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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000902770

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1006038-26.2021.8.26.0438, da Comarca de Penápolis, em que é apelante ANGÉLICA
FRANCISCA TROFINO (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado RECOVERY DO BRASIL
CONSULTORIA S.A.

ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo,


proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto
do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOVINO DE SYLOS


(Presidente sem voto), MAURO CONTI MACHADO E COUTINHO DE ARRUDA.

São Paulo, 25 de outubro de 2022.

MIGUEL PETRONI NETO


RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 38940
Apelação nº 1006038-26.2021.8.26.0438
Comarca de Penápolis
Apelante: ANGÉLICA FRANCISCA TROFINO
Apelada: RECOVERY DO BRASIL CONSULTORIA S.A.
Juiz de Direito: Dr. Paulo Victor Álvares Gonçalves

Ação declaratória c/c indenizatória - Contratos bancários - Pedido fundamentado na


alegação de prescrição dos débitos e indevida inscrição do nome da autora no portal
“SERASA Limpa Nome” - Portal que não implica em restrição creditícia, inexistindo
publicidade, mas sim possibilidade de renegociação da dívida - Prescrição que tem
como efeito tão-somente a impossibilidade de cobrança judicial, remanescendo a
obrigação - Manutenção do registro decorrente de exercício regular de direito da ré -
Dano moral inexistente - Ausência de negativação - Existência de mero aborrecimento,
incapaz de caracterizar lesão moral apta à indenização - Recurso não provido.

1:- Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito prescrito, cumulada com


indenização por dano moral decorrente da inscrição do nome da autora na plataforma SERASA
Limpa Nome. Adota-se o relatório da r. sentença, in verbis: “ANGÉLICA FRANCISCA TROFINO
propôs ação declaratória de inexistência por débito inserido na Serasa Limpa Nome c/c tutela de
urgência de natureza antecipativa e danos morais em face de RECOVERY DO BRASIL
CONSULTORIA S.A.. Narra que após receber uma ligação de cobrança de dívida não paga no
vencimento, foi orientada a realizar busca na plataforma “Serasa Limpa Nome”, quando constatou
a presença de débitos prescritos com proposta de acordo. Afirma que a anotação é ilícita. Defende
que no cadastro de dado de consumidores não pode conter informações negativas referentes a
dívida prescrita. Alega que os dados são utilizados para o cálculo de seu “score” de crédito. Requer
a inversão do ônus da prova. Pede o reconhecimento da prescrição dos débitos que constam do
sistema “Serasa Limpa Nome”, a exclusão de tais informações do sistema e a condenação da parte
requerida ao pagamento de indenização por danos morais. Juntou documentos (fls. 46/74). Foram
deferidos os benefícios da Justiça Gratuita e indeferido o pedido de tutela de urgência (fls. 86/87).
Citada (fls. 89), a ré apresentou contestação (fls. 91/107). Preliminarmente alega ilegitimidade
passiva e falta de interesse de agir pela prescrição e pela ausência de negativação. No mérito, alega
que não há ilicitude no cadastro. Afirma que não há negativação. Aduz que a prescrição não obsta
seu direito de crédito. Expõe que o “Serasa Limpa Nome” é uma plataforma de negociação de

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dívidas que não implica negativação. Impugna o pleito de indenização por danos morais e requer a
improcedência. Juntou documentos (fls. 108/176). Petição juntada por Fundo de Investimento em
Direitos Creditórios Não Padronizados NPL II (fls. 177/332). Houve réplica (fls. 335/355). Em fase
de especificação de provas, a parte autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide (fls. 359),
enquanto a parte requerida deixou o prazo transcorrer in albis (fls. 360). É, no que importa, o
relatório.”.

A r. sentença julgou improcedente a ação. Consta do dispositivo: “Ante o exposto,


JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo-se o feito com resolução de mérito (art. 487, I,
NCPC). Diante do princípio da causalidade e da sucumbência, condeno a parte requerente ao
pagamento das custas/despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre
o valor atualizado da causa pela tabela prática do TJSP, forte no artigo 85, § 2º, do NCPC,
considerando o grau de zelo do profissional; o lugar da prestação do serviço; a natureza e a
importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. A
execução da verba sucumbencial fica suspensa ante a gratuidade da justiça já deferida (art. 98, § 3º,
do CPC). Em caso de recurso de apelação, ciência à parte contrária para, querendo, apresentar
contrarrazões no prazo de 15 dias úteis (art. 1.010, §1º do CPC). Após, havendo recurso, subam os
autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com nossas homenagens e cautelas de
estilo. Publique-se e intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. Penápolis, 21 de fevereiro de 2022.”.

Apela a vencida, alegando que verificou a inscrição do seu nome na plataforma


“SERASA Limpa Nome” por conta de débitos prescritos, portanto inexigíveis e de impossível
cobrança, sendo certo que a referida inscrição gera abalo de crédito com a redução do seu “score”,
não tendo a ré não comprovado a higidez do débito inscrito, configurando-se dano moral e
solicitando o acolhimento do recurso com a procedência integral do pedido inicial (fls. 376/401).

O recurso foi processado e contrarrazoado (fls. 420/429).

É o relatório.

2:- Os documentos de fls. 124/143 comprovam que a autora celebrou contrato bancário
de abertura e manutenção de conta-corrente e cédula de crédito bancário para concessão de mútuo

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rotativo em conta-corrente, comumente chamado de cheque especial com o Banco Santander S.A..

O documento de fls. 166/169 demonstra que a autora foi notificada da iminência da


negativação do seu nome por conta de contratos de empréstimo e de cartão de crédito inadimplidos
com o cedente.

O documento de fls. 171 comprova a cessão de crédito à ré.

A jurisprudência da Corte Bandeirante vem concluindo que a inclusão do nome do


devedor no cadastro “SERASA Limpa Nome” não tem caráter de restrição creditícia, por não possuir
publicidade, o que afasta a possibilidade de configuração de dano moral:

“Apelação Ação declaratória de inexigibilidade de débito, cumulada com indenização


por danos morais Parcial procedência Dívida prescrita inscrita no portal Serasa
Limpa Nome Sentença que declarou a inexigibilidade do débito e condenou as rés ao
pagamento de indenização por danos morais Descabimento Cobrança feita no
âmbito extrajudicial, sem qualquer publicidade do ato Prescrição que impede apenas
o direito de ação não extinguindo a existência da dívida Persistência de dívida da
autora, ainda, perante a corré É lícita a cobrança extrajudicial de dívida natural,
desde que a exigência não seja realizada de forma abusiva Dano moral Insurgência
da demandante pleiteando sua majoração Pretensão Prejudicada Inocorrência de
dano moral Declaração de inexigibilidade, porém, mantida por ausência de
impugnação pela corré no presente recurso Respeito ao efeito devolutivo Sentença
parcialmente reformada Recurso da corré provido, restando prejudicado o da
autora.” (TJSP, Apelação Cível nº 1034945-69.2019.8.26.0506, Rel. Thiago de Siqueira,
14ª Câmara de Direito Privado, j. 17/11/2020).

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Dívida prescrita. Cadastro de dívida atrasada na


plataforma Serasa Limpa Nome, de acesso exclusivo do consumidor, para negociação de
dívidas. Inexistência de restrição desabonadora. Danos morais inexistentes.
Inadimplência confessada pelo autor. Dívida que não se extingue com a prescrição,
apenas não pode ser cobrada judicialmente. Condenação ao pagamento de indenização

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afastada. Recurso provido.” (TJSP, Apelação Cível nº 1001107-51.2020.8.26.0361, Rel.


Gilberto dos Santos, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 29/10/2020).

“Apelação. Ação declaratória de prescrição do débito cumulada com obrigação de fazer


e indenização por dano moral. Sentença de parcial procedência. Recurso do autor.
Danos morais. Inocorrência. Ausência de prova de negativação do nome da autora em
cadastros restritivos. Plataforma "Serasa Limpa Nome" que se trata de mero portal para
negociação da dívida. Não comprovado que as informações na plataforma tenham
influenciado na negativa de financiamento do autor. Fatos narrados na petição inicial
que constituem mero aborrecimento. Ausência de ato lesivo apto a causar
constrangimento de ordem moral. Sentença mantida, com majoração de honorários
advocatícios nesta fase recursal. Recurso desprovido.” (TJSP, Apelação Cível nº
1002229-62.2020.8.26.0438, Rel. Elói Estevão Troly, 15ª Câmara de Direito Privado, j.
20/10/2020).

Assim se dá porque a prescrição implica tão-somente na perda do direito instrumental (de


propositura da ação) para a cobrança judicial de débito inadimplido. Ou seja, não é vedada a
realização de cobrança extrajudicial, desde que não se configure a abusividade, como a realização de
cobranças constrangedoras.

Destarte, a manutenção do registro caracteriza-se como exercício regular de direito do


credor.

Ademais, como ensina Carlos Roberto Gonçalves (in Direito das Obrigações - Parte
Especial, livro 6, tomo II, Saraiva, 2002, pág. 92):

“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É
lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a
intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da
Constituição Federal, e que acarreta ao lesado, dor, sofrimento, tristeza, vexame e
humilhação”.

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O entendimento predominante é de que o ofendido demonstre que o ato tido como


causador do dano tenha alcançado a esfera daquilo que deixa de ser o razoável, aquilo que o homem
médio aceita como fato comum da sua vida, levando em conta ainda as suas qualidades, defeitos e
virtudes, tudo isso desde que fique demonstrada a culpa do ofensor e o prejuízo.

Sustenta a apelante que o dano moral é decorrente de cobrança indevida realizada pela
instituição financeira ré, consistente na subscrição do seu nome no portal “Serasa Limpa Nome”,
que, como já visto, não se traduz em restrição de crédito, mas plataforma de negociação para débitos
inadimplidos.

Todavia, não houve qualquer abalo de crédito, negativação perante os órgãos de registro
de devedores ou qualquer outra situação que se traduzisse em tristeza ou dor interna do autor (no
caso, a realização de cobranças vexatórias, que não foram demonstradas nos autos, muito embora
tenha sido facultado às partes a produção de outras provas além das documentais acostadas), mas
apenas o aborrecimento de ter de regularizar situação que lhe era inesperada.

A busca pela satisfação de direitos perante o Poder Judiciário é uma faculdade,


caracterizada pelo exercício do livre arbítrio e fato até corriqueiro nos dias atuais, que tem natureza
muito mais administrativa do que psíquica.

Os simples aborrecimentos do quotidiano não podem ensejar indenização por dano


moral, visto que fazem parte da vida e não trazem maiores consequências ao indivíduo. Caso se
considerasse que qualquer aborrecimento ou desentendimento ensejasse dano moral, assistiríamos a
uma banalização deste instituto e a vida em sociedade se tornaria inviável.

Desta forma, buscar solucionar um problema havido com relação à efetiva quitação de
dívida, de fato causou aborrecimento à apelante. No entanto, este aborrecimento não se caracteriza
como dano moral e, por esta razão, torna-se impossível a condenação do réu ao pagamento da
indenização. O que a apelante sofreu foi um mero aborrecimento, um contratempo não passível de
ser indenizado.

Questiona-se: Qual princípio moral da apelante foi violado? Qual projeção social este

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evento foi capaz de provocar que impediu sua convivência com os demais membros da sociedade?
Aborrecimentos decorrentes da celebração de contratos ou da prestação de serviços são, em geral,
comuns e suportáveis, fazendo parte das relações humanas. Como já dito, não podem simples
desentendimentos e aborrecimentos ensejarem o deferimento de indenização por dano moral. Tem-se
que, no caso em comento, não passou a recorrente por sofrimento moral.

Não tendo sido narrados outras circunstâncias e fatos relevantes, não houve a
caracterização da angústia, sofrimento e abalo psíquico a ensejar indenização extrapatrimonial.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Nos termos do § 11, do artigo 85, do Código de Processo Civil, ficam os honorários
advocatícios sucumbenciais majorados para 15% sobre o valor da causa atualizado, com a ressalva de
que tais verbas só poderão ser exigidas se houver comprovação de que a autora não mais reúne os
requisitos para a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do § 3º, do
artigo 98, do mesmo diploma legal.

MIGUEL PETRONI NETO


Relator

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