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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000537483

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº


2117097-21.2022.8.26.0000, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é agravante SPEL
ENGENHARIA LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL), é agravado ESTADO DE
SÃO PAULO.

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO


CELSO AGUILAR CORTEZ (Presidente) E PAULO GALIZIA.

São Paulo, 11 de julho de 2022.

TERESA RAMOS MARQUES


RELATOR
Assinatura Eletrônica

Agravo de Instrumento nº 2117097-21.2022.8.26.0000 Voto n°


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10ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO


AGRAVO DE INSTRUMENTO: 2117097-21.2022.8.26.0000 AGRAVANTE: SPEL
ENGENHARIA LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL)
AGRAVADO: ESTADO DE SÃO PAULO
JUIZ PROLATOR: LUISA HELENA CARVALHO PITA
COMARCA: RIBEIRÃO PRETO
VOTO Nº 29421

EMENTA

TRIBUTO
ICMS AIIM Declaração de inidoneidade
posterior às operações Boa-fé Nulidade Crédito
tributário Suspensão da exigibilidade Tutela de
urgência Impossibilidade:

Ausente a probabilidade do direito, não há


fundamento para a tutela de urgência, mesmo que
haja o perigo da demora.

TRIBUTO
ICMS AIIM Multa punitiva Percentual superior
a 100% Confisco Impossibilidade:

A multa punitiva não pode ultrapassar 100% do


valor do tributo, sob pena de violação ao princípio do
não confisco.

RELATÓRIO

Indeferida a tutela de urgência, visando à suspensão da exigibilidade do crédito


tributário apurado no AIIM nº 4.039.026-3.
Daí o agravo, no qual a autora alega ter ficado comprovado que a declaração de
inidoneidade da vendedora ocorreu posteriormente à efetivação da transação comercial.
Os comprovantes de pagamento, bem como de movimentação de entrada no
estabelecimento e escrituração de notas fiscais,

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também demonstram que as operações foram de fato realizadas e que agiu de boa fé. A
jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça não mais admite a
responsabilização do comprador que de boa fé tenha efetivamente adquirido a
mercadoria constante da nota fiscal posteriormente declarada inidônea (REsp nº
1.148.444/MG e Súmula nº 509). A tutela de urgência é
indispensável para que possa obter a certidão de regularidade fiscal e impedir o protesto
extrajudicial do débito. A multa tem caráter confiscatório, pois representa mais de 200%
do valor do tributo. O Código Tributário Nacional possibilita a suspensão da
exigibilidade do crédito tributário, independentemente de depósito, quando presentes os
requisitos da probabilidade do direito alegado e de perigo de dano (art.151, inc.V), o que
é corroborado pela jurisprudência dominante do Superior e desta Seção. Pede a
concessão de efeito suspensivo e, ao final, seu provimento.
O recurso foi processado com efeito ativo parcial apenas para sustar a exigibilidade da
multa que supera 100% do valor do tributo (fl.18). Nas contrarrazões, a agravada alega que a
suspensão da exigibilidade do crédito tributário é condicionada ao depósito integral do
montante discutido (art.151, inc.II do Código Tributário Nacional e Súmula nº 112 do
Superior Tribunal de Justiça). A suspensão da exigibilidade com base nos requisitos gerais de
concessão de tutela antecipada é excepcional, pois o ato administrativo é dotado de presunção
de legalidade e veracidade. A Fiscalização verificou que a vendedora declarada inidônea
emitiu notas fiscais de saída em valor superior a trinta e sete milhões de reais, sem que
fossem emitidas quaisquer notas fiscais de entrada. Efetuada diligência no endereço indicado
no CADESP/JUCESP, verificou-se tratar de imóvel residencial, tendo a moradora afirmado
desconhecer a empresa e seu sócio. Contatado o sócio Fabio Fioravante Ragazzo, este
declarou que não é sócio da empresa e não tem conhecimento da sua existência. O contador
anotado no Cadesp alegou nunca ter efetuado nenhum trabalho para a inidônea. A verificação
da regularidade da empresa com a qual se negocia constitui uma obrigação legal do
contribuinte (art.22 da Lei nº 6.374/89 e art.28 do RICMS). O julgado do Superior Tribunal

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de Justiça somente favorece o comprador que estiver de boa fé. A Súmula nº 509
possibilita o aproveitamento dos créditos, desde que demonstrada a veracidade da compra
e venda, o que não ocorre na hipótese. Na fase administrativa, foi alegado que as
operações foram entabuladas com o representante da empresa, Fabio Fioravante Ragazzo.
Essas declarações, porém, não merecem fé, pois, este era apenas um "laranja", que nem
sequer tinha conhecimento da existência da empresa. Alegou-se, ainda, que o transporte
foi realizado pela fornecedora. Contudo, melhor revendo as notas fiscais autuadas,
verifica-se a omissão na parte das informações sobre o transportador e o volume
transportado. Na tentativa de demonstrar o pagamento das mercadorias, a autora
apresentou extratos de conta bancária e cópia de cheques. Ocorre que tais documentos se
mostram imprestáveis para tal fim, haja vista que os cheques estão nominais à própria
empresa autuada. Não foram apresentados os comprovantes do acordo comercial, e nem há
prova da destinação das mercadorias adquiridas. O Livro Registro de Entradas, por sua
vez, somente faz prova contra a requerente, tendo em vista que demonstra a escrituração
das notas fiscais inábeis e o aproveitamento dos créditos de ICMS. As transações em
questão foram entabuladas com empresa que nunca existiu de fato. A suspensão da
exigibilidade do crédito tributário trará prejuízos incalculáveis ao Erário (fls.26/39).

FUNDAMENTOS

1. Spel Engenharia Ltda propôs demanda contra a Fazenda do Estado de São


Paulo, objetivando a desconstituição do crédito tributário apurado no AIIMnº 4.039.026-
3, ou, subsidiariamente, a redução da multa para o valor equivalente a 100% do imposto
devido e a aplicação da SELIC para atualização do débito fiscal.
Sobreveio a decisão agravada, indeferindo a tutela de urgência, visando à
suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sob os seguintes fundamentos:
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“Decido. Nesta fase de cognição sumária, não se vislumbra a probabilidade do direito


invocado pela parte autora, visto que os documentos constantes dos autos não permitem
constatar, ao menos em princípio, a efetiva circulação das mercadorias e a consequente
boa-fé da requerente, dependendo, em tese, da prévia instauração do contraditório e, a
critério do juiz, de dilação probatória que permita atestar, no momento processual
oportuno, a devida correlação entre os documentos fiscais e os extratos bancários e
demais comprovantes de pagamento juntados. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO TUTELA DE URGÊNCIA SUSPENSÃO DA
EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO INIDONEIDADE DE FORNECEDORA
Decisão que indeferiu a tutela provisória voltada a suspender a exigibilidade de crédito
tributário Presunção de veracidade e legalidade dos atos realizados no âmbito da
fiscalização tributária não afastada Não preenchimento dos requisitos do art. 300 do CPC
Probabilidade do direito alegado a respeito da boa-fé da empresa compradora não
verificada Suspensão da exigibilidade do crédito tributário admitida somente mediante
depósito integral e em dinheiro (Súmula nº 112 do STJ) Decisão mantida. AGRAVO DE
INSTRUMENTO IMPROVIDO. AGRAVO INTERNO Decisão monocrática proferida por
esta Relatora que indeferiu a tutela recursal Recurso prejudicado diante do julgamento de
mérito do agravo de instrumento RECURSO NÃO CONHECIDO. (TJSP; Agravo Interno
Cível 2051279-25.2022.8.26.0000; Relator (a):Maria Fernanda de Toledo Rodovalho;
Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Jacareí - Vara da Fazenda
Pública; Data do Julgamento: 02/05/2022; Data de Registro: 02/05/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA CREDITAMENTO INDEVIDO DE ICMS NOTAS FISCAIS
DECLARADAS INIDÔNEAS Decisão que indeferiu a tutela antecipada para suspensão de
execução fiscal Pleito de reforma da decisão Não cabimento Empresa alienante declarada
inidônea O contribuinte de boa-fé que adquire mercadoria de empresa posteriormente
declarada inidônea não pode ser punido, desde que fique demonstrada a materialidade da
compra e venda efetuada Precedente do STJ Súm. nº 509, de 31/03/2.014, do STJ Caso em
que não há documentos suficientes para comprovar a realização do negócio jurídico
Ausência dos requisitos necessários para a concessão da tutela Decisão mantida AGRAVO
DE INSTRUMENTO não provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2078754-
29.2017.8.26.0000; Relator (a): Kleber Leyser de Aquino; Órgão Julgador: 3ª Câmara de
Direito Público; Foro de Campo Limpo Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento:
15/05/2018; Data de Registro: 16/05/2018)
Destarte, ausente um dos requisitos do artigo 300, caput do Código de Processo
Civil, INDEFIRO A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA.” (fls.1573/1574)

2. A infração tributária versa sobre creditamento indevido de ICMS proveniente


de documento reputado como inidôneo pelo fisco, em razão da
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declaração de inidoneidade do fornecedor, in verbis:


I - INFRAÇÕES RELATIVAS AO CRÉDITO DO IMPOSTO:
1. Creditou-se indevidamente do ICMS no montante de R$ 199.484,82 (cento e noventa e
nove mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), no período de
setembro/2011 a julho/2012, por ter escriturado nos seus livros Registro de Entradas (fls.
90 a 107) os documentos fiscais, relativos à entrada de mercadorias no seu
estabelecimento, relacionados no Anexo I (fls. 08) e juntados às fls. 09 a 89, de emissão
atribuída a CENTAURO -
FERRO E AÇO LTDA, CNPJ 05.276.376/0001-47, totalizando operações no montante de
R$ 1.108.249,00 (um milhão, cento e oito mil e duzentos e quarenta e nove reais), sendo
que tais documentos não atendem às condições previstas nos itens 3 e 4, do §1º, do artigo
59, do RICMS/00, uma vez que foi constatada a inexistência do estabelecimento que
supostamente os emitiu, conforme se comprova pelas cópias dos documentos que compõem
o Procedimento Administrativo de Constatação de Nulidade de Inscrição - PCN (fls. 108 a
131) e demais documentos juntados. Regularmente notificado (fls. 132 a 134) a prestar
esclarecimentos acerca das referidas operações, o contribuinte apresentou os documentos
de fls. 135 a 470.
INFRINGÊNCIA: Arts. 61, arts. 59, §1°, item 3, art. 59, §1°, item 4, do RICMS (Dec.
45.490/00).
CAPITULAÇÃO DA MULTA: Art. 85, inc. II, alínea "c" c/c §§ 1°, 9° e 10, da Lei
6.374/89.” (fl.34)

Realmente, a jurisprudência dominante não mais admite a responsabilização do


comprador que, de boa-fé, tenha efetivamente adquirido a mercadoria constante da nota
fiscal posteriormente declarada inidônea (REsp 1148444/MG, relatado pelo Ministro
LUIZ FUX, publicado em 14.4.10 e Súmula nº 509 do Superior Tribunal de Justiça).
Contudo, a boa-fé não pode ser presumida, devendo ser comprovado todos os
seguintes requisitos: i) ocorrência concreta da operação de compra e venda; ii)
publicação do ato declaratório de inidoneidade em data posterior à ocorrência dos
negócios jurídicos e iii) recebimento, transporte e pagamento das mercadorias ao
alienante.
A inscrição estadual da vendedora foi declarada nula, a partir de 18.3.2011,
devido à inexistência do estabelecimento ou da empresa e indicação de outros dados
cadastrais falsos (fls.157/161).
De fato, a agravante juntou ao processo cópias de cheques e extratos bancários
(fls.215/489), além de cópias do diário geral e de registro de entradas

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(fls.603/885).
Porém, em juízo provisório, é inviável, nesse momento processual, a correlação
das compensações bancárias com os documentos fiscais correspondentes, pois todos os
cheques foram emitidos em favor da própria autuada, e não da vendedora inidônea.
Logo, a documentação é insuficiente para a comprovação da transação comercial
Ausentes os requisitos legais, não há fundamento para a tutela de urgência,
mesmo que exista perigo de dano.

3. Por outro lado, a agravante conta com forte probabilidade de procedência em


relação ao pedido subsidiário.
Segundo entendimento do STF, a multa de natureza punitiva está limitada ao
percentual de 100% do valor do tributo sonegado:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL. NECESSIDADE DE PRELIMINAR
FUNDAMENTADA EM OUTROS PROCESSOS. MULTA PUNITIVA. 100% DO VALOR
DO TRIBUTO. CARÁTER PEDAGÓGICO. EFEITO CONFISCATÓRIO NÃO
CONFIGURADO. PRECEDENTES. (...)
O entendimento desta Corte é no sentido de que a abusividade da multa punitiva apenas
se revela naquelas arbitradas acima do montante de 100%(cem por cento) do valor do
tributo.
Agravo regimental a que se nega provimento”.
(AgRg no AgIn 851.038/SC, 1ª Turma, rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgado
em 10.2.2015).

No presente caso, o Demonstrativo de Débito Fiscal (fl.36) deixa claro que o


“valor básico da multa” (coluna 6) supera, e muito, o “valor original do tributo” (coluna
2), razão pela qual, ainda que aplicada a alíquota de 35%(coluna 10), a sanção extrapola
o valor total do tributo devido. Suspendo até sentença, portanto, a exigência da multa.

Destarte, pelo meu voto, dou provimento em parte ao recurso.

TERESA RAMOS MARQUES


RELATORA
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