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Leishmaniose visceral e

cutanea
Conceito: Doença crônica e sistêmica, que, quando não tratada, pode evoluir para óbito em mais de 90%
dos casos, a Leishmania é uma antropozoonose tropical transmitida por artrópode. É um parasito que tem
obrigatoriamente intracelular que ataca o sistema mononuclear fagocitário e escapa dos potentes
mecanismos oxidativos dessas células destinadas a destruir os microrganismos. Na forma mais clássica
da forma visceral, chama a atenção à tríade de hepatoesplenomegalia febril, pancitopenia e
hipergamaglobulinemia.

Transmissor: Protozoário: 14 espécies no mundo.

 Ordem díptera.  Gênero Leishmania


 Subfamília Phlebotominae.  Subgênero: Viannia e Leishmania.
 Gênero Lutzomyia.  No Brasil há sete espécies, sendo seis delas
 Espécies L. longipalpis e L. cruzi do subgênero Viannia.
 Espécies: L. V. braziliensis, L. L.
Características: cor palha, aspecto piloso e amazonensis, L. V.guyanensi, L.V. shawi,
posição típica durante o pouso. L.V. laisoni, L.V. linderbergi e L.V. naiffi.*
*Somente
História
cutâneo. Alta
resolução 100%  Primeiros relatos no séc. I D.C., no norte do
Afeganistão. “úlcera de Balkh/Baghdad”
 1903: Descoberta do protozoário.
 1909: Descoberta da leishmania brasiliensis
 1920: Descoberta dos Flebotomínios

Fatores que aumentam a incidência:


Desmatamento, extrativismo, represamento
hídrico, expansão agrícola e urbana, movimentos
Outros nomes: mosquito palha, tatuquira, birigui, migratórios, Urbanização precária, desnutrição e
entre outros. epidemia de HIV.

Epidemiologia:

Distribuição ampla com predomínio em regiões tropicais e subtropicais.

Tegumentar: Está presente em 88 países, porém é de notificação compulsória em apenas 32 deles.


Sendo altamente subnotificada. Europa (Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia e Turquia); América (Do
extremo sul dos EUA até o norte da Argentina, não está no Chile nem no Uruguai). 92% dos casos em seis
países: Irã, Arábia Saudita, Síria, Afeganistão, Brasil e Peru.
No Brasil: Está
presente em
todos os Estados, Relacionada ao
sendo o MT líder processo de
no número de colonização
casos (nobres). predatório.

Ciclo de vida:
Os reservatórios da LTA são animais silvestres, como roedores e marsupiais, e animais domésticos, como
canídeos, felídeos e equídeos, com parasitas predominando em mucosas das vias aerodigestivas
superiores, sendo potenciais fontes de infecção. O homem é considerado hospedeiro acidental.

Evolução natural da doença visceral:

Se o hospedeiro mostra uma resposta com


um perfil de citocinas tipo TH1, os
macrófagos ativados apresentam uma
grande capacidade de destruir as
leishmania do foco inflamatório no ponto de
Resposta Celular TH1 Resposta Humoral TH2
Montenegro + Montenegro -
inoculação, com resolução do processo.
Poucos parasitas Muitos parasitas Entretanto, se a resposta é
L.V. brasiliensis L.L. amazonenses preferencialmente estruturada com o perfil
Formas localisada e Formas difusa de linfócitos tipo TH2, as leishmania
disseminada. Resposta anérgica/generalizada.
ao tratamento boa. Resposta ao ruim. escapam do ponto de inoculação e são
carregadas pelos macrófagos para todo o
organismo, com colonização preferencial
dos órgãos ricos no SRE.

Resposta imune:
Patologia:

Fígado -A hiperprolifereção de macrófagos gera a obstrução da drenagem venosa, congestão


e hepatomegalia.
-Há hiperplasia e hipertrofia das células de Kupffer, cujo volume pode chegar a superar
os hepatócitos.
Baço -A hiperprolifereção de macrófagos gera a obstrução da drenagem venosa, congestão
e esplenomegalia. Predomínio em relação ao aumento do fígado por ter mais
macrófagos
-
Linfonodo -
-
Medula óssea -Substituição de linhagens com o aumento de macrófagos, gerando anemia, leucopenia
e plaquetopenia (pancitopenia). Isso leva a infecções oportunistas e sangramento
-A neutropenia seria decorrente de redução da reserva medular, de sequestro
esplênico ou de reações de autoimunidade.
-Os eosinófilos são escassos ou ausentes.
Pulmão Pneumonia intersticial (ao redor de 80%) com um pulmão aumentado, congesto e
consistência mais elástica que o habitual
Brocopneumonia
Rim
Tubo digestivo
Adrenal
Pele

Espectro sintomático da visceral:

Assintomático:
Evidenciado pela alta taxa de sorologia positiva com ausência de sintomas em áreas endêmicas

Subclínicas ou oligossintomáticas:

Forma mais frequente em áreas endêmicas. Ocorre presença de sintomas inespecíficos:

 Febrícula  Diarreia  Adinamia persistente


 Tosse seca  Sudorese  Discretas
visceromegalias

Forma aguda:

 Duração de 20-40 dias  Linfonodomegalia  Manifestações


 Febre persistente e  Hepatoesplenomegalia hemorrágicas (por
irregular  Pancitopenia plaquetopenia) Como
 Tosse seca ou pouco fulminante (caso atinja epistaxes, petéquias e
produtiva a medula óssea) sangramento gengival
 Distúrbios  Anemia grave
gastrointestinais (dispneia aos mínimos
(diarreia, disenteria ou esforços, sopro
obstipação) plurifocal e
 Adinamia, prostração e insuficiência cardíaca)
sonolência.  Infecções oportunistas
 Mal estar progressivo (por leucopenia)
 Emagrecimento

Forma crônica ou Calazar clássico:

 Evolução lenta ou endurecida, não América em


 Desnutrição proteico- doloroso) pardacenta ou de cera
calórica  Abdome protuso velha)
 Cílios alongados (cirrótico em homens e  Febre irregular
 Cabelos quebradiços, gravídico em  Ascite
com sinal em bandeira mulheres)  Edema de pés e mãos
(2-3 cores diferentes)  Desconforto  Infecções
 Hepatomegalia abdominal por secundárias.
 Esplenomegalia de deslocamento de  Período de incubação
grande monta outros órgãos impreciso (podendo ir
(consistência elástica  Alteração de pele (na de 2 a 8 meses)
índia mais escura, na

Forma dérmica pós-calazar

Ocorre após tratamento do calazar, com hipopigmentação, pápulas, máculas, nódulos, mais comum no
velho mundo e sem acometimento visceral.

Espectro sintomático da Leishmaniose Tegumentar Americana:

Pode afetar tanto o tecido cutâneo como o tecido mucoso (nasobucofaríngeo). O padrão de acometimento
vai depende da espécie de leishmania e da resposta imunológica do hospedeiro.

A forma cutânea costuma ser ulcerosa em 95% dos casos, mas também pode ser eczematóide,
impetigóide, verrucosa, infiltrativa, nodular, tuberosa, lupóide, etc.
A história clinica típica da lesão é uma mácula, localizada no local da picada do
mosquito e dura 1 a 2 dias após a picada. Após evolui pra pápula e por último há
ulceração. Nos pacientes em que há ulceração (falha do sistema imune) é
comum haver linfonodomegalia próxima à lesão, que ocorre antes, durante ou
depois da mesma. A úlcera é indolor e costuma aparecer em áreas expostas de
2 semanas a 3 meses após picada.
Figura 1 Lesão com ulceração
precoce – è uma mácula que Como mostrado na figura à esquerda, a lesão
está começando a ulcerar a inicial se parece muito com uma foliculite, porém
partir do centro
não há presença de pus.

Nesta outra imagem é possível ver uma lesão inframandibular ulcerada,


acompanhada de edema de um cordão linfático e de um gânglio.

Continuando o processo natural de evolução da lesão, à esquerda está uma


lesão ulcerada de bordas eritematosas e elevada, que
dói e não melhora com os tratamentos comuns para
feridas. E pode ser confundida com o cancro da sífilis.

A lesão tem a característica também de poder


desaparecer de forma espontânea, mas sem cura,
podendo ir para outras partes do corpo e causar a

Figura 2 30 dias de evolução


forma disseminada da
doença.

Subtipos Clínicos

Principais da LTA

Leishmania cutânea localizada (LC): Lesão ulcerada, única ou


em pequeno número (uma ou mais picadas de mosquito
infectado), ovalada, com bordas bem delimitadas e elevadas,
base eritematosa, fundo granuloso, indolor, com boa resposta
terapêutica e tendência à cura espontânea. Podem ocorrer linfoadenopatia regional e linfangite
nodular.

Leishmaniose cutânea disseminada: São lesões múltiplas e


distantes do local da picada. Do tipo papulares e de aparência
acneiforme, sendo no geral pequena, mas podendo variar no
tamanho. Pode acometer vários segmentos corporais,
principalmente face e tronco. Podem ocorrer sintomas
sistêmicos associados. As lesões são decorrentes de
disseminação do parasito por via hematogênica ou linfática.
Costuma responder bem ao tratamento.
Leishmaniose cutânea difusa (LCD): É uma forma clínica
rara, grave, multiparasitária, de evolução lenta, com a
formação de placas infiltradas, múltiplas nodulações não
ulceradas em grande extensão cutânea. Deformidades nas
extremidades. Caracterizada pela ausência de resposta imune
celular a antígenos de Leishmania e difícil tratamento com
pouca resposta aos remédios. No Brasil, é causada pela L.
amazonensis, apresentando resposta terapêutica pobre.

Leishmaniose mucosa ou mucocutânea


(LM): São lesões ulceradas, destrutivas,
eritematosas, crostosas e indolores em
mucosas das
vias aéreas
superiores.
São lesões metastáticas,
secundárias à lesão cutânea
prévia, curada sem tratamento
ou com tratamento inadequado.
A mucosa nasal é a mais
Figura 3 Nariz de Tapir
acometida, podendo ocorrer
perfuração e destruição de septo nasal, com deformidades e estigma social.

Definição de caso de LTA:

 Caso suspeito: Indivíduo com presença de úlcera cutânea com fundo granuloso e bordas infiltradas em
moldura. Ou também: Indivíduo com presença de úlcera na mucosa nasal, perfuração ou perda do
septo nasal, podendo atingir lábios e boca.
 Caso confirmado: Residência, procedência ou deslocamento em área endêmica associada à (no
mínimo um dos critérios):
 Encontro do parasita nos exames parasitológicos diretos ou Intradermo Reação de Montenegro
(IRM) positiva.
 Sem associação a outro critério, quando não há laboratório disponível.
 Nas formas mucosas, considerar a presença de cicatrizes cutâneas como critério complementar
para confirmação de diagnóstico (através de anamnese e exame físico).

Diagnóstico da visceral:

 Pancitopenia, aumento da γ-globulina, diminuição da albumina, VHS e PCR-T elevada.


 Sorologia como imunofluorescência indireta (IFI), ELISA rK39 (IgM e IgG)
 Intradermorreação de Montenegro é negativo durante a doença, por isso não é utilizado.
 Parasitologia (locais: punção do baço, biópsia de fígado, aspirado de medula óssea, punção de
linfonodos). Observação direta (Coloração com giemça), PCR ou cultura em meio NNN.
 O mais usado é o exame direto ou cultura em NNN de material aspirado de medula óssea, com
S=70%.
 O mais sensível é a punção esplênica, com S=95%, porém com grande risco de sangramento.

Diagnóstico diferencial para a visceral:


 Malária: Parecidas na hepatoesplenomegalia febril e anemia. A Malária costuma calafrio intenso e
sudorese profusa.
 Febre tifoide: Anemia moderada, esplenomegalia discreta, globulinas normais e sorologia negativa.
 Salmonela de curso prolongado: Nesta, o fígado é mais afetada que o baço, leucócitos normais ou
aumentados e reação de Widal positiva.
 Esquistossomose mansônica: Há leucocitose e não leucopenia, com acentuada eosinofilia.
 Leucemias e linfomas costumam ter anemia, esplenomegalia e manifestações hemorrágicas de
rápida evolução.
 Outras doenças infecciosas: brucelose, histoplasmose, doença de Chagas aguda, toxoplasmose,
tuberculose, miliar e mononucleose infecciosa.
 Intoxicação por agrotóxicos organofosforados: Causando Leucemia

Diagnóstico diferencial para a cutânea:

Forma cutânea: Forma visceral


 Úlceras traumáticas.
 Úlcera venosa.  Hanseníase virchowiana
 Úlcera tropical  Paracoccidiomicose
 Paracoccidioidomicose:  Sífilis terciária
 Esporotricose,  Neoplasias
 Cromoblastomicose.
 Hanseníase.
 Tuberculose cutânea.
 Piodermites.
 Carcinoma basocelular.
 Sífilis terciária.
 Sarcoidose,
 LES.

Diagnóstico Laboratorial LTA

1. Teste de Montenegro: Alta sensibilidade, facilidade de aplicação e baixo custo. A IDRM se torna
positiva em torno de 2 meses após o início da lesão cutânea, indicando o aparecimento de uma
resposta imune celular. Porém, é difícil de encontrar na rede de saúde e também não confirma a
doença, já que a positividade significa que o indivíduo já foi sensibilizado, não que seja portador.
Falsos negativos: Fase inicial da doença (primeiros 30 dias); imunodeprimidos; forma anérgica;
quadros disseminados; Leishmania visceral.
Antígeno: 0,1ml de suspensão obtida de formas promastigotas mortas, clonadas de L. Leishmania
amazonensis. Local: Face anterior do antebraço – via intravenosa. Leitura: Após 48h.
Interpretação: Medida pelo > diâmetro do nódulo palpável. 0-4 mm: negativo. >=5 mm: positivo.
2. Raspado da lesão: Observação direta em microscópio ou “in-print”.
3. Biópsia da lesão: Anatomopatológico.

Prognóstico da visceral:

 Letalidade no primeiro episódio de 10 a 19%, com taxas de cura clínica de 83% e parasitológica de
75%.
 As causas de óbito mais frequentemente observadas no calazar são broncopneumonia,
septicemias (em geral por infecção bacteriana nosocomial), hemorragias agudas, gastroenterites,
insuficiência cardíaca em razão da anemia grave, caquexia e coagulopatias pós-transfusionais.
 Coinfecção com HIV: Recidiva de 90% após 12 meses do tratamento e sobrevida de apenas 60%
após 12 meses.

Tratamento

Drogas clássicas incluem antimoniais pentavalentes (1915) ou, alternativamente, a anfotericina B.

 Antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime): Apresentação 1 ml = 81mg Sb+5 – EV lento ou


IM. Intramuscular é muito doloroso e pode ser necessário infusão de corticoide meia hora antes pra
evitar reação.
o Cutânea: 10 a 20mg/kg/dia, por 20 dias consecutivos.
o Mucosa: 20mg/kg/dia, por 30 dias consecutivos.
 Pentamidina: Aplicar após alimentação e fazer repouso em seguida.
o Cutânea e Mucosa: 4mg/kg, IM, a cada 2 dias, até completar 2g de dose total.
 Anfotericina B:
o Cutânea: Iniciar 0,5 mg/kg/dia – EV e aumentar 1mg/kg em dias alternados (máx. de
50mg/dia) até atingir a dose total de 1 a 1,5g.
o Difusa: até completar 2g de dose total, se possível.

Novas drogas, descobertas na década de 90, que demonstraram superioridade e maior segurança, porém
são caras.

 Miltefosina (oral)
 Anfotericina B em complexos lipídeos ou em lipossomas (o Amphocil® e o AmBisome®)
 Aminoglicosídeo paramomicina (Aminosidina®)

Antimonial Pentavalente: Alargamento do intervalo QT por toxicidade cardíaca.

Profilaxia:

É uma doença de notificação compulsória nacional, portanto,


todo caso confirmado deve ser notificado e investigado pelos
serviços de saúde, para a classificação epidemiológica (caso
autóctone ou importado) e o acompanhamento dos casos.

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