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Documento de Apoio de Brinco Físico

Professor Rui Fernandes


Índice

1- Introdução

2- O Poder do Jogo

3- Domínio Físico

3.1- Capacidades Coordenação


3.2- Capacidades Condicionais
Resistência
Velocidade
Força
Flexibilidade

4- Domínio Técnico

5- Domínio Táctico

6- Domínio Psicológico
1. INTRODUÇÃO

Esta formação é dirigida a pessoas que, de variadas formas, estão implicadas


no processo de formação de crianças e jovens, embora o seu destinatário mais
evidente seja o grupo de professores. Deste modo, acima de tudo aquilo que
aqui se propõe, incentivamos à criação de um contexto onde deverá reinar a
divulgação de princípios, valores e conceitos próprios de uma prática tão
especial quanto é a de educar crianças e jovens.

Fazer de cada momento de contacto com a criança uma experiência positiva e


da experiência positiva um momento único deverá ser o propósito do trabalho
com crianças e jovens. Deste modo, todo o conjunto de tarefas que a seguir se
descreve foi pensado e é sugerido com base em informação que tem sido
obtida em seminários, acções de formação, artigos e livros que reflectem o
estado actual do conhecimento relativo à educação física e desportiva de
crianças e jovens. Assim, na parte final deste documento de apoio é
apresentada uma listagem de bibliografia que pode ser consultada no sentido
de aprofundar os conhecimentos sobre algumas das capacidades motoras e
sugestões de actividades aqui apresentadas.

Este conjunto de tarefas corresponde apenas a uma etapa inicial do processo


de formação desportiva (processo a longo prazo) que, pelas suas
características e objectivos, exige um tipo de organização, conteúdos, meios e
métodos específicos.

São estes os princípios que deverão nortear sempre a nossa acção:

- contribuir para a formação dos jovens em todas as suas facetas;

- desenvolver o gosto e o hábito da prática desportiva regular;

- incutir o prazer de praticar desporto e de o praticar com outros;


- criar hábitos de actividade física e desportiva saudáveis;

- promover o desenvolvimento físico geral da criança, de uma forma equilibrada


e harmoniosa;

- treinar prioritariamente as capacidades coordenativas e desenvolver as


restantes capacidades motoras de base de acordo com os limites impostos
pelo estado de maturação do praticante (potenciá-las, sobretudo, a partir do
seu suporte coordenativo);

- garantir a aprendizagem e o aperfeiçoamento das habilidades básicas.


2. O PODER DO JOGO

Apesar dos requisitos e objectivos pretendidos em cada etapa serem distintos,


os exercícios devem ser sempre divertidos, proporcionando às crianças e
jovens a aquisição dos objectivos preconizados
para esse momento, bem como a consolidação de
outros atingidos anteriormente e a preparação dos
alicerces para a consecução de objectivos futuros.
Este projecto exige muita paciência e um trabalho
predominantemente em volume.

Dada a essência lúdica das crianças, os jogos devem ocupar sempre um lugar
de destaque. Devemos, portanto, organizar as actividades sob a forma de jogo
onde, mais do que o resultado, valorizamos aquilo que a actividade estimula, a
participação e aquilo que é aprendido pelos alunos. Os jogos poderão ser
criados e organizados sob múltiplas formas de acordo com aquilo que se
pretende. Deste modo, promovem a formação geral e multilateral, a
estruturação dos pressupostos coordenativos e orgânico-musculares da
prestação desportiva a médio e longo prazo e a diversificação e aumento das
oportunidades de sucesso.

Todas as actividades aqui propostas foram concebidas sob a forma de jogo,


independentemente do tipo de organização escolhida (individual, pares, grupo,
estafetas, circuitos e jogos propriamente ditos). Além disso, são
simultaneamente longitudinais e transversais, na medida em que estimulam e
facilitam a aprendizagem daquilo que propomos para uma determinada
capacidade ou habilidade, mas também daquilo que servirá de suporte para
outras capacidades ou habilidades. Assumem, portanto, uma relação holística,
com múltiplas interdependências, e só desta forma poderão ser entendidas e
utilizadas com determinado propósito. A interdependência das capacidades e
habilidades motoras (as condicionais entre elas; as coordenativas entre elas;
as condicionais e coordenativas entre elas; as habilidades entre elas; as
habilidades com as capacidades motoras, ou seja, coordenativas e
condicionais) é evidente e nunca deve ser esquecida ao longo do processo.
Exige ser sempre pensada sob uma forma peculiar, ou seja, de que modo os
estímulos que estamos a propor actuarão de uma forma coordenada para
originar aquilo que pretendemos no presente, num futuro próximo e num mais
afastado.

No entanto, no sentido de facilitar a organização deste dossier, as actividades


foram distribuídas por grupos de capacidades. É, contudo, possível e
aconselhável usar determinados exercícios descritos para estimular uma
determinada capacidade ou habilidade para estimular outra.

Na descrição das actividades também não ref erimos idades, uma vez que será
tarefa do professor avaliar a disponibilidade motora e grau de prontidão
desportiva do aluno. Nas variadas situações de trabalho (individual, pares,
grupo, estafetas, circuitos e jogos) são propostos exercícios de diferentes graus
de dificuldade. Cabe ao professor analisar (ver
conselhos nas variantes destes exercícios)
qual o melhor se ajusta à turma e a cada
aluno.

Ficam, no entanto, algumas sugestões, que


poderão auxiliar na escolha do exercício e na
determinação da quantidade e qualidade de
estímulos a propor.
3. DOMÍNIO FÍSICO

Muitas vezes, a criança é considerada um adulto em ponto pequeno. No


entanto, são evidentes e quantificáveis as diferenças morfo-funcionais entre a
criança e o adulto. Em ambiente desportivo este assunto exige uma atenção
especial, nomeadamente, pelas repercussões que poderá ter na criança ao
nível da sua saúde física e mental.

O desenvolvimento e o crescimento são acompanhados de modificações


fisiológicas em relação à capacidade de resposta ao esforço. Nas primeiras
idades os processos anabólicos, exigentes em necessidades energéticas,
predominam em relação aos processos catabólicos. Isto induz à consideração
de que o organismo necessita, durante a fase de crescimento, de uma maior
quantidade de energia para crescer e se desenvolver. Assim, as actividade
físicas muito intensas e energeticamente exigentes são prejudiciais. No
entanto, a actividade física regular, moderada e com os estímulos adequados à
prontidão desportiva, maturacional e mental do jovem, é benéfica e essencial.

Os jovens são anatómica, fisiológica e psicologicamente imaturos. A nossa


função de educadores é a de encontrar o equilíbrio adequado entre os factores
gerais e específicos da carga, projectando-os ao longo dos anos e na
necessária progressão qualitativa e quantitativa de carga.

3.1 CAPACIDADES COORDENATIVAS

Todo o desenvolvimento das capacidades


coordenativas depende não só dos processos de
maturação biológicos, mas também da quantidade e
qualidade da actividade motora e ainda de outros
factores de actividade social (ou seja, de uma
multiplicidade de estímulos externos).

O desenvolvimento das capacidades coordenativas é caracterizado por uma


fase de desenvolvimento acentuado nas idades da escolaridade básica (6/7
anos aos 12/13 anos), consequência da maturação acelerada do sistema
nervoso central e dos analisadores, em ligação com uma relativamente intensa
estimulação dos mesmos, através da manifesta vivacidade e mobilidade
característica das crianças nestas idades. De facto, há uma plasticidade do
sistema nervoso central, sensível e disponível de uma forma plástica para a
sua estruturação.

Assim, nestas idades são activadas determinadas estruturas que regulam,


futuramente, a prestação do aluno. Há, pois, que estimular todas as
capacidades responsáveis pela actividade motora de forma a que nenhuma
fique passiva.

A criança (6 aos 10 anos de idade) encontra-se numa idade favorável para a


aprendizagem motora, com prioridade para as capacidades coordenativas e
aquisição de habilidades sem grande complexidade e exigência coordenativa.
É-lhe, no entanto, muito difícil executar uma habilidade técnica com elevado
controlo e precisão. Não é só fundamental um controlo neuro-motor para a
realizar, mas também um controlo energético-funcional.

Como consequência, é aconselhável a que se implemente, nestas idades, uma


abundante e variada gama de exercícios, de modo a que as crianças atinjam
uma capacidade de rendimento coordenativo generalizado. São as
capacidades coordenativas que permitirão à criança identificar a posição do
corpo, ou segmento corporal, em relação ao espaço, executar correctamente a
sincronização espaço temporal dos movimentos, reagir prontamente a um
estímulo e ter precisão no movimento.

Este tipo de capacidades são pressupostos da aprendizagem do movimento


económico e harmonioso e não qualidades do movimento no seu sentido lato.
Ou seja, as capacidades coordenativas devem ser enquadradas num propósito,
pois não têm valor intrínseco. Não faz sentido falar de coordenação sem força
ou do ritmo de um movimento sem o referenciar à velocidade ou à resistência.
Não faz sentido, igualmente, referirmo-nos ao passe ou à manchete em
voleibol (ou a qualquer outro gesto técnico ou procedimento técnico-táctico de
outra modalidade) sem os referenciar à leitura de trajectórias de bola, à
antecipação, à reacção, à orientação espacial, etc. Daí que as habilidades
gestuais se constituam, também, como aspecto central da exercitação
coordenativa apresentando um duplo papel: são simultaneamente objecto e
conteúdo da exercitação. Referimo-nos, especificamente, à complementaridade
entre as capacidades coordenativas e as condicionais e, destas, com as
habilidades motoras e, mais do que isso, com os domínios técnico-táctico e
psicológico.

3.2 CAPACIDADES CONDICIONAIS

Na faixa etária correspondente ao ensino básico, os ganhos nestas


capacidades devem ser sempre resultado de um trabalho relativo ao seu
suporte coordenativo e não tanto ao nível da componente condicional das
mesmas.

Resistência

Relativamente às capacidade aeróbia e


anaeróbia, nomeadamente à sua
treinabilidade em crianças e jovens, os
resultados não são coincidentes para ambas
as capacidades. De facto, regra geral, no
capítulo do desempenho aeróbio, as
conclusões têm-se mostrado idênticas às do
treino com adultos. O mesmo já não se pode dizer ao nível do desempenho
anaeróbio, sobre o qual recaem grandes dúvidas e contradições.
Para vários autores, o consumo máximo de oxigénio constitui um bom
indicador da condição física geral. Reflecte um bom funcionamento dos
factores centrais e periféricos da cadeia de consumo de oxigénio,
nomeadamente: a captação (ventilação), a fixação (trocas alvéolo-capilares), o
transporte (sistema cardiovascular) e a utilização (músculo).

O tecido muscular esquelético não é um factor limitativo (o VO2máx. é relativo,


ou seja, quanto menor for o músculo, menos oxigénio é utilizado por ele).
Restam, então, o consumo máximo de oxigénio (relacionado com a captação,
fixação à hemoglobina, transporte e utilização de oxigénio por unidade de
tempo, num esforço máximo), o limiar láctico (capacidade para manter uma
elevada intensidade de trabalho maioritariamente aeróbio, sem acumulação de
lactato) e a economia de movimento. Assim, é legítimo referir que os órgãos e
sistemas da criança se adaptam relativamente bem a cargas aeróbias.

No que concerne ao desempenho anaeróbio no jovem, são vários os autores


que acreditam estar mais relacionado com variáveis morfológicas – factores
musculares quantitativos e qualitativos. Questionando-se a sua necessidade de
desenvolvimento específico em idades mais jovens.

Nestas idades devemos, então, privilegiar o desenvolvimento da resistência de


média e longa duração através de meios e métodos adequados a esta
população (exercícios divertidos). Assim, aconselha-se a utilização de jogos de
corrida, corridas com alternância de ritmo (a corrida é o meio privilegiado para
se criarem adaptações no organismo), passeios de bicicleta, jogos pré-
desportivos (poucas e curtas pausas, regras muito simples e pouco exigentes a
nível coordenativo). A carga poderá ser estruturada segundo o método de
duração e/ou por intervalos (3 ou 4 vezes por semana, durante 8’/10’). Deve-
se, no entanto, ter o cuidado de evitar a criação de rotinas, de outro modo não
será possível o surgimento de novas adaptações.

Durante a puberdade verifica-se uma multiplicação das enzimas-chave do


metabolismo anaeróbio e a partir daí poderemos enfatizar o desenvolvimento
da capacidade anaeróbia através de, por exemplo, um treino intervalado
extensivo.

Velocidade

O trabalho com crianças deve incluir sempre exercícios que permitam o


desenvolvimento desta capacidade. No entanto, devemos ter um cuidado
especial com as estratégias que escolhemos para a estimular.

O nível de prestação da velocidade é determinado pela capacidade contráctil


genótipica do músculo (número de fibras rápidas), pela coordenação contráctil
entre fibras, pelos sistemas de elaboração de informação e pelos sistemas
energéticos.

Todos estes aspectos podem ser melhorados, quer pelos níveis de crescimento
e desenvolvimento, quer pela prática sistemática.

Deste modo, as fases mais favoráveis para o desenvolvimento desta


capacidade estão dispersas em períodos diversos, durante a idade pré-escolar,
pré-pubertária e pubertária, consoante o timming de desenvolvimento mais
acentuado de cada uma das formas de suporte desta capacidade
(componentes).

Estudos revelam que o estímulo óptimo para o desenvolvimento da velocidade


nas idades pré-escolar e pré-pubertária está relacionado com o seu suporte
coordenativo. Por isso, defende-se que nestas idades se realizem muitos
exercícios que incluam equilíbrio, mudanças de ritmo e de direcção, rotações
para ambos os lados, entre outros.

De acordo com a literatura existem quatro pré-requisitos fundamentais para o


desenvolvimento da velocidade:

- movimento acíclico; privilegiar numa primeira fase, onde se deve desenvolver


um tipo de programas chamados “temporais” que têm como objectivo diminuir o
tempo de apoio/contacto com o solo durante a fase de arranque. Desta forma,
pretende-se aumentar o impulso e a frequência da passada (velocidade de
execução) e diminuir o tempo de reacção (velocidade de reacção). Para tal,
devem privilegiar-se exercícios que incluam reacções a estímulos simples e
complexos, partindo de diferentes posições e locais, utilizando jogos lúdicos
e/ou competitivos. Estes programas não interferem na força propriamente dita e
pretendem, sobretudo, o desenvolvimento da agilidade e poderão também ser
utilizados, em idades mais avançadas, para o desenvolvimento do movimento
cíclico.

- frequência do movimento; trata-se de um elemento que ganha importância em


todas as formas cíclicas de expressão da velocidade. Também neste pré-
requisito, crianças de 6 anos conseguem o mesmo valor de frequência de
movimento de jovens com 17 anos e até mais velhos.

- velocidade cíclica em sprints; estudos revelam que entre os 7/10 anos há uma
melhoria de 10%, nos 9/11 anos de 6% e nos 11/14 anos de 5%, onde já há
ganhos de força.

- capacidade cíclica; capacidade para manter a máxima velocidade num breve


espaço de tempo e distâncias curtas, embora com pausas de recuperação
maiores.

Estes dois últimos pré-requisitos devem ser privilegiados durante a puberdade,


uma vez que se verifica um aumento acelerado do volume muscular e da
capacidade de metabolismo anaeróbio que permite não só o desenvolvimento
da força máxima mas também o da resistência de força. Estas condições
produzem uma mudança radical no treino da velocidade – acentuação no treino
da velocidade de resistência.
Força

Estudos revelam que a força é um complexo de quatro


componentes: máxima; veloz; reacção e resistente.
Todas dependem do limiar da força máxima (que tem
um desenvolvimento acentuado apenas na puberdade
pelo aumento do tecido muscular, em volume e número,
da irrigação, das vias nervosas, das reservas energéticas e da elasticidade).

No entanto, a força está implícita nos movimentos desportivos não só sob a


sua componente máxima, mas também ao nível da velocidade, resistência e
coordenação. Assim, as crianças poderão desenvolver a força à custa destas
componentes, sobretudo da coordenativa.

Os hábitos de vida actuais dão origem a uma falta de exercício físico da qual
resulta a fraqueza muscular (músculos com aparato postural fraco). Por isso,
sob o ponto de vista prático da formação, deve existir um programa de
desenvolvimento do tónus muscular com o objectivo de fortalecer os músculos
para apoio do esqueleto e de os preparar para aplicação de cargas futuras.

Assim, poder-se-á trabalhar a força sob a forma de resistência ou de


velocidade. No entanto, a força de velocidade (desenvolvimento acentuado
entre os 6 e 9 anos) é a mais importante no treino de crianças porque não
depende tanto da força máxima. Assim, deverá ser trabalhada isoladamente ou
agrupada num circuito onde se incluirão exercícios acíclicos e/ou cíclicos com
ou sem resistências internas ou externas (muito ligeiras), acelerações,
impulsos, rotações, entre outras. Ou seja, deve surgir em actividades em que
se privilegie sobretudo o desenvolvimento da agilidade.

A progressão da carga poderá ser conseguida pelo aumento da dificuldade de


execução dos exercícios propostos: velocidade de execução do movimento,
força de aplicação ou resistência, leitura da trajectória da bola, distância a
cobrir num determinado momento, altura ou longitude, regras do jogo.
Flexibilidade

O treino da flexibilidade é imprescindível em todas as etapas de formação


desportiva.

A expressão da flexibilidade é máxima nas idades escolares (particularidades a


nível muscular e ósseo, que não funcionam como “travão”), sendo todo o treino
precedente à puberdade importantíssimo para o trabalho futuro. No entanto,
estas condições favoráveis não devem permitir que a solicitação desta
capacidade e sua melhoria se faça à custa
precisamente da instabilidade articular.

O trabalho da flexibilidade pode surgir após o


aquecimento (nunca após actividades muito
intensas ou de fadiga muscular intensa),
devendo conter sempre uma componente
lúdica (individual ou em grupo, com ou sem
material).

O desenvolvimento da flexibilidade tem como objectivos fundamentais uma


maior eficiência dos movimentos que exigem amplitude, uma maior eficácia na
produção motora, melhor protecção dos elementos contrácteis, melhor postura,
maior capacidade de relaxamento muscular e redução do risco de lesões
musculares. No entanto, a flexibilidade apresenta factores condicionantes que
devem merecer uma atenção redobrada no trabalho com crianças: factores
ósteo-articulares, musculares, neuromusculares e enervação recíproca.

Os métodos para o desenvolvimento da flexibilidade com crianças são os


mesmos dos adultos, mas utilizados de forma lúdica: estáticos e dinâmicos,
passivos ou activos e o PNF (método de facilitação neuromuscular
proprioceptiva). Alguns autores sugerem a progressão de uma situação
estática para uma dinâmica. Outros referem que, como os ligamentos nas
crianças e jovens são muito frágeis, deveremos privilegiar os movimentos
dinâmicos (não muito bruscos) em vez de estiramentos estáticos.

Nas crianças, o trabalho de flexibilidade combinado com o de força permite


melhorar o tónus e a postura corporal, proporcionando equilíbrio muscular. No
entanto, há que ter muito cuidado ao nível da região do tronco, nomeadamente
na zona lombar.
4. DOMÍNIO TÉCNICO

Não pode ser exigida às crianças uma elevada eficiência (execução


tecnicamente perfeita), eficácia e adaptação das habilidades técnicas. As
crianças encontram-se numa fase de profundo desenvolvimento das
capacidades condicionais, coordenativas e cognitivas, sendo muito difícil uma
execução mecânica harmoniosa, dadas as limitações apresentadas ao nível da
referidas componentes.

O professor, quando confrontado com o processo de desenvolvimento técnico


dos alunos, deve ter a noção de que este é um trabalho a longo prazo,
progressivo e contínuo, que requer um amplo número de repetições (frequência
e número de contactos) com qualidade.

O trabalho técnico e as fases de aprendizagem motora

A técnica desportiva compreende a execução de uma habilidade motora que


possibilita a solução mais adequada à resposta desportiva específica do
movimento. Assim, os objectivos do trabalho que surgem desta interpretação
técnica compreendem:

- a aprendizagem de uma habilidade motora que forme a base da técnica


específica (posturas e gestos);

- a aquisição do grau de padronização técnica, que pode ser caracterizado pela


imagem biomecânica óptima. Este grau de padronização favorece ao máximo a
racionalidade, eficácia e economia da utilização da técnica desportiva (técnica
com bola);

- a estabilidade no processo (padronização) e o controlo da técnica.


Caracteriza a invariabilidade ou a constância relativa do comportamento,
mesmo se presente a variações das condições interna e externa. Momento
óptimo para uma aprendizagem táctica;
- a padronização virtuosa da técnica. Integração da técnica num sistema de
jogo;

- a capacidade de uma utilização variável da técnica de acordo com a situação


(adaptação).

Se aceitarmos estes cinco objectivos como princípios directivos do trabalho


técnico, a sistematização da organização e/ou do conteúdo do trabalho estarão
sempre adequados àquilo que se pretende em determinado momento.

No âmbito do trabalho com de crianças e, tendo em conta o processo de


aprendizagem motora, é de referir que nem todos os objectivos aqui sugeridos
podem ser concretizados nas primeiras etapas.

No processo de aquisição de novos padrões de movimento, são muitos os


autores que pretendem subdividir esse processo e, consequentemente,
denominar as respectivas fases. Apesar da terminologia relativa à designação
de cada uma das subdivisões ser distinta, os respectivos conteúdos são
basicamente comuns. Assim, da primeira para a última fase de aprendizagem
da técnica assiste-se a uma evolução progressiva do desenvolvimento dos
aspectos de controlo geral ao nível da coordenação dos movimentos que
compõem a técnica até à consolidação da coordenação fina acompanhada de
uma disponibilidade específica. É esta evolução (fases da aprendizagem
motora) que deverá servir de “roteiro geral” para os professores na realização
do seu planeamento, atendendo sempre ao facto de não ser totalmente
previsível.

A fase de desenvolvimento da coordenação grossa é considerada a primeira


fase do trabalho técnico. Esta etapa abrange o decurso da aprendizagem
desde a primeira aproximação de familiarização com o novo decurso de
movimento até ao estado em que o aluno já pode executar o movimento sob
condições favoráveis. É fundamental, nesta fase, a existência de dois
processos: a aquisição (confronto com o modelo de movimento) e a
familiarização (familiarização e adaptação ao modelo de movimento). É assim
que evolui a representação do movimento, proporcionando a edificação do
traço motor. Para tal, existe uma primeira tentativa da sua aplicação com
feedbacks e correcções e uma crescente especificação que vai da
coordenação grosseira até ao início da coordenação fina ou precisa da
habilidade. Subjaz ainda a codificação de um processo de aplicação, através
da repetição mental e/ou real e da consolidação em ambientes mais variáveis.

A fase de desenvolvimento da coordenação fina é a segunda fase do trabalho


técnico. Esta etapa visa o controlo automatizado da habilidade que se deve
caracterizar por um grau elevado de estabilidade, isto tanto para condições não
variáveis como variáveis.

A terceira fase será o domínio do movimento. Neste momento, as condições


que fazem parte da execução técnica vêm aliadas, implicando as mais diversas
e variáveis condições possíveis. Pretende-se, deste modo, que o aluno consiga
aplicar de forma eficaz o movimento em condições não habituais.

A possibilidade de dispor, com sucesso, a técnica em condições variáveis de


solução de problemas baseia-se em duas capacidades: a antecipação,
condicionada pela experiência, e a possibilidade de realizar qualquer habilidade
automatizada na presença de factores de distúrbio. Deste modo, a potenciação
das capacidades coordenativas deve ser desenvolvida à luz de um processo de
preparação integrado no trabalho das habilidades motoras.
5. DOMÍNIO TÁCTICO

No trabalho com jovens, o domínio táctico, tal como os outros domínios, tem
objectivos distintos. O seu grande objectivo será o de dar a conhecer a
estrutura base das acções específicas de uma ou mais modalidades
(desportivas ou pré-desportivas) e de a experimentar em situação de
competição.

Deste modo, desde o início, o treino da táctica deve ser uma parte
insubstituível no trabalho com crianças e englobar uma instrução prática e
teórica.

O conteúdo do treino da táctica nestas idades deve incluir:

- aprendizagem das regras;

- aprendizagem cognitiva e exercitação prática das situações básicas de


condução do jogo (em situações simplificadas);

- experimentar, em competição, todas as acções trabalhadas;

- antecipação e tomada de decisão;

- observação do adversário e dos colegas e análise das situações;

- comunicação verbal e motora.

Os jogos devem ser vistos não apenas como meio de desenvolvimento de


habilidades e capacidades, mas também de outras dimensões integradas na
formação do jovem, como é o caso das dimensões pessoal e social. Assim, a
promoção do desenvolvimento destas deverá estar presente no processo de
aprendizagem, logo desde os primeiros momentos.

No entanto, todos os componentes do jogo devem ser analisados de forma a


não prejudicar a aprendizagem, já que, para além de outras, se destacam
algumas particularidades específicas: aciclicidade técnica, uma vez que, as
inúmeras situações com que o aluno é confrontado são portadoras de
aleatoridade e imprevisibilidade. O aluno é permanentemente confrontado com
a necessidade de escolha ou tomada de decisão o que lhe exige uma enorme
concentração e assimilação, mas também a capacidade de tratamento de
informação. Além disso, é necessário que o aluno desenvolva uma atenção
distributiva (selecção de uns estímulos em detrimento de outros). Estas
exigências radicam no facto das habilidades técnicas nos jogos desportivos
colectivos serem, na sua maioria, abertas, o que significa que a habilidade é
executada num ambiente em constante mudança. Assim, um aluno, numa
situação de jogo, não só percepciona múltiplos estímulos, como também tem
que, entre todos, distinguir o essencial do não essencial, no menor tempo
possível.
6. DOMÍNIO PSICOLÓGICO

As razões que levam os jovens a criarem um estilo de vida saudável ou a


praticarem um desporto são de variada ordem. No entanto, as razões que os
mantêm nesse mesmo estilo de vida ou desporto têm a ver essencialmente
com a vivência de sucesso em todos os domínios implícitos nesse processo de
formação e, fundamentalmente, naqueles que a criança considera serem os
mais importantes. Este facto impõe a obrigatoriedade de conhecermos, antes
de mais, as necessidades de cada criança. Portanto, é-nos exigida uma
actuação dirigida à individualidade da criança, respeitando prioritariamente as
suas necessidades.

Para a criança, a pessoa que mais influi na sua maneira de pensar é o


professor, o que nos sugere um enorme caminho para intervenção nesta
matéria. Deste modo, não só podemos, como devemos articular a nossa escala
de valores com a da criança, proporcionando uma actividade honesta,
agradável e divertida, na qual as crianças possam mostrar realização pessoal
pelo facto de se tornarem melhores, e dando-lhes a possibilidade de aplicarem
os valores do espírito desportivo. Ou seja, ajudá-las a crescer.

É, pois, importante que o professor, tal como nos outros domínios, tenha uma
ideia clara dos valores segundo os quais vai dirigir a sua prática com crianças.
Para além disto, sugere-se que o professor hierarquize os seus valores. Este
facto permitir-lhe-á decidir de forma clara, consistente e coerente, perante uma
situação de conflito de valores, oferecendo uma prática honesta, serena e
afável.

As crianças são influenciadas para o cumprimento (ou não) destes valores,


pelos pais, amigos e professores, entre outros. Devemos proporcionar as
condições necessárias para que todos possam contribuir positivamente para o
mesmo fim. Assim, todos os intervenientes deverão ter oportunidade de
conhecer esta hierarquia de valores, bem como os objectivos pretendidos em
determinado momento de forma a conseguirmos atingir o objectivo final que é a
felicidade das crianças.

Tal como em todos os outros domínios, o professor tem que criar situações e
condições especiais na prática para conseguir atingir os objectivos pretendidos
a nível psicológico, que a seguir se enunciam:

- permitir que a criança se divirta;

- procurar situações que nos permitam conhecer muito bem a criança (ficha
individual, “jogos de conhecimento”, diálogo com o aluno, pais e amigos) de
modo a atender prioritariamente às suas necessidades e procurando o caminho
mais adequado para actuar;

- fazer com que a criança se sinta estimada, competente, responsável,


favorecendo a auto-estima (pela vivência de sucesso em variados domínios,
mas em quantidade razoável, ensinando-a também a saber encarar as
derrotas). Os jovens sentem que o seu valor depende muito daquilo que
conseguem realizar. Por isso, é importante redefinir o conceito de sucesso e
orientar os critérios de êxito no sentido dos valores apontados;

- os jovens são, constantemente, objecto de avaliação (vencer/perder;


competência/incompetência; mérito/demérito; sucesso/falha). Há que privilegiar
situações em que a criança vivencie o sucesso, embora devendo experimentar
também a derrota, pois só assim aprenderá a ultrapassá-la bem como a dar o
devido valor à vitória;

- definir, individualmente, os objectivos de desempenho. Os alunos aumentam


a sua auto-estima se centrarem mais a sua atenção nos objectivos de
desempenho do que nos resultados, porque estão de acordo com as suas
capacidades, favorecendo a cooperação e coesão entre os mesmos (ficha de
evolução onde a criança se compara consigo mesma);
- definir objectivos de desempenho realistas; como consequência os alunos
estão mais motivados intrinsecamente e vivem mais o sucesso dos outros,
reduzindo a ansiedade e obtendo muito mais prazer;

- colocar todas as suas qualidades ao dispor da turma, criando situações onde


os alunos no processo poderão desenvolver o espírito de coesão e união de
grupo dentro da própria turma e entre os restantes grupos escolares (música,
teatro, organização de torneios com regras e objectivos diferentes) da sua ou
de outras escolas.

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