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LD01PSIC01
Nota de autor:
O presente trabalho foi elaborado no âmbito da Unidade Curricular de Ética e
Deontologia coordenada pelos docentes João Pedro Oliveira (PhD) e Sérgio Carvalho
(PhD). A correspondência relativa a este artigo deverá ser dirigida a: Ana Mousinho,
Beatriz Leal, Elisabete Alexandre, Marcos Valente e Marta Borralho, alunos da Escola
de Psicologia e Ciências da Vida da Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias; Universidade Lusófona, Campo Grande 376, 1749-024; Lisboa 2021.
Correspondência email: anasofiamousinho@gmail.com,
beatrizlealtrabalho@gmail.com, elisabetefalexandre@gmail.com,
valentemarcos13@hotmail.com, martaborralho01@gmail.com
Resumo
Face ao nosso dilema ético “Até que ponto é a psicóloga obrigada a fornecer esta
informação, visto que já não está na instituição e já não segue o jovem?”, temos como
princípios gerais o princípio C e o princípio E e como princípios específicos o
consentimento informado e a privacidade e confidencialidade.
Efetivamente, o princípio C (Responsabilidade) é visto pelos psicólogos como a
consciência das consequências que o seu trabalho pode ter junto das pessoas, da
profissão ou até mesmo da própria sociedade no geral (Ordem Portuguesa dos
Psicólogos, 2016), ou seja, o psicólogo tem de ter consciência do seu trabalho. O
princípio E (Beneficência e Não-Maleficência), serve para auxiliar o seu cliente de
modo a que o mesmo consiga ajudar a promover os seus reais interesses sem prejudicar
ou causar qualquer dano ao mesmo (OPP, 2016), isto é, procura o bem do mesmo
(Beneficência) e evitar o dano (Não-Maleficência).
Segundo Beauchamp & Childress (2001) citado por Pinho Reis (2019), os
princípios de Beneficência e Não-Maleficência não têm sido frequentemente específicos
para estabelecer a presunção em favor dos tratamentos de manutenção da vida, ou seja,
tudo é feito para o interesse do doente. De facto, os mesmos autores defendem que
existem dois tipos de Beneficência, a beneficência positiva que ocorre quando um
profissional de saúde promove o bem enquanto agente moral e, por outro lado, pode ser
beneficência do tipo de utilidade, ou seja, os psicólogos como agentes morais calculam
os riscos em prol do bem do cliente. Assim, para Pinho Reis (2019), o princípio da
Não-Maleficência é visto como uma obrigação de não causar qualquer tipo de dano ou
até mesmo impedir qualquer ação que vá provocar a mesma. Para Lawrence (2007), de
Andrade, Almeida & Pinho-Reis (2017), o princípio da Beneficência e da
Não-Maleficência são vistos como uma equação, ou seja, a primeira parte do princípio
representa os benefícios enquanto que a segunda parte da mesma culmina nos riscos.
O princípio específico do consentimento informado, considerado por Pinto
(2013), é ato de cariz livre que compete tanto à aceitação como à recusa da terapêutica
ou da investigação a efetuar. Para OPP (2016), os psicólogos respeitam a autonomia e
autodeterminação das pessoas de modo a que possam estabelecer uma relação com os
profissionais, de forma a que os mesmos respeitem a sua dignidade e os seus direitos, ou
seja, um cliente ao assinar um consentimento informado sabe que toda a sua informação
será assegurada durante todo o procedimento.
Deste modo, e perante o nosso dilema, vamos focar no princípio específico da
privacidade e da confidencialidade que se encontra subdividido, sendo que vamos
realçar apenas os seguintes devido ao facto de serem aqueles que se enquadram mais no
dilema, a privacidade dos registos, na utilização posterior dos mesmos, na interrupção
ou conclusão da intervenção, autorização para divulgar a informação e na comunicação
de informação confidencial.
Perante o princípio específico da privacidade e da confidencialidade, sabemos
que, segundo a OPP (2016), os psicólogos têm a obrigação de assegurar a manutenção
da atividade e da confidencialidade de toda a informação que diz respeito ao cliente que
se encontra em intervenção.
Assim sendo, a privacidade dos registos é definida pela OPP (2016), pela recolha
e registo dos dados estritamente necessários do cliente. Face à utilização posterior dos
registos, o cliente vai ser informado sobre o tipo de utilização posterior bem como os
seus dados irão ser guardados à posteriori, a informação recolhida vai ser guardada de
forma a que o psicólogo consiga assegurar a privacidade e a confidencialidade da
mesma tendo em consideração a legislação em vigor.
Face à interrupção da informação confidencial, o psicólogo que se encontra a
efetuar a intervenção/avaliação do cliente deve assegurar sempre, e de qualquer modo, a
manutenção da privacidade do mesmo. Caso o psicólogo queira divulgar qualquer tipo
de informação sobre o seu cliente deve aguardar a autorização do mesmo ou então do
seu representante legal.
Perante este princípio específico da privacidade e da confidencialidade, a
comunicação de informação confidencial ocorre simplesmente quando é considerada
importante para a intervenção que se encontra a decorrer, sendo que o cliente é
informado desta partilha de dados, de modo que não ocorra uma quebra da
confidencialidade na relação profissional.
Quando existe um dilema ético que afeta a confidencialidade, este tem se ser
visto como único, ou seja, não é possível estabelecer regras fixas, pois não existem
dilema iguais, na maioria das vezes os profissionais recorrem ao código deontológico da
ordem dos psicólogos, que foi o que aconteceu no nosso dilema ético. As circunstâncias
de cada dilema específico, têm se ser analisada de acordo com as normas legais e éticas,
“(…) fazendo um balanço prudente da magnitude dos danos (maior ou menor) (…)”,
pois havendo dois deveres em conflito, irá resolver-se com uma violação de um dos
dois, em virtude do princípio que provocará o mal menor (Sánchez, 2007). Esta ideia
remete-nos para um princípio geral Beneficência e Não-Maleficência (Princípio E), que
está presente no nosso dilema ético, pois mesmo perante um dilema os psicólogos
devem agir de modo a ajudar o cliente, promovendo e protegendo sempre os seus
interesses, nunca agindo de forma a prejudicá-lo.
O artigo escolhido para nos ajudar a complementar o dilema ético referido pela
psicóloga entrevistada, apresenta grande relevância no que toca à informação relativa à
confidencialidade e sigilo profissional. Deixa claro que nem sempre é possível
estabelecer um protocolo de regras fixo, uma vez que cada caso é um caso, com
determinadas características que o diferenciam dos outros, daí a importância da
comunicação com o cliente dos limites e manutenção de confidencialidade durante o
consentimento informado.
Declaro ter lido e compreendido este documento, bem como as informações verbais
que me foram fornecidas. Desta forma, aceito participar neste estudo e permito a
utilização dos dados que de forma voluntária forneço, confiando em que apenas serão
utilizadas para este estudo e nas garantias de confidencialidade e anonimato que me são
dadas pelo/a investigador/a.
Em caso de desistência ou necessidade de esclarecimento de dúvidas, pode
contactar-nos através dos seguintes e-mails: anasofiamousinho@gmail.com;
beatrizlealtrabalho@gmail.com; elisabetefalexandre@gmail.com;
valentemarcos13@hotmail.com;
Data: __/___/_____
AF: Atualmente faço sobretudo prática privada por minha conta, pronto, sou
trabalhadora independente. Vou dar consultas a dois sítios diferentes, vou ao hospital
Soerad em Torres Vedras dois dias por semana, e vou a uma IPSS que existe em Mafra e
na Ericeira, noutros dias da semana. Vou um dia à Ericeira e outro dia a Mafra. Depois
também atendo pessoas online, acabei por registar e abrir na entidade reguladora da
saúde, nós que damos consultas online temos de nos credenciar como entidade
prestadora de saúde, apesar de não termos um sítio físico, e também dou consultas
online a partir de casa.
AF: Várias! Faz parte do dia-a-dia e essa reflexão nós temos sempre de a ter com as
pessoas, não é? Gostavam de ter alguns exemplos?
AF: Então, existem vários problemas éticos, que têm a ver com vários níveis da
intervenção. Por exemplo, no privado acontece muitas vezes as pessoas quererem
referenciar familiares, ou seja, nós acompanhamos uma pessoa e depois a pessoa tem
muita tendência, porque gostou ou porque se sentiu apoiada, depois de dizer “ah, eu
conheço…”. Pronto, nós aí temos de ser muito claros, explicar à pessoa que isso não
pode acontecer, não é? É um dos princípios éticos, exatamente pela imparcialidade.
Depois nós já ouvimos um lado da história e não garantimos essa imparcialidade.
Pronto, essa é uma das coisas que acontece frequentemente, é sempre difícil porque de
alguma forma as pessoas estão-nos a referenciar, não é? Mas depois temos de pensar, de
facto, no melhor interesse do paciente. Essa é uma das coisas que podem surgir.
Eu por acaso estive a pensar um bocadinho sobre isso, sobre o que já me surgiu e
outra das questões tem a ver quando percebemos que, apesar de já ter tido imensa
formação, já fiz formação pós-graduada em psicoterapia, depois também fiz em
psicogerontologia, vou sempre ao encontro do sítio onde estou a exercer e gosto sempre
de ir à procura das melhores práticas profissionais. E, portanto, em cuidados
continuados fiz psicogerontologia, psicoterapia fiz logo de início porque sempre quis
fazer clínica privada e só me fazia sentido isso, e depois fui fazendo formações
pequenas de acordo com os sítios onde estive. E, nalgumas circunstâncias, nós às vezes
recebemos as pessoas e, ainda há pouco tempo estava a pensar sobre isso…
Eu recebi uma jovem e ela vinha ao hospital Soerad, só que só podia vir uma vez
por mês. Esta é das coisas também mais frequentes no privado, as pessoas não terem
condições económicas para um acompanhamento dito sistematizado e recorrente. Nós
temos de fazer aqui o equilíbrio entre o melhor interesse do paciente, e às vezes também
referenciar serviços que tenham valores mais em conta ou gratuitos, mas sempre
explicando à pessoa que, se ela decidir ficar connosco, nós vamos ter limites na nossa
intervenção. Esta jovem, por exemplo, tinha um problema, uma perturbação obsessiva
compulsiva que, de todo, uma intervenção mensal vai ser a melhor resposta para ela. Ela
queria muito ficar, ainda que fosse uma vez por mês, porque a condição económica era
só o que permitia, e acabei por lhe dizer que não iria estar a prestar um bom serviço para
ela, ela ainda quis vir algumas vezes. Expliquei à mãe e depois acabámos por encontrar
próximo da faculdade dela, ela entretanto foi estudar para a faculdade, o que é que havia
de serviço que fosse mais benéfico para ela e também de acompanhamento psiquiátrico,
porque nesta perturbação tem de se ter sempre a parte psicoterapêutica e psiquiátrica.
Portanto, nesse caso, por mais que a pessoa insista um bocadinho e porque também já
nos contou a história, já estabeleceu um vínculo, nós temos de pensar qual é o melhor
interesse da pessoa. Temos mesmo de pensar nisto, se há intervenções… eu tenho
pacientes que vêm de 15 em 15 dias, eu digo-lhes sempre, explico sempre que a
intervenção psicológica é uma questão ética. Ideal e onde apresenta melhores
resultados, é semanal, só que depois há a condição de vida das pessoas, não é? Temos
mesmo de explicar que pode haver limites e que o mais importante, de facto, é que, no
mínimo eles mantenham uma regularidade. Ou seja, se a pessoa não conseguir semanal,
conseguir vir de 15 em 15 dias, que é para ter um fio condutor entre a intervenção,
porque senão depois perde-se. Se passa mais tempo ou a pessoa vez 1 vez, depois vem 2
semanas, depois vem 3, às tantas acaba por ser…
AF: O trabalho terapêutico perde-se, não é? E aí temos de explicar muito bem os limites
na nossa intervenção. E que vai ser assim só um apoio psicológico, não vai ser se calhar,
por exemplo, como algumas pessoas precisariam, uma intervenção mais ao nível da
psicoterapia mais aprofundada, não vai ser possível, não é? E esse é um desafio imenso.
Há colegas que decidem que não acompanham, ou seja, dizem à pessoa que ou
se compromete com semanal (e eu já estive em várias formações e há colegas que dizem
isso) … eu não faço isso salvaguardando sempre à pessoa que acompanho os limites
que possam haver da intervenção. Porque eu não faço isso porque há pessoas que não
têm mesmo outra resposta e outra possibilidade. Por exemplo, no hospital Soerad, para
terem uma noção, tem acordo com n seguros, cartões, descontos, e eu percebo que as
pessoas de outra forma não teriam ajuda. Eu acho que, muitas vezes se houver aqui um
compromisso e se forem estabelecidos os objetivos da intervenção, consentimento
informado e um contrato terapêutico com a pessoa, que se consegue trabalhar de outra
forma. As pessoas não iam ter acesso, os centros de saúde não dão resposta, hospitais
não dão resposta, as pessoas precisam de ajuda. Este é um dilema que acaba por nos
expor, nós podíamos dizer “olha, não atendo, só atendo se se comprometer com
semanal”, mas ficaria muita gente de fora. Eu acho que se nós tentarmos aqui, pronto
isto é uma posição muito minha, há colegas que assumem que não atendem, pronto,
tudo bem, também percebo que sim. Claro que se eu tiver uma pessoa que vem
semanalmente, a evolução terapêutica, todo o processo é muito mais fácil para a pessoa,
mesmo para quem está a acompanhar, porque nós temos tudo muito mais sistematizado.
Dentro do ideal e daquilo que muitas vezes é a resposta, para terem noção, os
psicólogos do centro de saúde e do hospital, os poucos que existem, fazem intervenções
de 2 em 2 meses.
E: Ou com familiares.
E: Controlar?
AF: É, muitas vezes que com boas intenções, só que depois acabam por não as dar.
Depois eu fui ver o código, mas essa foi uma situação em que eu fiquei, “mas eu
tenho mesmo de dar?”, mas sim, nós temos de dar porque tem a ver com o melhor
interesse do paciente. Também pelas minhas notas eles iam perceber que não seria, na
minha opinião, apenas um homicídio qualificado e simples de uma pessoa que está
completamente bem; ele era uma pessoa que já tinha, se não era mesmo uma
esquizofrenia que eu acho que ele tem, seria uma psicose ou seria no decorrer dos
consumos das substâncias e, por isso, as notas acabam por ser interessantes. Mas
lembro-me que pedi à instituição que me mandasse o processo, porque eu já tinha saído
de lá, para ver que notas tinha feito, nós não podemos mudar nada do que está feito,
depois consultei a ordem, mandei um e-mail e tudo isso e disseram que sim, ia estar a
salvaguardar e era o melhor interesse para a pessoa. Mas é sempre uma dúvida, porque
também temos muito medo e, se alguma coisa que eu pudesse ter escrito não fosse…
como é que seria lido por outras pessoas.
AF: Não nos podemos esquecer que o próprio paciente pode pedir para ver as notas,
porque tem direito ao seu processo clínico. Raramente há pessoas que o pedem e,
normalmente, nós podemos dizer “sim senhor, eu mostro-lhe o processo, mas na minha
presença e explicando o que lá está”, exatamente por isto. Porque, de facto, a maneira
como está escrito pode não ser interpretado da mesma maneira. Eu percebi, apesar de
tudo, que as notas que eu lá tinha talvez fossem ajudá-lo mais do que propriamente
prejudicá-lo. Sinto que depois eu teria também de fazer, no âmbito do tribunal, uma
perícia forense, avaliação psicológica, psiquiátrica…
Também devo dizer que aquelas notas foram de 1 mês, a pessoa só lá esteve 1
mês, vale o que vale. Mas foi uma situação em que eu senti “ai meu deus, é a
informação que eu escrevi” e a responsabilidade disso. Sempre senti que as notas eram
muito importantes, mas naquele caso pensei… porque já tinha passado imenso tempo.
Normalmente acontece haver pedidos de tribunal quando estamos a acompanhar as
pessoas, pedimos autorização à pessoa. Outra coisa, eu tive de garantir que o paciente
deu autorização, não se esqueçam que o nosso compromisso é com o paciente. E como
foi o paciente a dar autorização e foi através dos advogados de defesa dele, também foi
nessa linha que eu autorizei, segundo os pareceres da Ordem. O que diz no código
deontológico é que nesses casos de tribunal é o interesse da pessoa, mas depois também
o interesse da sociedade, porque depois a pessoa está numa sociedade, embora nós
como psicólogos tenhamos um dever especial para com a pessoa, mas não nos podemos
desligar de estar numa sociedade.
Como dizia, já tinha noção que as notas eram muito importantes, mas nesse caso
foi de maneira ainda mais vincada. Porque acontece, os tribunais pedirem e nós
pedirmos autorização à pessoa, nós fazermos a informação e a informação vai, mas
ainda estamos a acompanhar a pessoa. Muitas vezes dizemos que está a evoluir,
metemos sempre numa perspetiva de trabalho. Quando é uma coisa que já fechou,
parece que ficamos assim um bocadinho mais…
É engraçado, para as notas eu normalmente faço um texto, mas havia uma que eu tinha
feito em esquema, e tudo isso foi assim como estava.
AF: Foi tudo em esquema, do género, fiz uma linha de vida e depois fui anotando de um
lado algumas coisas mais psicológicas ou da vivência dele e, do outro, aquilo que eram
os acontecimentos de vida, os pais divorciarem-se, qualquer coisa assim. Então aquilo
está tudo em esquema e foi assim. Depois são casos e casos, eu normalmente até
transcrevo, faço em texto depois aquilo que fiz. Mas naquele caso, deve ter sido porque
ele assinou para se ir embora passado um mês, depois aquilo já não se fez, mas a
informação estava lá. Pelo que me disseram, o importante era que estava lá, mas para
terem esta noção que nós temos de dar muita atenção às notas.