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ESTUDO DE CASO - 1 Objetivo: analisar a relação jurídica descrita no problema, bem

como, a diferença entre venire contra factum proprium e tu quoque .

José Pires alugou para Geralda, marchand iniciante, uma coleção herdada de seu pai,
alegadamente de Hugh Gardner, artista com certo reconhecimento, para que Geralda
expusesse em sua galeria de arte recém-aberta. Na verdade, José Pires não sabia de quem
era a autoria dos trabalhos, mas preferiu mentir. Nada se ajustou sobre os suportes das
telas e das esculturas, conquanto, no dia marcado, José Pires os tenha entregado a
Geralda juntamente com as telas e esculturas. Logo no início da exposição, para surpresa
de todos, um crítico aclamado reconheceu serem as obras não de Hugh Gardner, mas de
Sophie Hamsak, artista altamente celebrada e famosa. A exposição, então, lotou de
admiradores do trabalho de Hamsak. Finda a locação, José Pires reclamou de Geralda o
aluguel correspondente aos suportes e a diferença entre o valor da locação de uma coleção
de Gardner e uma coleção de Hamsak.

RESPOSTA:

Neste estudo de caso, temos uma situação que envolve questões jurídicas
relacionadas à locação de obras de arte e à falsa representação da autoria das
obras. Vamos analisar a relação jurídica descrita no problema e a diferença entre
venire contra factum proprium e tu quoque.

1. Relação Jurídica:
- Locador: José Pires
- Locatário: Geralda (marchand iniciante)
- Objeto do Contrato: Locação de uma coleção de obras de arte para exposição
em uma galeria de arte de Geralda.
- Alegação de José Pires: Ele afirmou falsamente que as obras eram do artista
Hugh Gardner, quando, na verdade, eram de Sophie Hamsak.

2. Venire Contra Factum Proprium:


- Venire contra factum proprium é um princípio jurídico que significa "vir contra o
próprio ato". Ele se refere a situações em que alguém age de maneira contraditória
em relação a um ato anterior, prejudicando outra parte. No caso, José Pires mentiu
sobre a autoria das obras, o que pode ser considerado um ato contraditório em
relação à sua ação de locar as obras para Geralda como se fossem de Hugh
Gardner. Isso pode ser relevante para determinar a responsabilidade de José Pires
na situação, seguindo a jurisprudencia, in verbis:.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO


MONITÓRIA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. ALEGAÇÃO PELA PARTE
DEMANDADA QUE HAVIA ANTERIORMENTE PROPOSTO DUAS
AÇÕES JUDICIAIS CONTRA A DEMANDANTE. IMPOSSIBILIDADE DE
INVOCAÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. VEDAÇÃO
DERIVADA DO "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". CONCREÇÃO
DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE COERÊNCIA DO
CONTRATANTE COM SEUS ATOS ANTERIORES. 1. Controvérsia em
torno da validade e eficácia da cláusula compromissória constante de
contrato de prestação de serviços de afretamento de embarcações para o
transporte fluvial de minério de ferro a granel, tendo a outra parte proposto,
anteriormente, ação cautelar de sustação de protesto referente às faturas
cobradas na presente ação monitória seguida de ação declaratória de
inexigibilidade da dívida. 2. Conduta contraditória da parte recorrida, que,
anteriormente, apesar da existência de cláusula compromissória, havia
proposto duas demandas conexas perante o Poder Judiciário. 3.
Impossibilidade desse contratante invocar a existência da cláusula arbitral,
requerendo a extinção de ação monitória proposta pela outra parte, com
fundamento no art. 485, VII, do CPC/2015. 4. Aplicação da 'teoria dos atos
próprios', como concreção do princípio da boa-fé objetiva, sintetizada
no brocardo latino 'venire contra factum proprium', segundo a qual
ninguém é lícito pretender fazer valer um direito em contradição com a
sua conduta anterior na mesma relação negocial. 5. Precedentes do
STJ. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(STJ - REsp: 1894715 MS 2019/0152051-6, Relator: Ministro PAULO DE


TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 17/11/2020, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2020)

A jurisprudência mencionada enfatiza o princípio da boa-fé objetiva e a proibição de


alguém agir em contradição com sua conduta anterior na mesma relação negocial,
conforme o "venire contra factum proprium". Esse princípio busca promover a
coerência e a honestidade nas relações contratuais, evitando que as partes ajam de
forma contraditória.

No caso de José Pires e Geralda, embora o contexto seja diferente, também pode
ser argumentado que a boa-fé objetiva desempenha um papel importante. José
Pires inicialmente alegou que a coleção era de Hugh Gardner, o que influenciou a
decisão de Geralda de alugá-la. No entanto, quando a verdadeira autoria foi
revelada, ele agiu de forma contraditória em relação às suas afirmações iniciais, o
que poderia ser considerado uma violação da boa-fé objetiva.

3. Tu Quoque:
- Tu quoque é um princípio que significa "você também". Trata-se de um
argumento em que uma pessoa acusa a outra de hipocrisia ou contradição,
alegando que ela faz o mesmo que está criticando. Neste caso, se Geralda tentasse
usar o argumento do "tu quoque", ela poderia alegar que José Pires também estava
agindo de forma contraditória ao reclamar dos suportes e do valor da locação, uma
vez que ele próprio agiu de maneira contraditória ao alegar falsamente a autoria das
obras de arte. No entanto, é importante notar que o argumento do "tu quoque" nem
sempre é um argumento legalmente válido,.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO -
BEM DADO EM TROCA PARA REVENDEDORA - OPERAÇÃO
INTERMEDIÁRIA SUPRIMIDA - AUTORIZAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA
ASSINADA AO TERCEIRO (ADQUIRENTE) - IMPOSSIBILIDADE DE
EXIGIR A TRANSFERÊNCIA DA REVENDEDORA - TU QUOQUE -
DEVER DE BOA-FÉ - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. - Da boa-fé
objetiva decorre o dever anexo de lealdade denominado "tu quoque",
segundo o qual um contratante, ao violar uma regra, não pode exigir o
cumprimento desta mesma regra pela parte contrária - É dever do vendedor
do veículo informar, em trinta dias, ao Órgão de Trânsito sobre a operação
(art. 134, do CTB), de modo a se livrar das responsabilidades sobre o bem.
Por sua vez, ao adquirente incumbe promover a transferência do bem, com
a expedição de novo documento, também em 30 dias, conforme disposto
no artigo 123, inciso I, c/c § 1º do CTB - Se o alienante do bem o repassa a
uma revendedora, deixando, porém, de promover a transferência para esta,
mas sim assinando, meses depois, a autorização de transferência do bem
diretamente para terceiro com quem essa negociou - suprimindo, assim, a
operação intermediária - torna-se impossível exigir a transferência do bem
para a referida revendedora, porquanto tal veículo não lhe pertence. Ao
anuir com o procedimento equivocado, o alienante em consonância com a
regra da boa-fé (tu quoque), não pode exigir a adoção do procedimento
correto, ignorado por ele anteriormente. (TJ-MG - AC: 10000200232296001
MG, Relator: Roberto Apolinário de Castro (JD Convocado), Data de
Julgamento: 24/11/2020, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 02/12/2020)

No caso da jurisprudência mencionada, destaca-se a importância da boa-fé


objetiva e do princípio "tu quoque", que significa que um contratante, ao violar
uma regra, não pode exigir o cumprimento dessa mesma regra pela parte
contrária. Isso enfatiza a necessidade de coerência e honestidade nas
relações contratuais.

No caso de José Pires e Geralda, embora a situação envolva a locação de uma


coleção de arte, argumenta-se que o princípio da boa-fé objetiva também é
relevante. José Pires inicialmente afirmou que a autoria das obras era de
Hugh Gardner, mas depois a verdadeira autoria foi revelada como Sophie
Hamsak. Isso poderia ser considerado uma violação da boa-fé objetiva, pois
ele agiu de forma contraditória em relação às informações iniciais fornecidas.

4. Resolução do caso:

No caso de José Pires, ele inicialmente afirmou que as obras eram de Hugh
Gardner, o que influenciou a decisão de Geralda de alugá-las. No entanto, quando a
verdadeira autoria foi revelada, ele não pode agora exigir o pagamento com base na
diferença de valor entre as duas coleções, uma vez que agiu em contradição com
suas próprias afirmações iniciais. Isso se enquadra na aplicação do "venire contra
factum proprium" e do princípio da boa-fé objetiva.

Portanto, com base na jurisprudência e nos princípios legais, conclui-se que José
Pires não teria direito de exigir o pagamento adicional com base na diferença de
valor entre as coleções de arte. Ele agiu de forma contraditória em relação às
informações iniciais que forneceu a Geralda.

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