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Formação Inicial Psicólogo Júnior – Manual do Módulo 2

Formação Inicial Psicólogo Júnior


MANUAL DE APOIO PEDAGÓGICO

Módulo 2 “Ética e Deontologia Profissional do Psicólogo”

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Índice

Introdução ...................................................................................................................................................... 3

Conceitos de Ética, Deontologia e Psicologia ......................................................................................... 6

Código Deontológico e Código de Ética ............................................................................................. 11

Os Princípios Éticos da Psicologia ...................................................................................................... 14

Consciência Ética ................................................................................................................................... 21

A Emoção ................................................................................................................................................ 24

Inteligência Emocional e Julgamento Moral....................................................................................... 26

Intuições e Automatismos ..................................................................................................................... 28

O Juízo Moral e o Juízo Ético .............................................................................................................. 32

Raciocínio Ético ...................................................................................................................................... 35

Princípios Éticos e Deontológicos da Psicologia................................................................................... 38

Responsabilidade, Integridade, Beneficiência e não-maleficiência, Relações múltiplas ............ 38

Consentimento Informado ..................................................................................................................... 42

Respeito pela dignidade e direitos da pessoa ................................................................................... 44

Competência, Responsabilidade profissional, Responsabilidade na supervisão ........................ 47

Investigação ............................................................................................................................................ 50

Autonomia profissional, Conflitos de interesse .................................................................................. 52

Avaliação psicológica e Privacidade e confidencialidade ................................................................ 55

Intervenção a distância.......................................................................................................................... 57

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Introdução

No módulo 2 o tema centra-se no desenvolvimento de competências ao nível do raciocínio ético,


promovendo a capacidade do psicólogo em identificar dilemas éticos e na posterior capacidade de lhes
dar resposta. Como foi visto, existe uma proximidade muito grande entre a Ética e a Psicologia.

A Ética é a ciência da relação, visa essencialmente promover os melhores resultados possíveis nas
relações entre as pessoas. Já para a Psicologia, o instrumento de trabalho do psicólogo é essa mesma
relação. Existirá, portanto, uma cumplicidade muito grande entre o exercício da psicologia e o exercício
ético de uma profissão.

O grande objectivo passa por promover a identificação externa da Psicologia. É muito importante que as
pessoas saibam para que serve a Psicologia. Uma das grandes dificuldades que os psicólogos enfrentam
está relacionada com a sua própria identidade. Poderá mesmo indicar-se que a Psicologia é uma das
profissões em que os seus profissionais mais dificuldade têm em definir exactamente aquilo que fazem e
como fazem.

Neste módulo em concreto refletiu-se sobre os principais conceitos de ética e a importância da existência
de um código que regule o exercício da profissão de psicólogo.

A Psicologia visa promover o autoconhecimento da pessoa, partindo do pressuposto que quanto mais
soubermos sobre nós melhor lidamos com as dificuldades e vicissitudes da vida, aumentando os nossos
mecanismos de coping e a resiliência.

Apesar do objecto de estudo da Psicologia ser o Ser Humano enquanto ser complexo, movido por
emoções e pensamentos, é necessária uma análise à componente de relação com os outros para se
chegar à sua plenitude emocional e racional.

É neste campo que a ciência da ética se complementa à Psicologia - ao contribuir para definir aqueles que
deverão ser os melhores comportamentos da Pessoa enquanto ser que se relaciona e que condiciona os
outros.

É a necessidade da Pessoa em relacionar-se com os seus semelhantes que promove a pertinência da ética.
Desta forma, é adequado enfatizar que o que poderá distinguir um comportamento ético de um
comportamento não ético, será a compreensão do outro em todas as suas diferenças e especificidades.
Só assim, será possível aceitá-lo e respeitar as suas características particulares.

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Compreender o outro implica compreender as suas emoções e as suas reações, pelo que exige um
conhecimento profundo, só atingível através de uma relação de confiança bem estabelecida, entre outros
pressupostos técnicos.

É o desenvolvimento dessa capacidade que constrói a noção de raciocínio ético.

Numa relação, a compreensão do outro torna-se num princípio básico para que a mesma tenha sentido.
Se um psicólogo não for capaz de compreender o outro, como poderá assegurar-se da sua competência
em satisfazer, na medida do seu papel, as suas necessidades?

Atendendo a que quem recorre aos serviços de um psicólogo se encontra frequentemente numa posição
de maior vulnerabilidade, o papel deste último assume ainda maior relevância. Desta forma, a capacidade
de comunicação torna-se num pressuposto fundamental. Contudo, não se deve relegar que o psicólogo,
para exercer convenientemente a sua profissão, terá de ser capaz de identificar e compreender as suas
próprias emoções no sentido de melhor identificar os seus impulsos e lidar com eles.

Deste modo, o treino para reconhecer as suas verdadeiras motivações é central para promover o sucesso
na relação profissional. Sem um funcionamento equilibrado emocionalmente, o psicólogo correrá o risco
de estar muito mais centrado nas suas dificuldades emocionais, o que dificultará a compreensão do seu
cliente.

Compreende-se então a importância dos princípios éticos na promoção e manutenção dos valores
orientadores da prática profissional da Psicologia. Estes princípios serão a base da identidade da
profissão, uma resposta para as expectativas dos membros referentes aos objectivos da profissão e,
principalmente, uma credibilidade da profissão junto do público e da sociedade em geral.

Neste módulo pretende-se apresentar as noções éticas necessárias à assimilação do Código Deontológico
dos Psicólogos Portugueses, enfatizando a pertinência do Código e contribuindo para a resolução de
dilemas éticos que poderão surgir a partir do exercício da Psicologia.

O exercício da profissão de psicólogo deve ser orientado pelo rigor máximo que uma disciplina desta
natureza exige para que o objectivo principal, o de compreender o outro, seja cumprido criteriosamente.

Para tal, contribui a consciência crítica do próprio e a experiência que lhe ditará como agir perante os
casos que lhe surjam. Para dilemas éticos mais complexos o contributo de outros profissionais da área
torna-se fundamental. No entanto, uma formação de base de excelência, a nível ético e o conhecimento

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intrínseco do Código Deontológico que rege a profissão são as bases sólidas que qualquer psicólogo deve
ter e que tencionamos passar neste curso a si que está a iniciar a prática na área da Psicologia.

Agir eticamente é agir profissionalmente. O autor do curso afirma que nunca gostou da expressão “Vou
trabalhar de uma forma ética!!", porque considera que trabalhar de uma forma ética é trabalhar de
uma forma profissional.

Ganham, deste modo, as suas partes da relação: o cliente, pois tem um melhor psicólogo, e o psicólogo
pois terá maior sucesso profissional. É, deste modo, que se pretende que tenha encarado este curso:
como uma forma de o/a ajudar a ser melhor profissional.

Os princípios éticos são princípios puramente racionais. As pessoas são também seres emocionais. Logo,
os princípios são, na prática, inatingíveis. Podem apenas ser idealizados na sua aplicação. A ética é isso
mesmo – a ciência do ideal.

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Conceitos de Ética, Deontologia e Psicologia

O nosso primeiro passo deverá ser a definição de alguns conceitos uma vez que a Ética é uma ciência que
nos acompanha desde sempre sendo a ciência da relação, a relação é a base do nosso funcionamento. Por
isso mesmo, os conceitos da Ética são conceitos já do nosso senso comum.

Importa, pois encontrar algumas definições muito operacionais que nos permitem falar a mesma
linguagem. Depois vamos compreender e discutir os princípios éticos. Estes são a base da identidade da
Psicologia e, por isso, a base do funcionamento do psicólogo. Posteriormente vamos compreender a
forma como as pessoas tomam decisões. A tarefa do psicólogo é orientar o outro na tomada de decisões.
Então importa que ele tenha confiança na sua capacidade em fazê-lo e, para isso, é necessário que
compreenda quais são as bases da tomada de decisão.

Ética

Ética (do grego éthos) significa modo de ser ou carácter. Refere-se à pessoa na relação com o outro, já
que esse modo de ser ou carácter será direcionado e avaliado por terceiros.

No que diz respeito à Psicologia, a ética refere-se ao modo de ser na relação do psicólogo com o seu
cliente. Será, pois a Ciência da Relação; pretende promover melhores resultados na relação entre o
psicólogo e o cliente. É frequente dizer-se que o psicólogo enfrenta diversos dilemas éticos no exercício
da sua profissão. Tal implica uma situação que envolve um aparente conflito entre dois valores ou
princípios éticos. Para o resolver é necessário escolher uma solução.

Numa disciplina como a Psicologia, centrada na compreensão daquilo que é mais humano no Ser-
Humano, as soluções para os dilemas éticos deverão ser pensadas em função do interesse do cliente. Ou
seja, o critério que deve ser utilizado na resolução de um qualquer dilema ético, estará relacionado com a
especificidade de cada pessoa, tornando-se assim o cliente o centro do raciocínio ético.

A ética contempla duas dimensões: a promoção do bem individual e o sucesso relacional, tendo em conta
o bem das outras pessoas. Assim, o papel fulcral da ética é promover o melhor resultado nas relações
potenciando os resultados das relações interpessoais.

A ética é a ciência da relação. Pretende promover os melhores resultados possíveis na relação entre as
pessoas. Esta é a dimensão fundamental que eu gostaria que fosse retida sobre o conceito de ética – é
algo que nos ajuda a conseguir utilizar o nosso maior instrumento de trabalho.

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Psicologia: Relação como Instrumento de Trabalho

Independentemente da evolução sofrida, o objecto de estudo da Psicologia mantém-se inalterável ao


longo dos tempos: o Ser Humano enquanto ser complexo, movido por emoções e pensamentos, e por
isso um ser único e irrepetível. Mas, para aceder ao Ser Humano, na sua plenitude emocional e racional,
terá de se recorrer à sua componente relacional, pois a mera observação individual, mais ou menos
sistematizada, resulta como extremamente redutora.

É nesta perspectiva que surge a ética, área do saber que pretende contribuir para a definição dos
melhores comportamentos do Ser Humano, com vista ao melhor tipo de vida para as pessoas. Ora, a
actuação do indivíduo só se justifica ser equacionada deste modo porque condiciona os outros, porque
está relacionada com eles. Pode afirmar-se que a ética será a ciência da relação, complementar, por isso,
da Psicologia.

A Pessoa

Os termos Ser Humano, sujeito e indivíduo referem-se todos ao mesmo: a Pessoa.

Em latim, o termo persona significa máscara e refere-se à máscara que era utilizada na representação.
Esta máscara poderá ter um duplo significado (E.P.L. Nunes, 1998):

- Interacção: Representa a pessoa na interacção com os seus semelhantes, todos únicos e por isso
diferentes, com o desejo de identificar e viver o seu papel.

- Superficialidade: A colocação da máscara reveste o indivíduo de outra identidade, fruto da


superficialidade das relações muitas vezes vividas na sociedade actual.

Existem quatro perspectivas diferentes em que se pode abordar o termo Pessoa:

Perspectiva Biológica

Engelhardt (1998/1996) – faz a distinção entre Ser Humano, que considera numa perspectiva biológica, e
Pessoa, agente moral capaz de entrar em relação com o outro.

Renaud (1998) – defende que a pessoa inclui na sua própria definição uma abertura ao outro.

Hegel (1992/1807) – baseia-se na relação com o outro para que se possa ser reconhecido como Ser
Humano, logo como pessoa; defende o conceito de reconhecimento, pelo qual não será suficiente

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sermos reconhecidos como organismos biológicos mas sim como pessoas que se caracterizam pela
capacidade em exercer a autonomia.

Perspectiva Metafísica

Boécio - designou persona como uma substância individual de natureza racional.

Substância é qualquer coisa que existe, pelo que tem massa e ocupa espaço. Então, se a pessoa existe no
espaço, ela é substância.

Se é possível isolar duas substâncias exactamente iguais, como por exemplo, duas moléculas de água,
então elas não são verdadeiramente individuais. Já a pessoa é uma substância com vida, o que a torna
individual. Existe em si mesma, pertence a si mesma, e não a qualquer outro, subsiste por si já que tem a
sua homeostasia, sendo então um sujeito imediato da existência.

O que distingue a pessoa é a sua natureza racional. A racionalidade é o resultado de uma evolução natural
do Ser Humano, que o adapta ao meio em que vive.

Perspectiva Filosófica

Kirshc (1996/1993) – o que distingue a pessoa do animal é a sua natureza racional que torna possível o
mundo da cultura. Esta adquire-se através da aprendizagem, pelo que uma vez que ninguém nasce
ensinado, a racionalidade só se torna útil pelo contacto com os outros. Será então a natureza racional do
Homem, com a respectiva natureza relacional, que o caracteriza como pessoa.

Perspectiva Neurocientífica

Damásio (2010) – aproxima-se da noção de racionalidade ao defender que o que distingue o Ser Humano
é a sua consciência autobiográfica que se associa ao proto-eu e à consciência nuclear. Este eu
autobiográfico abrange as experiências passadas e expectativas futuras do indivíduo, bem como as suas
dimensões social e espiritual. Os dois elementos formam, em conjunto, o eu-material, que poderá
corresponder à substância individual de Boécio.

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Varela (2010) - relata a crença de Darwin que é o sentido moral do Ser Humano que o distingue dos
outros animais. Contudo, para Darwin, um ser moral é aquele capaz de comparar as suas acções ou
motivações passadas e futuras, e aprová-las ou desaprová-las. Darwin, assim, também está de acordo
com a definição de racionalidade como característica fundamental distintiva do Ser Humano.

Dignidade Humana

É a identificação entre a vontade e a razão, que torna o Ser Humano um ser inteiramente livre e
autónomo para escolher como agir. Ou seja, a pessoa, devido ao uso da sua razão, será um ser
incondicionalmente livre, com uma vontade autónoma que será o princípio supremo da moralidade, que
implica, por esse mesmo motivo, a sua relação com o outro, revestida de um valor inexorável que Kant
designa por dignidade.

Esta dignidade assenta então na racionalidade do Ser Humano já que é a partir desta sua característica
natural que deve exercer a sua vontade de forma a cumprir com a sua natureza: viver feliz.

O Ser Humano que não consegue exercer a sua racionalidade, não consegue viver autonomamente. Veja-
se o caso das crianças e dos deficientes mentais profundos que, se não forem ajudados, não conseguem
sobreviver sozinhos.

Tendo em consideração o papel das emoções, primárias e secundárias, nas tomadas de decisão, parte-se
do pressuposto que todos os seres humanos, que se assumem como organismos, são pessoas em sentido
social, e por isso sujeitos de dignidade intrínseca. Nesse caso, o psicólogo fica obrigado a respeitar de
igual modo todas as pessoas que sejam objecto da sua intervenção, independentemente da sua idade,
género, etnia, perturbação, ou qualquer outra característica considerada.

Depois de percebermos o que é a ética, o instrumento de trabalho da Psicologia, a pessoa e a dignidade


humana, são apresentados de seguida os conceitos de Código Deontológico e Código de Ética.

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Resumidamente…

Estivemos a dizer que aquilo que distingue a pessoa é a sua racionalidade. Ser racional é ser capaz de
tomar decisões baseadas na experiência pessoal, nas expectativas de cada um e nos desejos futuros
considerando a realidade envolvente. Se todos somos diferentes e temos experiências diferentes, então
ser racional implica fazer escolhas diferentes.

Ninguém melhor que o próprio poderá definir o que é melhor para si. Ser racional implica então ser
autónomo. A nossa natureza é fazer escolhas por nós próprios, escolhas únicas porque pessoais. Se uma
pessoa for impedida de fazer as suas escolhas, estará a ser impedida de viver de acordo com as suas
características, limitando-se na sua concretização pessoa. Diminui a possibilidade de se realizar, aumenta
a probabilidade de sofrer. Diz-se, pois, que estaremos a violar a sua dignidade. A dignidade será então o
reconhecimento da necessidade de autodeterminação da pessoa para a sua própria realização.

Se a Psicologia visa promover o autoconhecimento da pessoa para que esta possa tomar melhores
decisões para si própria, então poderá dizer-se que a Psicologia contribui decisivamente para promover o
respeito pela dignidade do ser humano.

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Código Deontológico e Código de Ética

Nenhuma profissão poderia ser regulada se não fossem claras as regras que presidem ao seu
exercício. Ao conjunto dessas regras determinou-se chamar deontologia profissional, ou seja, o
conhecimento das regras de uma profissão, o conjunto das obrigações que um profissional
deve cumprir no exercício da sua profissão. (Golser, 2001).

Uma das dificuldades para construir uma deontologia profissional para a Psicologia é encontrar uma
estrutura que permita englobar a diversidade de actuação dos seus profissionais. O código deontológico
tem como um dos seus objectivos isso mesmo: ajudar a estabelecer a actividade numa classe profissional
(Seitz & O’Neill, 1996). Então, o primeiro objectivo será construir esse código baseado na própria
deontologia profissional.

A verdade é que regras, por si só, se bem que úteis, não serão suficientes para resolver todos os dilemas
éticos que vão surgindo numa sociedade cada vez mais complexa e em constante mudança (Sinclair,
Norma & Pettifor, 1996). E é por isso mesmo que se defende que um código deontológico deve ser
baseado em princípios e valores e não apenas em regras. Daí o termo código de ética ser preferível ao
termo código deontológico, por abranger um carácter reflexivo e princípio lógico da ética.

Inicialmente, dada a precocidade da Psicologia como ciência, eram os psicólogos que regulamentavam
informalmente a sua classe. Já há muito tempo se discutia que este controlo informal não era suficiente.

Actualmente, a Psicologia já não é uma ciência nova e desconhecida, mas sim uma actividade com cada
vez maior impacto social. Assim, é necessário avançar no caminho de credibilização da profissão, sob
pena de comprometer o seu papel, prejudicando as pessoas.

Conforme defendem Canter, Bennett, Jones, e Nagy (1996) e Seitz e O’Neill (1996) um código de ética
deve funcionar como um instrumento educacional para os profissionais, traduzindo os melhores e mais
positivos comportamentos e valores inerentes ao trabalho do psicólogo.

Como conjunto de deveres, terá que, necessariamente, ter em consideração os seus objectivos que, em
última análise, passam pela promoção do bem-estar da pessoa, auxiliando-a na sua concretização pessoal.

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Como vimos anteriormente, se a ética é a ciência da relação, contribuindo para avaliar as interacções
humanas, então:

▪ o psicólogo deverá ter como imperativo desenvolver um esforço educativo profundo nesta área;

▪ o ensino da ética e da bioética deve ser tema obrigatório nos planos curriculares do ensino pré-
graduado em Psicologia.

É necessário promover a capacidade de reflexão ética dos profissionais através do treino de competências
ao nível do raciocínio ético.

Um código deve funcionar, essencialmente, como uma ferramenta educacional sobre comportamentos e
valores considerados importantes no ensino, na investigação e na prática profissional, pelo que o seu
estudo deve ser interpretado como uma prioridade. Caso contrário, os profissionais terão maiores
dificuldades em resolver conflitos entre os seus próprios princípios profissionais ou com os objectivos das
organizações onde desenvolvem o seu trabalho (Seitz e O’Neill, 1996).

A identificação e resolução de conflitos éticos tem particularidades que devem ser tidas em consideração
e por isso mesmo constituírem-se como objeto de formação por parte dos psicólogos.

O conhecimento do código, ainda assim, nunca será suficiente para garantir uma actuação adequada.
Cabe ao psicólogo ter consciência das suas próprias limitações e proceder a uma constante auto
monitorização.

Em muitas situações poderá ser necessário a consulta a outros profissionais, ou mesmo a comissões de
ética especializadas, mas nunca com o intuito de procurar alguma desresponsabilização em relação à
decisão a tomar. Uma prática adequada só será possível a partir de um raciocínio ético integrador de
todas estas dimensões, pelo que compete ao psicólogo desenvolver competências a esse nível.

Resumidamente…

Estivemos a ver a diferença entre ética e deontologia. Compreendemos que é a ética que deve orientar a
actividade profissional do psicólogo, uma vez que sendo este um profissional autónomo e independente,
que tem que actuar no aqui e agora, não pode funcionar a partir de regras pré-estabelecidas.

A ética dá-nos orientações, princípios… a deontologia dá-nos regras, definições. São por isso os princípios
que sustentam os artigos do Código Deontológico pelo que o grande objectivo do psicólogo é
compreender quais os princípios que orientam cada uma das regras definidas.

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O Código serve, essencialmente, para a jurisdição profissional e para que os clientes possam fazer uma
identificação mais clara daquilo que são os limites da profissão. Por isso mesmo o psicólogo tem vários
princípios para que os possa articular e compreender no sentido de melhor se orientar no seu exercício
profissional.

A intervenção judicial tem ainda lugar quando, atendendo à gravidade da situação de perigo, à especial
relação da criança ou do jovem com quem a provocou ou ao conhecimento de anterior incumprimento
reiterado de medida de promoção e proteção por quem deva prestar consentimento, o Ministério
Público, oficiosamente ou sob proposta da comissão, entenda, de forma justificada, que, no caso
concreto, não se mostra adequada a intervenção da comissão de proteção (Artigo 11º da LPCJP, nº 2).

Segundo o Artigo 35º da LPCJP, as entidades que intervêm para promoção dos direitos e protecção das
crianças e jovens em perigo podem aplicar dois tipos de medidas:
a) As medidas executadas em meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar,
confiança a pessoa idónea ou apoio para autonomia de vida);
b) As medidas executadas em regime de colocação (acolhimento familiar, acolhimento residencial ou
confiança a pessoa selecionada para adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à
adopção).

A medida de confiança a pessoa selecionada para adopção, a família de acolhimento ou a instituição com
vista à adopção, só pode ser aplicada judicialmente.

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Os Princípios Éticos da Psicologia


Neste tópico vamos ver os princípios que integram o Código Deontológico e Ético.

Existem várias teorias que se baseiam em princípios que se sustentam, como o próprio nome indica, em
mais do que um princípio. Estes princípios são derivados daquilo a que se pode denominar como moral
comum, ou seja, a moral compartilhada pelos membros de uma sociedade.

A moral comum integra os diferentes comportamentos humanos socialmente aprovados que vão sendo
interiorizados ao longo do desenvolvimento pessoal e que, tal como os direitos humanos básicos, são
critérios universais, porque centrados naquilo que Maritain (2001/1943) considera a lei natural.

A criação de um conjunto de princípios universais para o exercício da Psicologia, para além de estabelecer
uma identidade alargada da Psicologia, tem a vantagem de ajudar os profissionais a identificar e a
resolver dilemas éticos, dando resposta ao objectivo de desenvolvimento do raciocínio ético.
Por outro lado, impulsiona a que as associações nacionais ou regionais desenvolvam princípios de
actuação apropriados e adaptados à sua própria cultura. Foi essa a metodologia utilizada na Ordem dos
Psicólogos Portugueses para definir os seus Princípios Éticos. Partiu de um conjunto de Princípios
Universais e adaptou-os, através de um conjunto de estudos empíricos, à realidade Portuguesa.

Uma das referências utilizadas foram os quatro princípios propostos pela European Federation of
Psychologists Associations (EFPA):

▪ Respeito pela dignidade e direitos da pessoa

▪ Competência

▪ Responsabilidade

▪ Integridade

Está definido que os códigos de ética das associações membro da EFPA deverão ser orientados – e
seguramente não entrar em conflito – com estes princípios éticos (EFPA, 2005). Deste modo, formularam-
se os princípios éticos dos psicólogos portugueses em harmonia com os princípios propostos pela EFPA.

Com base nas suas definições, formulou-se uma asserção para cada um deles, dando relevância às suas
principais dimensões.

Assim, os princípios éticos dos psicólogos portugueses são os cinco seguintes:

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▪ Respeito pela dignidade e direitos da pessoa

▪ Competência

▪ Responsabilidade

▪ Integridade

▪ Beneficência e Não- maleficência

Contudo serão nove e não cinco as dimensões a ter conta. No tópico seguinte iremos abordar
detalhadamente estes princípios partindo da exemplificação de situações. Por agora, atentemos no
âmbito de cada uma.

1. Respeito pela Dignidade e Direitos da Pessoa

Este princípio inclui duas dimensões do exercício da Psicologia: o respeito pela dignidade e o respeito
pelos direitos, que corresponderá à noção de justiça.

Respeitar a dignidade será respeitar todas as decisões da pessoa desde que enquadradas num exercício
de racionalidade. Estas decisões não poderão, é claro, ser desenquadradas da realidade social que
envolve a pessoa e que condiciona todo o seu ser e o seu agir.

Este princípio geral corresponde então à obrigação do psicólogo em olhar para a pessoa como um ser
único, diferente de todos os outros, com vontades próprias que deverão, mais do que ser respeitadas, ser
promovidas, no contexto relacional característico da pessoa humana. Deste modo poderá afirmar-se que
este princípio obriga o psicólogo a respeitar a autonomia e autodeterminação do seu cliente, aceitando
de uma forma incondicional todas as suas opiniões, preferências, credos e todas as características
decorrentes da afirmação do seu carácter, desde que integradas num quadro de racionalidade e de
respeito pelo outro.

O psicólogo obriga-se então a tratar todas as pessoas a partir de uma igualdade desigual, considerando
uma perspectiva justa na promoção de condições que considerem as diferenças individuais de cada um, e
que, à partida, não coíbam determinadas pessoas de poderem atingir o mínimo essencial para uma igual
dignidade como seres humanos (Nunes & Rego, 2002).

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Será então impossível respeitar a dignidade e os direitos das pessoas sem promover uma actuação justa.
Não será por acaso que Rawls (1993/1971) aponta que as pessoas se distinguem a partir de duas
características fundamentais: possuem uma autoperceção do seu próprio bem, e são donos de um
sentido, ainda que mínimo, de justiça, sendo por isso todas consideradas, ontologicamente, como entes
morais e não apenas entes de razão.

Resulta do exposto que respeitar a pessoa como um todo nas suas decisões, bem como reconhecer os
seus direitos com vista a um tratamento digno e equitativo, corresponde aos objectivos fundamentais dos
princípios do respeito pela autonomia e do princípio da justiça, da forma como foi definido por Ricou
(2005).

2. Competência

Competência será o reconhecimento de que os psicólogos devem estar conscientes de que têm como
obrigação fundamental funcionar de acordo com o exigido pelas leis da arte, por existir um risco real
aumentado de prejudicar seriamente alguém quando prestarem um serviço para o qual não estão
convenientemente qualificados. Coloca-se, pois, uma grande ênfase na formação e na prática orientada,
bem como na constante actualização do profissional.

Uma actuação pouco competente levará a um dano potencial do cliente e a uma descredibilização do
profissional e da profissão, já que poderá levar ao questionamento da capacidade não só daquele
psicólogo, mas dos profissionais em geral. O profissional deverá então ter em atenção que quando
desempenha a sua actividade de uma forma menos competente estará a contribuir para o descrédito da
psicologia, para além, é claro, do prejuízo que o seu cliente poderá sofrer.

3. Responsabilidade

Ao princípio da responsabilidade correspondem três dimensões: responsabilidade individual,


responsabilidade profissional e responsabilidade social.

Sendo a Psicologia uma profissão de grande relevância social, o psicólogo, que obteve o poder da sua
formação técnica, fica responsável por proporcionar, dentro das suas possibilidades (dentro do seu
poder), a devolução da autonomia ao seu cliente.

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Desta forma, passa-se de uma definição que poderia corresponder ao termo anglo-saxónico
accountability – que numa tradução literal poderia ser “prestar contas” (Nunes, 2002), para um conceito
mais alargado que responsabiliza o psicólogo por ajudar todos aqueles que necessitem dos seus serviços
profissionais.

Esta definição poderia, se interpretada de um modo menos cuidado, confundir-se com algum
paternalismo, no sentido em que parece assumir que o profissional usufrui de um maior poder, o que o
tornaria responsável pelos seus clientes. Mas, tal facto será verdade para qualquer outra profissão ou
actividade. Cada pessoa, na sua área, e em função dos seus conhecimentos técnicos, beneficia da
capacidade, e por isso de maior poder, na aplicação dessas mesmas competências. Esta constatação não
pretende, por isso mesmo, induzir a ideia de que algumas pessoas terão por isso maior poder do que
outras. Pretende tão só salvaguardar que os profissionais, e neste caso concreto, os psicólogos tenham
consciência das consequências do seu trabalho e que o apliquem em prol do bem-estar da pessoa,
respeitando-a como tal.

Claro que a noção de imputabilidade está também implícita neste princípio, sendo que esta se refere não
só ao cliente como à comunidade em geral e ainda ao grupo profissional como um todo. Nesta
perspectiva, este princípio poderá corresponder a um princípio de responsabilidade profissional que,
claramente, deverá ter em conta estas diferentes vertentes como potenciais implicações do trabalho do
psicólogo.

O psicólogo deverá estar consciente que representa uma classe profissional, pelo que terá essa
responsabilidade. Todas as suas atitudes, desde que interpretadas como atitudes de um psicólogo, se
reflectem na classe profissional, pelo que isso mesmo deve ter consciência, adoptando um
comportamento que a dignifique e valorize.

Num mundo cada vez mais centrado no valor da autonomia individual, não pode ser negada uma maior
atenção à vida em sociedade e às responsabilidades que esta comporta. No entanto, e segundo Neves
(2001, p. 175), “não se trata verdadeiramente de uma opção entre o indivíduo e a comunidade, entre a
reivindicação dos direitos e a imposição das responsabilidades”, mas sim o reconhecimento de que a
pessoa só o é porque cresceu no meio da sua comunidade, e que esta contribuiu para o desenvolvimento
das suas opções, gostos e ideais.

Então, o interesse da sociedade deverá ser tido em conta e deverá ser alvo de atenção por parte dos
profissionais, tal como os interesses e os direitos de cada indivíduo. A dificuldade reside no facto de, por
vezes, o interesse individual poder entrar em conflito com o interesse social, devendo então o profissional

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procurar um meio de suprimir, na medida do possível, as potenciais consequências negativas a estes dois
níveis.

Claro que quando se faz referência ao interesse social, terá que se ter em consideração não só a
comunidade humana, mas também todas as outras componentes do mundo natural em que o Homem se
insere. O ambiente, os animais, bem como toda a dimensão ecológica são importantes para o bem-estar
humano, pelo que compõem o seu interesse social.

Não deve ainda assim ser esquecido que o psicólogo é um profissional que trabalha visando o interesse da
pessoa, pelo que essa será sempre a sua maior responsabilidade. Deste modo, a responsabilidade social,
sendo um dos seus princípios de atuação, será um princípio de menor importância do que qualquer um
dos outros.

4. Integridade

O princípio da integridade vem garantir que o psicólogo promove a sua classe profissional, respeitando os
princípios éticos da Psicologia. Poderá por isso parecer redundante, mas o seu grande objectivo é garantir
a promoção da classe profissional, condição central para que a intervenção psicológica tenha maiores
hipóteses de sucesso.

Na verdade, quanto mais as pessoas confiarem nos psicólogos, maior será a sua adesão às intervenções e
o seu potencial resultado. Importa, por isso, que o psicólogo tenha consciência da importância de
promover os seus colegas e a psicologia, contribuindo para o bom nome da profissão.

Deve, do mesmo modo, estar atento a potenciais conflitos de interesse que o coloquem num caminho
onde poderá não ser possível respeitar os princípios, estando por isso atento e evitando as situações que
possam vir a gerar problemas no respeito pelos princípios éticos.

5. Beneficiência e Não-maleficiência

Os/as psicólogos/as devem ajudar o seu cliente a promover e a proteger os seus legítimos interesses. Não
devem intervir de modo a prejudicá-lo ou a causar-lhe qualquer tipo de dano, quer por acções, quer por
omissão. Se a Psicologia tem um espectro de actuação muito largo, estando presente em quase todas as
actividades humanas, a verdade é que deve ser assumida como uma actividade ao serviço do bem-estar
da pessoa humana.

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Nesse sentido, o seu papel assistencial deve estar sempre presente, considerando-se os/as psicólogos/as
como profissionais que desenvolvem o seu trabalho na promoção do bem-estar físico, psíquico e social de
pessoas, grupos, organizações e comunidades.

Consequentemente, um dos deveres prioritários será o de se preocupar em fazer o bem ao seu cliente e
em evitar, de toda a maneira, prejudicá-lo. Deste modo, ao definir este princípio como um dos princípios
centrais do exercício da Psicologia, assume-se o pressuposto de que mesmo em processos de intervenção
cuja motivação central não seja promover o interesse das pessoas como, por exemplo, em algumas
situações da Psicologia Forense ou Organizacional, o profissional deverá ter em atenção que as pessoas
devem estar no centro das suas inquietações. Esta preocupação deve ser estendida a todos os implicados
no trabalho dos/as psicólogos/as, incluindo clientes, participantes de investigação (humanos ou animais),
estudantes, estagiários ou quaisquer outras pessoas relacionadas directa ou indirectamente com o
mesmo. Quando surgem conflitos de interesse a este nível os/as psicólogos/as devem fazer o máximo
esforço com vista à minimização dos danos.

Os/as psicólogos/as deverão ter sempre o melhor interesse do cliente como referência, procurando
ajudá-lo e nunca o prejudicar. Qualquer intervenção poderá provocar, potencialmente, algum tipo de
prejuízo à pessoa. Contudo, desde que o balanço entre o risco e o benefício seja positivo para o cliente, a
intervenção é legítima. O dano a evitar será aquele que não cumprir esta equação, bem como todo o
prejuízo que resultar de uma actuação grosseira, negligente, propositadamente malévola ou não
fundamentada em conhecimentos científicos actualizados. Tendo em conta os princípios da beneficência
e da não maleficência, os/as psicólogos/as podem recusar-se a estabelecer relações profissionais com
clientes que estejam a ser assistidos simultaneamente por um colega para o mesmo fim, sempre que
entenderem que tal duplicação de intervenções possa ser prejudicial para o cliente.

Resumidamente…

Vimos os cinco princípios éticos dos Psicólogos Portugueses. Estão divididos em nove dimensões.
Pretende-se agora fazer um pequeno resumo dessas mesmas dimensões. O primeiro princípio – respeito
pela dignidade e direitos da pessoa – é constituído por duas dimensões.

A primeira delas, o respeito pela dignidade, ou seja, o respeito pela autonomia, pela vontade da pessoa.
Já o respeito pelos direitos da pessoa constitui a segunda dimensão. Pretende levar o psicólogo a
compreender que tem de ter uma atitude justa não fazendo distinção entre as pessoas senão pelos
problemas relacionados com a Psicologia, uma perspectiva de equidade, portanto.

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O princípio da competência vem-nos lembrar que o psicólogo trabalha a partir de evidência científica.
Tem por isso que conseguir compreender quais as dimensões científicas das técnicas e metodologias
utilizadas.

O princípio da responsabilidade é constituído por três dimensões: a responsabilidade individual. Em que o


psicólogo compreende que é mais que um mero prestador de serviços sendo responsável pelo bem que
pode fazer ao cliente a partir da sua capacidade profissional. Tem uma responsabilidade profissional, em
que compreende que tudo aquilo que faz como psicólogo se reflecte na sua profissão.

E, finalmente, tem uma responsabilidade social, este um princípio à partida de menor valor que os outros,
mas que garante que o psicólogo tem também uma preocupação com a sociedade. O princípio da
integridade vem-nos dizer que o psicólogo deve promover os princípios éticos da Psicologia e preocupar-
se em evitar ao máximo os conflitos de interesse. Deve tentar preveni-los. Caso contrário poderá colocar
em causa, ainda que inadvertidamente, esses mesmos princípios.

Finalmente, as duas dimensões beneficência e não-maleficiência, vêm-nos dizer que a Psicologia é uma
profissão também assistencial e que, por isso, o psicólogo terá sempre de trabalhar no sentido do
benefício do seu cliente e nunca o prejudicando de uma forma negligente ou consciente. Como poderia
um cliente confiar num psicólogo se não tivesse a consciência clara que este trabalharia para o beneficiar
e nunca para o prejudicar.

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Consciência Ética
Ser psicólogo é tomar decisões! Tomar decisões que contribuam no sentido do melhor interesse do
cliente. Para tal, importa que o psicólogo tenha confiança e consciência da sua capacidade de tomar
decisões.

Segundo Widlöcher (2001/1991), consciência tem o triplo significado moral, metafísico e psicológico.
Sendo o moral o relevante a nível ético, é no psicológico que se compreende que a ideia de consciência
passa por ser um estado mental (Damásio, 2010) de reconhecimento do mundo e de si próprio, acessível
pela introspeção.

Nesta perspectiva, a consciência ética ou moral será a capacidade de distinguir o bem do mal de uma
forma consciente, ou seja, de um modo perfeitamente identificado pelo próprio. No entanto, a questão
que se coloca é a seguinte:

A escolha entre o bem e o mal resulta de uma operação racional e consciente da pessoa ou este será
um processo automático sobre o qual a pessoa detém um controlo limitado?

Existem muitas teorias sobre o desenvolvimento da consciência moral com diferentes perspectivas. Umas
baseiam-se na razão, outras na emoção e até se formulou o conceito de Intuição Social. Vejamos cada
uma:

Razão

Uma decisão racional será uma decisão tomada com base nas experiências passadas, expectativas
presente e desejos futuros, bem como, integrando os aspectos relevantes do contexto associado à
tomada de decisão.

Na primeira metade do século XX, a moralidade era vista como uma forma de adaptação do indivíduo à
sociedade que se tornava parte integrante de si próprio através da formação (Turiel, 2006). Este
privilegiar da razão no julgamento moral vem, no fundo, na sequência do racionalismo grego, sendo que
foi começando a ser colocada em causa com a descoberta do papel dos estímulos aversivos na formação
do julgamento moral.

Na verdade, coloca-se a questão sobre se tomaremos decisões verdadeiramente racionais, onde se


consciencializam todas as variáveis associadas à racionalidade.

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Emoções

Damásio (2001/1994) reforça a ideia de que as emoções têm uma grande influência na razão
influenciando, portanto, o desenvolvimento moral. Defende que “o corpo é o alicerce da mente
consciente”, pelo que se as emoções se manifestam no corpo se perceberá a ligação próxima entre
emoção e razão. Ainda assim Damásio não defende que as emoções se substituíam à razão consciente no
julgamento moral, apenas propõe um modelo interactivo entre as emoções, os sentimentos e a
racionalidade.

Na sua hipótese das emoções como marcadores somáticos, Damásio (2001/1994) afirma que as emoções,
através daquilo que fazem sentir no corpo, indicam o caminho a seguir. A tomada de decisão consciente
implicaria um processo mental operado por todos os níveis do eu, ou seja, o eu material, constituído pelo
proto-eu e pela consciência nuclear, com uma ligação direta ao corpo, e o eu autobiográfico, implicando
então o passado da pessoa e a antecipação do futuro (Damásio, 2010).

Intuição Social

Já Haidt propõe um modelo de moralidade, a que chamou modelo de intuição social (Haidt, 2001),
baseado em princípios que têm na base uma justificação emocional. Ou seja, os princípios são os mesmos
para todas as pessoas independentemente da cultura, ainda que algumas sociedades ou organizações
sociais possam valorizar algum desses princípios em detrimento de outros.

Para Haidt, o julgamento moral é então automático e primariamente centrado nas emoções, sendo estes
princípios baseados na intuição. A reflexão desempenha, neste caso, um papel claramente secundário.

Ou seja…

Se por um lado, a ética deve ser definida como uma ciência racional, já que filosófica, e que pretende
promover a distinção entre as características boas e más do comportamento humano (Lalande, 1985), por
outro lado percebe-se que as emoções têm uma influência marcante no pensamento humano (Damásio,
2010; Sá, 2009) pelo que deverão ser relevantes no raciocínio ético. Se os modelos racionalistas
defendem que o julgamento moral é produto do raciocínio e da reflexão, hoje cada vez mais se discute o
papel das emoções a este nível.

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O que foi dito traz à ideia as próprias limitações da ética. Há quem diga que a ética é um conjunto de
pressupostos teóricos que não se aplicam à prática. É uma utopia! Pois considero que não deixa de ser
verdade. A ética é uma ciência puramente racional, é por isso a ciência do ideal.

Já a pessoa não é puramente racional – tem outras dimensões, como por exemplo as emoções, que
interferem na sua natureza e nas suas tomadas de decisão - é por isso natural que não consiga uma
aplicabilidade total dos conceitos da ética tornando-se por isso um profissional imperfeito. Mas o facto de
não ser possível fazer o ideal não implicar que não de deva apontar para esse mesmo desiderato, ficando
desse modo o psicólogo o mais próximo possível do ideal do exercício da sua profissão e aumentando a
possibilidade de sucesso da mesma.

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A Emoção
Percebemos que as emoções têm um papel decisivo no pensamento humano e no julgamento moral.

Etimologicamente, a palavra emoção deriva do latim emovere e significa “pôr em movimento”,


espelhando a influência que desempenha no comando dos comportamentos das pessoas (Chabot &
Chabot, 2004).

As emoções representam alterações fisiológicas do organismo, automáticas, que visam adaptar o corpo às
exigências de cada situação. Estão sempre presentes no Homem, seja a partir da consciência que este vai
adquirindo delas a todo o momento, seja no contacto que este estabelece com os outros.

Damásio refere-se às emoções como podendo ser primárias e secundárias.

Emoções Primárias

Referem-se a um conjunto de respostas inatas, comandadas essencialmente pela amígdala, e que


promovem estados fisiológicos pré-determinados que poderão ser mais tarde trabalhados num sentido
adaptativo.

Emoções Secundárias

Referem-se a um conjunto de estados fisiológicos adquiridos ao longo da história pessoal, em função das
experiências da pessoa. Na base pode dizer-se que são estados emocionais não percepcionados, de uma
forma consciente, pelo sujeito, mas memorizados e associados aos acontecimentos.

Esta distinção é equivalente a distinguir emoções inatas – semelhantes para todos os homens e mulheres
– e emoções auto conscientes – adquiridas ao longo da história pessoal, evocadas através de uma
autorreflexão e auto-avaliação, e distintas de pessoa para pessoa pelo menos quanto ao seu significado e
intensidade.

Se fossem apenas consideradas as emoções primárias seria obrigatório aprender a controlá-las ou a


promover respostas mais adaptativas e a filtrar estímulos emocionalmente competentes (Damásio, 2010).
O reconhecimento que existem emoções complexas vai ao encontro à ideia de que, de facto, o Ser
Humano é muito mais do que a sua racionalidade e o calculismo que tal implicaria.

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Para conseguir os melhores resultados possíveis a partir das escolhas individuais, não basta que a pessoa
compreenda o lado lógico e factual dos acontecimentos. Será necessário olhar para o interior das suas
motivações pessoais, da sua fenomenologia, da sua complexidade, para conseguir aumentar o
conhecimento real de si própria e promover o conhecimento sobre os seus sentimentos de emoção.

No fundo, ao reflectir sobre as suas emoções a pessoa poderá utilizá-las como fenómenos cognitivos
inteligentes, promovendo um comportamento mais adaptado no sentido dos seus objectivos. Assim, o
comportamento pessoal e social eficaz requer que os indivíduos formem teorias adequadas sobre si
próprios e sobre os outros.

Este pressuposto implicará que o desenvolvimento da inteligência emocional se torne, de facto, um factor
importante na concretização pessoal, levando a pessoa a reconhecer de uma forma mais eficaz a sua
palete de sentimentos.

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Inteligência Emocional e Julgamento Moral


Salovey & Mayer (1990) definiram a inteligência emocional como um subdomínio da inteligência social
que envolve a capacidade para monitorar as emoções do próprio e dos outros, discriminá-las, e usar essa
informação para orientar o seu pensamento e as suas acções.

Processos Mentais

São três os processos mentais que envolvem a inteligência emocional e que incluem a capacidade do
indivíduo em:

▪ avaliar e compreender as suas emoções e a dos outros;

▪ regular as suas próprias emoções e as dos outros;

▪ utilizar as emoções num sentido adaptativo.

Capacidades dos Indivíduos

Os processos mentais podem ser promovidos no sentido de aumentar a capacidade dos indivíduos em:

▪ identificar o conteúdo das respostas afectivas de terceiros e escolher os comportamentos mais


adequados do ponto de vista social;

▪ promover o aparecimento de emoções positivas motivando-se e motivando carismaticamente


terceiros com vista à obtenção de determinados objectivos;

▪ potenciar a criatividade e a flexibilidade na resolução de problemas conseguindo mais e melhores


alternativas.

Também Goleman (1997/1995) apresenta a inteligência emocional como sendo composta pelo
autocontrolo, pelo entusiasmo, pela persistência, bem como pela capacidade para se motivar, ou seja,
tudo o que diz respeito à canalização das emoções para a mediação dos comportamentos intra e
interpessoais.

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Desta forma, Goleman (1997/1995) divide a inteligência emocional em cinco áreas distintas:

Autoconhecimento emocional

Reconhecer e identificar uma emoção quando esta se apresenta à consciência. A falta desta capacidade
implicará uma dependência emocional, no sentido em que as emoções comandarão as vivências pessoais.

Controlo emocional

Capacidade para lidar com as emoções, adequando-as a qualquer situação. Os indivíduos que carecem
desta competência terão estados de insegurança mais profundos, recuperando mais dificilmente, por
esse motivo, dos contratempos vivenciais.

Automotivação

Dirigir as emoções na obtenção de um objectivo específico. De outro modo a pessoa poderá vivenciar as
emoções de uma forma negativa.

Reconhecimento das emoções do outro

A empatia é outra capacidade que constrói o autoconhecimento emocional. Esta competência permite ao
indivíduo reconhecer as necessidades e os desejos do outro, o que resultará na construção de relações
mais satisfatórias.

Capacidade para as relações interpessoais

A arte de se bem relacionar está, em grande parte, na capacidade de se despertar sentimentos no outro.
Esta será a base na qual se sustenta a popularidade, a liderança e a eficiência interpessoal.

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Intuições e Automatismos
Haidt dá relevo à diferença entre intuição e racionalidade defendendo que a intuição é automática,
inconsciente, pelo menos no que ao seu processamento diz respeito, mais rápida, e requer menos esforço
do que o processo de raciocínio que pelo menos em algumas das suas dimensões se torna num processo
consciente.

Este autor defende ainda que o nojo, a raiva e a satisfação desempenham um papel primário na
motivação da condenação moral de terceiros e que desempenham o seu papel através das intuições,
dando ao indivíduo a noção de que determinada situação é moralmente errada, ainda que não consiga,
pelo menos no imediato, explicar porquê.

A razão, essa, serviria para justificar as rápidas respostas intuitivas perante os outros ou para refutar nos
casos em que as próprias intuições pessoais sejam dissonantes.

Já Tania Singer (2007) afirma que as bases neuronais da empatia e do sentido de justiça serão as mesmas,
no que resultaria uma ligação entre estas duas dimensões, a primeira habitualmente ligada à
compreensão emocional e a segunda como um valor tradicionalmente racional.

O que parece ser consensual é que o ser-humano possui uma série de intuições que podem ser, segundo
Greene (2002), de diversos tipos, que podem ser treinadas e que parecem ser independentes das
emoções.

Esta última dimensão é aquela que para Greene (2002) distingue as intuições morais das outras: as
primeiras, se partilham os processos com os outros tipos de intuição, dependerão essencialmente das
emoções; ou seja, as intuições morais serão elas próprias respostas emocionais.

Nem só a urgência caracteriza a necessidade de rapidez na obtenção de uma resposta. Em todas as


circunstâncias o cérebro, como que automaticamente, procura uma solução. Mesmo em situações que
possam ser consideradas como eminentemente cognitivas, como por exemplo tentar resolver uma
charada, o cérebro não descansa enquanto não encontra uma solução nem que essa seja: não existe
nenhuma.

Enquanto não conseguir encontrar uma resposta satisfatória a pessoa está em crise. Uma crise que induz
o sofrimento correspondente, sentido na forma de uma activação emocional, de uma reacção ansiosa que
induz a sensação de urgência, e no limite, pode ser sentida como mau estar se a pessoa não conseguir
encontrar uma resposta adequada.

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Como interpretar tal facto?

Consciência nuclear – a opção por uma resposta emocional primária em função da rapidez é redutora
(Damásio, 2001/1994);

Consciência autobiográfica - a razão não parece ser suficiente para se conseguir uma resposta adequada
em tempo útil;

Consciência alargada – a intuição será a solução; uma ligação entre a consciência nuclear e a consciência
autobiográfica.

Beck, Emery & Greenberg (1985) referem que os pensamentos automáticos são interpretações ou
inferências realizadas de uma forma tão rápida que por vezes a pessoa nem se apercebe dos mesmos,
dando apenas conta da emoção gerada. Já McBain (2005) refere-se às intuições como estados mentais
temporários que se formam rapidamente e dos quais nos socorremos para tomar decisões. Define-as
como “atitudes proposicionais” que podem ser traduzidas por crenças, desejos, esperanças e medos.
Também Damásio (2001/1995) se refere à intuição como um mecanismo oculto, ou seja, fora da
consciência, através do qual se chega à solução de um problema sem raciocinar.

Estas intuições estarão então ligadas às emoções, mas também à aprendizagem, aos valores e ao
contexto social (Moll et al., 2005), ou seja, à dimensão cognitiva e racional do Homem. Corresponderão
por isso mesmo a:

▪ Emoções Secundárias (Damásio, 2001/1995)

▪ Emoções Complexas (Johnson-Laird, 2006)

▪ Emoções Morais (Eisenberg, 2000)

A intuição representa, assim, o resultado da ligação espontânea dos diversos tipos de consciência. Ou
seja, representará o resultado da relação entre a consciência nuclear e autobiográfica de Damásio (2010),
que será o mesmo que dizer entre as emoções e a racionalidade, ou seja, um correspondente das
emoções secundárias.

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A razão desenvolveu-se para dar corpo às necessidades sociais do Homem, para o ajudar a conjugar os
seus interesses com o interesse de terceiros. A ideia da terapia cognitiva não será impedir a utilização dos
pensamentos automáticos, em virtude da sua utilidade e inevitabilidade no processo de decisão, mas
aprender a tomar consciência deles o mais rapidamente possível a fim de evitar um conjunto de
consequências negativas em função de uma reacção acrítica ao seu significado.

Um dos objectivos centrais da terapia cognitiva é alterar as consequências negativas para a pessoa do uso
sistemático e sobretudo acrítico dos pensamentos automáticos.

Existem diversas hipóteses para significar determinado contexto ou situação de vida, sendo que o
pensamento automático nos dará apenas uma dessas perspetivas, aquela que estará mais próxima de
uma resposta emocional – é o chamado “Gut Feeling”, expressão de vários autores (Schnall, Haidt, Clore
& Jordan, 2008; Risen & Gilovich, 2008; Horgan & Timmons, 2007; Fine, 2006; Singer, 2005;) o que nem
sempre se constituirá como a resposta socialmente mais adequada.

Mecanismos Intuitivos/Afetivos e Conscientes/Racionais

Tal como concluem Koenigs e colaboradores (2007) existirá uma combinação de mecanismos
intuitivos/afectivos com outros conscientes/racionais na base dos julgamentos morais. Quando o
indivíduo está motivado pode realizar julgamentos morais muito mais específicos e razoáveis,
ultrapassando qualquer intuição que possa orientá-lo em determinado sentido.

Claro que será sempre uma opção pessoal colocar maior energia no processo decisório em função da
importância atribuída ao juízo a efectuar. Nesse sentido poderá o sujeito estar mais ou menos atento aos
conteúdos dos seus automatismos ou intuições, pelo que a partir daí dará maior ou menor procedência a
essas tendências.

O cérebro pode provocar constrangimentos na moralidade através das suas respostas


intuitivas, mas a decisão sobre o que fazer com esses constrangimentos deve ser determinado
pelo debate filosófico, logo pela razão pura. Será precisamente neste ponto que deve ser
marcada a diferença naquilo que pode ser o julgamento moral de qualquer pessoa em relação
à sua própria vida e o que deve ser o juízo ético de um profissional de saúde. (YOUNG &
KOENIGS, 2007).

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Resumidamente…

Estivemos a ver que a pessoa não é um ser puramente racional. Na verdade, as emoções parecem
desempenhar um papel importante na tomada de decisão. Contudo, elas não são determinantes.
Não tiram por isso responsabilidade à pessoa quando esta tem de decidir.

Compreendemos que a tomada de decisão é o resultado de uma dimensão racional e de outra


emocional. Teremos uma consciência alargada, uma intuição que vai orientar a nossa decisão em
função das nossas experiências passadas. Contudo, esta não é determinante.

Poderemos colocar mais ou menos energia no processo de tomada de decisão, e assim contrariar a
decisão automática representada pela intuição. Ou seja, a pessoa poderá sempre, através de uma
energia voluntária, contrariar aquilo que a sua emoção, a sua intuição lhe dita como sendo a decisão
adequada.

Nessa perspectiva, ela poderá sempre fazer aquilo que for contraintuitivo para si, ela poderá sempre
decidir em qualquer sentido que entenda como mais racional, em função de uma análise de custo-
benefício, que a poderá levar à melhor decisão possível.

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O Juízo Moral e o Juízo Ético


Só alguém com a capacidade de levar a cabo uma boa leitura das suas próprias emoções e das emoções
dos outros poderá conseguir juízos equilibrados que incluam o melhor interesse possível para cada um
dos intervenientes. Será o mesmo que dizer que alguém competente para avaliar e descrever os seus
sentimentos e os dos outros será mais capaz de fazer julgamentos morais equilibrados.

O desenvolvimento da racionalidade, segundo Merlin Donald (1999/1991), decorreu da necessidade do


Ser Humano em desenvolver uma complexa organização social para sobreviver. Será a razão que
permitirá que uma pessoa conjugue a satisfação das suas necessidades com as necessidades dos outros,
visando uma mais efectiva adaptação do indivíduo à sua condição de “animal social”.

Então se a intuição é fundamental para, em primeira instância, referenciar o caminho a seguir, a razão
servirá para legitimar esse mesmo caminho e para dar à pessoa a segurança necessária através da
previsão do seu resultado e assim assumir as consequências positivas e negativas da sua inter-relação
com os outros. Será este o papel de mecanismos de regulação automáticos como a punição e a
recompensa, a motivação, o altruísmo, e a reciprocidade: ajudar o organismo e autorregular-se e a
sobreviver.

De acordo com Frith & Singer (2008), existirão dois processos responsáveis pela tomada de decisão em
dilemas morais.

Processo Intuitivo

Um primeiro conduzido por intuições, em grande parte inconscientes, rápidas, que provocam um
sentimento de congruência no indivíduo quanto à resposta; o indivíduo como que “sente” que a solução
será aquela.

Processo Racional

Um outro processo, muito mais consciente, deliberado e racional, fortemente influenciado pela educação,
pela cultura e pelo contexto (Moll et al., 2005) que promove a noção de legitimidade da decisão.

No fundo estas ideias corresponderão às noções de senso comum ou de bom senso e de juízo reflectido,
respetivamente, recorrendo aos termos propostos por Jonh Rawls (1993/1971). Será este juízo reflectido,
que não deixa de ser sentimental, que se pretende na resolução de dilemas morais.

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Os mecanismos utilizados no julgamento moral serão os mesmos para analisar um dilema ético. Contudo,
são necessários cuidados extra pois as intuições serão mecanismos inconscientes e automáticos,
construídos ao longo da vida da pessoa, que visam mostrar com a rapidez possível o caminho a seguir.
Inclusivamente fazem as pessoas sentirem-se mais poderosas e efectivas (Vyse, 1997), pelo que mais
confiantes nas suas decisões, o que traz à evidência o papel das emoções na sua construção.

São, no fundo, o resultado da articulação entre a consciência nuclear, límbica, e uma autobiográfica, mais
cortical (Damásio, 2010).

As emoções serão a base de um processo decisório importante e poderoso para promover indicações
sobre aquilo que será melhor para o indivíduo em particular. Ou seja, as emoções ajudam o indivíduo a
compreender o que será melhor para si próprio, seja num contexto individual ou social. Contudo, quando
se trata de avaliar o que será melhor para o outro, só a razão permitirá o discernimento necessário, pelo
que se constitui como a base do raciocínio ético na resolução de qualquer dilema.

Não será por acaso que segundo Myyry & Helkama (2007) os dilemas pessoais evocam um maior
processamento emocional do que os impessoais. Ou seja, será a razão que potenciará a distinção entre
aquilo que será bom para o próprio e o que será bom para o outro; a razão permitirá que o próprio não
confunda o seu interesse com o interesse do outro ou, no limite, com aquilo que gostava que fosse o
melhor para o outro.

Respeitar a dignidade da pessoa humana é mais do que respeitar as diferenças, é ajudar a pessoa a
afirmá-las, ajudar o outro na promoção da sua autonomia.

Todas as opções têm consequências positivas e negativas, fruto do afastamento das decisões mais
racionais. Assim, no que respeita à vida pessoal de cada um, mais do que a direcção da decisão a tomar, o
mais importante será mesmo decidir. E viver será isso mesmo, fazer opções que conduzem a novas
encruzilhadas, com diferentes alternativas.

Então, a pessoa é livre de assumir opções que possam ser “pouco” racionais, já que será o próprio a lidar
com o resultado das mesmas.

Mas quando está implicado o melhor interesse do outro, como será exemplo o exercício de uma profissão
como a Psicologia, então esta premissa torna-se menos acertada. Quando se assume a responsabilidade
de prestar um serviço, exercer uma actividade, que visa o auxílio de uma terceira pessoa num
determinado sentido, não se pode ignorar que o outro é diferente de nós.

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Só a razão permitirá aumentar a probabilidade de ajudar alguém a tomar as suas opções, que serão muito
provavelmente diferentes daquelas que o próprio tomaria numa situação idêntica. As emoções, neste
caso, auxiliam na compreensão do outro, facilitando o estabelecimento de verdadeiras relações de
confiança que facilitam o conhecimento sobre a outra pessoa. Mas este reconhecimento do outro terá de
ser feito em bases racionais, pois as emoções potenciam a identificação e o “outro” é diferente de “mim”.

A procura do que poderá ser melhor para o outro só poderia ser conseguida, com maior probabilidade, se
fosse puramente racional, sem a influência das emoções na aplicação da técnica aprendida para o auxílio
da pessoa.

A ideia seria afastar o psicólogo de si próprio e centrá-lo no seu cliente. Desligar-se da pessoa que é e
passar a ser “apenas” um psicólogo, orientado pelos princípios éticos da sua profissão e pelas normas e
técnicas associadas, com a historicidade e a formação necessária para ajudar a pessoa. No fundo, seria
um profissional onde apenas o eu autobiográfico, ligado à profissão, estivesse presente e em que o eu
nuclear desaparecesse.

Tal é impossível e por isso todos os profissionais são imperfeitos e o erro faz parte do exercício
profissional. Disso mesmo deve estar consciente cada profissional para que, nessa perspectiva, possa
questionar o quanto baste a sua actuação no sentido de diminuir o risco de tomar decisões que
prejudiquem o seu cliente.

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Raciocínio Ético
Terá sido com esta consciência que se definiram alguns pontos que deveriam ser levados em
consideração, por um psicólogo, para um exercício adequado da sua profissão e que constituem as bases
fundamentais do exercício do raciocínio ético (adaptado de Bricklin, 2001).

Autoconhecimento

O psicólogo deve ter um conhecimento claro das suas próprias crenças sobre o certo e o errado.

Esta é uma condição fundamental para as poder questionar ou pelo menos para evitar que condicionem o
seu comportamento no sentido de evitar uma atitude de julgamento do cliente, o que dificulta o
estabelecimento de uma relação de confiança. Pode então afirmar-se que o autoconhecimento, bem
como um autoconceito positivo, são fundamentais para o exercício profissional.

Formação de Excelência

O conhecimento dos princípios e leis que orientam e regem o exercício da profissão é também obrigatório
para enquadrar o exercício da Psicologia. Ou seja, o psicólogo necessita de uma formação de excelência,
no sentido de conseguir com facilidade, de uma forma quase intuitiva, aplicar a teoria psicológica na
compreensão da pessoa, e limitar a influência da sua experiência pessoal.

Experiência ou Supervisão

Adquirir consciência das respostas intuitivas, automáticas, nas mais diversas situações que se colocam no
exercício da profissão, é muito importante para que seja possível, no mínimo, questionar essas mesmas
respostas.

No fundo, nenhum psicólogo o poderá ser se não tiver experiência. Só quando se vive a situação
profissional será possível ter uma consciência clara de como se vai reagir. Daí a importância da supervisão
na fase inicial do trabalho do psicólogo, e sempre que se pretender intervir em dimensões para as quais
não se detenha ainda a experiência suficiente.

Autocrítica profissional e humilde

É importante ter uma atitude responsável nas decisões e reconhecer as limitações pessoais. Mesmo que o
psicólogo detenha um bom autoconhecimento, que a sua formação seja de excelência e que seja muito
experiente, deve ter em consideração que todas as hipóteses construídas sobre a compreensão do outro
são falíveis.

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Não só porque a ciência é duvidosa, mas também porque, sendo impossível desligar-se das suas
experiências pessoais, estas terão sempre influência nas suas leituras do outro, tornando-as ainda menos
objectivas. Deve, pois o psicólogo deixar ao cliente “saídas de emergência”, recursos alternativos aqueles
que propõe na promoção do autoconhecimento do outro. Deve ter a humildade suficiente para não
“vender” soluções absolutas, reconhecendo a limitação do seu papel.

Intervisão

Será ainda importante, em muitas situações, solicitar a ajuda de outros profissionais que garantam outras
perspectivas do dilema em questão. Ou seja, se uma das características da pessoa é que esta é única,
diferente de qualquer outra, a sua complexidade não tem limites, pelo que a sua compreensão deve ser
feita da forma mais rica possível.

Quanto mais experiência um psicólogo tiver, maior tendência poderá ter em compreender o outro em
função de situações anteriores. Logo, poderá acabar por tentar enquadrá-lo em modelos compreensivos
que, se muito úteis, poderão reduzir a compreensão da pessoa na sua diversidade.

Resumidamente…

Estivemos a dizer que um psicólogo perfeito seria aquele que poderia por de lado as suas emoções e
nesse sentido ter uma atitude puramente racional: olhar para o cliente apenas e só a partir da dimensão
teórica da Psicologia e nunca a partir da sua experiência pessoal. Não sendo isso de todo possível, é
necessário que ele tome alguns cuidados. Estas são as bases do raciocínio ético.

Em primeiro lugar, o autoconhecimento: importa que o psicólogo se conheça muito bem. Este
autoconhecimento limitará a influência que aquelas áreas que ele sabe serem mais difíceis para si
poderão ter na sua relação com o cliente.

Em segundo lugar, a formação de excelência: não lidamos com buracos no nosso conhecimento pelo que
se a formação do psicólogo não for excelente, tiver lacunas, ele irá preencher esses buracos com a sua
experiência pessoal, promovendo a interferência da sua vida na compreensão do cliente.

Finalmente a experiência: não há psicólogos, ou melhor, bons psicólogos sem experiência. A experiência é
que nos vai ajudar a conseguir integrar todas as dimensões de avaliação e compreensão do cliente. São
muitas as variáveis envolvidas, será muito difícil conseguir utilizá-las de uma forma fluída, que leve ao
estabelecimento de uma relação de confiança sem experiência.

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A humildade será uma característica central do psicólogo. Por muito autoconhecimento que ele tenha,
por muito bem formado e muita experiente que seja, ele deverá saber que não tem panaceias, não tem
soluções absolutas para o cliente. Deverá, pois sempre deixar saídas de emergência por forma a que o
cliente não entenda não ter outra saída se o processo falhar.

Finalmente a intervisão. Na verdade, é fundamental que o psicólogo se ponha em causa ao longo do


tempo que ponha em perspectiva as suas intervenções, que discuta com os seus colegas a sua forma de
agir, os casos em que tem dificuldades, por forma a aumentar a riqueza das variáveis na compreensão do
seu cliente.

Chegámos ao final da exploração dos Conceitos de Ética, Deontologia e Psicologia, do qual podemos
destacar as seguintes considerações finais:

▪ É fundamental termos a consciência de que teremos sempre uma resposta intuitiva a cada
situação que se nos depara, pelo que deveremos conseguir aumentar a nossa capacidade para
discernir sobre essas intuições, tirarmos delas o maior proveito, mas com a consciência de que,
em boa probabilidade, elas não contém o essencial da resposta ao dilema que se nos coloca, mas
sim aquilo que nós desejaríamos que fosse o resultado desse mesmo problema;

▪ As emoções têm um papel central na vida para compreender, escolher e motivar;

▪ Afirmar que deverá ser a razão a determinar os caminhos a seguir na relação profissional não é
negar a importância das emoções;

▪ É impossível imaginar uma relação sem emoções. Temos sim que delas ter consciência para
assumirmos o controlo da relação no sentido do bem do nosso paciente.

De seguida vamos explorar os Princípios Éticos e Deontológicos da Psicologia.

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Princípios Éticos e Deontológicos da Psicologia

Depois de vermos os princípios e as bases do raciocínio ético, vamos tentar reflectir sobre a aplicação
prática dos mesmos.

Se bem que a maioria dos casos que surgem no exercício da profissão sejam claros e não suscitem
qualquer questão acerca da atitude a tomar ou comportamento a ter, outros há em que os limites do
eticamente aceite são demasiado ténues para que não levantem dúvidas ao psicólogo.

Responsabilidade, Integridade, Beneficiência e não-maleficiência, Relações múltiplas

Vamos considerar o primeiro caso:

O primeiro caso envolve o Tribunal de Família de Menores de Lisboa que solicita um Relatório de
Avaliação Psicológica no âmbito de um processo de Regulação de Poder Paternal (RPP).

O pedido prende-se com a necessidade de avaliar as competências parentais do progenitor Carlos e a


qualidade da relação com o filho menor.

O processo de divórcio decorreu por mútuo acordo. Contudo, a regulação das visitas será determinada
pelo Tribunal uma vez que a progenitora não concorda com o regime de guarda partilhada que o
progenitor solicita.

Carlos dá entrada no Gabinete com um aspecto cuidado, denotando alguma ansiedade e rigidez face ao
processo avaliativo. Foram-lhe explicados os limites da confidencialidade, mas afirmou-se que, dentro do
possível, seria salvaguardada a sua privacidade.

Manteve uma postura cooperante, apresentando sinais de emoção lábil, alternando entre sentimentos de
tristeza e de revolta perante o processo de divórcio e o afastamento do filho.

Durante as entrevistas e aplicação de provas dá mostras de ser um pai cuidadoso e preocupado com o
filho. No entanto, durante a avaliação, a actual namorada do Sr. Carlos contacta telefonicamente e pede
para falar com o psicólogo, referindo ter informações importantes para a RPP, dando a entender estar a
ser vítima de violência doméstica.

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Neste caso, sabemos que o cliente é o Tribunal, que o interesse a ser defendido é o do menor e que o
psicólogo estabeleceu uma relação de empatia com o Sr. Carlos. Tendo em consideração estes factos,
que procedimentos adotariam? [Miguel Resende]

• Não existem dúvidas que o cliente é o tribunal e que as responsabilidades profissionais do


psicólogo estão direcionadas para a criança, independentemente da relação estabelecida com o
progenitor dever merecer todo o respeito. Eu sou da opinião que nestes casos é fundamental
estabelecer à partida, durante o processo de obtenção do consentimento informado, os limites
da relação, nomeadamente estes relacionados com as limitações da relação do psicólogo com o
progenitor. [Tiago Almeida]

• Eu penso que neste caso existe um dilema claro entre o princípio da beneficência e não -
maleficência e os princípios da Integridade e da Responsabilidade. [Sofia Esteves]

• De facto, como a colega diz, a comunicação da namorada do progenitor é um dado que pode ser
importante no sentido da defesa dos interesses da criança (princípio da beneficência e não
maleficência) mas que promove uma situação de relações múltiplas, um princípio específico do
Código Deontológico. [Tiago Almeida]

• Concordo consigo. Se o psicólogo quiser levar em linha de conta as informações fornecidas pela
namorada deverá dar conta disso mesmo ao progenitor, objecto da sua avaliação. Desta forma
este saberá todos os dados que o psicólogo detém no decurso do processo de avaliação. [Rui
Taberna]

• Tudo o que foi dito está correcto. Tendo em consideração os resultados objectivos da avaliação, o
psicólogo poderá utilizar todas as informações, tanto do progenitor como da namorada, no
sentido de interpretar os dados obtidos e efectuar o seu parecer. Caso fosse pedido privacidade
pela namorada, o psicólogo não poderia levar em linha de conta estas informações, pois para
além destas poderem ser falaciosas e conterem uma agenda escondida, o progenitor não teria
oportunidade de apresentar a sua perspectiva.

Isso poder-se-ia configurar como uma violação dos princípios da Integridade, já que o psicólogo se
estaria a envolver numa relação múltipla de onde obteria informações que não poderia utilizar, e
da responsabilidade profissional, colocando em risco a imagem da Psicologia. [Miguel Resende]

• Pelo que afirma, deduzo que na primeira hipótese a informação poderá ser integrada tendo em
consideração a perspectiva do progenitor e na segunda o psicólogo já não terá acesso à

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informação. De facto, a namorada poderá estar a desenvolver esta queixa por motivos alheios ao
interesse da criança. [Matilde Leal]

No caso apresentado encontram-se presentes alguns princípios do Código Deontológico que foram
enumerados pelos membros do público – responsabilidade, integridade, beneficência e não-maleficência,
consentimento informado, relações múltiplas e responsabilidade profissional.

Vamos analisar com detalhe alguns deles. Os restantes veremos adiante.

Responsabilidade

A responsabilidade é a qualidade de quem está apto a responder pelos seus actos. Assim, o princípio geral
da Responsabilidade dita que o psicólogo que obteve o poder da sua formação técnica devolva a
autonomia ao sujeito objecto da sua intervenção, para que este usufrua da liberdade inerente à Pessoa.

Este princípio refere ainda a necessidade do psicólogo em assumir a escolha, a aplicação e as


consequências dos métodos e técnicas que aplica e dos seus pareceres perante as pessoas, os grupos e a
sociedade.

A responsabilidade estende-se ao desenvolvimento do conhecimento como forma de aumentar o


potencial da intervenção psicológica, constituindo um benefício para os indivíduos e para a sociedade em
geral.

Por fim, o psicólogo é responsável por respeitar o código de ética inerente à sua profissão.

Integridade

A Integridade é a qualidade daquele que revela inteireza moral, sendo vista como uma virtude.

A integridade moral implica que o psicólogo com carácter firme o deva aliar a uma fidelidade aos
princípios de actuação do psicólogo, defendendo-os quando estão ameaçados.
Deve então promover-se a integridade moral como um traço de carácter que integra coerentemente os
valores profissionais com a fidelidade activa a esses valores. Para tal, o psicólogo não se pode deixar
influenciar pelos seus próprios interesses ou crenças quando surjam conflitos de interesse.

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Beneficiência e não-maleficiência

O princípio geral da beneficência e não-maleficência interpreta o psicólogo como um profissional que


desenvolve o seu trabalho numa dimensão assistencial, em que um dos seus deveres prioritários será o
de se preocupar em fazer bem ao seu cliente e em evitar prejudicá-lo. Mesmo em processos de
intervenção cuja motivação central não seja promover o interesse da pessoa (por exemplo, na Psicologia
forense e organizacional), o psicólogo deverá ter em atenção que a pessoa deve estar no centro das suas
inquietações.
Caso alguma intervenção provoque algum tipo de prejuízo ao cliente, será legítima se o balanço entre o
risco e o benefício for positivo.

Relações múltiplas

O artigo relações múltiplas está incluído no princípio específico da Prática e intervenção psicológicas e
dita que o psicólogo não estabeleça uma relação profissional com quem mantenha ou tenha mantido
uma relação prévia de outra natureza, nem desenvolva outro tipo de relações com os seus clientes ou
com pessoas próximas dos seus clientes.
O psicólogo deve salvaguardar a relação profissional em relação a qualquer outra entretanto
estabelecida, sendo responsável por qualquer prejuízo que possa vir a ocorrer nesse contexto.

Este caso remete-nos para a questão das relações múltiplas. Existem dois tipos de relações múltiplas:

- quando o psicólogo desenvolve outro tipo de relações que não a profissional com o seu cliente, ou então

- quando o psicólogo desenvolve relações com duas pessoas que são muito próximas entre si o que é o
caso actual.

Na verdade, o grande problema das relações múltiplas, relaciona-se com as múltiplas fontes de
informação. Tendo o psicólogo várias relações estabelecidas com o mesmo cliente ou então relações
estabelecidas com pessoas próximas, vai ter várias fontes de informação que não aquela que deve ser a
fundamental para basear a sua intervenção, a informação que o cliente lhe traz directamente.

Nesta perspectiva, as relações múltiplas devem ser evitadas ou pelo menos prevenidas. Neste caso
concreto, sucedeu exactamente isso: a namorada do nosso cliente veio-nos trazer uma informação e o
psicólogo fica com dificuldades em gerir essa mesma informação.

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A solução será sempre envolver ao máximo o cliente, garantindo a privacidade da relação por forma a
salvaguardar a mesma. Paralelamente, tentar as medidas necessárias por forma a não comprometer o
melhor interesse da namorada que nos procurou com uma série de preocupações relevantes.

Consentimento Informado

Vejamos outro caso:

A Teresa é Psicóloga Clínica e foi solicitada por uma enfermeira para observar e falar com a Rita, de 14
anos de idade, que se encontrava hospitalizada e ficou triste por receber a nota de alta.

Intrigada, a psicóloga tenta perceber esta reação da Rita. Vamos ver como tudo se passou. [Miguel
Resende]

Psicóloga Teresa: Então Rita, pensei que ficasse contente quando soube que já podia sair do hospital.
Significa que eu e o resto da equipa sentimos que já está bem para ir para casa. Parece triste Rita… quer
falar-me disso?

Rita: Se calhar ainda não estou mesmo bem… acho que preferia ficar mais uns dias. Tenho medo de
voltar para casa e ficar pior. Talvez fosse boa ideia ficar por cá…

P: Então gostava mais de ficar por cá? Pode explicar-me melhor porque é que acha que poderia ficar pior
se fosse para casa? A Rita teve um acidente, não foi?

R: Pois, bem, …eh… não foi um acidente. Se calhar já devia ter contado antes, peço desculpa, mas não sei
como dizer… O meu pai anda com receio de perder o emprego e descarrega em mim… por vezes bate-me
sem razão nenhuma… outras vezes abusa sexualmente de mim… fico com muito medo nestas situações!
Não quero ir para casa!

P: Antes de mais Rita, fez muito bem em contar. Não importa qual o melhor momento, mas que o fez.
Sabe que para resolver as coisas da melhor forma, teremos de falar com outras pessoas. Seria importante
contar à assistente social o que acabou de me contar. Posso fazê-lo, Rita?

R: Eh… sim, se me disser que isso vai ajudar-me em casa, pode contar. Sim, Teresa, conte!

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Este não é um caso simples: existe uma criança potencialmente vítima de maus tratos, há vários
profissionais envolvidos e a ausência de um elemento determinante na altura certa não ajudou.
Ponderemos com atenção todos estes factores.

De facto, ainda que a idade legal do consentimento sejam os 16 anos, é de considerar que ao psicólogo
importa a relação estabelecida e que deve ser mantida. Neste caso, a Rita poderá vir a beneficiar muito da
intervenção psicológica pelo que, para tal, terá de manter a confiança nos psicólogos. [Miguel Resende]

No caso que acabámos de ver podemos destacar os princípios do Consentimento Informado e das
Relações Profissionais, presentes no Código Deontológico. Vejamos o que dita o Consentimento
Informado. O 2.º princípio detectado veremos adiante.

Por consentimento informado entende -se a escolha de participação voluntária do cliente num acto
psicológico, após ser-lhe dada informação sobre a natureza e curso previsível desse mesmo acto, os seus
honorários (quando aplicável), a confidencialidade da informação dela decorrente, bem como os limites
éticos e legais da mesma.

Este princípio dita que:

▪ O psicólogo respeita a autonomia e autodeterminação das pessoas com quem estabelece relações
profissionais, de acordo com o princípio geral de respeito pela sua dignidade e direitos. Aceita as
suas opiniões e decisões, e todas as características decorrentes da sua afirmação pessoal;

▪ É reconhecida à pessoa a capacidade de consentir e concordar que foi informada


apropriadamente quanto à natureza da relação profissional;

▪ É concedido à pessoa o seu direito geral de iniciar e de interromper ou terminar, em qualquer


momento, a relação profissional com o psicólogo;

▪ O processo de obtenção do consentimento informado é instrumental na construção de uma


relação de confiança com o cliente.

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É importante realçar que o consentimento informado na Psicologia deve ser considerado instrumental.
Ou seja, não passa apenas pelo cumprimento do princípio do Respeito pela dignidade e direitos da
pessoa, é também um pressuposto de Beneficência do cliente.

O consentimento é um momento de criação de uma relação de confiança com o cliente, pelo que é
fundamental para o futuro sucesso do processo. Se o cliente não perceber bem a importância do
processo, e como ele funciona, vai ser mais difícil aderir ao mesmo.

Este caso remete-nos para as questões da comunicação interprofissional. Existe, por vezes, o mito de que
entre profissionais, sejam eles da mesma profissão, sejam de outra profissão, se podem partilhar as
informações sobre o nosso cliente. Ora isso não é verdade.

O psicólogo poderá fazê-lo apenas se for no melhor interesse do seu cliente e, idealmente, com o
consentimento deste. Não faria sentido passar informações a um profissional se isso não trouxesse
nenhum benefício previsível para o cliente.

E a ideia de o fazer sem o consentimento deste, apenas deverá acontecer se o profissional não puder falar
com o cliente e não tiver nenhuma noção de que este se poderia opor a isso mesmo. No mais, o cliente
terá sempre direito à sua privacidade pelos motivos que sustentaremos em seguida.

Respeito pela dignidade e direitos da pessoa

Avancemos para outro caso:

Ao dissecarmos este caso, percebemos que a dimensão do trabalho do psicólogo ultrapassa o mero
cliente, sendo necessário mediar com sensibilidade e bom senso a intervenção de terceiros.

Depois de vos apresentar estes dois casos, gostaria de vos passar a palavra. Alguém sabe de alguma
situação que queira partilhar e debater? [Miguel Resende]

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Sim, eu gostaria de partilhar um caso que aconteceu comigo.

Sou psicóloga, formada na área clínica há 8 anos. Sempre exerci em contexto de clínica privada, e estou
agora numa clínica que abri com um sócio psicólogo há dois anos.

Comecei um processo terapêutico com um cliente, Sérgio Gouveia, há um ano e meio. Durante o processo
terapêutico, a relação de Sérgio com a sua mulher, Alícia Gouveia, tem vindo a deteriorar-se, de tal forma
que, há 6 meses, estiveram separados por dois meses. No entanto, neste momento coabitam e
desenvolvem a maior parte da sua vida conjugal normal.

Durante os últimos 3 meses, durante as sessões, notei no Sérgio um aumento de agressividade verbal no
seu discurso em relação à mulher. Por várias vezes, Sérgio descreveu fantasias de violência levada a cabo
contra a sua esposa, apesar de me assegurar sempre que não executou nem tem intenções de executar
qualquer acto violento. Para ser sincera, não me sinto muito segura sobre as intenções e veracidade das
afirmações de Sérgio relativamente a este assunto. Num dia em que sabia que o seu marido não tinha
consulta, Alícia esperou por mim à saída do meu consultório e revelou-me que tinha receio de ser vítima
de violência por parte de Sérgio. De seguida, perguntou qual a minha opinião.

Sei que tenho uma obrigação de privacidade para com o Sérgio, mas também sinto que tenho uma
responsabilidade social para com a Alícia. Afinal, ela revelou-me que teme pela sua integridade física.
[Matilde Leal]

Obrigado pela partilha, Matilde. De facto, tem uma obrigação de privacidade para com o seu cliente,
respeitando os princípios de Respeito e Dignidade da Pessoa, Responsabilidade Profissional e não-
maleficência. Por outro lado, tem razão em relação à responsabilidade social que tem com a mulher do
seu cliente que foi falar directamente consigo. As informações que lhe relatou não podem ser ignoradas.

Alguém tem alguma opinião sobre o que deve a Matilde fazer nesta situação? [Miguel Resende]

Eu penso que a Matilde deve explicar a Alícia que não está autorizada a falar com ela sobre o processo de
intervenção psicológica com o marido, pelo que nessa perspectiva não a poderá ajudar. [Tiago Almeida]

Exatamente. E além disso, deve ainda aconselhar Alícia a procurar ajuda no sentido de tomar as decisões
que entender para se sentir mais protegida. Assim, já consegue responder à sua responsabilidade social
para com uma pessoa que mostrou estar com problemas. [Rui Taberna]

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Tem toda a razão, Rui. É o que está ao alcance da Matilde fazer para ajudar a Alícia. Entretanto, a Matilde
passa a ter de lidar com um outro dilema - deverá ou não contar a Sérgio que foi procurado pela mulher?
[Miguel Resende]

Antes de contar a Sérgio, deverá tentar obter o consentimento de Alícia para tal. Deverá explicar-lhe que
não pode nem deve omitir esse facto a Sérgio uma vez que poderá vir a ser gerador de uma perturbação
na relação. [Sofia Esteves]

Para que a Matilde consiga o consentimento de Alícia, deve assegurar–lhe que apenas contará o
estritamente necessário, ou seja, que foi procurada por ela pois estava preocupada com o marido e que
não falou com ela pois não tinha o consentimento de Sérgio. [Rui Taberna]

Obrigada a todos pelas orientações. Vou fazer como indicaram e espero que a Alícia colabore. [Matilde
Leal]

Como foi dito por um dos membros da audiência, a situação relatada choca com alguns princípios do
Código Deontológico – Respeito pela Dignidade e Direitos da Pessoa, Responsabilidade Profissional e
Beneficência e Não-maleficência. Tendo já explorado estes últimos anteriormente, vejamos o que dita o
primeiro.

O princípio geral do Respeito pela Dignidade e Direitos da Pessoa compromete o psicólogo a:

▪ Respeitar as decisões e os direitos da pessoa, quando racionais e de respeito pelo outro;

▪ Respeitar o valor universal da dignidade da pessoa humana, que decorre da sua natureza racional
e relacional tornando-a capaz de distinguir o bem do mal e de construir relações interpessoais;

▪ Respeitar todas as decisões racionais, desde que não sejam desenquadradas da realidade social
que envolve a pessoa;

▪ Cumprir rigorosamente, o dever, ético ou jurídico, comum a todas as pessoas, de respeitar os


direitos de todos e de cada um, regulando a vida da pessoa em sociedade;

▪ Olhar para a pessoa como um ser único, diferente de todos os outros, com vontade própria que,
mais do que ser respeitada deverá ser promovida no contexto relacional característico da pessoa
humana;

▪ Respeitar e promover a autonomia e autodeterminação do seu cliente.

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Este caso remete-nos para um conflito clássico entre a privacidade e a responsabilidade social. Na
verdade, há três princípios que sustentam a privacidade na relação. São eles o respeito pela dignidade, a
não-maleficiência e a responsabilidade profissional. De uma forma ou de outra, estas três dimensões são
dimensões muito importantes no exercício profissional da Psicologia.

A responsabilidade social é também um princípio ético dos psicólogos. Nesta perspectiva, o psicólogo
deverá também orientar o seu trabalho neste sentido. É, contudo, e como já foi referido, um princípio de
menor valor o que não invalida que o psicólogo deva manter uma preocupação em relação aos seus
objectivos.

É nessa perspectiva que ele deve encaminhar a namorada do cliente para um outro seu colega,
respeitando o princípio da responsabilidade social, e pedir-lhe o consentimento para poder não falhar
com a privacidade do seu cliente e, nessa perspectiva, não pôr em causa a sua relação com ele.

Competência, Responsabilidade profissional, Responsabilidade na supervisão

A partilha da Matilde foi bastante rica ajudando-nos a perceber que há detalhes que não podem ser
descurados em todo um processo clínico. Há que ter sempre em mente os princípios pelos quais a nossa
profissão se pauta, tendo em conta que são eles que nos guiam as atitudes e comportamentos a ter.

Vou agora apresentar-vos um exemplo que versa sobre as competências para exercer a nossa profissão.

Inês Costa é uma psicóloga formada há 6 anos numa licenciatura em Psicologia pré-Bolonha na área de
pré-especialização de Psicologia Clínica. Nos últimos 3 anos e meio tem trabalhado para uma IPSS, a Liga
de Apoio aos Jovens Problemáticos (LAJP), próximo da sua área de residência. Inês está ligada a esta IPSS
por um contrato de trabalho a termo certo, no qual ainda lhe resta cumprir dois anos.

Há cerca de 3 meses, a Neide, uma das colegas de Inês que já se encontrava na LAJP há 2 anos, optou por
se despedir para aceitar uma oferta de trabalho mais vantajosa.

A Direcção da IPSS decidiu que a substituição da Neide seria feita através de estágio profissional, tendo
sido seleccionada pela Direcção a Susana Ribeiro. A Direcção pediu a Inês que orientasse o estágio de
Susana, pedido ao qual Inês acedeu pela oportunidade de enriquecimento profissional e pela
remuneração adicional decorrente da orientação de estágio. Três semanas após começarem a trabalhar

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juntas, Inês e Susana conversam enquanto almoçam. Vamos ver o que se revela nesse diálogo. [Miguel
Resende]

Susana: Inês, tenho de lhe confessar um facto sobre os meus estudos – ainda não terminei o 2.º ciclo de
estudos em Psicologia. Sabe como é, ainda é preciso bastante autodisciplina e dedicação e uma pessoa vai
arrastando e deixa andar.

Inês: Como assim, ainda não acabou o 2.º ciclo de estudos? Para a Susana fazer o Estágio Profissional
implica que já tenha terminado todas as cadeiras bem como que já tenha entregue a tese. Falta-lhe algum
destes elementos para completar o curso?

S: Sim, Inês, é mesmo verdade! Infelizmente, ainda me falta entregar a tese. Deixei arrastar e agora, com
o estágio, não tenho tido muito tempo.

I: Mas se não entregou a tese ainda não acabou o mestrado! Logo, ainda não está em condições de
realizar o estágio profissional, Susana. Isso implica que tenha de algum modo “omitido” ou alterado
documentos… Susana, isto é grave, muito grave…

S: Não vejo razão para a Inês me estar a atirar pedras quando também tem telhados de vidro. A sua pré-
especialização é em Psicologia Clínica e não em Psicologia Social ou Psicologia Comunitária, que seria bem
mais adequado às funções que aqui desempenha.

Existe um conflito claro entre as opiniões de Inês e de Susana. Quem terá razão? Como deverá Inês agir?

Como vimos, esta situação poderá não ser complicada de resolver se a pessoa em questão for razoável e
consciente de que deve seguir o Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses. [Miguel
Resende]

Este caso não espelha propriamente um dilema como os anteriores, mas remete para uma questão de
responsabilidade profissional e responsabilidade na supervisão. Além disso, coloca em causa o princípio
da Competência ao permitir que alguém ainda sem as qualificações suficientes possa vir a exercer.
Conheçamos o que ditam os princípios enumerados.

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Competência

O princípio geral da Competência compromete o psicólogo a:

▪ Exercer a sua actividade de acordo com os pressupostos técnicos e científicos da profissão, a


partir de uma formação pessoal adequada e de uma constante actualização profissional;

▪ Adquirir competência através de uma formação teórica e prática especializada bem como de uma
formação prática supervisionada por psicólogos.

▪ Funcionar de acordo com as boas práticas baseadas em conhecimentos científicos actualizados;

▪ Ter consciência das suas necessidades específicas, sendo o próprio o melhor juiz da sua
competência de forma a antecipar as prováveis consequências da sua intervenção, sendo por isso
responsável por elas.

Responsabilidade Profissional

O artigo responsabilidade profissional está incluído no princípio específico das Relações Profissionais e
guia o psicólogo para:

▪ Sensibilizar outros colegas para a boa prática da Psicologia, incluindo o respeito pelo Código
Deontológico;

▪ Informar o colega que desrespeite o Código e proceder a uma exposição escrita dirigida ao
Conselho Jurisdicional da Ordem dos Psicólogos Portugueses;

▪ Denunciar outras pessoas que desempenhem funções para as quais apenas os/as psicólogos/as
estão habilitados.

Responsabilidade na Supervisão

O artigo responsabilidade na supervisão está incluído no princípio específico do Ensino, formação e


supervisão psicológicas e refere que os supervisores partilham a responsabilidade com o supervisando
pelo bem-estar dos clientes e pela privacidade e confidencialidade da informação.

Os supervisores devem exercer a responsabilidade de avaliação do supervisando, bem como o papel mais
amplo de responsabilidade social.

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Acabámos de explorar uma situação que não abona a favor do psicólogo. É fundamental conferirmos à
nossa formação o valor fundamental que esta tem para uma prática de excelência. E embora o nosso caso
se foque na formação inicial do psicólogo, não nos podemos esquecer também da formação contínua: é
determinante e necessário estarmos actualizados, contarmos com supervisões mesmo após o estágio,
compreendermos que, na nossa profissão, a discussão e actualização são, de facto, fundamentais. [Miguel
Resende]

É verdade que é por vezes muito difícil agir contra colegas que ainda por cima, por vezes, podem ser
nossos amigos. Mas se queremos uma profissão reconhecida por todos temos de ter elevados níveis de
exigência.

Temos que compreender que cada má prática, cada falta de competência, cada exercício errado e
negativo da nossa profissão tem um impacto directo naquilo que é a imagem que as pessoas têm da
nossa classe profissional, da qualidade dos psicólogos e, nessa perspectiva, tem um impacto na sua
confiança nos mesmos. Ora, sem confiança não há relação e sem relação não há Psicologia. Nesse
sentido, é muito importante promover uma classe profissional que seja reconhecida como constituída por
membros de grande competência. E isso, não se coaduna com falta de formação, falta de competência ou
falta de qualificação.

Investigação

Dr. Miguel Resende, eu gostaria de partilhar um caso com a plateia, se me permitir. [Sofia Esteves]

Claro que sim. É com a partilha de situações concretas que conseguimos um debate entre todos e
partilhamos opiniões que nos ajudarão a clarificar ideias e a saber como agir em situações futuras. Força!
Conte-nos o seu caso! [Miguel Resende]

A minha colega Tânia é licenciada em Psicologia, com pré-especialização na área de Clínica. Foi contratada
pela Organização Mundial de Saúde como entrevistadora, para participar no processo de recolha de
dados numa investigação de saúde mental. Foi explicado à Tânia que teria de aplicar um inquérito
estruturado e padronizado, o qual tinha directivas específicas de aplicação.

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Tendo em conta que o objectivo central era a investigação e que a Tânia foi contratada por ter formação
em Psicologia, a minha questão é: será que a Tânia teve a atitude mais correcta ao não agir perante a
possibilidade de existir uma ideação suicida latente? [Sofia Esteves]

Bom, logo à partida poderá questionar-se o protocolo de investigação. Os riscos para os participantes têm
de ser limitados e se o entrevistador estiver identificado como psicólogo não deixa de ter como
responsabilidade preocupar-se com o bem-estar dos entrevistados. Nesse sentido, deve estar previsto
nestes protocolos alternativas de encaminhamento das pessoas que possam ser identificadas como
necessitadas de apoio ou intervenção psicológica, como forma de garantir que elas não possam ser
prejudicadas pela investigação. [Miguel Resende]

Concordo plenamente. Por muito que o objectivo da investigação seja promover o bem da ciência e nesse
sentido do público, as pessoas não podem ser de forma alguma prejudicadas e deverá ter-se em conta
que, por vezes, a mera realização de uma entrevista pode ter efeitos potencialmente nocivos.
Respondendo à questão inicial da Sofia, a Tânia agiu correctamente ao não interferir na investigação. No
entanto, devia estar prevista a possibilidade de encaminhamento de uma pessoa que se identifique ter
problemas, mesmo que no âmbito de uma investigação. [Tiago Almeida]

A situação que a interveniente relatou toca no princípio específico da Investigação. Vejamos


sucintamente o que nos diz esse princípio.

O princípio específico Investigação destaca que no contexto da investigação científica a legitimidade do


querer saber mais e de aumentar os conhecimentos pode entrar em conflito com valores humanos e
sociais, também eles legítimos. Daí, o respeito pela autonomia se assumir como o princípio central pois
enquanto que na intervenção é a pessoa que procura o psicólogo, na investigação é o contrário que
sucede, pelo que a responsabilidade do psicólogo é acrescida.

Enquanto investigadores, os psicólogos têm em conta os princípios gerais da:

▪ beneficência e não-maleficência, dando primazia ao bem-estar dos participantes nas


investigações;

▪ responsabilidade social no sentido da produção e comunicação de conhecimento científico válido


e suscetível de melhorar o bem-estar das pessoas.

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A investigação tem uma característica muito particular que a faz distinguir da intervenção psicológica. Se
na intervenção é o cliente que procura o psicólogo, na investigação é o psicólogo que procura o cliente.
Ora, isso aumenta a responsabilidade do psicólogo sobre a pessoa.

Este caso mostra-nos a importância que existe em elaborar protocolos adequados de investigação. Nem
tudo aquilo que é possível fazer será adequado fazer. Nem tudo o que é tecnicamente possível é
eticamente aceitável. Nessa perspectiva, torna-se muito útil pedir pareceres a uma comissão de ética
antes de avançar com qualquer processo ou projecto de investigação. Aumenta-se assim a qualidade da
informação produzida, aumenta-se assim a sua utilidade para a Psicologia.

Autonomia profissional, Conflitos de interesse

Com este exemplo percebemos que existem questões que não estão afinadas e que nos limitam como
psicólogos. Identificar um caso que necessita de terapia e sentirmo-nos impotentes para actuar causa
frustração. Vejamos agora outra situação que acontece com alguma frequência no âmbito da Psicologia
organizacional.

Atente no seguinte exemplo. [Miguel Resende]

A Maria é licenciada na área de Psicologia Social e das Organizações e exerce funções há 4 anos na área
do recrutamento e selecção, na HireAway, uma empresa do sector privado. Neste momento está a
conduzir um processo de recrutamento e selecção para uma empresa que abriu um concurso para um
técnico de higiene e segurança no trabalho, para integração de pessoal no quadro.

Foi-lhe fornecido um descritivo de funções específicas a desempenhar, conjuntamente com a descrição


do perfil/características pessoais necessárias para o exercício das funções.

Durante o processo de recrutamento e selecção, Maria é chamada pelo Director da HireAway.

O que será que o Diretor pretendia da Maria?

Director: Maria, chamei-a no âmbito do processo de recrutamento do técnico de higiene e segurança no


trabalho que está a efectuar neste momento. Conhece o Daniel? Já o entrevistou? Em caso negativo não
deixe de o fazer! É a pessoa indicada para o lugar!

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Maria: A que Daniel se refere, Sr. Director? Ao sobrinho do Director Geral da empresa nossa cliente? Só
me recordo desse Daniel.

D: Correcto, é a esse Daniel que me refiro! Ele é a pessoa perfeita para o cargo que estão a contratar! Está
bastante motivado e é muito competente. Porquê arriscar noutra pessoa sobre a qual não temos
referências?

M: Estou a perceber, Sr. Director… estou a perceber…. Irei avaliar o perfil do Daniel para o cargo
pretendido. No final reportar-lhe-ei as minhas conclusões.

Após o término do processo de avaliação e selecção dos candidatos, Maria conclui que o Daniel, apesar de
reunir as condições mínimas necessárias para o desempenho das funções a que se candidatou, não é o
melhor candidato ao lugar. Decide então informar o seu Director acerca deste parecer. [Miguel Resende]

M: Sr. Diretor, avaliei o Daniel e perante os resultados sugiro-lhe que suprima alguns dados antes da
entrega do relatório ao cliente. Só dessa forma o Daniel irá surgir como o candidato mais adequado pois
existem outros com mais apetência para as funções solicitadas.

D: Agradeço o seu trabalho, Maria. Mas permita-me reforçar que a renovação do seu contrato pode estar
dependente de ser uma técnica capaz de tomar as decisões mais inteligentes em função dos contextos.
Está ciente desse facto, correcto?

Na vossa opinião, o que deve a Maria fazer? [Miguel Resende]

Claramente que a responsabilidade da contratação é da empresa e não da Maria. A psicóloga apenas deve
apresentar os resultados da sua avaliação em termos objectivos à Direcção, que não representam
verdades absolutas, e esta deve tomar as decisões. [Tiago Almeida]

É isso mesmo que a Maria deve explicar ao seu Director, já que a alteração dos dados recolhidos
representa uma má prática e uma fraude em relação ao trabalho esperado pelo psicólogo. [Rui Taberna]

Sem dúvida. Daí parecer disparatado o pedido uma vez que o parecer do psicólogo não compromete uma
tomada de decisão diferente por parte da Direcção. [Tiago Almeida]

De outro modo, a intervenção do psicólogo serviria apenas para justificar as decisões já tomadas por
terceiras pessoas o que desvalorizaria o trabalho do psicólogo e faria com que este deixasse de ter
utilidade nos quadros de uma empresa. [Matilde Leal]

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Idealmente, quando o Director fez o pedido inicial, a Maria deveria ter esclarecido tudo o que foi referido,
tentando evitar o conflito de interesses que inevitavelmente pode até afectar o processo de avaliação
para o recrutamento.

Estamos, claramente, perante um caso de conflito de interesses. Como actuar nestas situações? Como
reagir ao confronto de poderes sob ameaças insinuadas? Como contornar pressões laborais que vão
contra princípios éticos gerais?

Depois de analisarmos toda a situação, acabamos por perceber que o próprio pedido do Director soa
disparatado uma vez que o parecer do psicólogo não compromete uma tomada de decisão diferente por
parte da Direcção da empresa. [Miguel Resende]

Mesmo intuitivamente percebe-se que estão a ser violados alguns princípios éticos neste caso: um
profissional é ameaçado no seu trabalho para deturpar pareceres que irão influenciar decisões
posteriores sobre assuntos que poderão ter um impacto negativo no futuro. Vejamos quais são esses
princípios:

Autonomia Profissional
A alínea autonomia profissional está incluída no princípio específico das Relações Profissionais e dita que
o psicólogo exerça a sua actividade de acordo com o princípio da independência e autonomia profissional
em relação a outros profissionais e autoridades superiores.

Conflitos de Interesse
A alínea conflitos de interesse está incluída no princípio específico da Prática e Intervenção Psicológicas e
dita que o psicólogo deve prevenir e evitar eventuais conflitos de interesse.

Um dos artigos do Código Deontológico dos Psicólogos Portugueses diz que os psicólogos são
profissionais autónomos e independentes. Quer isto dizer que eles são os primeiros e os últimos
responsáveis pela sua actuação.

Os conflitos de interesse são uma área muito difícil no exercício da Psicologia. Baseiam-se no princípio
geral da integridade. Por isso mesmo, torna-se fundamental preveni-los. É importante perceber que antes
de qualquer conflito surgir, as pessoas são mais razoáveis na forma como lhes são expostas as situações.
Ou seja, se conseguirmos discutir com as pessoas previamente quais os limites da nossa actuação, qual o
objectivo da nossa prática e quais os pressupostos da nossa intervenção, será mais fácil evitar futuros
conflitos de interesse e nessa perspectiva diminuir o prejuízo da intervenção do psicólogo.

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Avaliação psicológica e Privacidade e confidencialidade

Vejamos agora um caso de contexto educacional que levanta severas questões éticas. Trabalhar com
crianças é diferente de trabalhar com adultos – por vezes é complicado definir os limites de quem é, de
facto, o nosso cliente – a criança, os pais, a escola?

Alice Campos é psicóloga na Escola Básica de 2.º e 3.º ciclo de Ferreira do Tejo há cerca de 3 anos.
Licenciada em Psicologia, com área de pré-especialização de Psicologia Educacional, Alice tem uma
situação contratual instável, com sucessivos contratos enquadrados em vários programas de colocação de
psicólogos nas escolas. Presentemente, encontra-se colocada ao abrigo da Lei 35/2007.

Tendo acompanhado ao longo do 2.º e 3.º período o Rafael Guerreiro do 7.º B foi-lhe solicitado que
estivesse presente no Conselho de Turma de final de ano, de modo a poder apresentar um relatório sobre
o acompanhamento.

O Rafael é um aluno repetente no 7.º ano. Alice está habituada a trabalhar com a Professora Maria Castro
que é a Directora de Turma do 7º B, tendo sido a mesma a encaminhar-lhe o caso do Rafael.

Durante o Conselho de Turma, a Diretora de Turma perguntou diretamente a Alice quando esta
apresentava o relatório se, na sua opinião, o Rafael devia transitar para o 8º ano, visto existir uma divisão
de opiniões no Conselho de Turma.

Tendo o Rafael 4 negativas é necessário que o Conselho de Turma decida aprová-lo, reprová-lo ou subir a
nota de uma disciplina e aprová-lo. Alice defende que o aluno deva transitar visto estar bem inserido na
turma em que se encontra.

O Conselho de Turma acabou por votar pela retenção do aluno, apesar do voto contra da Directora de
Turma. 2 dias após o Conselho de Turma, a Directora pede a Alice para receber o Encarregado de
Educação de Rafael, a Sr.ª D. Leonor Guerreiro. Nesta reunião a Encarregada de Educação diz-lhe que irá
contestar a decisão do Conselho de Turma de reprovar o seu filho, para o que pediu à Psicóloga que lhe
fornecesse uma cópia do relatório do Rafael. A Professora Maria Castro aprova esta estratégia e pede o
apoio a Alice para a sua implementação.

Após tomar conhecimento do pedido de revisão sobre a decisão do Conselho de Turma do 7.º B, a
Directora da Escola, Professora Fernanda Almeida, questionou a Directora de Turma e a Psicóloga.

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Nessa reunião, após tomar conhecimento que Alice levou a cabo uma avaliação psicológica do aluno, a
Directora pede a Alice para lhe fornecer as provas e os resultados, mostrando-se particularmente
interessada na avaliação feita relativamente ao domínio da inteligência.

Na vossa opinião o que deve Alice fazer? [Miguel Resende]

Na minha opinião, os resultados da avaliação, tendo em conta os princípios gerais que sustentam a
privacidade da relação, apenas devem ser transmitidos com o consentimento da progenitora, com base
no melhor interesse da criança. [Rui Taberna]

Quanto ao princípio da Beneficência e não- maleficência importa reflectir, para decidir, qual o prejuízo
que se vê na interrupção do processo – será este muito grande ou aceitável? [Miguel Resende]

O pagamento faz parte do processo contribuindo para tornar mais clara a natureza da relação e de
aumentar a responsabilidade do cliente para com a mesma.

Constituindo-se a Psicologia como uma prestação de serviços parece lógico que esta tenha de ser paga.
Por isso mesmo, as condições de pagamento devem ser discutidas logo no início do processo, a propósito
dos outros elementos que constituem o setting terapêutico (Hare-Mustin et al., 1979).

Contudo, existem situações onde o psicólogo se poderá aperceber da incapacidade do cliente em


conseguir suportar os custos relacionados com a intervenção. Surge, pois um dilema entre a necessidade
do cliente na intervenção e o legítimo interesse do profissional em ser compensado pelo seu trabalho.

Nestes casos, deve-se tentar encontrar uma solução que seja exequível para ambas as partes:

▪ Adiar o pagamento, caso a incapacidade do cliente seja temporária.

▪ Diminuir os honorários no sentido de se conseguir um modelo que seja funcional.

▪ Trocar serviços, se exequível, desde que não envolva cliente e psicólogo numa relação que possa
desvirtuar a relação terapêutica prévia, e desde que os serviços sejam de valor equiparado.

▪ Trabalhar pro bono desde que o psicólogo esteja consciente da sua capacidade em o fazer sem
negligenciar o nível da sua intervenção e sem que o próprio cliente a desvalorize por ser gratuita,
sem discriminar o cliente em relação aos outros e se o enquadramento teórico da intervenção
não o desaconselhar.

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▪ Encaminhar o cliente para um serviço público, desde que este seja de facto acessível. O cliente
terá sempre a última palavra, e a responsabilidade do psicólogo será proporcional ao prejuízo que
a interrupção do processo tenha para o cliente.

Estes casos levantam questões de elevada complexidade que poderão ser importantes desenvolver
posteriormente na formação presencial. Ainda assim, fica uma nota rápida para a ideia de que os registos
e os relatórios são ou devem ser considerados propriedade do cliente.

Aqui haverá uma diferença com aquelas notas pessoais que o psicólogo poderá tomar no sentido de
orientar a sua intervenção e para a sua memória futura, mas que poderá não querer que constem desse
registo, no sentido em que poderão ser apenas baseados em pressupostos ou suposições sobre aquilo
que poderá ser o funcionamento do cliente.

Nesse sentido, é legítimo que tenha as suas notas que serão então sua propriedade. Os registos serão
então propriedade do cliente, mas estarão à guarda do psicólogo sendo este o responsável pela
privacidade inerente à manutenção dos mesmos.

Já a questão relacionada com a falta de capacidade financeira do cliente despoleta uma situação
complexa – um conflito entre o princípio da responsabilidade social e o princípio da competência e do
respeito pelos direitos da pessoa.

É uma situação que deverá ser ponderada pelo psicólogo em função de uma análise pessoal sobre a sua
capacidade de poder orientar um processo a partir de condições diferentes daquelas que estavam à
partida combinadas, e em função da avaliação que faz do benefício ou prejuízo que terá para o cliente
interromper ou continuar esse mesmo processo.

Intervenção a distância

Este tema remete-nos para um outro. O psicólogo poderia disponibilizar-se para atender o cliente por um
meio de intervenção à distância. No entanto, se no caso de risco de suicídio, por exemplo, será
obrigatório que o psicólogo esteja disponível, existem outras situações em que esse contacto poderá
desvirtuar a relação terapêutica.

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É cada vez mais comum a intervenção psicológica através de outros meios de comunicação que não a
entrevista face a face, desde o telefone até à internet. Tal é possível pois mantém o potencial de alterar
comportamentos e melhorar determinado tipo de sintomatologia, permitindo uma maior flexibilidade em
termos de agendamento do trabalho dos psicólogos. [Miguel Resende]

No entanto, independentemente do meio de contacto utilizado, a essência do que é o exercício da


Psicologia não poderá ser alterado sob pena de se correr o risco de desvirtuar os seus objectivos e de se
perder o seu sentido. Os serviços prestados pelos profissionais na intervenção à distância implicarão
sempre as mesmas obrigações que o serviço prestado presencialmente.

Existem vantagens e desvantagens na intervenção à distância:

Vantagens
▪ Resposta rápida a situações de crise;

▪ Meios rápidos e abrangentes;

▪ Acesso generalizado a pessoas geograficamente deslocadas ou a pessoas com dificuldades


motoras;

▪ Maior flexibilidade no agendamento de sessões;

▪ Adequado para clientes que desejem anonimato ou tenham fobia social.

Desvantagens
▪ Menores resultados junto de clientes com perturbações mais severas;

▪ Grau de abandono das intervenções mais elevado;

▪ Inacessível a todas as classes sociais;

▪ Menor satisfação por não haver contato direto;

▪ Dificuldades impostas pela ausência da linguagem não verbal.

Os dilemas éticos que se levantam na intervenção à distância são os mesmos que se colocam na
participação do psicólogo nos media.

Cada vez mais os profissionais de Psicologia são chamados a desenvolver artigos de opinião ou a
participar em programas com o objectivo de transmitir a perspectiva da Psicologia sobre os mais
diferentes assuntos ou problemáticas.

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Se por um lado há interesse em que a força da comunicação social seja bem aproveitada por psicólogos
desde que experientes e qualificados, por outro a influência que essa força exerce tem de ser gerida de
forma responsável para que não seja mal interpretada e se torne prejudicial.

Nas comunicações mediáticas o psicólogo jamais deve expor casos particulares, sob pena de violar a
privacidade do cliente em questão, ou fazer afirmações pouco rigorosas.

Dr. Miguel Resende, já que fala na questão da Psicologia nos media – os meios de comunicação também
são um veículo com potencial para a publicidade aos serviços de Psicologia. Considera que essa
publicidade possa ser uma boa prática? [Tiago Almeida]

Não existe, por princípio, nenhum problema na publicidade aos serviços de Psicologia apesar da
relutância de alguns profissionais, sobretudo os da área clínica, em “vender” os seus serviços. A tradição
de serviço público nos cuidados de saúde faz com que a publicidade não faça sentido.

Apesar de, no caso da Psicologia, isso não ser verdade, os psicólogos, considerando-se profissionais de
saúde, poderão seguir essa tendência. Contudo, atualmente os cuidados de saúde tendem a ser
privatizados pelo que a ausência de publicidade cada vez faz menos sentido. [Miguel Resende]

O problema é que se encontra muita publicidade enganosa e isso poderá ser prejudicial para a
credibilidade da nossa profissão. [Tiago Almeida]

Infelizmente, é um facto que há publicidade enganosa. A publicidade aos serviços de Psicologia é legítima
desde que seja precisa e que não induza, de forma alguma, o potencial cliente em erro nem coloque as
expectativas da intervenção acima do razoável. Se o objectivo último da Psicologia é promover a
autonomia do cliente, não fará sentido publicitar os serviços de um psicólogo a partir da promessa em
resolver os problemas de cada um. [Miguel Resende]

Vimos várias situações que espelham as dificuldades que, por vezes, a aplicação dos princípios
deontológicos da nossa profissão implica. Fica com o fundamental que deve transportar para exercer a
nossa profissão com dignidade.

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Não significa que tenha as respostas para tudo, pelo contrário! Cada caso é um caso! O objectivo é que,
além de exemplos, leve também as competências para o desenvolvimento de um raciocínio ético, de tal
modo que seja capaz de agir eticamente perante qualquer caso com que se depare.

Resumidamente…

Ao longo desta Unidade abordámos genericamente alguns dos princípios descritos no Código
Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Para saber mais detalhes de cada um dos princípios, aceda ao Código Deontológico, guarde-o e consulte-o
sempre que necessitar. Torne-o o seu pilar no exercício da profissão, em conjunto com um exercício
adequado de reflexão sobre os Princípios Gerais.

Princípios Gerais:
Princípio A: Respeito pela dignidade e direitos da pessoa

Princípio B: Competência

Princípio C: Responsabilidade

Princípio D: Integridade

Princípio E: Beneficiência e não-maleficiência

Princípios Específicos:
1- Consentimento informado

2- Privacidade e confidencialidade

3- Relações profissionais

4- Avaliação psicológica

5- Prática e intervenção psicológicas

6- Ensino, formação e supervisão psicológicas

7- Investigação

8- Declarações públicas

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