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ARTIGO ARTICLE 145

Gênero e sexualidade:
fragmentos de identidade masculina
nos tempos da Aids

Ge nd e r and se xuality:
frag me nts o f male id e ntity in the Aid s e ra

M u rilo Peix ot o d a M ot a 1

1 N ú cleo d e Est u d os e Abstract Th is p ap er focu ses on sp ecific asp ects of m ale sex u ality an d h ow th is sex u al id en tity is
Projet os em Com u n ica çã o,
bu ilt in th e Aid s era, based on con versation s w ith low -in com e you th , ages 14-21 years, liv in g in
Escola d e Com u n ica çã o,
Un iversid a d e Fed era l Greater Metrop olitan Rio d e Jan eiro. We ex am in e h ow Aid s is p erceived an d in vestigate sex u ality
d o Rio d e Ja n eiro. in th is ep id em ic con tex t. Th e goal is to p rov id e con crete d ata to su p p ort a p reven tion cam p aign
Av. Pa st eu r, Ca m p u s d a Pra ia
a n d con t rib u t e t o p rev en t iv e p olicies in Bra z ilia n societ y. Th e p rop osa l is b a sed on t h e sex u a l
Verm elh a , sa la 120, Bot a fogo,
Rio d e Ja n eiro, RJ. id en tity of th is gen d er/age grou p , com p arin g th eir rep orts on sex u al p ractice. We u sed a p artially
m p m ot a @a gen t el.com .br op en - en d ed in t erv iew p rot ocol. W e focu s on t h e w a y you n g m a les ch oose t h eir sex u a l id en t it y
u n d er t h e p rem ise t h a t t h is is h ow m en ca n b ecom e t h e ch a n n el for Aid s t ra n sm ission . Ou r re-
search w as th u s based on gen d er an d sex u al id en tity as categories. Ou r resu lts in d icate th at for a
you n g m an , “bein g a m an”m ean s h avin g an active sex u al life, th u s creatin g a stereotyp e p lacin g
th em at risk for HIV tran sm ission .
Key words Aid s; Ad olescen ts; Gen d er; Gen d er Id en tity

Resumo Este trabalh o bu sca en ten d er algu n s asp ectos d a sex u alid ad e m ascu lin a, bem com o as
form as com o se organ iz a a con stru ção d a id en tid ad e sex u al n o con tex to d a ep id em ia d e Aid s, a
p artir d a fala d e joven s d e baix a ren d a en tre 14 e 21 an os, m orad ores d a área m etrop olitan a d o
Rio d e Jan eiro. N ossa p rop osta con siste em articu lar algu n s asp ectos d o gên ero m ascu lin o, su bsi-
d iad os p ela id en tid ad e sex u al revelad a p elos su jeitos, estabelecen d o u m con fron to com os rela-
tos sobre a p rática sex u al, p roced im en to qu e se torn ou p ossível a p artir d e en trevista qu alitativa
com u so d e u m rot eiro sem i- est ru t u ra d o. Ju lga m os d e fu n d a m en t a l im p ort â n cia a a n á lise d a s
m a n eira s com o se d á a escolh a d o ob jet o sex u a l em rela çã o à con st ru çã o d a id en t id a d e, t en d o
com o referên cia a qu ele qu e foi con sid era d o o p iv ô n o qu e d iz resp eit o à t ra n sm issã o d a Aid s: o
h om em . N est e sen t id o, n ossa in v est igação se p au t ou n as cat egorias gên ero e id en t id ad e sex u al.
Com o resu ltad o, observam os qu e, n a con cep ção d estes joven s, ser h om em é d esem p en h ar a p rá-
tica sex u al, cu m p rin d o, assim , os p ap éis d estin ad os ao gên ero m ascu lin o, rep rod u z in d o u m este-
reótip o qu e os coloca em situ ação d e risco.
Palavras-chave Aid s; Ad olescen tes; Sex o; Id en tid ad e Sex u al

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
146 MO TA, M. P.

Introdução ten ta tiva d e com p reen sã o d o con texto d a Aid s


n o com p ortam en to sexu al m ascu lin o, p erceb e-
Este estu d o b u sca en ten d er algu n s asp ectos d a m o s vá ria s co n tra d içõ es e co n flito s q u e a p o n -
se xu a lid a d e m a scu lin a , b e m co m o a s fo r m a s t a m p a ra u m a co m p le xid a d e h ist ó r ica e q u e,
co m o se o rga n iza a co n st ru çã o d a id e n t id a d e e vid e n te m e n te, u ltra p a ssa m a q u e le co n ju n to
se xu a l n o co n t e xt o d a e p id e m ia d e Aid s, co m d e cla ssifica çõ e s e xp re ssa d a s p a ra id e n t ifica r
b ase n a fala d e joven s d e b aixa ren d a en tre 14 e o s gr u p o s m a is su sce t íve is a o co n t á gio d o
21 a n o s, m o ra d o re s d a á re a m e tro p o lita n a d o HIV/ Aid s, com o o ch am ad o h om ossexu al m as-
Rio d e Ja n e iro. Te m p o r o b je t ivo fo r n e ce r d a - cu lin o.
d os em p íricos qu e sirvam d e b ase p ara o acom - Op tam os p or en focar a con stru ção cu ltu ral
p a n h a m e n t o e cr ia çã o d e ca m p a n h a s d e p re - d o gên ero e d a sexu a lid a d e n o co n texto d e jo -
ven ção, além d e ten tar con trib u ir p ara o p lan e- ven s m a scu lin o s d e b a ixa ren d a m o ra d o res n a
ja m en to d e p o lítica s d e in terven çã o à Aid s em área m etrop olitan a d o Rio d e Jan eiro, com o in -
n ossa socied ad e. t u it o d e fo r n e ce r su b síd io s p a ra a p re ve n çã o
No ssa p ro p o sta co n siste em leva n ta r a d is- d o HIV/ Aid s n estes su jeitos.
cu ssã o d os p a p éis d e gên ero m a scu lin o va len -
d o-n os d a id en tid ad e sexu al revelad a p elos su -
jeitos p esq u isad os, estab elecen d o u m con fron - Contexto do estudo
to com os relatos sob re a p rática sexu al. Bu sca-
m os tam b ém cap tar a d iversid ad e d e d esejos e Ob ser va n d o a s cla ssifica çõ es ep id em io ló gica s
fan tasias sexu ais, relacion an d o-os com a au to- d ad as e an alisan d o esp ecificam en te as p ráticas
id e n t id a d e, n íve is d e in fo r m a çã o e co n h e ci- se xu a is co tid ia n a s n o m e a d a s co m o h o m o sse-
m e n t o so b re o H IV/ Aid s, a ssim co m o a s m u - xu a lid a d e, b issexu a lid a d e e h etero ssexu a lid a-
d an ças d e atitu d es em relação à ep id em ia. d e m a scu lin a , esb a rra m o s n u m a rea lid a d e em
A d iscu ssã o t o m o u p o r b a se t a n t o p e sq u i- q u e, co m o d e fin e Co st a (1992), a h o m o ge n e i-
sa s a n t ro p o ló gica s, q u a n t o so cio ló gica s, q u e d a d e teo riza d a n esta s ca tego ria s d ifere d a h e-
p erm itiram p erceb er qu e as categorias d e id en - tero gen eid a d e vivid a . Se rela tiviza rm o s o co n -
t id a d e (h o m o sse xu a l, h e t e ro sse xu a l e b isse - t e xt o e ró t ico m a scu lin o, n o q u a l o s p a p é is d e
xu a l) t ê m sign ifica çõ e s cu lt u ra is re la t iva s n o gê n e ro p o ssu e m re gra s m o ra is re la t iva m e n t e
co n te xto d a p rá tica se xu a l, p rin cip a lm e n te se flexíveis em n ível d a s a tivid a d es sexu a is, e ‘ser
a n a lisa rm o s a s p ercep çõ es d e ta is p rá tica s em h om em’ está ta m b ém con stru íd o p ela id éia d e
n o ssa cu lt u ra . Se a id e n t id a d e se xu a l e n vo lve a t ivid a d e se xu a l in t e n sa , p e rce b e re m o s, se m
q u estões sim b ólicas e rep resen ta ções com p le- m u ita d ificu ld ad e, q u e ser h om ossexu al, b isse-
xa s, co m o ge n e ra liza r e u n ifica r co n d u t a s e xu a l o u h e te ro sse xu a l d e p e n d e d o sign ifica d o
id en tid ad es com o p rop ósito d e sep arar os gru - e ró t ico q u e o su je it o a t r ib u i à su a p rá t ica se -
p o s q u e sã o m a is su sce t íve is a o r isco d o s q u e xu a l e à fo r m a co m o p e rce b e o s p a p é is d e gê -
t ê m m e n o r su sce t ib ilid a d e, co m o t e n t o u a n ero em seu con texto.
ciên cia m éd ica? Ao n os referirm os à categoria gên ero, ap on -
O trab alh o ju stifica-se em fu n ção d a n eces- ta m o s p a ra u m d eb a te q u e d iz resp eito à co n -
sid a d e d e se rep en sa r n ã o só a s visõ es q u e en - cep ção d o q u e é ser m ascu lin o e fem in in o, h o-
vo lve m a Aid s, co m o ta m b é m a s q u e stõ e s im - m e m e m u lh e r n a so cie d a d e, a sp e ct o q u e in -
p licad as n o con texto d a h istória sexu al d os su - te rp e la a e xp e riê n cia se xu a l d o s su je ito s, m o -
jeitos en volvid os n o estu d o. Neste sen tid o, ju l- d e la o m u n d o d o s sign ifica d o s e ró t ico s, a s
ga m o s d e fu n d a m e n t a l im p o r t â n cia a a n á lise tran sações sexu ais, a realização d o d esejo e, em
d a s m a n e ira s co m o se d á a e sco lh a d o o b je t o algu m as circu n stân cias, a p róp ria ob ten ção d o
sexu a l em rela çã o à co n stru çã o d a id en tid a d e, gozo. Nesse sen tid o, o gên ero é u m asp ecto m a-
ten d o com o referên cia aq u ele q u e foi con sid e- leável d o eu q u e torn a p ossível q u e se recon h e-
rad o o p ivô n a q u estão d a tran sm issão d a Aid s: ça m n ã o a p e n a s a s se m e lh a n ça s e igu a ld a d e s
o h om em . Nossa in vestiga çã o se p a u ta n a s ca- existen tes en tre o s su jeito s so cia is – h o m em e
tegorias gên ero e id en tid ad e sexu al. m u lh er –, m as os p ad rões d e coerên cia cu ltu ral
Pe n sa r o gê n e ro m a scu lin o e a id e n t id a d e q u e existem em razão m esm o d a d iferen ça q u e
sexu a l rem ete-n o s a q u estõ es in tim a m en te li- os sep ara, as con trad ições lógicas e em ocion ais
ga d a s a o p a d rã o d e co m p o rta m en to sexu a l d o q u e flu e m d e st a co e xist ê n cia b in á r ia (Sco t t ,
b rasileiro e su as rep resen tações sob re a sexu a- 1989; Heilb orn , 1994).
lid ad e, q u e é d iferen te d e região p ara região d o É fato q u e, além d as características b iológi-
p aís, d e classe social p ara classe social e, sob re- cas q u e p rom ovem a d iferen ça d os sexos, exis-
t u d o, d e u m m o m e n t o h ist ó r ico e m re la çã o a te o gên ero. Trata-se d e u m com p lexo d e d eter-
o u t ro. Ad e m a is, q u a n d o n o s vo lt a m o s p a ra a m in a çõ e s e ca ra ct e ríst ica s q u e d e sign a m so -

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
G ÊNERO E SEXUALIDADE 147

cialm en te o q u e é ser m ascu lin o e fem in in o em so, q u e a ca sa d e p ro st it u içã o (t e rm a s, ‘in fe r-


d e t e r m in a d a cu lt u ra . Assim , o co rp o re ce b e n in h o s’, ca sa s d e m a ssa ge n s e t c.) re p re se n t a ,
u m a sign ifica çã o se xu a l q u e é d e fin id a co m o n a vid a se xu a l d o b ra sile iro – se ja e le so lt e iro
referên cia so b re o q u e é ser m a scu lin o e fem i- o u ca sa d o, a d u lto o u a d o le sce n te –, a lgo visto
n in o. Tal sign ificação ap arece com o n orm a, va- com o m otivo d e orgu lh o. É “lá on d e se ap ren d e
lores, p ercep ções, rep resen tações q u e acom p a - a ser h om em ”, d iz o se n so co m u m p a ra o s jo -
n h am a vid a d os su jeitos (Giffin , 1994). ven s em in iciação sexu al. Procu rar as p rostitu -
Ne st e se n t id o, gê n e ro a cio n a in fo rm a çõ e s t a s é n ã o só u m a co n d u t a a ce it a co m o se n d o
so b re o s h o m e n s, a p e sa r d e o s e st u d o s so b re ‘co isa d e h o m e m ’, co m o t a m b é m ju st ifica d a
essa categoria d arem aten ção esp ecial ao lu gar com o se con stitu in d o n u m a ten ta tiva d e rea li-
d a m u lh e r n a so cie d a d e, a firm a n d o a p o siçã o za çã o d e fa n t a sia s se xu a is, cu ja s e sp o sa s o u
d e q u e a s re la çõ e s e n tre o s se xo s sã o so cia is e m ães n ão p od eriam realizar.
cu ltu ralm en te con stru íd as, e q u e h á d iferen ças Qu e re m o s d e m o n stra r, p o r m e io d e ste e s-
n a s a rticu la çõ es d e p o d er. Ou seja , o s estu d o s tu d o e com b ase em referên cias teóricas d e ou -
d e gê n e ro in clu e m t e m a s q u e sã o, e m ge ra l, tro s, q u e o co m p o rta m e n to se xu a l p riva d o d o
co n sid e ra d o s ca ra ct e r ist ica m e n t e liga d o s à s h om em n ão se con fu n d e com a su a id en tid ad e
m u lh e re s, m a s n ã o se lim ita m a e le s. Assim , o sexu a l p ú b lica , h etero ssexu a l, a n u n cia d a e re-
gê n e ro, e n fo ca d o co m o ca te go ria so cio ló gica , p re se n t a d a , o q u e t o r n a a p re ve n çã o d o H IV/
t ra z n ova s p o ssib ilid a d e s p a ra se p e n sa r a Aid s ain d a m ais p rob lem ática. De fato, tod o es-
q u estão d o h om em e d a m u lh er, articu lan d o as se co n t e xt o sim b ó lico p a re ce e n co b r ir ve rd a -
re la çõ e s su je it o e so cie d a d e (Sco t t , 1989). Ao d es p ou co d ita s, cu ja s ra cion a liza ções eq u ivo-
t e n t a r m o s in clu ir o h o m e m n e st e d e b a t e, ve - ca d a s, a s q u a is o scila m e n t re o id e o ló gico e o
m o s a im p o rtâ n cia d e se q u e stio n a re m o s p a - b io ló gico, a in d a e st ã o p a ra se r a va lia d a s p e la
p éis sociais q u e con figu ram o m od elo m ascu li- h istória d a Aid s n o Brasil. A q u estão q u e en vol-
n o em n ossa cu ltu ra , p erceb en d o com o os h o- ve o ser h o m o ssexu a l, h etero ssexu a l o u b isse -
m e n s se vê e m n e sse s p a p é is, co m o o s re p re - xu a l e m n o ssa so cie d a d e p o d e p a ssa r p o r o u -
sen tam e con stroem a p róp ria id en tid ad e. tras q u e n em sem p re são racion alizad as em n í-
Le va n d o -se e m co n t a o s p a p é is so cia is le - ve l d o se n so co m u m , n e m m e sm o p e rce b id a s
ga d o s a o h o m e m e m n o ssa cu lt u ra , o b se r va - co m o cla ssifica çõ e s id e n t ifica d o ra s. Ou se ja ,
m o s q u e se r h o m e m n ã o re p re se n t a a m e ra h o m e n s p o d e m t e r re la çõ e s co m o u t ro s h o -
op osição ao ser m u lh er, m as ao ser u m ‘vead o’, m e n s e co m m u lh e re s a o m e sm o t e m p o, se m
h o m o ssexu a l, ‘m a rica s’, ‘co rn o’, ‘b ich a’ –, figu - q u e isso seja a sso cia d o à id en tid a d e sexu a l n a
ra s q u e a rticu la m re p re se n ta çõ e s d e fe m in ili- form a com o é colocad a p ela ciên cia m éd ica.
d a d e, fra q u e za , im p o t ê n cia , su b o rd in a çã o, Neste sen tid o, ob servan d o as classificações
p a ssivid a d e (Pa rke r, 1991). Esse fa to d e ixa ve r e p id e m io ló gica s d a d a s e a n a lisa n d o e sp e cifi-
a s fo rm a s co m o o h o m em é en gen d ra d o n esta cam en te as p ráticas d a h om ossexu alid ad e, b is-
socied ad e d e trad ição p atriarcal, ou seja, a p ar- se xu a lid a d e e h e t e ro sse xu a lid a d e m a scu lin a
tir d e va lo res h egem ô n ico s e estru tu ra s d e p o- n o co t id ia n o, e sb a rra m o s n u m a re a lid a d e se -
d er q u e o d iferen ciam d a m u lh er e q u e ao m es- gu n d o a q u al, com o já vim os com Costa (1992),
m o tem p o m old am seu com p ortam en to. a h o m o ge n e id a d e te o riza d a n e sta s ca te go ria s
Os h om en s ap ren d em a valorizar a ativid a - d ifere d a h eterogen eid ad e vivid a. Isto sign ifica
d e sexu al com o algo q u e legitim a su a id en tid a - d izer q u e, se colocarm os em q u estão o con tex-
d e m ascu lin a; ser h om em é d esem p en h ar o p a - t o e ró t ico co t id ia n o m a scu lin o, cu jo s p a p é is
p el d e q u em d om in a e ‘p en etra’ ou tros. É m u i- so cia is p o ssu e m re gra s m o ra is re la t iva m e n t e
t o co m u m , p o r e xe m p lo, jove n s e m in icia çã o flexíveis em n ível d as ativid ad es sexu ais, p erce-
se xu a l re a liza re m a s ‘m e in h a s’, sit u a çã o e m b e re m o s, se m m u it a d ificu ld a d e, q u e se r h o -
q u e u m p e n e t ra o o u t ro t ro ca n d o d e p o siçã o. m o ssexu a l, b issexu a l o u h etero ssexu a l d ep en -
En t re ca sa is (h o m e n s e m u lh e re s) a d o le sce n - d e d o sign ificad o erótico q u e o su jeito atr ib u i à
t e s, t a m b é m é co m u m o co it o a n a l co m o p re - su a p rá t ica se xu a l e à fo r m a co m o p e rce b e o s
serva çã o d a virgin d a d e e m éto d o co n tra cep ti- p ap éis d e gên ero em seu con texto.
vo (Dan iel & Parker, 1991). A q u estão d a classificação d a id en tid ad e se -
Dia n t e d e st e q u a d ro, h á a lgo q u e ch a m a xu a l e Aid s, m a is q u e u m e le m e n t o -ch a ve n o
n o ssa a t e n çã o q u a n d o co lo ca m o s e m p a u t a con texto ep id êm ico, ap arece com o u m asp ecto
Aid s e erotism o, q u er seja, o sign ificad o q u e al- estru tu ra n te n a s rep resen ta çõ es so cia is, p rin -
gu n s h o m e n s d ã o à s p rá t ica s se xu a is q u e, a o cip a lm e n t e q u a n d o se t ra t a m o s t e r m o s h o -
co n trá rio d e p a u ta rem -se n a s ch a m a d a s id en - m ossexu al ou h om ossexu alid ad e com o id en ti-
t id a d e s se xu a is (h o m o, h e t e ro o u b isse xu a l), d a d es d o su jeito. Perceb e-se q u e a q u estã o d a
são m ovid as p elo tesão. Cab e lem b rar, além d is- id en tid ad e sexu al p od e ser u m a con stru ção in -

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
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t im a m e n t e liga d a a p rá t ica s se xu a is q u e se rê n cia à id e n t id a d e se xu a l. Alé m d o m a is, a


a p re se n t a m co m o u m a e xp a n sã o d e e st ilo d e id en tid a d e n ã o p a rece ser u m a q u estã o p a ra o
vid a , e m vir t u d e d e d e se jo s se xu a is ca d a ve z ch am ad o h eterossexu al, cu ja id en tid ad e sexu al
m ais esp ecíficos, q u e assegu ra p ara os su jeitos já está, d e certa m an eira, d ad a socialm en te p e-
u m co n t e xt o d e id e n t id a d e co le t iva , n o q u a l lo s p a p é is d e gê n e ro. Está co lo ca d a , sim , p a ra
en co n tra m o s p a res co m q u em vã o m a n ter re- o su jeito cu jo com p ortam en to d ifere d a n orm a
lações. Isto é, ob serva-se q u e a id en tid ad e está e st a b e le cid a p a ra o q u e se co n sid e ra se r h o -
liga d a à s m a n e ira s co m o o su je it o se vê e a o m em . Portan to, a id en tid ad e, n este caso, ap on -
lu ga r e m q u e a so cie d a d e o co lo ca . Po r t a n t o, t a p a ra q u e m é a d ife re n ça , d o p o n t o d e vist a
além d estas id en tid ad es sexu ais já con h ecid as, d a visib ilid ad e; d aí h om en s com trejeitos fem i-
h á ou tras. n in os serem facilm en te classificad os. De q u a l-
Dian te d a Aid s, a q u estão d a id en tid ad e se- q u e r m o d o, a Aid s t e m p o ssib ilit a d o a d e sco -
xu al gan h ou con torn os esp ecíficos d e d iscrim i- b e r t a d o q u a n t o a se xu a lid a d e fa vo re ce o d e -
n a çã o e p re co n ce it o, p r in cip a lm e n t e p a ra o sen volvim en to d e estilos d e vid a variad os.
q u e fo i d en o m in a d o p rá tica h o m o ssexu a l. Re- Se estam os trab alh an d o com joven s d e 14 a
t o m o Co st a (1992:22), q u a n d o o p sica n a list a 21 a n o s – ju sta m en te o p erío d o em q u e se in i-
q u estion a as categorias d e id en tid ad e, d izen d o cia a p rá t ica se xu a l n u m t e m p o d e e p id e m ia
q u e são in ad eq u ad as en q u an to d em arcação d e se xu a lm e n t e t ra n sm issíve l –, ju lga m o s q u e o
com p ortam en tos sociais d istin tos. Neste sen ti- a p ro fu n d a m e n to d e n o sso tra b a lh o d e ve re si-
d o, ele p ro p õ e u m a n ova d en o m in a çã o, o ‘h o - d ir n os d om ín ios d o erótico n a vid a sexu al d iá-
m o ero tism o’, co m o u m a referên cia à s p rá tica s r ia , já q u e se t ra t a d e u m a fa se e m q u e n e m
se xu a is d e h o m e n s q u e d e se ja m o u t ro s h o - sem p re o p roib id o é d esvalorizad o e o p erm iti-
m e n s. O te rm o, la n ça d o e m 1992, a lé m d e su - d o aceito com o d efin ição n a con stru ção d a su a
ge r ir u m a p ro p o st a é t ico -t e ó r ica à n o çã o d e id en tid ad e. Se em d eterm in ad as ocasiões – n ão
h o m o sse xu a lism o e h o m o sse xu a lid a d e, a b re m u ito p a rticu la res ou p riva d a s –, tra n sgred ir a
o u tra s p o ssib ilid a d es a n a lítica s. O p ró p rio a u - n orm a sexu al p od e ser a regra aceita com o d e-
t o r a cre sce n t a q u e in t e rp re t a r a id é ia d e h o - m on stra çã o d e eficiên cia sexu a l, con d u ta p ró-
m o sse xu a lid a d e co m o u m a e ssê n cia , u m a e s- p ria d o p ap el m ascu lin o em n ossa cu ltu ra, q u e
tru tu ra ou d en om in ad or sexu al com u m a tod os d irá p ara os joven s em in iciação sexu al?
os h om en s h om oeróticos é in correr n u m gran - Aid s e e ro t ism o a p o n t a m , p o r t a n t o, p a ra
d e erro etn ocên trico. Pen so q u e a n oção d e h o - u m a re fle xã o e sp e cífica : o m o d e lo d e p re ve n -
m oerotism o tem a van tagem d e ten tar afastar- ção d eve levar em con ta as su tilezas d o u n iver-
se tan to q u an to p ossível d esse en gan o. Prim ei- so sexu al, n o q u al às classificações p ú b licas so -
ro, p o rq u e e xclu i t o d a e q u a lq u e r a lu sã o a b re o sexo p o d em co rresp o n d er, n o m u n d o d a
d o e n ça , d e svio, a n o rm a lid a d e, p er versã o etc., exp eriên cia erótica, con d u tas con trad itórias; o
qu e acab aram p or in tegrar o sen tid o d a p alavra com p ortam en to ‘d esvian te’, p or exem p lo, p od e
h om ossexu al. Segu n d o, p orq u e n ega a id éia d e se r e n ca ra d o co m o u m e st ilo, a sp e ct o d a s re -
q u e existe a lgo co m o ‘u m a su b stâ n cia h om os- gras d o jogo (d a d iferen ça) ou o p róp rio m od e-
sexu al’ orgân ica ou p síq u ica com u m a tod os os lo q u e exp ressa u m ‘rito d e p assagem’.
h om en s com ten d ên cias h om oeróticas. Tercei- Mais u m a vez, o m u n d o p rivad o d a sexu ali-
ro, e n fim , p o rq u e o te rm o n ã o p o ssu i a fo rm a d a d e p a re ce re visit a d o, m o st ra n d o q u e h á
su b st a n t iva q u e in d ica id e n t id a d e, co m o n o o cu lta m e n to, sim u la çõ e s e re p re se n ta çõ e s d e
ca so d o h o m o sse xu a lism o, d o q u a l d e r ivo u o p rá tica s se xu a is e n tre o s su je ito s fe m in in o o u
su b st a n t ivo h o m o sse xu a l. Pa ra o a u t o r, a s vi- m a scu lin o, e m re la çõ e s ca u sa is o u re gu la re s,
vên cias sexu ais n ão cab em em rígid os m od elos d en tro ou fora d o casam en to. En fim , as p esq u i-
cla ssifica tó rio s d e id en tid a d e p revia m en te es- sa s so cia is a ce rca d o co m p o r t a m e n t o se xu a l
ta b elecid os. Há , segu n d o ele, u m p ressu p osto, e m t e m p o s d e Aid s e st ã o d e sve la n d o o jo go
u m a n a t u ra liza çã o e u n ive rsa liza çã o d e u m a erótico d o cotid ian o sexu al, q u e p arece estab e-
p rática d ifu n d id a com o sen d o a exp ressão ú n i- lecer, d e u m la d o, m a ior flexib ilid a d e d e p rá ti-
ca e n o rm a l d a s re la çõ e s se xu a is: a h e te ro sse - ca s n o co n t e xt o d o e sp a ço p r iva d o d a s re la -
xu alid ad e. Nesta p ersp ectiva, o h om oerotism o çõ es, e, p o r o u tro, rigid ez n o â m b ito p ú b lico –
corresp on d e a u m a su b jetivid a d e e a u m a rea - p a ra o s o lh a re s se m p re a t e n t o s d a Igre ja e d e
lid a d e lin gü ística e n ã o a u m a co n d içã o n a tu - ou tros ap arelh os id eológicos.
ral e b iológica. Ve m o s, e n fim , co n firm a r-se a n e ce ssid a d e
Ob se r va -se, e n t ã o, q u e o co m p o r t a m e n t o d e q u e o h om em e su a s p rá tica s sexu a is seja m
n o co n t e xt o d o co t id ia n o va i m u it a s ve ze s d e m a is b em estu d a d o s n esse p ro cesso ep id êm i-
en co n tro à q u ilo q u e se co n ven cio n o u ch a m a r co d o HIV/ Aid s em n ossa socied ad e.
d e h e t e ro sse xu a l m a scu lin o co m o u m a re fe -

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
G ÊNERO E SEXUALIDADE 149

M aterial e método q u a lit a t ivo, a ssu m im o s, co m t ra n q ü ilid a d e, o


fa t o d e t a l e sco lh a n ã o t e r sid o a rb it rá r ia . Ao
Bu scam os u m a d iversid ad e d e su jeitos, ten tan - co n t rá r io, t ra t a -se d e u m a o p çã o n a t e n t a t iva
d o a b ra n ge r o re co r t e p re via m e n t e d e fin id o : d e e st a b e le ce r m o s u m a in t e ra çã o co m n o sso
fa ixa e t á r ia (14 a 21 a n o s) e co n d içã o só cio - m aterial em p írico.
econ ôm ica. A faixa etária foi d efin id a ten d o co - Aid s rem ete n ecessa ria m en te a o co m p lexo
m o b ase n osso in teresse em in vestigar aq u eles cam p o d a sexu alid ad e h u m an a. Algu n s au tores
q u e se torn a ram sexu alm en te ativos d u ra n te o (Min a yo, 1993; Pa rker et a l., 1995) têm d iscu ti-
p eríod o em q u e o HIV/ Aid s já h avia se torn ad o d o a q u estão m etod ológica n esta área, p rop on -
m o t ivo d e p re o cu p a çã o n o Bra sil. Ma s o q u e d o a lgu m a s reflexõ es p a ra o ca m p o d e in vesti-
ju st ifica o u so d e t a is p a râ m e t ro s p a ra a se le - ga çã o. A p a rtir d a í, p erceb em o s q u e n ã o b a sta
ção d a am ostra é p rin cip alm en te a vu ln erab ili- estu d a r m u d a n ça s n a exp ressã o d o com p orta -
d a d e a o s r isco s d e co n t á gio d e H IV/ Aid s e m m en to sexu al e d e atitu d es, m as exam in ar a re-
q u e se en con tram m u itos d estes joven s, vu ln e- la çã o d e ssa s m u d a n ça s co m q u e st õ e s m a is
rab ilid ad e esta relacion ad a ao com p ortam en to p ro fu n d a s. Ou se ja , é p re ciso in ve st iga r a fo r-
se xu a l, a co n d içõ e s o b je tiva s d o m e io so cia l e m a co m o gê n e ro e se xu a lid a d e m a scu lin a fo -
a o gra u d e co n sciê n cia q u e p o ssu e m e m re la - ra m o rga n iza d o s e in t e r-re la cio n a d o s d e n t ro
ção ao p róp rio corp o. E é n este sen tid o q u e Ay- d as relações sociais (Parker, 1991).
res (1996) ch am a a aten ção p ara algu n s asp ec- En ten d em os q u e u m a ab ord agem q u e trata
tos m ais p articu lares q u e exp õem esta p op u la- d a sexu alid ad e e b u sca o en ten d im en to d a su a
çã o jovem à Aid s, fa zen d o d ela p rio rid a d e n o s co n st ru çã o d e ve a p o ia r-se n o p re ssu p o st o d e
e st u d o s só cio -a n t ro p o ló gico s. De n t re t a is a s- q u e a m aior relevân cia se con cen tra n os asp ec-
p ectos, d estacam -se: lim ites cu ltu rais p róp rios t o s su b je t ivo s d a a çã o so cia l, o q u e ju st ifica
p a ra a fixa çã o sim b ó lica d a s in fo r m a çõ es; n e- tra b a lh a rm o s co m o m éto d o q u a lita tivo n este
cessid ad e d e tran sgred ir e exp erim en tar riscos; e stu d o. Co n sid e ra n d o -se e sta p e rsp e ctiva , a l-
sistem a ed u ca cio n a l d esestim u la n te; d esa gre- gu n s p o n t o s m e re ce m e scla re cim e n t o s: n ã o
ga çã o fa m ilia r; a u to -e stim a b a ixa e e xp o siçã o crem os q u e a ciên cia ten h a sid o h istoricam en -
à violên cia. te n eu tra e n ão n os con ven ce o fato d e q u e, p a-
Utiliza m o s a m e to d o lo gia q u a lita tiva , m e - ra q u e h a ja ciên cia , a re a lid a d e d e va tra d u zir-
d ian te u m roteiro sem i-estru tu rad o p ara as en - se e m d a d o s o b je t ivo s, co n fo r m e a p re go a o
trevistas q u e, p or su a vez, con tem p laram os se- id e a l p o sitivista . Acre d ita m o s q u e o re a l p o d e
gu in t e s p o n t o s: a ) id e n t ifica çã o : id a d e , re n d a ser ca p ta d o, n ã o co m o u m esp elh o q u e reflete
fam iliar, trab alh o rem u n erad o, lazer; b ) sexu a- a co n cretu d e virtu a l d o fen ô m en o estu d a d o, e
lid a d e : e xp e r iê n cia s se xu a is (h ist ó r ia d e vid a sim p ela con cep ção d e q u e ele é relativo e q u e,
se xu a l), a u t o -id e n t id a d e se xu a l, fid e lid a d e , se a ssim é , fa ze m o s d e t e r m in a d a s le it u ra s d o
p rática ou sofrim en to d e violên cia sexu al, p rá- q u e ch a m a m o s d e re a l. Ad e m a is, e sta p o stu ra
ticas eróticas (d esejos e fan tasias), tip o d e rela- a ssu m e t o d o s o s lim it e s m e t o d o ló gico s q u e a
cio n a m e n t o a fe t ivo (n a m o ro, p a ixõ e s, a m o r); q u estã o en vo lve, p o is, a o d ep a ra rm o -n o s co m
c) co n teú d o s so b re p a p éis d e gên ero : a titu d es e st e s lim it e s, e n t e n d e m o s e st a r e n ca ra n d o
e p ráticas con sid erad as m ascu lin as ou fem in i- fren te a fren te a p ossib ilid ad e d e m elh or p od er
n as, relação com o corp o, am b ições, asp irações lid ar com os d ad os q u e colh em os.
d e vid a fa m ilia r; d ) p ercep çã o sob re HIV/ Aid s: As falas d e n ossos en trevistad os são p lu rais,
co n h ecim en to s so b re Aid s (tra n sm issã o e p re- re fle t e m b e m o q u a n t o a q u e st ã o se xo é t a b u ,
ve n çã o ), u so d o p re se r va t ivo, m u d a n ça s d e segred o, p roib ição, rep ressão, p ecad o, orgu lh o,
co m p o rta m en to e p rá tica s sexu a is em rela çã o p od er, vergon h a, m ed o, d esejo, erotism o, satis-
à p re ve n çã o, e n t e n d im e n t o d o q u e se ja se xo fa çã o, m o ra l, p e rigo, risco. A fa la so b re o se xo
segu ro, n egociação sexu al. e stá e n co b e rta p o r so m b ra s q u e e n vo lve m fa -
O u so d a m eto d o lo gia q u a lita tiva ju stifica - tos n u n ca ou p ou co d itos, ou d itos d e m an eira
se p o r p reten d erm o s in vestiga r q u estõ es rela - a en ga n a r os ou vid os d o ob serva d or, d o en tre-
cio n a d a s à se xu a lid a d e e visã o d e m u n d o n o vista d o r, d o o u vin te. Exp licita m n ã o a p e n a s o
con texto d a ep id em ia d e HIV/ Aid s. Con sid era- q u e o s su je it o s id e a liza m q u e sã o e co m o se
m os q u e a u tiliza çã o d esta m etod ologia p ossi- p e rce b e m , co m o t a m b é m e st a b e le ce m u m a
b ilita u m a com p reen são m ais p rofu n d a d e cer- d em arcação en tre o lícito e o ilícito, o p ú b lico e
t o s fe n ô m e n o s so cia is, le va n d o -se e m co n t a o p rivad o, o ap rovad o e o rep rovad o, o cu m p ri-
a sp e ct o s su b je t ivo s d a a çã o so cia l e m fa ce d a m en to d a lei ou su a tran sgressão.
co n figu ra çã o d a s e st ru t u ra s só cio -cu lt u ra is e Tom am os com o ob jeto d e in vestigação três
o s fe n ô m e n o s co m p le xo s e sin gu la r id a d e s d a reco rtes d o p ro b lem a . O p rim eiro, co n stitu íd o
vid a se xu a l. Ne st e se n t id o, a o o p t a r m o s p e lo p o r su je it o s a u t o -id e n t ifica d o s co m o a q u e le s

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
150 MO TA, M. P.

q u e a ssu m ia m o d esejo d e ter rela çõ es sexu a is A e st ra t é gia d e re cru t a m e n t o p o r re d e s d e


a p e n a s co m o u tro s h o m e n s. Este s fo ra m b u s- am izad es ou red es d e recru tam en to d irecion a-
cad os através d e in d icações d e am igos q u e fre- d o d e a m o st ra ge m fo i a p o n t a d a p o r Pa rke r
q ü en ta va m a s a tivid a d es d o p ro gra m a d e p re- (1994) com o ten d o o ob jetivo d e su p erar as d i-
ve n çã o d e Aid s, d e se n vo lvid o n a o rga n iza çã o ficu ld a d es in eren tes à con stru çã o d e a m ostra s
n ã o gove r n a m e n t a l d e n o m in a d a Asso cia çã o d e p ro b a b ilid a d e a le a tó ria , q u e sã o re p re se n -
Bra sile ira In te rd iscip lin a r d e Aid s (Ab ia ), cu ja tativas em estu d os sob re p ráticas sexu ais m as-
fre q ü ê n cia se ca ra ct e r iza va , e m su a m a io r ia , cu lin as n o con texto d o HIV/ Aid s. Segu n d o Par-
p or joven s m orad ores d a Baixad a Flu m in en se e ker (1994:60), “a m aior p arte d o qu e se p od e sa-
Zon a Norte d o Rio d e Jan eiro, com n ível só cio - ber sobre risco sex u a l n essa s p op u la ções d ev e
econ ôm ico b aixo. basear-se em estratégias d irecion ad as d e am os-
O segu n d o u n iverso se co n stitu i d e joven s tragem , in evitavelm en te lim itad as p elas op ções
q u e tra n sita va m a ssu m id a m e n te p o r p rá tica s d isp on íveis p ara o recru tam en to d e p articip an -
se xu a is co m h o m e n s e m u lh e re s, e q u e se a u - tes”.
to-id en tificavam com o b issexu ais, aos q u ais ti- O le va n t a m e n t o fe it o p o r re d e s d e a m iza -
vem os a cesso ta m b ém p or in term éd io d o p ro- d es ju stifica -se p o r se tra ta r d e u m a in vestiga -
gram a realizad o p ela Ab ia. Por fim , recru tam os çã o q u e a b o rd a a sp ecto s q u e d izem resp eito à
joven s d en tro d e fa vela s, com u n id a d es d e b a i- p rá tica e à h istó ria se xu a l, à p e rce p çã o d a a u -
xa ren d a p ro p ria m en te d ita s, a fim d e a b o rd a r to -id en tid a d e sexu a l m a scu lin a . O estu d o, p o r
h om en s q u e afirm avam relacion ar-se com m u - si m esm o, ap resen ta lim itações, p or en volver a
lh e re s, a u t o -id e n t ifica d o s co m o h e t e r o sse - sexu alid ad e d e su jeitos m u ito joven s, ain d a em
xu ais, os q u ais foram selecion ad os ap ós con ta- fase d e form ação in telectu al e m oral. Além d is-
to s p ré vio s co m o Nú cle o d e Estu d o d e Sa ú d e so, in teressa-n os n ão som en te ab ord ar aq u eles
d o Ad o lescen te/ Uerj e Asso cia çã o d e Mo ra d o - q u e se id en tificam ab ertam en te com o gays, co-
res – Rocin h a. m o t a m b é m in clu ir o s q u e p o ssu e m re la çõ e s
No q u e d iz resp eito às características sócio- o ca sio n a is co m o u t ro s h o m e n s e t a m b é m o s
econ ôm icas, tod os os joven s têm em com u m o q u e têm fan tasias a esse resp eito, sem a isso as-
fa t o d e t ra b a lh a re m fo ra o u d isp o re m d e a l- sociarem u m a id en tid ad e; con sid eram os ain d a
gu m d in h e iro co m q u e p o ssa m a ju d a r e m ca - a so cia b ilid a d e se xu a l d e jove n s m a scu lin o s
sa, além d e se m an terem . Neste sen tid o, foram q u e u sa m se r viço s d e p ro fissio n a is d o se xo,
a b o rd a d o s e st u d a n t e s q u e re ce b e m a lgu m a q u e t ê m re la çã o co m a e sp o sa e m ca sa e co m
aju d a d e cu sto, ven d ed ores am b u lan tes, con tí- o u t ra m u lh e r n a r u a , e n t re o u t ra s q u e st õ e s
n u os, au xiliares d e escritório, m ecân icos, vitri- p articu lares, p ou co d itas n o cotid ian o.
n ista s e b isca teiro s d e p eq u en o s serviço s e re- Com relação a este asp ecto, n ão se con h ece
p aros. O n ível d e escolarid ad e tam b ém é b aixo, a d e q u a d a m e n t e a s ca ra ct e ríst ica s d a p rá t ica
o scila n d o e n t re o p rim e iro gra u co m p le t o e o se xu a l m a scu lin a ; a lé m d isso, n ã o e xist e u m
segu n d o grau in com p leto. p erfil q u e p ossa tran sm itir u m a visib ilid ad e d e
A escolarid ad e n ão foi d efin id a com o crité- d eterm in ad os com p ortam en tos sexu ais, cap az
r io d e n o sso e st u d o, p o r n ã o ca ra ct e r iza r a s- d e se trad u zir em am ostra. Portan to, é im p ossí-
p ectos d e u m d eterm in a d o extra to socia l, fu n - vel trab alh ar com am ostras aleatórias q u e p er-
d a m en ta l p a ra a d efin ição d o u n iverso d a p es- m itam gen eralizar con clu sões. O cam in h o m ais
q u isa. Levam os em con ta q u e a vid a escolar es- viável é ab ord ar su jeitos p erten cen tes a gru p os
t á m a rca d a m e n t e fra gm e n t a d a e m t o d o s o s o u co m u n id a d e s, co n h e cid o s p u b lica m e n t e
se gm e n t o s so cia is e q u e, p o r t a n t o, n ã o se r ia p o r su a s m a n ife sta çõ e s se xu a is e, a p a rtir d a í,
u m b o m in d ica d o r p a ra ca ra ct e r iza r a d e fin i- recru tar in form an tes, qu e, com o já foi d ito, têm
ção d o ob jeto estu d ad o. u m vín cu lo in d ireto com tais gru p os. A ab ord a-
Re cr u t a m o s jove n s p o r m e io d e re d e s d e ge m , fe it a p o r in t e r m é d io d a s re d e s, ga ra n t e
a m iza d es, ou seja , o p rim eiro con ta to com u m resu ltad os sólid os cap azes d e refletir a d iversi-
in fo r m a n t e a b r ir ia a p o ssib ilid a d e d e o u t ro s d ad e d os su jeitos estu d ad os (Giam i, 1994).
co n t a t o s, fo r m a n d o u m a re d e. Bu sca m o s jo - En t re vist a m o s cin co jove n s q u e se a u t o -
ve n s co m u n s, q u e n ã o se d e sta ca sse m p o r se- id en tificaram com o h eterossexu ais; d ois, com o
rem lid eran ças ou m ilitan tes d e qu alqu er cau sa h om ossexu ais, e três, com o b issexu ais. Usam os
id eológica. Além d isso, tivem os tam b ém o cu i- o m esm o critério d e cla ssifica çã o d e id en tid a-
d ad o d e n ão recru tar aqu eles com in serção p ro- d e u t iliza d o p e lo s e n t re vist a d o s, p a u t a d o e m
fissio n a l e m t ra b a lh o s p re ve n t ivo s d a Aid s o u p ergu n ta s d irecion a d a s. Além d isso, com o cri-
qu e tivessem p assad o p or algu m tip o d e trein a- tério d e seleçã o e n ú m ero d e en trevista s, leva -
m e n t o m e t o d o ló gico e sp e cífico e m e d u ca çã o m os em con ta o p erfil d efin id o an teriorm en te,
sexu al n as in stitu ições p or n ós con tactad as. a t é p o rq u e, n u m t ra b a lh o q u a lit a t ivo, n ã o se

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
G ÊNERO E SEXUALIDADE 151

estab elece, q u an titativam en te, n ú m eros d e in - As fa la s e xp re ssa m va lo re s q u e o ra d e n o -


form an tes. Tal p ersp ectiva é p erceb id a p ela fa- tam críticas ao estereótip o d o gên ero, ora assu -
la d o s su je it o s, cu ja s re p re se n t a çõ e s sim b ó li- m em asp ectos d esse estereótip o. Esta am b igü i-
ca s e xp r im e m cu lt u ra lm e n t e a s id é ia s d e u m d a d e d en o ta o q u a n to h á u m m o d elo en ra iza -
gru p o ou extrato social (Min ayo, 1993). d o d e h om em , segu n d o o q u al a rela çã o com a
Os co n ta to s p re lim in a re s p a ra e n tra d a e m p a rce r ia a m o ro sa (co m q u e m co m p a r t ilh a a
ca m p o se d e ra m a p a r t ir d e in st it u içõ e s q u e ca sa ) re a liza -se e m u m co n t e xt o d e co n t ra d i-
d e se n vo lvia m tra b a lh o s co m jove n s, m o ra d o - çã o cria d a p e lo id e a l d a se xu a lid a d e a tiva d o s
re s e m p e r ife r ia s e fa ve la s d o Gra n d e Rio, e m h om en s e a d a p assivid ad e/ p u reza d as m u lh e-
lo ca lid a d es q u e se ca ra cteriza va m p o r p o ssu í- res (Giffin , 1991, 1994). Fica claro p ara estes jo-
rem con d ições p recárias d e q u alid ad e d e vid a. ve n s o fa t o d e q u e e st ã o se n d o cr it ica d o s e m
Bu sca m o s co n ta to s co m a Ab ia , q u e tra b a - d ecorrên cia d a ad esão a valores q u e ap regoam
lh a co m p reven çã o ju n to a h o m en s q u e fa zem p u b lica m en te virilid a d e e p o tên cia d e u m ‘ga -
sexo com h om en s; com a Associação d e Mora - ra n h ã o’. Ta is crítica s sã o p roven ien tes d a s cir-
d ores d a Rocin h a, q u e d esen volve u m trab alh o cu n stân cias afetivas em q u e as m en in as reivin -
d e p ro fissio n a liza çã o d e joven s; co m o Nú cleo d ica m u m a n ova rep resen ta çã o m a scu lin a , fo-
d e Est u d o s d e Sa ú d e d o Ad o le sce n t e – NESA/ ra d os p ad rões d e estereótip o. In teressan te n o-
Uerj, q u e faz aten d im en to clín ico, p rom oção e ta r n a s fa la s q u e, a p e sa r d e a firm a re m ta is e s-
p re ve n çã o e m sa ú d e e se xu a lid a d e, e n t re o u - t e re ó t ip o s co m o d e fin içã o p a ra se r h o m e m ,
tras áreas. Estas in stitu ições, con tu d o, con figu - p re fe re m a fir m a r q u e n ã o re p ro d u ze m e sse s
ra m -se, n este estu d o, ap en as com o cen ário n o m od elos.
q u a l lo ca liza m o s n o ssa s re d e s d e a m iza d e s (o Perceb e-se, en tão, q u e o caráter d o h om em
‘am igo d o am igo d o am igo’ vin cu lad o, d e algu - é a va lia d o d e a co rd o co m a m a n e ira co m o se
m a fo rm a , a e sta s in stitu içõ e s, fo i o n o sso e n - a p resen ta n o m u n d o exter n o, p ú b lico, d a ru a ,
trevistad o). e d a form a com o m ostra o seu d esem p en h o se-
Com o ten tam os d em on strar, a p rim eira or- xu a l n a e sfe ra p r iva d a , n o m u n d o in d ivid u a l,
d em d e q u estõ es d iz resp eito à n o ssa in serçã o e n tre q u a tro p a re d e s. Em a d içã o, o b se r va m o s
n o ca m p o. No ssa ten ta tiva fo i a d e n ã o b u sca r q u e a rep resen ta çã o d o ser h om em con tin u a a
a s via s b u ro crá tica s p a ra te r a ce sso a o s in fo r- ser aq u ela q u e m ostra q u e o h om em ap ren d e o
m a n t e s, o u se ja , e vit a m o s o fício s, m e m o ra n - se xo n a r u a – se u d o m ín io –, a o p a sso q u e a
d os, cartas e tod a ord em d e p ap éis q u e viessem m u lh e r o fa z e m ca sa , co m e le. Est e co n t e xt o
estab elecer algu m en tra ve n a execu ção d o tra - n ão é aceito sem críticas; ap resen ta-se ch eio d e
b a lh o. Ap esa r d e n o s p o sicio n a rm o s a ca d em i- co n t ra d içõ e s, u m ir e vir d o s m o d e lo s e e st e -
cam en te com as coord en ad orias in stitu cion ais, re ó t ip o s p ré -co n ce b id o s, q u e d e m o n st ra m
ten tam os op eracion alizar o trab alh o a q u e n os u m a in sa t isfa çã o d e u m jove m h o m e m co m a
p rop om os com au ton om ia e tran sp arên cia. im a gem q u e p recisa tra n sm itir d ele m esm o : o
im p u lso a gre ssivo e a t ivo se xu a lm e n t e co m o
referên cia d e m ascu lin id ad e.
Resultados Ter u m a esp o sa ta m b ém é visto co m o u m a
n o rm a cu ltu ra l q u e d e te rm in a o q u e é se r h o-
Para n ossos en trevistad os, a con stru ção d o gê- m e m ; ca sa r, n e st e se n t id o, e st á re p re se n t a d o
n ero está liga d a a a tos d e resp on sa b ilid a d e e a co m o u m rito d e p a ssa gem p a ra a fa se a d u lta ,
va lo res q u e esta b elecem lim ites d e esp a ço en - m u ito a lm e ja d a p o r e ste s jove n s. Pa ra a lgu n s,
t re a se xu a lid a d e d e se m p e n h a d a co m a m u - ter u m a m u lh er q u e será m ãe d e seu s filh os es-
lh e r, e m ca sa , e a e xe rcid a e m o u t ra s circu n s- t á co lo ca d o co m o u m a p o siçã o q u e co n st it u i
tân cias. Há a rep resen tação d e q u e h om em q u e statu s, su ce sso, a ce it a çã o e d o m in a çã o, t a n t o
é h o m e m d e ve se r b o m p a i, b o m m a rid o, t ra - e m re la çã o a o u t ro s h o m e n s, q u a n t o e m re la -
b alh ad or, e d eve d esem p en h ar b em o p ap el se- çã o à s m u lh e re s, co m o se re ssa lt a sse u m a s-
xu a l. Ob ser va m o s q u e p o ssu em a co n sciên cia p ecto d a essên cia d a m ascu lin id ad e.
d os p ap éis m ascu lin os exercid os cu ltu ra lm en - A id en tid a d e d e gên ero m a scu lin a , p a ra o s
t e, o s q u a is se co n figu ra m p o r in t e r m é d io d o n o sso s e n t re vist a d o s, p a ssa p e lo co m p o r t a -
trab alh o e d o sexo. Ap a ren tem en te p a rece ser- m e n to h e te ro sse xu a l e p o r to d a u m a co n stru -
lh es in côm od o rep resen tar os p ap éis d e corre- ção op osta ao q u e se en ten d e p or fem in in o. Es-
ção e firm eza d en tro d e con textos d e con trad i- sa re p re se n t a çã o e vid e n cia co n flit o s, p r in ci-
çõ e s so cia is e cu lt u ra is, n o s q u a is, a o m e sm o p a lm en te p a ra o s q u e se a u to -id en tifica m h o -
tem p o em q u e se exige a exp ressã o d o gên ero, m o sse xu a is, p o is o q u e se co n ve n cio n o u ch a -
re q u e r-se fle xib ilid a d e n a m a n u t e n çã o d e st e m a r d e h o m o sse xu a lid a d e ca ra ct e r iza -se p o r
id eal d e h om em . u m con texto p resen te n a con stru ção d a id en ti-

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
152 MO TA, M. P.

d ad e com o algo q u e é n egad o m oralm en te, cu - co s so b re a tra n sm issã o é rela tiva . Ap esa r d is-
jo sim b ó lico e st á re p ro d u zid o co m o u m e m - so, o su jeito recon h ece os eq u ívocos d e relacio-
b lem a q u e reflete a sp ecto s d e p a ssivid a d e, fe- n ar a ep id em ia aos h om ossexu ais. Para algu n s,
m in ilid a d e, u m h o m e m q u e n ã o d e u ce r t o. O a s p re o cu p a çõ e s se xu a is gira m e m t o r n o d a
q u e p rop orcion a con flitos e au to-estim a m u ito gravid ez e d a fid elid ad e, p ois q u an d o se con si-
b a ixa , e n t re a q u e le s q u e fa ze m se xo co m h o - d e ra a p a rce ira o u o p a rce iro fie l, n ã o se u sa a
m en s e se au to-d en om in am h om ossexu ais. cam isin h a.
Para n ossos in form an tes q u e se relacion am Ap esar d e o u so d a cam isin h a estar p resen -
sexu a lm en te co m h o m en s, a tra jetó ria p a ra se te n as su as vid as sexu ais, isso p arece estar m ais
ch ega r à p osiçã o d e h om ossexu a l é a q u ela p or relacion ad o ao p od er d e con trole q u e ela p od e
m eio d a q u al se vai ap ren d en d o a ad ap tar-se e o fe re ce r so b re a re p ro d u çã o e a fe rtilid a d e fe-
in co rp o ra r o s sign ifica d o s d a d iferen ça sexu a l m in in a . Alé m d isso, o b se r va m o s ta m b é m q u e
n a vid a co tid ia n a . Ta l co n stru çã o se a p resen ta a d ificu ld ad e d e acesso à cam isin h a n o con tex-
ch eia d e p ercalços e d ú vid as em razão d a h ete- to d a se d u çã o se xu a l le va -o s a ter re la çõ e s se-
rossexu alid ad e im p osta socialm en te p elo este- xu ais sem se p roteger d evid am en te.
reó tip o d o gên ero m a scu lin o. Nesse sen tid o, é A Aid s é u m a q u estão em su as vid as e ap re-
co m p le xo o p ro ce sso d e co n st r u çã o d e u m a sen ta-se com o ten d o sid o im p actan te p ara esta
id en tid ad e livre d a socialização à q u al os su jei- ge ra çã o. Ao re la t a re m o s t ip o s d e m u d a n ça s
tos são su b m etid os. o co rr id a s, o b se r va m o s q u e a d im in u içã o d o
No sso s e n t re vist a d o s e xp licit a m e m su a s n ú m e ro d e p a rce r ia s se xu a is se fa z e vid e n t e,
fa la s o q u a n to a co n str u çã o d a h o m o ssexu a li- asp ecto ressaltad o em cam p an h as n acion ais te-
d ad e tem a con otação n egativa d e u m estilo d e le visiva s re a liza d a s p e lo gove rn o. O fa to é q u e
vid a q u e con traria as exp ectativas d o q u e é ser este asp ecto d a p reven ção, assim com o o m od e-
h om em , p erceb id o p or u m su jeito q u e se rela - lo d e relação Aid s e gru p o d e risco, é u m equ ivo-
cion a sexu alm en te com ou tros h om en s e, p or- co q u e p arece calcificad o, p ois a d im in u ição d e
t a n t o, vê -se d ivid id o, fra gm e n t a d o e n t re su a p a rce iro s se xu a is o u a su a se le çã o n ã o re p re -
id en tid ad e sexu al e su a id en tid ad e d e gên ero. sen ta u m a clara d efin ição d o p rob lem a.
Ob se r va m o s q u e a b isse xu a lid a d e é vivid a Qu a n d o e sse s jove n s d ize m sa b e r a lgu m a
n u m a situ a çã o d e b a ixa estim a e q u e ta m b ém co isa so b re a Aid s, o q u e se o b ser va é q u e esse
está co n stru íd a segu n d o o co n ceito d e d esvio, con h ecim en to é relativo. De m an eira geral, n ão
a n o r m a lid a d e, p o is t e m co m o p a râ m e t ro a são cap azes d e assu m ir n a p rática sexu al as in -
m esm a p ercep çã o d o ser h om em b a sea d a cu l- form ações q u e d izem ter. A sín d rom e ap resen -
tu ralm en te em p rin cíp ios d itos h eterossexu ais. ta -se com o u m p rob lem a a in d a n ã o corriq u ei-
En fim , q u a n d o u t iliza m a p a la vra h o m e m ro, ap esar d e d esp ertar m ed o ou p aran óia, sen -
p a re ce m e st a r se re fe rin d o a o t ip o d e e sco lh a tim en tos q u e p od em rep resen tar u m m om en to
sexu a l em q u e o exercício viril con tin u a d ita n - d e a lie n a çã o e m re la çã o à q u e st ã o ; q u a n d o
d o a s re gra s n a s re la çõ e s m a scu lin a s. A h e t e - m u ito, referem -se à d oen ça ao falarem sob re os
ro sse xu a lid a d e é co n sid e ra d a h e ge m ô n ica e relacion am en tos sexu ais casu ais, n egligen cian -
d ad a p ela n atu reza, con form e p erceb em os n as d o a p reven ção n os relacion am en tos fixos.
fa la s. Nã o se e sco lh e se r h e t e ro sse xu a l: sim - Con sid eram os q u e a eficácia d a in form ação
p lesm en te se é, co m o u m a referên cia a o co m - so b re a Aid s e o s risco s d e co n tá gio p a rece d e-
p o rta m e n to p a ra o h o m e m . A h e te ro sse xu a li- p en d er d e o u tro s fa to res q u e n ã o o teo r ra cio -
d a d e, en tã o, p a ssa a ser a exp ressã o in d isso lú - n alizad or d o con h ecim en to sob re as form as d e
vel d e seu m od o característico d e ser ativo. tra n sm issã o d o H IV. Assim , p erceb em o s q u e a
Pe rce b e m o s, se m m u it a d ificu ld a d e, q u e, m otivação p ara a p reven ção d a sín d rom e n ão é
a p esa r d o s a n o s d e co n vivên cia co m a p a n d e - re m o t a , n e m se t ra t a d e u m a q u e st ã o p a ra o s
m ia , a p roxim id a d e co m a Aid s n ã o re su lt o u o u tro s, m a s a lgo p resen te, q u e p o d e ser ca p a z
em efetiva au top roteção, m as n u m a vu ln erab i- d e fa ze r m u d a r. Prova d isso é a vo n t a d e q u e
lid a d e a in d a co n sid e rá ve l e m re la çã o a e la . O m an ifestam d e fazer o teste an ti-HIV e o m ed o
risco p ara as d oen ças sexu alm en te tran sm issí- d a p ossib ilid ad e d e serem in fectad os, asp ectos
veis n ão sofreu alteração sign ificativa en tre es- e sse s o b se r va d o s n o s vá rio s re la to s d e n o sso s
se s jove n s m a scu lin o s q u e in icia ra m su a vid a en trevistad os.
sexu al n o con texto d a ep id em ia, ap esar d e afir- Pe rce b e m o s t a m b é m q u e a s d o e n ça s se -
m arem terem m u d ad o o com p ortam en to. xu a lm e n t e t ra n sm issíve is, co m o co n d ilo m a e
Ob se r va m o s n a s fa la s q u e a q u e st ã o d a go n o rré ia , sã o fre q ü e n t e s e a ce it a s n a t u ra l-
Aid s e vid e n cia p re o cu p a çã o e m e d o, m a s n ã o m en te, tra ta d a s n a s fa rm á cia s co m o a co m p a-
le va a u m a e fe t iva p ro t e çã o. A in fo rm a çã o n o n h a m e n to ‘clín ico’ d o fa rm a cê u tico o u d e u m
q u e d iz resp eito à p reven ção e a asp ectos b ási- am igo, até q u e se resolva o p rob lem a.

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
G ÊNERO E SEXUALIDADE 153

Conclusões q u an to a sexu alid ad e fem in in a é p erceb id a co-


m o u m ob jeto d o con trole m ascu lin o;
Nu m âm b ito m ais geral, p od em os con clu ir q u e • a n oção d e h om em é a q u e o vê com o aq u e -
rep resen tações d e sexu alid ad e(s) estão su rgin - le q u e d eve com eçar a ativid ad e sexu al b em jo -
d o e se d esen volven d o n o p rocesso d e ap areci- vem ; é ‘n atu ral’ o h om em ter m ú ltip los p arcei-
m e n t o d a Aid s. Ne st e se n t id o, a e xp e r iê n cia ro s se xu a is, ta n to a n te s, q u a n to d ep o is d o ca -
erótica m ascu lin a p od e forn ecer fu n d a m en tos sam en to;
p a ra a e la b o ra çã o d e e stra té gia s q u e irã o p ro - • a ‘b rin ca d e ira d e sa ca n a ge m ’ e st á liga d a à
m ove r a p re ve n çã o. Pre se r va tivo s m a scu lin o s tran sgressão às ‘n orm as’; isto tam b ém d á m u i-
e st ã o so b co n t ro le d o h o m e m , e n ã o d a m u - t o p ra ze r e e st á in t im a m e n t e liga d o à p rá t ica
lh er; n este sen tid o, p reven çã o a rticu la -se co m sexu a l a n a l e a o s ritu a is d e ‘m ein h a’ o u ‘tro ca -
gên ero. Ou seja , o d eb a te p reven tivo d everá li- troca’ com ou tros h om en s;
d a r co m o s a sp e ct o s d e gê n e ro, m e n o s co m o • a p rá tica sexu a l está p erm ea d a p o r co n d u -
u m a b arreira à elab oração d e n ovos m étod os e t a s h ie ra rq u iza d a s d e re la çõ e s d e p o d e r : n o
m a is co m o u m a lu z q u e ven h a co lo ca r o tem a âm b ito d os relacion am en tos h om ossexu ais, as
d a erotização d as p ráticas sexu ais segu ras p ara d im e n sõ e s d a p rá t ica se xu a l ‘a t iva’ e ‘p a ssiva’
o H IV/ Aid s, d e m a n e ira e xp lícit a , e m ca m p a - re p ro d u ze m a sp e ct o s q u e n o r t e ia m st a t u s e
n h as p ú b licas q u e trab alh em a q u estão d os p a - p od er d o gên ero m ascu lin o; n a esfera d os rela-
p éis sociais legad os a h om en s e m u lh eres, ten - cion am en tos h eterossexu ais, as m u lh eres exer-
d o co m o b a se su a s im p lica çõ e s p o lítica s d e n - ce m p o u co o u n e n h u m d ire it o re la t ivo à e x-
tro d e u m am p lo con texto ed u cacion al. p re ssã o se xu a l m a scu lin a , e n q u a n t o o s h o -
Perceb e-se q u e as m u d an ças em tem p os d e m en s d etêm m a ior p od er n o con trole d o com -
Aid s ab ran gem fatos m ais am p los, com o a cu l- p ortam en to sexu al d as m u lh eres;
tu ra sexu al, e m en os esp ecíficos, com o é o caso • a cre d it a m e sse s su je it o s q u e a p rá t ica se -
d a s re la çõ e s se xu a is e m si. Isto é , a o re visita r- xu a l d e ve se r d e se m p e n h a d a , n a m e d id a e m
m os o con ceito d e h om ossexu alid ad e, h eteros- q u e o s p a p éis m a scu lin o s q u e lega ra m d a cu l-
sexu alid ad e e b issexu alid ad e m ascu lin a ob ser- tu ra im p ossib ilitam -n os d e d izer n ão.
vam os q u e, tan to n o esp aço p ú b lico, q u an to n o Ao d estacarm os algu n s asp ectos relacion a -
e sp a ço p riva d o d a s re la çõ e s se xu a is, o s su je i- d o s à q u e st ã o d a Aid s, p o d e m o s a fir m a r q u e
tos assim classificad os n ão ap resen tam resp os- to d o s o s joven s m o stra m u m rela tivo co n h eci-
ta s p a d ro n iza d a s d ia n te d a a m ea ça d a sín d ro - m e n to so b re o a ssu n to. Algu m a s q u e stõ e s so -
m e. Assim , h o m e n s, ‘m a ch o s’, h e te ro sse xu a is, b re ssa íra m co m o a sp e ct o s q u e co n sid e ra m o s
‘vead os’, ‘b ich as’, h om ossexu ais, ‘b oiolas’, en tre relevan tes, q u e p od em ser in d icad ores a se d is-
o u t ra s cla ssifica çõ e s q u e t e n t a m id e n t ifica r cu t ir n o co n t e xt o p re ve n t ivo d a e p id e m ia . Ao
a q u ele q u e está co letiva m en te d en tro d a ‘n o r- e n t e n d e r m o s a o rga n iza çã o so cia l e cu lt u ra l
m a’ e q u e m se e st a b e le ce fo ra o u d e n t ro d e la d os relacion am en tos en tre am b os os gên eros e
d e ou tra m an eira, in form am -n os q u e viver p le- as form as com o as n oções d e gên ero são estru -
n am en te a sexu alid ad e é p erceb er-se d en tro d e t u ra d a s, t a m b é m p o d e m o s se r le va d o s a vis-
u m co n t e xt o d e sa t isfa çã o e ró t ico -a fe t iva , n o lu m b rar as p ossib ilid ad es d e m elh or d ifu são d a
q u a l h á p o d e re s d e sigu a is e h ie ra rq u ia s a n t a - p rá t ica d o se xo se gu ro. Est e p o d e se r u m e le -
gôn icas (Costa, 1992). m e n t o -ch a ve p a ra se p e n sa r cr it ica m e n t e o s
Ap esa r d a co m p lexid a d e e p lu ra lid a d e q u e p a p éis sexu a is e a s form a s com o os su jeitos os
caracterizaram as id en tid ad es d os su jeitos aq u i viven ciam .
e n vo lvid o s, te n ta m o s e sta b e le ce r, co m o e xe r- Pe rce b e m o s q u e o s m a is id e n t ifica d o s, n o
cício d e co n clu sã o, a lgu m a s a n á lise s m a is ge - in ício, co m a tra n sm issã o d a ep id em ia (o s h o -
rais, em n ível d os estereótip os d os gên eros e d a m ossexu ais) são ju stam en te os qu e ap resen tam
sexu alid ad e: m elh o r p ercep çã o d o risco h o je. Ao co n trá rio,
• a cu ltu ra d o m ach ism o se faz p resen te e or- os su jeitos in scritos d en tro d e u m lequ e d e p os-
ga n iza id e o lo gica m e n t e o s re la cio n a m e n t o s sib ilid a d es ‘m o ra is-sexu a is’ (o s ch a m a d o s h e -
sob a ótica m ascu lin a; te ro sse xu a is m a scu lin o s) sã o o s q u e d e m o n s-
• t o d o s o s e n t re vist a d o s d e m o n st ra m a t it u - tram m aior in con sistên cia n a red u ção d o risco
d es q u e oscilam en tre o estereótip o m ascu lin o p a ra o H IV/ Aid s, o q u e n ã o sign ifica a fir m a r
e com p ortam en tos críticos em relação a eles; q u e a sín d rom e n ão ten h a tid o algu m im p acto
• vê e m a se xu a lid a d e fe m in in a e m a scu lin a e m su a s vid a s. Ma s o q u e ch a m a a t e n çã o n o s
com o ten d o sid o con figu rad a segu n d o u m a d i- p rim eiros é q u e p arecem d em on strar, p or m eio
visão n atu ral e b iológica; d e su a id en tid ad e, u m m esm o im agin ário p olí-
• a se xu a lid a d e m a scu lin a é p e rce b id a e vi- t ico : a h o m o sse xu a lid a d e p ro je t a o m o m e n t o
ve n cia d a co m o a lgo q u a se in co n t ro lá ve l, e n - d e to ta liza çã o d a id e n tid a d e co le tiva , isto é , a

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
154 MO TA, M. P.

gen era liza çã o so cia l a p a rtir d e u m a id en tid a - a tod as as q u estões d e cid ad an ia. Isto se ju stifi-
d e p articu lar e vice-versa. Id en tifican d o-se com ca p e lo fa t o d e e st a e p id e m ia t ra d u zir-se e m
os riscos, se sen sib ilizam com a n ecessid ad e d e u m a co n t e cim e n t o so cia l t o t a l, p o is e n vo lve
p reven ção. Mesm o assim , o h om em n u n ca d e- q u estões am p las d e n ossa cu ltu ra.
ve d ize r n ã o o u co n t ro la r su a se xu a lid a d e, o Ao lid a r co m q u e st õ e s q u e e n vo lve m a se -
q u e faz com q u e n em sem p re u se cam isin h a. xu a lid a d e d e jove n s, o b se r va m o s q u e p a re ce
Co m b a se n o s rela to s d e n o sso s in fo rm a n - h a ve r u m ce r t o silê n cio q u e se p a ra a s re gra s
t e s, p e rce b e m o s p o r q u e a Aid s se e xp a n d e, ro m p id a s p e la p ró p r ia se xu a lid a d e p ra t ica d a
a t u a lm e n t e, p r in cip a lm e n t e e n t re o s su je it o s n o cotid ian o. Assim , a p rática sexu al é algo p a-
a u t o -id e n t ifica d o s co m o h e t e ro sse xu a is. Ela ra se r fe it o d e n t ro d e u m co n t e xt o ve la d o e
rep resen ta , p a ra estes n ossos in form a n tes q u e cla n d estin o, está sem p re n o lu ga r d o p ro ib id o
in icia ra m su a vid a se xu a l e m co n te xto d e e p i- e, p ortan to, d as qu atro p ared es, u m a coisa con -
d em ia , u m a p reo cu p a çã o evid en te, e a p rin ci- fid en cia l, p o is está ch eia d e m ister io sa s q u es-
p al atitu d e ressaltad a n o q u e d iz resp eito à p re- tões ain d a d escon h ecid as, m as m u itas vezes já
ve n çã o é o u so d a ca m isin h a . Me sm o a ssim , vive n cia d a s (Pa iva , 1994). Se xo a n te s d o ca sa-
esta ap arece n egligen ciad a n o con texto d as re- m e n t o, in ce st o, h o m o sse xu a lism o, e st u p ro,
la çõ es a fetiva s e regu la res, d esta ca n d o -se, en - p rostitu ição, ab orto, gravid ez, orgasm o, virgin -
tre o s h e te ro sse xu a is, m a is co m o p re ve n çã o à d a d e, d o e n ça s se xu a lm e n te tra n sm issíve is fa -
gra vid e z. Alé m d isso, a s re p re se n t a çõ e s q u e zem p a rte d o scrip t d a exp eriên cia sexu a l e d o
têm sob re a m u lh er n este con texto on d e se evi- silên cio d e m u ito s joven s, p rin cip a lm en te d o s
d en cia m a ior n egligên cia d o sexo segu ro e on - q u e m oram em com u n id ad es d e b aixa ren d a.
d e a s rela çõ es sã o regu la res ta m b ém a p resen - É o bvio q u e o tra b a lh o p re ve n tivo co m jo -
tam -se com o u m p rob lem a, exp licitan d o q u e a ven s d e b a ixa ren d a n o s im p õ e d esa fio s. En tre
cu ltu ra d e gên ero d eve ser rela tiviza d a n o d is- eles o fa to d e o s joven s esta rem em m ovim en -
cu rso p reven tivo. t o, ist o é , su a s vid a s e st ã o m a rca d a s p o r in ú -
Em resu m o, a ten tativa d everá se voltar, p a- m eras p riorid ad es e a q u estão d a p reven ção d a
ra in tervir n ã o n a m u d a n ça d o co m p o rta m en - Aid s está lo n ge d e ser a ferid a co m o u m a refle-
to sexu al em si, m as n as form as com o os su jei- xã o e m si, a sp e ct o m u it o co m p re e n síve l. Os
tos con ceb em as su as relações sexu ais, n a m a - p ro b lem a s rela cio n a d o s à so b revivên cia co lo -
n eira co m o a s viven cia m e p erceb em a s situ a - ca -o s fren te a fren te co m a n ecessid a d e d e ga -
çõ e s d e vu ln e ra b ilid a d e a q u e a s d o e n ça s se - n h a r d in h eiro m u ito ced o. Os co n sta n tes p ro -
xu a lm e n t e t ra n sm issíve is – e n t re e la s o H IV/ b le m a s fa m ilia re s a sso cia d o s a o u so in d iscr i-
Aid s – e xp õ e m -n o s. A q u e st ã o a go ra é sa b e r : m in ad o d a b eb id a e d e ou tras d rogas ilícitas, a
on d e a con stru ção d a sexu alid ad e se in sere, ou b a ixa e sco la rid a d e, o d e se m p re go e o su b e m -
se ja , e m q u e re p re se n t a çã o, sím b o lo, a n á lise, p rego oferecem a algu n s joven s p ou ca exp ecta -
o rd e m , n o rm a , visib ilid a d e d o s d iscu rso s e tiva n a su a p róp ria vid a, p ou co estím u lo e b ai-
p ráticas sexu ais relatad as; o q u e é o su jeito se- xa au to-estim a. Tod as estas q u estões con d icio-
xu al e em q u e m ed id a esta h ip otética red efin i- n a d a s a u m a m b ie n t e d e vio lê n cia n o s co lo ca
ção resu ltou em algu m avan ço m oral, p ara q u e, d ian te d e u m a realid ad e q u e tem exigid o m u ita
assim , q u em sab e, os su jeitos p erceb am a Aid s cr ia t ivid a d e e p e rsp icá cia p a ra o d e se n vo lvi-
co m u m a d o e n ça q u e p o d e se r e vita d a d e n tro m en to d e a tivid a d es sistem á tica s q u e ven h a m
d e u m a am p la con scien tização p olítica sob re o fa ze r co m q u e o s jove n s p e r m a n e ça m n u m a
m u n d o, a so cied a d e, a cu ltu ra , o co rp o, o sexo p ro p o sta d e so lid a ried a d e esp ecífica fo ca liza -
e o q u e fazem os com ele. d a n a p reven ção d a Aid s.
É e vid e n t e q u e, e n t re o s a sp e ct o s d o s p a - En fim , o jovem sa b e q u e seu silên cio sob re
d rões cu ltu rais q u e foram ob servad os, o fato d e o sexo en cob re tod a u m a fu n d am en tação críti-
o s su je it o s t ra n sit a re m p e la s p rá t ica s se xu a is ca so b re a m o ra lid a d e sexu a l q u e ele viven cia .
n o s le va a cre r q u e a p re ve n çã o d e ve le va r e m Ne ste se n tid o, o s tra b a lh o s a se re m d e se n vo l-
con ta d iversos gru p os e com u n id ad es, com b a- vid o s n o co n t e xt o d a p re ve n çã o d a sín d ro m e
se em estratos sócio-econ ôm icos, crian d o m e- p a ra jove n s d e b a ixa re n d a d e ve o b se r va r a s
t o d o lo gia s q u e a b o rd e m n ã o a p e n a s a s q u e s- n o çõ e s, o s sim b o lism o s e a s in flu ê n cia s n a
tõ es esp ecífica s d o s co m p o rta m en to s d e risco co n st r u çã o d a re p re se n t a çã o d o se xo e q u a is
relativos ao HIV/ Aid s, m as tam b ém p rob lem as sã o o s se u s m a io re s le git im a d o re s n o lo ca l (a
m ais gerais existen tes em n ossa socied ad e, tais religiã o, a fa m ília , a vizin h a n ça , a etn ia , o p a r-
com o d esigu ald ad e e in ju stiça social, estigm a - tid o p o lítico, a co m u n id a d e?). Isto p o rq u e en -
t iza çã o e d iscr im in a çã o se xu a l, m o b iliza çã o t e n d e m o s q u e a cu lt u ra d e t e r m in a o q u e é a
co m u n itá ria , a fim d e se red u zir a vu ln era b ili- ‘m o ra l se xu a l’ p a ra te n ta r m o stra r o q u e p o d e
d ad e social, n ão só ao HIV/ Aid s, com o tam b ém ser a ‘realid ad e d o sexo’.

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):145-155, jan-mar, 1998
G ÊNERO E SEXUALIDADE 155

En ten d em o s q u e é fu n d a m en ta l, a o tr a b a - d e se jo d e c a d a u m . Se c o n se gu ir m o s c a n a li-
lh a r co m p re ve n çã o, b u sca r (d e s)co b r ir o q u e za r e st e d e se jo in d ivid u a l, cr ia n d o u m se n t i-
é re a l n o co t id ia n o d a se xu a lid a d e e o q u e é d o d e so lid a ried a d e co letiva e co n sciên cia p o -
id e a l, co lo ca d o p e la s id e o lo gia s d o m in a n t e s lítica e m re la çã o a o fa to d e o s risco s d e in fe c-
e p elos d iscu rsos con serva d ores. Pod e-se con - çã o d o HIV/ Aid s serem u m p rob lem a com u n i-
sid e ra r q u e t ra b a lh a r co m o re a l é le va r e m tário, talvez p ossam os ob ter m aior êxito, ou se-
co n ta q u e a im a gin a çã o se xu a l n ã o é u tó p ica , ja , co lo ca r a d iscu ssã o d a p re ve n çã o n o co n -
p o r t a n t o n a d a m a is re s t a n a p r á t ic a s e xu a l texto d e u m a m p lo d eb a te p o r d ireito s e cid a -
p a ra se r in ve n t a d o, a n ã o se r o e xe rc íc io d o d an ia.

Referências

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