


detenção, "conduzir veículo automotor com capacidade
psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra
substância psicoativa que determine dependência" (art. 306), tem-
se que, por força do sistema penal que é unitário, não se pode
compungir um condutor de veículo a submeter-se a procedimento
de aferição de eventual e atualizada influência de álcool em seu
organismo, porquanto isto importaria em admitir a compulsão de
produzir prova (fortuitamente) contra o próprio compelido. - O
quadro dos autos ostenta um confronto de normas
subconstitucionais, sem produzir-se, directe, uma crise de
constitucionalidade: nesta específica situação conflitiva, há de
prevalecer, sobre a norma do § 3º do art. 277 do CTB, a regra do
CPP (art. 186), já (i) por mais benigna, (ii) já por sua proximidade
do critério in dubio pro reo, (iii) já por exigir, prudentemente, a
prova por quem acusa. Provimento da apelação. – Grifo nosso.”

Ou seja, temos aqui não somente o apelo da parte autora, mas também
argumentação amparada em doutrina e estudo jurídico. O que vemos, a partir da
decisão do referido Tribunal, é a representação clara e lúcida de juristas notórios
manifestando o conflito de constitucionalidade entre a norma de trânsito e o
restante do ordenamento pátrio.

Neste caso específico, sendo evidente o conflito entre o artigo 165-A combinado
com o artigo 277, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro - CTB e o artigo 186 do
Código de Processo Penal - CPP, há de se fazer valer a norma mais benéfica e
garantir à parte Requerente a apresentação das provas, por parte do Estado, de
que a conduta punida gerou, objetivamente, algum risco à ordem e/ou à
integridade física de alguém.

Inexistindo prova inequívoca por parte do órgão autuador, o cancelamento da


presente penalidade é medida que se impõe.

**Cumpre ressaltar que o simples fato de a parte Peticionária se recusar à


realização do exame de etilômetro não gera a presunção de que o veículo era
conduzido sob a influência de álcool, porquanto o próprio dispositivo no qual a
parte Requerente foi capitulada estabelece outras formas de averiguação do
estado de embriaguez, tais como o “exame clínico, perícia ou outro procedimento
que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo CONTRAN
permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que
determine dependência”.

A conclusão a que se chega, e de forma lógica, é que a lacuna na lei formal impede
por óbvio, a automática presunção de culpa do condutor do veículo apenas com
base na negativa de realização do teste do etilômetro. Logo, a conduta do agente
público apresenta-se irregular, extrapolando os limites do exercício do poder de
polícia, o que invalida, por si só, as penalidades que foram impostas à pessoa
Requerente.
Ademais, a desconfiança de que o aparelho apresentado para a realização do
exame não preencha todos os requisitos de segurança exigidos, pode sim, gerar o
comportamento negativo por parte dos motoristas.

O fato é que a parte Condutora foi autuada de forma imediata e prematura em


razão da interpretação dada pela Administração, sendo a penalidade, se mantida,
completamente arbitrária e, por consequência, irregular.

DA NECESSIDADE DO VEÍCULO PARA IR TRABALHAR.


PREJUDICIALIDADE DA RESTRIÇÃO DE SUA CNH ;

Cumpre destacar que o autor utiliza o seu veículo para deslocamento ao trabalho,
sendo que a privação do seu direito de locomoção por meio próprio acarretaria
prejuízos insanáveis para si e para sua família.

Como é sabido, ninguém pode ser privado de exercer sua atividade profissional,
desde que esta não seja contrária à lei. No caso em comento, ter sua CNH
restringida, além de dificultar, ou até mesmo impossibilitar, tarefas diárias da
rotina da pessoa Requerente e de sua família, irá provocar sérios riscos ao bom
desempenho de suas atividades, trazendo prejuízos de difícil previsão e
proporção. Este fato feriria um dos mais relevantes princípios do direito
brasileiro – o da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade, consagrado pela Constituição Federal de 1988


e pela Lei nº 9.784 de 1999 em seu artigo 2º, sustenta que, quando existem dois
ou mais interesses conflitantes, deve a Administração Pública, após a devida
avaliação, decidir qual dos interesses será sacrificado em detrimento do outro.
Nesse sentido, com base na cláusula do devido processo legal substantivo, o
Supremo Tribunal Federal – STF, proferiu a seguinte decisão no Recurso
Extraordinário nº 374.981-RS (Informativo n. 381 STF), de relatoria do Ministro
Celso de Mello:

O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de


diversas cláusulas constitucionais, notadamente aquela que veicula a garantia do
substantive due process of law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os
abusos do poder público no exercício de suas funções, qualificando-se como
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta
obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que
consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of
law , art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais
decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa
de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente
limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar
em juízo meramente político ou discricionário do legislador.

No caso em apreço, resta clara a desproporcionalidade da penalidade a ser


imposta, não podendo o presente processo administrativo ser o motivo para que
a parte Peticionária reste impedida de exercer adequadamente e com
pontualidade suas atividades.

Cabe destacar, por fim, que a violação ou inobservância de um princípio


constitucional pode ser entendida como a mais grave das inconstitucionalidades.

O princípio da proporcionalidade supramencionado é considerado uma das


maiores garantias de respeito aos direitos fundamentais, não podendo a eventual
restrição de sua CNH ser sinônimo de proibição ao trabalho e, com isso, acarretar
o impedimento ao sustento próprio e de uma família, sob pena de grave e
inconstitucional inversão de valores, razão pela qual se roga pela sensibilidade do
órgão julgador.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

DA RESPONSABILIDADE

Ponto a ser abordado, a respeito do fato narrado nesta inicial é de que o


Requerente não estava no referido local, no momento da infração, não pode ser
responsabilizado por não ser o condutor, nos termos do § 3º do
Art. 257 do Código de Trânsito Brasileiro, que ora se transcreve:

"§ 3º Ao condutor caberá à responsabilidade pelas infrações


decorrentes de atos praticados na direção do veículo."

2.1 DO ÔNUS PROBATÓRIO

Ocorre que não há qualquer notícia acerca do teor alcoólico no sangue do autor,
tão pouco consta a informação de que o mesmo recusou-se à aferição da
dosagem etílica (bafômetro). Assim, a conclusão óbvia é que a verificação ficou
ao bel prazer do agente de trânsito, sem qualquer respaldo legal que o ampare.

Infelizmente o Código de Trânsito Brasileiro, não disciplinou o


assunto “ônus probatório”, e segue a regra imposta pela administração
pública que disciplina que seus agentes públicos são blindados de fé pública,
lhes sendo conferida veracidade a prática de todos os seus atos.

O que se compreende é que estamos tratando de pessoas que podem a qualquer


momento errar ou até mesmo praticar um fato em dissonância com a lei, e são
estas mesmas pessoas que aplicam as diversificadamente penalidades aos
cidadãos.

Neste sentido, segue o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

“Inverte, sem dúvida nenhuma, o ônus de agir, já que a parte


interessada é quem deverá provar, perante o Judiciário, a alegação
de ilegalidade do ato; inverte-se também, o ônus da prova, porém,
não de modo absoluto: a parte que propôs a ação deverá, em
princípio, provar que os fatos em que se fundamenta a sua
pretensão são verdadeiros. Porém isto não libera a Administração
de provar a sua verdade, como a própria lei prevê em várias
circunstâncias, quando ocorre à possibilidade de o juiz ou o
promotor público requisitar da Administração documentos que
comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e à
formação da convicção do juiz (DI PIETRO, Maria Silvia Zanella.
Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, Op. cit. 2008 p.
118).”

Logo o Art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB in verbis, trás a lume
requisitos para aplicação do auto de infração:
Art. 280 Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito,
lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:

I- tipificação da infração;

II- local, data e hora do cometimento da infração;

III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e


espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;

IV- o prontuário do condutor, sempre que possível;

V- identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente


autuador ou equipamento que comprovar a infração;

VI- assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como


notificação do cometimento da infração.

Quando se analisa os institutos trazidos pelo artigo 280 do CTB, é importante


ressaltar algo, tendo em vista que não necessariamente é obrigatória à
abordagem do motorista. Então, como realmente saber então se apenas o
condutor estaria de fato errado.

É possível comparar a abordagem com um “flagrante”, o que daria uma real


efetividade do auto de infração, mas não ocorrendo dessa forma, há de se
questionar qual a real efetividade da multa em vista que ela pode ser realizada
apenas pela própria declaração do agente. Num aspecto ampliado, surge a
seguinte pergunta: ‘‘Como o agente munido apenas de sua visão pode ter a
certeza quase que absoluta que o condutor cometeu ou está cometendo alguma
infração (?)’’.

A parte inicial do artigo relata a possibilidade de o agente comprovar a infração


por “declaração” do agente ou autoridade de trânsito, o que se questiona é: qual
o limite da legitimidade da declaração do agente administrativo (?); qual o
limite da capacidade probatória desta declaração (?); e porque é admitida a
declaração como meio probatório (?) se consta na parte final do parágrafo
outros tantos meios probatórios autorizados pelo CONTRAN. (possui, inclusive,
capacidade probatória objetiva – filmagens, fotos, etc).

Neste momento é nítida a atuação dos princípios administrativos como


presunção de veracidade e legitimidade, da boa fé do ato administrativo
realizado pelo agente, pois no momento da autuação o agente esta agindo
munido dos poderes estatais e protegido por todos os princípios a ele inerentes.
Necessário ainda ressaltar que o auto de infração realizado pelo agente de
trânsito pode ser discutido administrativamente.

Seguindo esta esteira, é oportuno consignar o entendimento doutrinário de


Demian Guedes sobre o assunto em questão.

“A presunção de legalidade implica que ato exarado pela Administração


presume-se legal (conforme o direito), valendo até o reconhecimento jurídico
de sua nulidade. Em decorrência de sua presumida correção, tem-se a
presunção de veracidade do ato: seus pressupostos fáticos são admitidos como
verdadeiros até prova em contrário”. (GUEDES, Demian. A presunção de
veracidade e o estado democrático de direito: uma reavaliação que se impõe.
In: Direito administrativo e seus novos paradigmas. Fórum, 2008. p. D245).”

Quando este ônus de provar que estava agindo de forma correta no momento da
aplicação da penalidade se torna muito mais oneroso para o condutor do que
seria para o ente administrativo provar, o que se verifica é que o mesmo estaria
agindo de forma errada.

Entretanto, cabe destacar que, em sentido frontalmente contrário a tal


presunção de culpa, prevê a Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. LV c/c
com inc. LVII, o princípio da presunção de inocência. Esse princípio é corolário
do princípio do devido processo legal, e impõe ao órgão acusador “o ônus
substancial da prova” da ilicitude alegada.

Quando comparamos o Direito Administrativo a outros ramos do direito, como


por exemplo, o direito do consumidor ou direito penal, verificamos que estes
incubem o ônus probatório a parte que pode suportar o ônus probatório.

Neste sentido, é nítida a hipossuficiência do Requerente face ao DETRAN, uma


vez que aquele não possui meios eficientes de provar o alegado pelo ente estatal
ao contrário dos outros ramos do direito, o alegado pelo ente DETRAN não deve
ser provado quem deve buscar os meios probatórios é o cidadão.

Por outro lado, observa-se que o Estado possui conforme resolução do


CONTRAN, relação de vários equipamentos que devem ser utilizados pelos
agentes de trânsito, como por exemplo, radares, câmeras e etc., para a autuação
do cidadão infrator então o que se questiona é, “a quem é mais viável provar o
alegado (?)”.

Ainda, como meio de defesa do condutor, a administração pública disponibiliza


um recurso administrativo, que nada mais é que um formulário preenchido e
enviado ao órgão para as multas de trânsito, assegurando assim a defesa
conforme os artigos 280 , 281 e 285 do CTB, Resolução 299/08 e 404/12 do
CONTRAN, da Lei Federal 9.784 /99, e CF/88.

Assim, importa esclarecer que a legislação do CTB dispôs em todos os sentidos


de meios que possam dar seguridade ao ente coator, dispensando o cuidado para
com os direitos do cidadão, inverte-se não apenas o ônus probatório
como também há visível afronta a princípios constitucionais face ao
cidadão.

Neste sentido, segue o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

“Inverte, sem dúvida nenhuma, o ônus de agir, já que a


parte interessada é quem deverá provar, perante o
Judiciário, a alegação de ilegalidade do ato; inverte-se
também, o ônus da prova, porém, não de modo absoluto: a parte
que propôs a ação deverá, em princípio, provar que os fatos em que
se fundamenta a sua pretensão são verdadeiros. Porém isto não
libera a Administração de provar a sua verdade, como a própria lei
prevê em várias circunstâncias, quando ocorre à possibilidade de o
juiz ou o promotor público requisitar da Administração documentos
que comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e
à formação da convicção do juiz (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, Op. cit. 2008 p.
118).”

Seguindo o entendimento:

“Portanto, quando se analisa os processos administrativos, a


presunção de veracidade da forma como temos hoje e com o amparo
da autoexecutoriedade só ajuda no desvio de finalidade e abuso de
poder por parte da Administração Pública, que independe da
motivação dada ao ato administrativo; goza de presunção de
veracidade, cabendo ao administrado, hipossuficiente, provar que
a ação administrativa foi ilegal e abusiva. Assim, a relação entre
cidadão e Administração não pode mais se fundamentar num ato de
fé, calcado unicamente na condição de autoridade pública do
agente, e conclui: “ao contrário, ela deve primar pela razão, pela
prevalência da verdade e da transparência no processo”. (GUEDES,
Demian. Processo administrativo e democracia: uma reavaliação
da presunção de veracidade. Belo Horizonte: Fórum, 2007.p.).”

Diante do entendimento trazido a esta exordial, é manifesta a indignação da


Requerente em ter de arcar com o ônus de provar fato delitivo que lhe foi
imputado, e deveras tendo a certeza de que não foi ela quem os praticou, tendo
como único aparato o peito judicial, haja vista tamanha dificuldade de se
comprovar a negativa de tais fatos.

2.2 DA INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO


Na distribuição do ônus probatório, deve predominar o “princípio do interesse
em provar”, segundo o qual, aquele que alegou a existência de uma determinada
situação é quem tem interesse em provar sua existência.

É evidente que a demonstração e realização de prova de infrações como, por


exemplo, “não estava fazendo uso de celular”, “que estava de cinto de
segurança”, “que não utilizou luzes indicadoras de direção”, “que não realizou
manobra arriscada”, bem como outras infrações que são capturadas por meio
eletrônico são provas consideradas diabólicas no campo do direito processual
civil, o que se traduz no sentido de que é impossível ao condutor provar que não
cometeu tais infrações, quando na realidade sequer tinha conhecimento que
contra ele o agente lançava a autuação de trânsito.

A manutenção das infrações dá exclusivamente na palavra dos agentes de


trânsito, acertadamente o estado de direito não compactua com a posição que o
cidadão é colocado, pois fica em extrema vulnerabilidade diante do órgão
autuador. Por força do devido processo legal e dos princípios da publicidade, da
finalidade e da motivação, a administração pública deve demonstrar os fatos
que ensejaram a autuação.

Cabe salientar que, das infrações lançadas por agente de trânsito, quando
questionado tal conduta pelo cidadão, tem o Estado o ônus de demonstrar a
ocorrência de tal infração.

Excelência, está caracterizado que a presunção de veracidade das infrações do


agente público com a inversão do ônus probatório representa um dever
praticamente insuportável ao cidadão, esmagando suas garantias fundamentais
diante de um Estado onipotente.
2.3. DA PROVA DIABÓLICA

Inicialmente, cumpre salientar que no Processo Civil, cabe mencionar que


o CPC adotou a teoria estática de distribuição do ônus da prova, em que a prova
é distribuída de maneira imutável entre as partes, ou seja, a prova é de quem
alega. No entanto, a teoria estática não resolve os casos de prova diabólica ou
negativa.

Conforme leciona o § 7º do art. 257 do CTB Não sendo imediata a identificação


do infrator, o proprietário do veículo terá quinze dias de prazo, após a
notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o
CONTRAN, ao fim do qual, não o fazendo, será considerado responsável pela
infração.

Assim, ao proprietário que simplesmente negar ter sido o autor da infração, isto
não bastará. Por força deste inciso lhe é repassado um ônus que deveria
pertencer integralmente à Administração: o de identificar o infrator.

Ora, na distribuição dos ônus probatório deve predominar o “princípio do


interesse em provar”, segundo o qual, aquele que alegou a existência de uma
determinada situação é que tem interesse em provar sua existência.

“PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE


INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
POST MORTEM. PARTE AUTORA BENEFICIÁRIA DA
GRATUIDADE DE JUSTIÇA. INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA. TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS
DA PROVA. CABIMENTO. PECULIARIDADES DO CASO
CONCRETO. DECISÃO MANTIDA. 1 Segundo a teoria da
distribuição dinâmica do ônus da prova, que vem sendo admitida
pela jurisprudência do colendo STJ e desta Corte de Justiça, atribui-
se a responsabilidade pela produção da prova a quem tem melhores
condições de produzi-la, conforme o caso concreto, retirando-se,
assim, o peso da carga probatória daquele que se encontra em
evidente debilidade de suportá-lo, repassando-o para quem se
encontra em melhores condições de produzir a prova essencial ao
deslinde do litígio. 2 Diante da notória dificuldade da
Autora/Agravada, beneficiária da gratuidade de Justiça, em
promover a realização do exame de DNA, a se efetivar por carta
rogatória na França, mediante a colheita de material genético de
parentes do falecido e dos Réus/Agravantes ou por meio da
exumação do cadáver também naquele país, e tendo em conta o
alcance financeiro limitado da Portaria nº 53/2011 desta Corte de
Justiça e o interesse indubitável dos Agravantes na produção da
referida prova, o que foi expresso até mesmo nas razões da Apelação
Cível por eles interposta e que ensejou a cassação da sentença
primeva, proferida sem realização do respectivo exame de DNA,
vislumbra-se escorreita a decisão agravada, em que, com base na
teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, promoveu-se a
inversão do ônus da prova para determinar aos Réus/Agravantes
que arquem com os custos de sua realização, incluindo as despesas
de tradução da carta rogatória e demais despesas a serem
incorridas quando do seu cumprimento na França, sob pena de se
inviabilizar a solução da lide, cujo trâmite, aliás, já se arrasta por
mais de uma década. Agravo de Instrumento desprovido (grifo
nosso). (TJ-DF - AGI: 20140020301256, Relator: ANGELO
CANDUCCI PASSARELI, Data de Julgamento: 16/09/2015, 5ª
Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 28/09/2015 .
Pág.: 249).”

Outrossim, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, acolhida pelo


Superior Tribunal de Justiça, transfere o ônus para a parte que melhores
condições tenham de demonstrar os fatos e esclarecer o juízo sobre as
circunstâncias da causa, sendo certo que a Administração cada vez mais se serve
de sofisticados aparatos tecnológicos para fiscalizar os administrados.

Por todo o exposto, percebe-se que o ônus da produção de provas impossíveis


ou dificílimas tem sido sistematicamente afastado pelos tribunais, por se
entender que as provas diabólicas são excessivamente onerosas para as partes e
estão em completo desacordo com os princípios constitucionais do processo.

2.4. DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO AUTO DE


INFRAÇÃO DE TRÂNSITO (AIT)

Uma vez superadas todas as prerrogativas para a declaração de nulidade do auto


de infração de trânsito ora combatido, faz mister, ao menos, estabelecer os
efeitos decorrentes desta declaração de nulidade.

Em nosso ordenamento é cediço o entendimento de que mesmo após a aplicação


da penalidade, a declaração de nulidade do ato gera, necessariamente, efeitos
‘extunc’, ou seja, verificada a nulidade, os efeitos de sua declaração retroagem
até a data em que o ato viciado se originou, alcançando todos os atos passados,
presentes e futuros como se o próprio ato viciado não tivesse existido.

Neste sentido, já está consolidado o entendimento do Superior Tribunal de


Justiça. Colaciona-se entendimento jurisprudencial:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. Agravo


Regimental EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE
SENTENÇA ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO.
REINCORPORAÇÃO DO SERVIDOR AO CARGO PÚBLICO.
RESTABELECIMENTO DO STATUS QUO ANTE.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A decisão que
declara a nulidade do ato e determina a reintegração de servidor
público ao cargo de origem opera efeitos extunc, ou seja, restabelece
exatamente o status quo ante, de modo a garantir ao servidor o
pagamento integral das vantagens pecuniárias do cargo
anteriormente ocupado. 2. Como o pagamento dos vencimentos é
mera consequência do ato de reintegração do servidor público,
inexiste, na hipótese, excesso à execução. 3. Não viola os
arts. 128, 293 e 460 do Código de Processo Civil a decisão que
interpreta, de forma ampla, o pedido formulado na peça vestibular,
pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e
se extrai da interpretação lógico-sistemática da postulação
inicial.128293460 Código de Processo Civil 4. Agravo Regimental
desprovido. (976306 ES 2007/0185253-7, Relator: Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento:
28/09/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
25/10/2010, undefined).”

Em analogia, transcreve-se o Artigo 281 do Código de Processo Civil Brasileiro:


“Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subsequentes, que dele
dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras,
que dela sejam independentes”.

Ora Excelência, se a nulidade do ato gera efeitos retroativos, atingindo todos os


atos decorrentes daquele originariamente viciado, no caso em análise não há de
se falar na lavratura do Auto de infração, quando não foi observado o devido
processo legal para imposição da autuação, e, consequentemente, assim, a justa
aplicação da lei.

Pois, insta consigna que não houve a devida abordagem, sequer há provas de
filmagem ou fotos que comprovem tais infrações, bem como o lugar se trata de
lugar inexistente, ademais, os artigos que penalizam a Requerente tratam-se de
condutas que no caso fático tinha plena condição de abordagem pelo ente
autuador, que se não o fez foi por negligência, ou por acreditar ser mais prático
autuar e deixar que o cidadão prove a negativa da conduta.

Por tudo isso, é inquestionável o poder/dever do judiciário de apreciar os atos


administrativos e constatado vício formal ou material, como no caso em apreço,
declarar sua nulidade total, como se pleiteia.

2.5. DO DIREITO AO TRABALHO


Conforme se observa o disposto no Art. 302 do CTB, in verbis, “Praticar
homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois
a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo automotor”, é clara sua disposição quanto a
penalidade, quando em caso de crime no trânsito, mas o que podemos observar
no julgamento das demandas na seara administrativa é de que as mesmas
penalidades estão sendo aplicadas a quem comete ato infracional em direção de
veículo automotor.

Grosso modo, não existe dificuldade para a interpretação do dispositivo legal


referendado; porém, a questão toma outros contornos quando o condenado é
‘motorista profissional’; e, sendo primário, além das 2 (duas) penas restritivas
de direitos dispostas no, Art. 44, § 2.º, b CP, terá uma terceira, qual seja, a
suspensão ou proibição de dirigir veículo automotor.

Quando de uma análise mais aprofundada ao fato acima relatado, o que se pode
observar é que a aplicação do direito penal harmonizado ao direito de trânsito
dá origem a uma figura atípica na legislação, pois o que de fato ocorre é que esta
sendo aplicado uma interpretação ampliativa em matéria penal, o que é vedado
por nossa legislação.

Porém, o fato que mais salta aos olhos, é o inobservância dos direitos
fundamentais, a referida norma não está em consonância com a interpretação
constitucional positiva. Sim, porque, o condenado ‘motorista profissional’ - não
pode ter seu direito de dirigir suspenso ou proibido, pois assim não teria
condições de trabalhar, ferindo, por conseguinte, de morte seus direitos
fundamentais.
O núcleo dos direitos fundamentais está na dignidade da pessoa humana
elencada no Art. 1.º, III da CF, e, no direito ao livre exercício profissional
contemplado no Art. 6.ºda CF, constituindo, portanto, direitos substanciais do
ser humano.

Neste sentido disserta Luiz Antonio Rizzato Nunes:

“O principal direito constitucionalmente garantido é o da dignidade


da pessoa humana. É ela, a dignidade, o último arcabouço da
guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o
sistema constitucional. De fato, não há como falar em dignidade se
esse mínimo não estiver garantido e implementado concretamente
na vida das pessoas”.

A questão em torno da qual reside a controvérsia na hipótese do presente feito


diz respeito à violação do art. 5.º, XVII, da CRFB, dispondo os seguintes termos:

"é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,


atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Entre os direitos fundamentais estão os direitos sociais, assim definidos:

Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, O


TRABALHO, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Logo, não é permitido ao Legislador, a seu livre arbítrio, através de diploma
normativo hierarquicamente inferior, restringir direitos fundamentais.

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana estaria garantido, se


o direito ao trabalho é negado ao indivíduo?

Em que pese a leitura sistemática dos dispositivos constitucionais, para se


chegar a conclusão de que a pena de suspensão ou proibição do direito de dirigir
aplicada aos motoristas profissionais está em descompasso com a ordem
constitucional, há que se observar que as Cortes Constitucionais, abarcaram
entendimento diametralmente oposto ao defendido pela maioria esmagadora
dos operadores do Direito, e, Tribunais de Justiça:

O julgamento do habeas corpus n.º 103.029 SP, da Relatoria da Min. CARMEN


LÚCIA, de 10.03.2010, é a síntese do entendimento do SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, que assim se posicionou:

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 302 DA LEI


N.º 9.503/97 - CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.
MOTORISTA PROFISSIONAL. APLICAÇÃO DA PENA DE
SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. A
imposição da pena de suspensão ao direito de dirigir é exigência
legal, conforme previsto no art. 302 da Lei 9.503/97. O fato de o
paciente ser motorista profissional de caminhão não conduz à
substituição dessa pena restritiva de direito por outra que lhe seja
preferível” (HC 66.559/SP. 5.º Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves.
DJU de 07/05/2007 - Recurso provido).
O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - decide no mesmo sentido:

“DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA


DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. SUSPENSÃO DA
HABILITAÇÃO. MOTORISTA PROFISSIONAL. ILICITUDE
DA APLICAÇÃO DA PENA. CONSTRANGIMENTO.
AUSÊNCIA. 1. A cominação da pena de suspensão da habilitação
decorre de opção política do Estado, cifrada na soberania popular. O
fato de o condenado ser motorista profissional não infirma a
aplicação da referida resposta penal, visto que é justamente de tal
categoria que mais se espera acuidade no trânsito. 2. Ordem
denegada. (STJ; HC 110892 / MG - Rel. Maria Thereza de Assis
Moura (1131) julgado em: 05/03/2009 - Sexta Turma).”

Por outro lado, os principais Tribunais de Justiça da Federação, por maioria


esmagadora de seus julgados, já reconheceram a inconstitucionalidade do
dispositivo em cotejo.

Em resumo conclusivo, em que pese ter mencionado o dispositivo do


Art. 302 do CTB a de se pôr em destaque que a menção do mesmo se deu como
base comparativa, pois, se as cortes de nossos tribunais estão deliberando em
face da inconstitucionalidade do referido dispositivo, como pode o poder
administrativo aplicar tão severa penalidade ao trabalhador pela prática de atos
meramente infracionais.

No que tange ao motorista profissional, é absolutamente inconstitucional a


restrição e obstacularização o que fere de morte o núcleo dos direitos
fundamentais elencados nesta exordial, portanto requer seja tal tese avaliada e
julgada procedente em face do primeiro Requerente, pois a aplicação da
penalidade pelo Estado pode sim gerar caos social desestabilizando a economia
nacional face a supostos cometimentos de infrações administrativas.

3.0 TUTELA DE URGÊNCIA/EVIDÊNCIA – SUSPENSÃO DA


DECISÃO ADMINISTRATIVA DE PROIBIÇÃO DE DIRIGIR.

Conforme o art. § 2º do art. 6º da Resolução 182/2005 do CONTRAN quando a


infração de trânsito for objeto de recurso administrativo ou apreciação judicial
não poderá ser aplicada penalidade:

§ 2º Se a infração cometida for objeto de recurso em tramitação na


esfera administrativa ou de apreciação judicial, os pontos
correspondentes ficarão suspensos até o julgamento e, sendo
mantida a penalidade, os mesmos serão computados, observado o
período de doze meses, considerada a data da infração.

Ressalte-se que mesmo que não existisse o supracitado dispositivo legal, por si
só a situação do requerente preenche os requisitos da tutela de urgência, uma
vez que labora como motorista profissional e pode lhe causar danos irreparáveis
caso perdure a decisão administrativa lavrada sem respeito ao devido processo
legal, ficando o mesmo impedido de trabalhar e prover seu sustento e de sua
família.

PERICULUM IN MORA - O risco da demora fica demonstrado diante da


impossibilidade de o promovente exercer sua função laborativa de motorista.
FUMUS BUNI IURIS - A probabilidade do direito fica perfeitamente
demonstrada diante da presença de todo o arcabouço, legal, jurisprudencial e
sumulado trazido no bojo dos presentes autos, bem como pela comprovação de
vício ao devido processo legal por meio das cópias do processo administrativo
anexo, ainda nesse sentido:

RECURSO INOMINADO. DETRAN/RS. SUSPENSÃO DO DIREITO


DE DIRIGIR. PROCESSO JUDICIAL PENDENTE DE DECISÃO.
SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. ART. 6º, §
2º DA RESOLUÇÃO 182/2005 DO CONTRAN. APLICABILIDADE.
SENTENÇA MANTIDA. A autarquia recorrente, mesmo diante da
pendência de julgamento de processo discutindo a legalidade de
infração de trânsito, manteve o processo de suspensão do direito de
dirigir instaurado contra o autor, bloqueando a sua CNH,
contrariando o disposto no § 2º do art. 6º da Resolução 182/2005
do CONTRAN. Na forma do artigo 46 da Lei nº 9.099/95 e em
atenção aos critérios de celeridade, simplicidade, informalidade e
economia processual elencados no artigo 2º da mesma lei,
confirma-se a sentença em segunda instância, constando apenas da
ata, com fundamentação sucinta e dispositivo, servindo de acórdão
a súmula do julgamento. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.
(Recurso Cível Nº 71005616834, Segunda Turma Recursal da
Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Mauro Caum
Gonçalves, Julgado em 24/05/2016).

(TJ-RS - Recurso Cível: 71005616834 RS, Relator: Mauro Caum


Gonçalves, Data de Julgamento: 24/05/2016, Segunda Turma
Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: Diário da Justiça
do dia 15/06/2016).
Destarte, requer o promovente que seja cancelada a autuação, suspensa a
penalidade aplicada de proibição de dirigir em razão da discussão judicial sob
pena de multa diária (astreintes), bem como que seja retirada dos seus registros
quaisquer restrições de renovação da CNH ou mudança de categoria.

AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

Nos termos do Art. 334, § 5º do Código de Processo Civil, in verbis o autor desde
já manifesta, pela natureza do litígio, desinteresse em autocomposição.

Art. 334, § 4o A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse


na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição.

§ 5o O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na


autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada
com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.

De outro lado, não existe na Lei estadual que instituiu o DETRAN


(Departamento Estadual de Trânsito), qualquer possibilidade de conciliar,
transigir ou desistir, impondo a observância ao indigitado princípio da
legalidade estrita.

É de observar que o Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE) editou o


Enunciado n.º 161, confrontando a novel legislação processual com o princípio
da especialidade do microssistema dos Juizados Especiais e restou pacífico que
as normas processuais regentes serão aquelas emanadas das respectivas leis (lei
n.º 9.099/1995 – Juizados Especiais Cíveis e Criminais; lei n.º 10.259/2001 –
Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal; e lei n.º 12.153/2009
– Juizados Especiais da Fazenda Pública). Vide:

ENUNCIADO 161 - Considerado o princípio da especialidade,


o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados
Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese
de compatibilidade com os critérios previstos no Art. 2º da
Lei 9.099/95.

Dessa maneira, importante a análise da Lei n.º 12.153/2009 (Juizados Especiais


da Fazenda Pública), especificamente o disposto no Art. 8º, in verbis: “Os
representantes judiciais dos réus presentes à audiência poderão conciliar,
transigir ou desistir nos processos da competência dos Juizados Especiais, nos
termos e nas hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação”.

Note-se que esta previsão legal condiciona a possibilidade de conciliação,


transação ou desistência mediante hipóteses previstas na lei do respectivo ente
da Federação.
Assim, não havendo previsão na Legislação Estadual que instituiu o DETRAN,
autorizando a conciliar, transigir ou desistir da ação, a audiência de conciliação
se mostra inoportuna e infrutífera, devendo ser dispensada, pois sua realização
somente atrasaria o feito, desvirtuando a finalidade do Juizado Especial, que é
dar celeridade ao processo.

III – DO PEDIDO
Ante o exposto requer:

a) A citação do promovido para que, querendo conteste a presente inicial


dentro do prazo legal.
b) A gratuidade da justiça;
c) O deferimento do pedido de inversão do ônus da prova, pelos
motivos acima alinhavados;
d) A anulação do Processo administrativo;
e) A dispensa da audiência conciliatória;
f) O deferimento do pedido de tutela de urgência/evidência no
sentido de suspender a decisão administrativa nos termos do art. 6º § 2º da
resolução 182 de 2005 do CONTRAN, c/c art. 300 do CPC, sob pena de multa
diária para que a Autarquia Estadual retire de seus registros qualquer restrição
decorrente do caso em apreço bem como se abstenha de incluí-los.
g) Desde então manifesta desinteresse na audiência conciliatória em razão do
próprio objeto da lide não comportar autocomposição, nos termos do art. 319
VII.
h) Protesta provar por todos os meios de prova admitidos em direito ainda que
não especificados, para que ao final seja julgada totalmente procedente a
pretensão autoral de reconhecimento de nulidade e prescrição.
Nesses termos Pede e aguarda Deferimento.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.467,35 (mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e
trinta e cinco centavos), valor equivalente à multa.

Campo Grande/MS, 02 de dezembro de 2022.

(Assinado digitalmente)
DANIELE LUIZARI STÁBILE GOMES RODRIGUES
OAB/MT 10.420 e OAB/SP 390.419

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