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FORMA CI ON , MEU CORPO UM TROPOL OG Í A

DIZERL EVOLUCIONISMO SOCIAL E SOCIOBIOLOGIA


ESPECULATIVO NOS AUTORES DA DEGENERAÇÃO DA RAÇA
: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :RAÇA E EVOLUÇÃO
PTCOLOMBIA ENTRE1900ÁGUA1940

Diego Alexander Muñoz Gaviria

REVISTA DE EDUCAÇÃO NYPEDAGÓGICA L. XVII N.ó42 129


EDUCAÇÃO EM
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P.S.ALABRASCLAVAR P.S.ALABRASCLAVAR
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RVERÃO

EVOLUCIONISMO SOCIAL E SOCIOBIOLOGIA ESPECIAL NOS AUTORES DO


DEGENERAÇÃO DA RAÇA: RAÇA E EVOLUÇÃO NA COLÔMBIA ENTRE 1900 E 1940
É este texto que faz uma breve abordagem aos postulados sociológicos, políticos e educacionais do evolucionismo social, para
depois delinear, de forma geral, a sua apropriação pelos autores da degeneração da raça na Colômbia.

RVERÃO

EVOLUCIONISMO SOCIAL E BIOLOGIA SÓCIO ESPECULATIVA ENTRE OS AUTORES DO


DEGENERAÇÃO RACIAL: “RAÇA E EVOLUÇÃO NA COLÔMBIA ENTRE 1900 E 1940”
Este texto tenta aproximar brevemente os postulados sociológicos, políticos e educacionais do evolucionismo social, para
depois escapar à sua apropriação pelos autores da degeneração da raça na Colômbia.

ABSTRATO

EVOLUÇÃO SOCIAL E SOCIOBIOLOGIA ESPECULATIVA NOS AUTORES DA DEGENERAÇÃO DO


RAÇA: RAÇA E EVOLUÇÃO NA COLÔMBIA ENTRE 1900 E
Um breve estudo dos postulados sociológicos, políticos e educacionais do evolucionismo social, para depois esboçar, brevemente, sua
contribuição para a degeneração da raça na Colômbia.

P.S.ALABRASCLAVAR

Evolucionismo, sociobiologia, degeneração da raça.


Evolucionismo, sociobiologia, degeneração da raça.

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DIZERL EVOLUCIONISMO SOCIAL E SOCIOBIOLOGIA


ESPECULATIVO NOS AUTORES DA DEGENERAÇÃO DA RAÇA
: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :RAÇA E EVOLUÇÃO
PTCOLOMBIA ENTRE1900ÁGUA1940*
Diego Alexandre Muñoz Gaviria**

“Assim como na criança, predomina em nosso meio a forma passiva, subjetiva, instável e imitativa.
Vivemos sujeitos às impressões variáveis de todas as condições do meio”
(Anzola, 1935: 103–105)

“A herança ancestral do povo Boyacense é um fator que retarda a evolução”


(Bernal, 1927: 146)

DELAINTRODUÇÃO

P.S. compreender como os discursos das


ciências sociais invadiram a esfera
global não deixa de ser um exercício
cicio de problematização, ou como diria Foucault
(1991), de atualização, o que leva a tematizar
lização e apropriação do conhecimento. Dessa
forma, diferentes discursos das ciências sociais,
como o do evolucionismo social, foram
perfilados no contexto histórico do final do
século XIX e início do século XX como portadores
contextos de produção, circulação-veículo. de fórmulas mágicas capazes de dar respostas.

* O presente artigo é um dos resultados da pesquisa “O conceito de corpo nas Escolas Normais de Antioquia entre
1920-1940: moral católica e moral biológica”, financiada pelo CODI da Universidade de Antioquia, e do projeto
de pesquisa sobre “Apropriação do evolucionismo social nos autores da degeneração racial na Colômbia do
início do século XX” da Faculdade de Educação da Universidade de San Buenaventura, Medellín.

**** Socióloga da Universidade de San Buenaventura (USB), Medellín; Especialista em Contextualização Psicossocial
do Crime; Mestre em Psicologia e aspirante ao Doutorado em Ciências Sociais: Infância e Juventude, pela
Universidade de Manizales e pelo Centro Internacional de Educação e Desenvolvimento Humano (Cinde). Na
área de atuação atua como diretor do Grupo Interdisciplinar de Estudos Pedagógicos da Faculdade de
Educação da Universidade de San Buenaventura, Medellín, e membro do Grupo de Pesquisa Formaph, da
Universidade de Antioquia.
E-mail : diegomudante@hotmail.com

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respostas satisfatórias às questões sobre a Spencer (1820-1903), para quem, tanto nos
ordem social que circulavam nos ambientes, organismos como na sociedade, o progresso é
culturas e comunidades dos cientistas a passagem de uma situação em que partes
sociais da época. Neste contexto, iguais desempenham funções iguais, para
considerou-se que a Colômbia, entendida outra em que partes diferentes desempenham
como uma das nações em condição de funções diferentes, ou seja, a passagem do
minoria etária (Spengler, 2002: 45-90), ou uniforme para o uniforme. o multiforme.
seja, como um país periférico, do terceiro Desta forma, o aumento da complexidade nos
mundo ou subdesenvolvido, exigia a níveis orgânico e supra-orgânico implicaria
apropriação que os intelectuais colombianos igualmente progresso.
do a era feita de conhecimento moderno.
Estas, tal como o evolucionismo social, A ideia de progresso, peculiar à era moderna
circularam globalmente e deixaram nas na medida em que sugestão ou representação
consciências colectivas certas sugestões ou coletiva para a explicação do devir histórico, é
crenças que permitiram apostar políticas e mesmo desde Augusto Comte localizada como
educativas por estratégias de intervenção obrigatória de todo pensamento que se
cuja finalidade era, como no caso da considera positivo; daí que, apesar das
regeneração racial, a evolução e o progresso diferenças existentes entre o pai da sociologia
dos sujeitos e das sociedades infantis. e o iniciador do evolucionismo social, este
último consegue compreender aprogresso
O evolucionismo social destaca-se então socialda fusão entre os postulados das
como um dos saberes das ciências sociais ciências sociais e das ciências biológicas, no
circulantes na época e que, para o caso ponto de convergência da lei da evolução.1
concreto colombiano, possibilitou, através Dessa forma, em Spencer, o chamado
de sua apropriação, a fundamentação acadêmico moderno-positivista para tematizar
conceitual e ideológica do chamado e argumentar a ideia de progresso encontra
pensadores da degeneração da raça.Tenta- resposta na lei suprema de todo devir: a
se a seguir uma breve abordagem aos evolução.
postulados sociológicos, políticos e
educacionais do evolucionismo social, para A evolução é uma integração da matéria e
depois delinear, de forma geral, a sua uma concomitante dissipação do
apropriação pelos autores da degeneração movimento, durante a qual a matéria
da raça na Colômbia. passa de uma homogeneidade indefinida
e incoerente para uma heterogeneidade
definida e coerente, e o movimento
subsistente sofre uma transformação
DIZERL EVOLUCIONISMO SOCIAL paralela (Timasheff, 1977: 52).
COMO ESCOLA SOCIOLÓGICA E
Para Spencer, a evolução dos níveis orgânico
ANTROPOLÓGICA (biológico) e supraorgânico (social) apresenta-se no
movimento que permite a passagem de formas
Um dos clássicos no desenvolvimento da homogêneas simples para formas heterogêneas
teoria sociológica é o pensador inglês Herbert complexas, ou seja, na transformação.

1 “Em seus primeiros princípios, Spencer propõe fundar a lei geral da evolução nos axiomas da persistência da
força, da indestrutibilidade da matéria e da continuidade do movimento. A transformação da força e da
matéria pelo seu movimento leva à evolução, na qual a matéria é integrada, o movimento é disperso e
diferenciado, enquanto as forças estabelecem equilíbrios variados. O processo de evolução pode ser
caracterizado assim como a passagem de uma homogeneidade incoerente para uma heterogeneidade
coerente” (Gurvitch, 1970: 188).

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transformação de estilos ou modos de vida a tese da equiparação metafórica da


padronizados e mecânicos em condições sociedade com um organismo vivo, e para
multiformes e orgânicas. O ideal spenceriano tanto propõe os seguintes argumentos:
de aquisição, a partir de seres vivos (biológicos
e sociais), de um limiar ou nível evolutivo mais
• Tanto a sociedade como os organismos são
complexo (que poderia representar no
diferenciados da matéria inorgânica pelo
supraorgânico a objetivação do ideal de
progresso), implica, desde sua base conceitual crescimento visível durante a maior parte
e de impossibilidades cognitivas e heurísticas da sua existência.
de da época, a busca por argumentos teóricos • À medida que as sociedades e os organismos
que ajudem a compreender como o social, um crescem em tamanho, também aumentam em
“todo organizado”, poderia vivenciar e alcançar complexidade e estrutura. Os organismos
dinâmicas evolutivas semelhantes – e não
primitivos são simples, enquanto os
idênticas – àquelas vivenciadas pelos seres
organismos superiores são complexos.
orgânicos.
• Nas sociedades e nos organismos, a
Assim, Spencer manteve como base de sua teoria diferenciação progressiva das estruturas é
sociológica evolucionista aanalogia orgânica, isto acompanhada por uma diferenciação
é, a identificação de certos fins da sociedade com progressiva das funções.
um organismo biológico,2simil que para o autor
• A evolução cria para as sociedades e para
não passava de uma analogia a ser transcendida,
os organismos diferenças de estrutura e
na medida em que a teoria sociológica pudesse
explicar com argumentos e categorias mais de função que são possíveis entre si.
pertinentes3disse dinâmica evolutiva. Para
Spencer, a analogia do organismo social era um • Assim como um organismo vivo pode ser
mero andaime para a compreensão do seu considerado como uma nação de
objeto de estudo. A esse respeito o autor unidades vivas individualmente, uma
expressa:
nação de seres humanos pode ser
considerada como um organismo.
A sociedade está tão completamente
organizada de acordo com o mesmo sistema
Com estes argumentos, Spencer consegue
de um ser individual, que não podemos
perceber nada mais do que analogias entre
estruturar a filigrana teórica que em sua
eles; a mesma definição de vida é aplicável a época é validada para a explicação do
ambos. Somente quando se avisa que as progresso social como manifestação da
transformações experimentadas durante o evolução orgânica e supraorgânica. É digno de
crescimento, a maturidade e a decadência de nota que, ao reconstruir o evolucionismo e o
uma sociedade obedecem aos mesmos organicismo spenceriano, alguns autores,
princípios que as transformações como Gurvitch, observam que estas
experimentadas por agregados de todas as abordagens não podem ser equiparadas às
ordens, inorgânicas e orgânicas, é que se opiniões defendidas na época por pensadores
chegou ao conceito de sociologia como da evolução biológica como Darwin:
ciência (Timasheff , 1977: 55).
Não seria correto dizer que a sociologia
Esta visão organicista (que, dir-se-ia, não foi de Spencer foi uma aplicação direta das
superada pelo mesmo autor) faz parte ideias de biólogos como Lamarck e

2 Um dos capítulosPrincípios da sociologiaintitula-se: “A sociedade é um organismo” (Timasheff, 1977: 55).


3 Argumentos e categorias que mais tarde foram dados pelas teorias de sistemas.

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Darwin. Darwin (1809 – 1882), que foi seu • Ao mesmo tempo, ocorreu um tipo de
contemporâneo, tinha uma concepção evolução um pouco diferente,
diferente da evolução biológica, e Spencer
nomeadamente a da sociedade militar para
encontrou a sua ideia geral de evolução, como
a sociedade industrial. Estes dois tipos
integração pela diferença, antes de Darwin ter
distinguem-se com base na predominância
falado da evolução como uma passagem da
homogeneidade para a heterogeneidade. . No da cooperação obrigatória na sociedade
entanto, ambos os pensadores provinham do militar e da cooperação voluntária no caso
mesmo domínio de ideias e Spencer recorreu industrial (Timasheff, 1977: 58-59).
frequentemente aos argumentos de Darwin
(Gurvitch, 1970: 186). Spencer considerou que a realização de tal
evolução nem sempre foi acessível a todas
Talvez um dos pontos centrais na as manifestações coletivas e individuais do
diferenciação das visões evolucionistas de ser humano, e por isso expôs a existência de
Spencer e Darwin diga respeito à ideia certos distúrbios que alteram a linha reta da
spenceriana sobre a existência de dinâmicas evolução (59):
de luta pela sobrevivência dos seres vivos
— entre eles os humanos—, cujo resultado é a
• Uma diferença originária de aptidões entre
extinção ou desaparecimento dos menos
as raças.
aptos. Esta ideia sustenta-se no domínio do
social sob a égide da não intervenção estatal • O efeito devido ao influxo do estágio de
em matérias, por exemplo, de educação e evolução imediatamente anterior.
higiene pública. Pelo contrário, Darwin • Peculiaridades dos costumes.
sustentava a possibilidade da luta pela • A situação de uma determinada sociedade no
sobrevivência através de processos quadro de uma comunidade mais ampla de
adaptativos que não deviam envolver, no sociedades.
concerto dos seres vivos, o desaparecimento
• A influência da mistura racial.
de alguns deles, mas sim, o melhoramento
dos organismos através da construção de
Estas ideias sobreviveram na teoria sociológica, na
competências ou competências para lidar com
medida em que o último quartel do século XIX foi
o ambiente: adaptação.
dominado pela teoria evolucionista, o que trouxe
uma certa unidade à sociologia. O tema central da
Para o caso concreto da evolução social, e
discussão entre os sociólogos era qual poderia ser
partindo de teses anteriores sobre a
considerada a interpretação mais apropriada com
semelhança entre esta e o biológico, Spencer
relação à evolução. O debate centrava-se na
apresenta as seguintes linhas de raciocínio:
identificação do factor predominante responsável
pela evolução da sociedade. Assim, autores como
• O principal facto da evolução é a passagem
Durkheim, em seu textoA divisão do serviço social,
das sociedades simples para os vários níveis
seguindo a hipótese spenceriana da passagem de
de sociedades compostas. As sociedades
compostas nascem da agregação de uma sociedade militar para uma sociedade

algumas sociedades simples; através de industrial, propõe a ideia evolutiva da existência de


novas agregações de sociedades dois tipos de solidariedades: a mecânica, própria
compostas, nascem sociedades duplamente das sociedades tradicionais ou primitivas, e a
compostas; pela agregação de sociedades orgânica, própria das sociedades complexas ou
duplamente compostas nascem sociedades avançadas. sociedades (Durkheim, 1985). Por outro
triplamente compostas.

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lado, tendências sociológicas como o crença formulou sua própria sociologia


darwinismo social,4evolucionismo psicológico,5 (Timasheff, 1977: 55).
o econômico,6o tecnológico,7e a demografia8
acomodar estes postulados spencerianos, Vale ressaltar que Spencer, embora considerado
mantendo com o iniciador do evolucionismo um organicista, conseguiu propor a partir de seu
individualismo – próprio da leitura de autores do
social uma diferença específica sobre o papel do
liberalismo clássico como John Stuart Mill –
“organismo social”, aspecto que para estes
certas diferenças entre a forma como os
autores era em si uma verdade concreta, ou seja,
organismos vivos e suas partes procedem, e a
eles acreditavam que a sociedade era de facto maneira como a sociedade funções em relação
comparável a um organismo vivo: aos seus membros:

Spencer viu na evolução uma lei universal de 1. Num organismo, as partes formam um todo
devir e derivada de uma lei cósmica de concreto; numa sociedade, os partidos são
evolução orgânica (biológica) e de evolução livres e encontram-se mais ou menos
dispersos.
superorgânica (social). Os darwinistas sociais
2. Num organismo, a consciência concretiza-
raciocinaram de forma diferente. Eles estavam
se numa pequena parte do agregado;
familiarizados com a teoria darwiniana da
numa sociedade, é difundido por todos
evolução biológica e acreditavam que essa
os membros individuais.
teoria poderia ser aplicada à sociologia, 3. Num organismo, as partes existem em
substituindo organismos por grupos sociais, benefício do todo; numa sociedade, o todo
que já são a base desta teoria. existe apenas para o benefício do indivíduo.

4 Com autores como Walter Bagehot —inglês (1826-1877)— que propõe como característica fundamental da evolução a
luta e a variabilidade grupal como ideia de progresso, em seu texto Fcientífico e político(1872). Ludwig Gumplowicz—
polonês (1838-1909)—, em seus textos Raza e estado(1875) eLuta racial(1883), considera que a evolução social e
cultural é o resultado da luta de grupo ou da sobrevivência dos mais fortes. Para Gustav Ratzenhofer—austríaco
(1842-1904)—, em seu textoNatureza e fim da política(1893), a tarefa da sociologia é descobrir as tendências
fundamentais da evolução social e as condições de bem-estar dos seres humanos; para ele, a sociedade é governada
pelo interesse, sendo este a expressão de uma necessidade através da percepção de sua inevitabilidade: sendo esta
inata ou instintiva. Para Albion W. Small — Americano (1854-1926) — em sua obra Sociologia geral(1913), os
interesses são os móbiles mais simples que podem ser descobertos na conduta dos seres humanos; a própria vida é o
processo de desenvolvimento, adaptação e satisfação de interesses. Para William Garham Summer — americano
(1840-1910) — em seu textoA ciência da sociedade(1872), a lei fundamental é a evolução, um processo espontâneo,
unilinear e irreversível que não pode ser modificado pelo esforço social; para ele, a evolução é impulsionada pela luta
pela existência, um combate que confronta o homem com a natureza e com os outros homens, sem que ninguém
possa ser responsabilizado pelas penas que um indivíduo impõe aos outros.

5 Evolucionismo psicológico: para Spencer, a evolução era a lei suprema de todo o devir, incluindo o da sociedade
humana. A mente humana, com a sua capacidade de deliberar e de escolher, não foi, portanto, um factor de
evolução; na verdade, a sua interferência na evolução foi bastante prejudicial. Em meados da década de oitenta do
século XIX surgiu um novo ramo do evolucionismo que, ao contrário da teoria de Spencer, atribuía à mente humana
um papel importante na evolução. Seus fundadores foram os sociólogos americanos Lester F. Ward (1841-1913) e
Franklin H. Giddings (1855-1931).
6 Evolucionismo econômico de Achille Loria (1857-1953): demonstra a tese de que o declínio gradual das terras livres
(terras das quais ninguém ainda se apropriou) é o fator básico do desenvolvimento social evolutivo. A este respeito,
ver Timasheff (1977).
7 Evolucionismo tecnológico: para Thorstein Veblen (1857-1929), a evolução social é essencialmente um processo de
adaptação mental dos indivíduos sob a pressão de circunstâncias que não toleram mais hábitos previamente
formados. A este respeito, ver Timasheff (1977).
8 Evolucionismo demográfico: para Adolphe Coste (1842-1901), um único fator determina a evolução da sociedade: a
crescente densidade populacional refletida nos tipos de aglomerações humanas. A este respeito, ver Timasheff (1977).

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Esses esclarecimentos permitem evidenciar a que melhor do que um bom governo é o


fusão que o autor propõe entre o organicismo autogoverno:
— que em casos extremos pode levar ao
comunitarismo ou ao sociologicismo — e ao [...] isso se deduz de sua tese de que o
individualismo, fusão que lhe permitiu desenvolvimento das faculdades do
explicar, a partir do sociológico, político e homem à medida que ele se afasta do
educacional, o funcionamento do social e a estágio predatório o leva a adquirir um
ação protagonista do indivíduo a partir da senso de justiça social que o faz agir como
competição dos mais fortes como dinâmica deve, tornando desnecessária qualquer
para o surgimento do progresso social. ação regulatória (Chiappe, 1983: 6).

Na esfera política, oprincípio da não intervenção No campo educacional, enfatizará a não


parece ser o slogan central de Spencer (Spencer, intervenção do aparelho estatal como regulador
1984), peculiar ao liberalismo nas suas da ação e defenderá o conceito de ensino
abordagens mais clássicas e neoliberais. Para o privado ministrado sob a responsabilidade do
autor, é conferida à natureza uma tendência critério livre de grupos de cidadãos particulares.
providencial de se livrar dos menos capazes e Tal educação, influenciada pela perspectiva
acomodar os mais dotados. Quem são os evolucionista, giraria em torno dos seguintes
melhores? Ele argumenta que eles não são os princípios pedagógicos:
moralmente superiores, mas os mais sãos e mais
inteligentes, uma ideia que lembra os 1. Em matéria de educação é preciso passar
argumentos de Smith e Ricardo sobre o do simples ao complexo e do empírico ao
nacionalismo e o individualismo metodológico. racional.
Sinais Spencer: 2. Todo o processo educativo deve propiciar o
autodesenvolvimento do indivíduo: a
Aquele que desperdiça a vida pela estupidez, habilidade, a inteligência e a capacidade de
pelo vício ou pela holganza, é da mesma adaptação às situações geradas pelo efeito
classe das vítimas de doenças ou da inovação tecnológica foram claramente
deformidades dos membros. Na realidade, colocadas como qualidades do mais apto
os doentes e aleijados não deveriam ser para sobreviver.
protegidos (Timasheff, 1977: 60). 3. Os currículos devem referir-se de forma
muito restrita às actividades futuras do
Dessa forma, Spencer resolve a clássica indivíduo na sua qualidade de cidadão e
questão em escala política sobre a relação trabalhador (Chiappe, 1983: 9).
entre o sujeito e a sociedade, a partir de um
individualismo extremo: “o indivíduo é o Esses postulados pedagógicos tiveram ampla
fundamental, a sociedade não deve interferir difusão no contexto mundial, sendo
na vida dos homens, o indivíduo tem que agir principalmente os Estados Unidos e a Inglaterra
e, ao agir, fará o que for melhor para si e para quem mais contundentemente se apropriaram
a sociedade” (Timasheff, 1977: 61). Se o das ideias spencerianas até perto da terceira
indivíduo é o centro do político, então a década do século XX. Neste contexto histórico,
sociedade só pode ser entendida como uma geográfico e social, as apostas futuras dos anglo-
empresa através de ações de proteção mútua saxões giravam em torno da implementação do
dos indivíduos. sistema capitalista e, com ele, da necessária
circulação do conhecimento moderno, que, tal
Estes postulados políticos, que derivam da sua como o evolucionismo social, permitiu que novas
perspectiva sociológica evolutiva, estão integrados práticas e representações fossem redes sociais
nas suas ideias pedagógicas, que giram em torno legitimadas que configuraram o que Max Weber
davamos fazê-loeducacional. Então, Spencer, em definiu comoespírito capitalista(Weber, 1994).
Ensaios sobre pedagogia,expõe

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O subsequente colapso dos postulados uma tentativa de argumentação sobre


spencerianos na tradição anglo-saxônica deveu- formas possíveis como o evolucionismo
se principalmente à disputa científica do início do social foi apropriada por pensadores da
século XX entre as escolas do evolucionismo degeneração da raça na Colômbia.
social e os neopositivistas, estes últimos
ancorados no postulado positivista da necessária No que diz respeito ao contexto histórico,
verificação empírica das teses expresso a partir político e educacional, ou o que é o mesmo, no
do teórico. O desafio do evolucionismo social, que diz respeito ao poder e controle sobre a
então, foi a verificação empírica dos seus instrução pública na Colômbia, após a Guerra
postulados conceituais. A partir dessa disputa dos Mil Dias (1899-1902) a educação formal
configuraram-se visões híbridas que fundiram as apresenta níveis muito baixos de organização e
ideias de Spencer com as novas exigências desenvolvimento. A Lei 39 tenta complementar
científicas dos positivistas lógicos. Autores como estas deficiências, dando especial ênfase à
Giddings (Timasheff, 1977: 109-117) e a sua ideia escolaridade primária. A escola e a criança
sócio-psicológica da existência de uma evolução
tornam-se prioridades, neste período, para a lei,
mental, bem como Cooley (Timasheff, 1977:
os padres e o governo. Para tornar esta
181-187), com as suas ideias do novo
preocupação uma realidade são organizadas as
organicismo, permitem-nos compreender o que
escolas primárias e normais. A Lei e os esforços
era a sobrevivência que as ideias spencerianas,
do Estado e da Igreja concentram-se em dotar
necessárias ao desenvolvimento do capitalismo,
certos departamentos de normais. Por volta de
tinham na tradição anglo-saxónica.
1930, efectivamente, algumas regiões obtiveram
algum desenvolvimento da instrução, mas
graças ao sentido de poder da Igreja – que
aparece como produto do seu trabalho,
DIZEREVOLUCIONISMO SOCIAL E compromisso e vocação como comunidades
SOCIOBIOLOGIA ESPECIAL EMC religiosas – que transcende os limites da Lei e do
Estado, ocupando o setor público. Neste sentido,
OLOMBIA no final do período, embora a escolaridade não
tenha aumentado muito, as escolas
Contando neste ponto com algumas das bases encontravam-se suficientemente organizadas,
conceituais que ilustram o quadro de especialmente nas três grandes capitais, Bogotá,
referência do evolucionismo social de Spencer, Medellín e Cali, com uma ligeira diminuição do
e com alguns de seus desenvolvimentos no analfabetismo e do abandono escolar no
contexto do conhecimento moderno, cabe a analfabetismo, bem como como um avanço na
seguir abordar o contexto dessas ideias e qualificação docente.
trajetórias mundiais. acadêmicos no avião
colombiano. Para tanto, será feita uma breve
descrição histórica da Colômbia do final do O governo conservador de José Manuel
século XIX e início do século XX, para então, a Marroquín9utilizou o instrumento da
partir da intersecção entre os postulados Concordata e estreitou relações com
spencerianos e a descrição, a ser feita comunidades religiosas para exercer o poder

9 José Manuel Marroquin (Bogotá, 1827-1908), foi presidente da Colômbia no período 1900-1 Foi sucedido, pela ordem:
Rafael Reyes (1904-1909), Carlos E. Restrepo (1910-1914), José Vincent Concha (1914-1918), Marco Fidel Suarez
(1918-1921) e Pedro Nel Ospina (1922) .-1926) e Miguel Abadia Mendez (1926-1930), todos de perfil conservador.
Posteriormente, ele assumiria o poder no que é conhecido como oHegemonia liberal,iniciando este período com
Enrique Olaya Herrera (1930-1934); seria sucedido por Alfonso López Pumarejo (1934-1938) e Eduardo Santos
(1938-1942). Esta hegemonia termina em 1946, quando os conservadores regressam ao poder.

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na instrução.10Além de contar com essa As políticas de instrução no governo de


experiência e com os serviços da Igreja Marrocos orientaram-se, então, em duas
Católica, o governo contou com legislação, direcções: por um lado, no controlo moral,
fiscalização e diversos controles ético e pedagógico dado à Igreja Católica e às
administrativos, jurídicos e pedagógicos para comunidades católicas; e por outro, no
reorganizar o sistema de instrução pública. controle técnico, social, produtivo e
organizacional do Estado. Com apoio estatal e
O que havia de novo nesta reorganização, legal, a Igreja expandiu as suas dimensões
controlo e administração pública, por parte locais e privadas e invadiu o público,
do governo central, não era o apoio das reformando instituições como os normais, as
comunidades e da Igreja (visto que o poder escolas de artes e ofícios, a escola primária e
desta se concretizara desde 1886 e com algumas faculdades importantes; tratava
especial destaque para a reforma do Libório também de textos pedagógicos, controlando
Amarelo (1893). )),11mas as medidas e os livros e saberes que poderiam circular na
disposições legislativas e administrativas instrução, e produzindo, ainda, discursos
que afetaram o aparelho e o sistema de morais e éticos diretamente relacionados às
ensino. Nesse sentido, o Estado emitiu a Lei práticas religiosas, para regular a vontade, a
39 de 1903, também denominadaLei Uribe, imagem e o fazer das crianças, dos jovens e
que deve seu nome ao fato de ter sido dos adultos.13
produzido na gestão de Antonio José Uribe.
12Esta lei era considerada lei orgânica, ou O Estado, por sua vez, a partir de uma postura
seja, lei geral para todo o país, e pretendia parlamentar e jurídica, tomou como
organizar todos os problemas visíveis da interlocutores os políticos partidários,
instrução, desde os planos, programas e recorreu a entidades administrativas e outros
métodos, até aos professores, seu espaços sociais, com os quais tentou outra
financiamento, formação, organização, forma de organização jurídica e administrativa
passando pelas crianças, pelo cidadão , pais, do público. Ele descartou ações judiciais e
abordando a instrução de forma diferente, judiciais que tentavam homogeneizar o
entidades administrativas e políticas como o ensino. Foi pensado também como o Estado
município, o departamento e a nação. Esta docente, ou seja, assumindo diversas
totalidade pública visava centralizar, responsabilidades na educação, como o seu
organizar e modernizar a instrução pública. financiamento, organização e controle.

10 A Concordata foi um contrato ou acordo firmado entre o Vaticano e o Estado colombiano, em 1887, pelo qual a Igreja
Católica, como religião nacional, foi autorizada a operar de forma livre e independente na Colômbia. Foram-lhe
concedidas prerrogativas importantes na vida civil e na educação, em áreas como casamento, religião, moralidade,
textos e ensino. Recordemos, ainda, que tudo o que se referia ao nosso contexto durante todo o século XIX no que diz
respeito à educação, foi denominado comoinstruçãoaté 1928. Não é objetivo deste artigo fazer uma análise por meio
da história conceitual (Conceitos discutidos), 1999.mas vale mesmo a pena fazer o respectivo unguento, e quando se
fala de instrução anterior a 1928 deve ser entendida como educação.

11 As continuidades e descontinuidades entre esta reforma e a Lei 39 de 1903 podem ser consultadas em Sáenz,
Saldarriaga e Ospina (1997: vol. 1, 189-237).
12 Antonio José Uribe (1869-1942). Nasceu em Antioquia. Advogado, deputado e professor de direito internacional. Foi
ministro da educação em 1903. Escreveu vários livros: Codioso da instrução pública(1911);A reforma administrativa da
Colômbia(1903);A reforma escolar e universitária(1903-1904). Em suas memórias como ministro pode-se consultar a
exposição dos motivos da Lei 39 de 1903. Entre as análises mais importantes da Lei 39 de 1903 e seu decreto
regulamentador, consulte os seguintes textos: Sáenz, Saldarriaga e Ospina (1997: vol. 1, 43); Helg (2001: 48) e Quiceno
(1988: 19-37).
13 Sobre uma análise da relação entre moralidade, ética e Igreja ver Sáenz, Saldarriaga e Ospina (1997: vol. 1: 249-264).

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Estes dois modelos de controlo e poder sobre Martin Restrepo Mejía.15Este bloco de pedagogia
a instrução tornaram-se cada vez mais visíveis, denominacional no poder cobriu e controlou a
mas cada vez mais contraditórios, a tal ponto maioria das decisões relativas às políticas
que entraram em oposição: a Igreja alargando educacionais nos primeiros anos do século XX.
o seu domínio sobre o público, impondo a sua Nesse período, liberais e intelectuais passaram
imagem e o seu poder religioso e moral, e o para segundo plano no que diz respeito à sua
Estado consolidando um território, instituições interferência nas políticas públicas em geral.
e discursos com um suposto sentido de Ainda assim, colaboraram com o governo e
modernização. Nesta força apareceram alguns com a Igreja, mas é sobretudo na
profissionais, políticos do partido Liberal e até abertura de novos campos do conhecimento,
intelectuais independentes, cujo papel onde a sua participação é mais importante. Na
consistia em ver estas contradições e tirar segunda década do século XX o papel de Agustín
partido dos seus problemas. Nesse espaço que Nieto Caballero16
se abriu, pressionado por razões técnicas, fundador, em 1914, do Ginásio Moderno de
produtivas e educacionais, surgiram diversas Bogotá. Os profissionais universitários,
experiências inéditas e independentes das especialmente economistas, pedagogos,
políticas governamentais e da Igreja, como o sociólogos e engenheiros e médicos,
foram as faculdades liberais, as cátedras de participaram ativamente da terceira década de
psiquiatria, psicologia e sociologia nas reformas intraestatais, reformas que, embora
universidades ( ) Bermúdez, 1931), o não tenham sido aprovadas diretamente pelo
associações de profissionais e a produção de governo central devido ao seu caráter periférico,
determinada literatura urbana e pedagógica. abriram o campo da educação e propiciaram
meios para novos desenvolvimentos do sujeito e
de seus discursos. Este sector de profissionais e
Por parte da Igreja, Monsenhor Herrera, intelectuais, ao contrário do governo central e
arcebispo de Bogotá, era quem controlava e dos conservadores, baseou-se não na lei, mas
fiscalizava a educação: currículos, títulos, em experiências de conhecimento e formas de
textos, comportamentos e decisões políticas experimentação que seriam então definitivas
e morais. Os Irmãos Cristãos da para novas reformas educativas.
comunidade de Salle foram os mais activos
na aplicação de reformas educativas e No período podem ser mencionados, além das
morais.14Da parte dos conservadores está, escolas normais, colégios de comunidades
no período, além de seu protagonista no religiosas como os Maristas, os Jesuítas e os
governo, Antonio José Uribe, o trabalho do Eudistas. Essas comunidades construíram
pedagogo escolas secundárias com recursos avançados

14 Esses Irmãos chegaram à Colômbia no final do século XIX vindos da França. Seu patrono, João Batista de la
Salle, nasceu em Reims. Os Irmãos destacaram-se pela experiência em seminários-colégios, que mais tarde se
normalizaram, onde se especializaram em línguas, ensino técnico e ensino mecânico. Eles dominaram a
educação primária e normalista na Colômbia de 1903 a
15 Martín Restrepo Mejía (1861-1936). Nasceu em Cali. Foi reitor da Universidad del Cauca e de alguns colégios de
capitais menores. Escreveu vários livros que se tornaram textos norteadores do ensino católico, entre eles: Elementos
de pedagogia(1911);O rótulo anti-álcool(1913);Pedagogia doméstica(1914), entre outros.
16 Agostinho Neto Cavaleiro (Bogotá, 1889-1975). Estudou direito, educação e psicologia na Europa e nos Estados
Unidos. Foi escritor, diplomata e jornalista, além de reitor do Ginásio Moderno, reitor da Universidade Nacional
e diretor do ensino primário e secundário da Colômbia. Ele escreveuEscola ativa(sf);Nossa bandeira(1932);Uma
escola(1966);Escola e vida(1979), entidade outros.

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EVOLUCIONISMO SOCIAL E SOCIOBIOLOGIA ESPECULATIVA NOS AUTORES DA DEGENERAÇÃO DA RAÇA...

tosses modernas em laboratórios e material Da mesma forma, a modernidade foi concebida


didático. Liberais e intelectuais pelos intelectuais colombianos do momento
preocuparam-se em criar escolas como a adoção do pensamento moderno e, com
secundárias com métodos ativos e com ele, daquilo que Giddens denominamecanismos
orientações mais abertas e amplas em de descontinuidade e dissociaçãodo mundo
termos de pedagogia e moral, como é o moderno: instituições modernas do Ocidente
caso do Ginásio Moderno de Bogotá. (como a escolaridade, a ciência e as empresas) e
sinais simbólicos (como o dinheiro e o tempo)
Neste contexto, assinado pela preocupação (Giddens, 1990).
do educativo, a Colômbia, instada a
participar na dinâmica da nova ordem A descontinuidade, tanto a diferenciação com o
mundial, enfrenta a necessária apropriação tradicional ou o passado, como a dissociação,
do moderno, isto é, das condições que do entendida como formas globais de integração
pensamento à atividade social foram básicas das sociedades modernas, permitiram, na
para a adoção de estilos e modos de vida consciência dos nossos intelectuais do início do
ocidentais. Desta forma, para os autores do século XX, acreditar que, sob os desígnios dos
textoVeja a infância: saberes, os positivistas modernos poderiam
alcançar , no nosso contexto, novas formas de
ser e de estar, capazes de nos tirar da era
Entre 1900 e 1934, no corpo documental
minoritária em que se encontravam a nossa
estudado, a noção de moderno é
sociedade e os seus habitantes.
apresentada com regularidade
sistemática, para legitimar como válido,
científico e objetivo um conjunto de As ideias do evolucionismo social – na medida
princípios pedagógicos, psicológicos, em que o saber-fazer moderno – chegaram ao
pagológicos, higiênicos, biológicos, nosso país entre 1860 e 1934, e conseguiram
fisiológicos, médicos e eugênicos. penetrar fortemente nas estruturas cognitivas e
Também foram encontradas imagens de nos interesses de alguns dos nossos pensadores,
instituições modernas, novos entre eles Miguel Jiménez López17e Luis Lopez da
conhecimentos, renovação racial e Mesa.18Estes autores, a partir da sua visão da
nacional. O moderno foi concebido como
nova dinâmica geopolítica do geoconhecimento
um símbolo de novidade que, mais do que
mundial, encontraram nos argumentos
construir sobre o passado, pretendia
sociológicos de Spencer um quadro de referência
romper com o antigo, com o tradicional e
a partir do qual não só explicar o estado da
com o clássico. Para os profetas desta
nova era – jovens, vigorosos, confiantes – nossa nação, mas também pensar em possíveis
só parecia existir um presente e um futuro rotas ou linhas de intervenção. Assim, o
repleto das imensas possibilidades que o evolucionismo social serviu de base ou referência
moderno permitiria alcançar (Sáenz, teórica e ideológica para identificar, como
Saldarriaga e Ospina, 1997: 7-8). baluarte da separação do tradicional,

17 Alguns escritos do médico conservador Miguel Jiménez López a respeito da degeneração da raça são:Escola e
vida(1928) eO atual desvio da cultura humana. Discursos e ensaios(1948).
18 Os seguintes escritos de Luis López de Mesa permitem-nos compreender a sua visão sobre a degeneração da raça (deve-se notar que
embora este autor nunca tenha falado de degeneração, referiu-se a uma certa minoria da nossa raça, tanto em “fraqueza” ou
“depressão”); : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :De como a nação colombiana foi formada(1970a),Escrutínio sociológico da história colombiana(
1970b)e orações panegíricas(1963).

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a conformação defeituosa de nossa raça, da […] as massas populares eram bárbaras e


qual os taras foram privados intelectual, moral perigosas; nada tinham em comum com as
e socialmente do colombiano.19 elites cosmopolitas e citadinas que estavam
habituados a frequentar ou com os europeus
A apropriação por parte destes intelectuais com quem gostavam de se comparar (Helg,
das ideias evolucionistas encontra o seu 2001: 111).
quadro de referência na vocaçãoMovimento
eugênico latino-americano,concentrado Esses pensadores assumem, a partir de
basicamente na visão argentina de apropriações feitas ao movimento eugênico
“branqueamento” da população ou mudança global e latino-americano, diferentes posturas
progressiva da raça nativa pelos fenótipos sobre a degeneração racial e a melhor forma
europeus através da imigração de de intervir nela. Assim, para o médico
estrangeiros, e o caso brasileiro, centrado no conservador Miguel Jiménez López e para os
estudo das condições socioculturais, entre liberais Luis López de Mesa e Calixto Torres
elas, a educação, são passíveis de serem Umaña, a questão da degeneração racial foi
transformados e melhorados com o altamente influenciada pelas condições
genéticas e geográficas, o que fez dos nossos
consequente impacto na “evolução” positiva
nacionais uma versão deformada dos ideais
dos nacionais. Essas duas posições foram
estéticos, intelectuais e morais. dos povos
denominadas globalmente como linha dura da
europeus e anglo-saxónicos. Por outro lado, os
genética ou posição mendeliana, característica
médicos Jorge Bejarano e Alfonso Castro, nos
dos Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra, no
seus debates em torno da degeneração racial,
contexto da influência das ideias spencerianas,
defendem a existência de condições sociais e
e neo-olamarkianismo ou genética suave,
culturais que funcionam como causais de tal
característica dos países latino-americanos.
degeneração, sem com isso serem partidários
Brasil e Cuba (Noguera, 2003: 25).
de posições deterministas em relação aos
aspectos genéticos e geográficos. ; daí que as
Assim, o evolucionismo social se perfila suas propostas girem em torno da ideia de
como a principal fonte de argumentos e escolarização ou alfabetização do povo
explicações dos quais os autores da colombiano (Noguera, 2003: 26). A condição
degeneração racial se apropriaram para a básica destas posições continua a ser as ideias
configuração de seus imaginários sociais e evolucionistas de melhoria da raça
políticos racistas, definidos por Sáenz, colombiana, à luz de argumentos derivados de
Saldarriaga e Ospina comosociobiologia uma certa sociobiologia especulativa.
especulativa(1997: 19). Para Aline Helg, os
pensadores da degeneração racial foram os
jovens intelectuais da Geração Centenária, A sociobiologia especulativa se apropria da
entre eles: Miguel Jimenez Lopez, Luis Lopez lei da evolução de Spencer, adotando os
de Mesa, Calixto Torres Umaña, Simon princípios da seleção natural e da luta do
Araújo, Jorge Bejarano, Lucas Caballero, mais apto como referências para explicar a
entre outros. Para este autor, os pensadores situação em nosso país. A este respeito, os
da degeneração racial consideravam que autores de escrevemVeja a infância:

19 Sobre a chegada das abordagens de Spencer à Colômbia, Luis López de Mesa expressa: “[...] o que aconteceu até hoje
neste país, como antes permaneceu expresso para o século XIX. No início do presente ainda disputavam nele três
escolas estrangeiras: a tomista, que governava imperialmente o ensino oficial e tinha em Rafael María Carrasquilla
caudilho de galana dicção e muitas luzes, para a Metafísica, e em Julián Restrepo Hernández hábil comentarista de
lógica; o positivismo spenceriano que continuou na Universidade Republicana com o exímio Tomás Eastman, o
tratador Ignacio V. Espinosa e o educador Antonio José Iregui; e o grupo, em suma, de rapazes centenários que lêem
avidamente Bergoson, Taine e Boutroux [...]” (1970: 234).

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EVOLUCIONISMO SOCIAL E SOCIOBIOLOGIA ESPECULATIVA NOS AUTORES DA DEGENERAÇÃO DA RAÇA...

Por outro lado, desde 1860 as teorias do rística que dificultava o controle das
evolucionismo social do filósofo e pedagogo emoções e dos impulsos instintivos. Da
inglês Herbert Spencer, com as suas noções mesma forma, para o pedagogo ativo
de luta pela vida, sobrevivência dos mais Gabriel Anzola Gómez, os colombianos
aptos e selecção natural e social, dominaram poderiam ser caracterizados como
as interpretações dos fenómenos sociais do “tropicais” e, portanto, como “instintos
país (Sáenz, Saldarriaga e Ospina, 1997: 80). naturais”, ou seja, possuidores de “uma
forte sensibilidade” que nos dá aquele tom
afetivo e que nos parece com crianças
Esta ideia spenceriana é aparentemente (Sáenz, Saldarriaga e Ospina, 1997: 14).
apropriada na Colômbia por causa da
sociobiologia, na medida em que explica a A idade minoritária não só abrigaria as etapas
nossa situação atual (Jiménez, 1948); mas não evolutivas do sujeito em termos de infância e
consegue ser totalmente consistente com as adolescência, mas também a consideração
geopolítica de que a nossa nação é mais jovem
ideias de Spencer, pelo menos no que tem a
e, portanto, passível de ser intervencionada ou
ver com o individualismo e a primazia no
“ajudada” pelas sociedades mais antigas,
contexto social da sobrevivência do mais apto.
ideias que legitimam o intervencionismo.
Da mesma forma, vai contra a abordagem de Assim, tanto a condição etária minoritária
Spencer em termos do princípio da não (infância e adolescência) dos sujeitos
intervenção do Estado em questões de individuais como das sociedades infantis são
educação e saúde pública, porque como transformadas em espaços e tempos
expõem os autores da sociobiologia do país, o panópticos, isto é, em objetos de intervenção
estado tem que intervir na regeneração da e vigilância, formas de biopoder, que ainda
raça; daí, por exemplo, as propostas para a persistem em nós, consciências coletivas.
escola de exame e defesa.20
Deve-se ter em mente que o principal espaço –
Por outro lado, a analogia do organismo social tanto quanto uma instituição moderna do
também opera a partir da sociobiologia como Ocidente – para a intervenção nesta dolorosa
elemento explicativo da nossa situação. A realidade foi a escola, entendida como cenário
partir desta analogia spenceriana entende-se de apropriação do conhecimento moderno,
que a nossa sociedade, sendo um organismo que a situa, desde a instalação de processos
em evolução, ainda não atingiu estágios de modernização, como instituição capaz de
reconfigurar o nosso país. Diante do exposto,
superiores de seu desenvolvimento; portanto
a cultura escolar na Colômbia implicaria a
ele está em minoria. A figura retórica do
entrada, cada vez mais forte, na consciência
organismo social permite-nos dizer, então,
dos sujeitos, dos referentes especialistas da
que a nossa sociedade é uma sociedade modernidade, com olhares acríticos destes, e
nascente, da qual se deve desconfiar. por enquanto, com plena confiança em suas
fórmulas mágicas e tábuas de salvação para o
Tratava-se de um discurso de normalização nosso povo. Para este contexto, os limites
da subjetividade aliado ao de normalização escolares tentariam funcionar como fortalezas
da raça colombiana, em que a desconfiança imperturbáveis que funcionariam como
no indivíduo se confunde com a filtros através dos quais os legados
desconfiança na raça. É neste sentido, para o “degenerados” da aldeia não conseguiriam
médico Miguel Jiménez López, que a raça infiltrar-se na escola e, portanto, diminuir os
nacional apresentava uma acentuada seus efeitos na socialização das gerações
fraqueza de vontade, carácter- recém-chegadas.

20 Sobre o surgimento da escola defensiva na Colômbia ver Sáenz (1993-1994) e Sáenz, Saldarriaga e Ospina
(1997).

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CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Uma vez exposto todo o exposto, é conveniente ANZOLA GOMEZ, Gabriel, 1935, “Os Três
destacar a influência que o pensamento racista Problemas da Infância”,Jornal de saúde e
desses autores teve na formação das formas de bem-estar,Bogotá, não. 51.
representar e compreender a realidade sócio-
histórica da Colômbia da época, bem como suas BERMUDES, Joseph Alexander, 1931,
influências nas políticas subsequentes adotadas “Palestras de sociologia”,Anais da Faculdade
em relação com estratégias de regeneração de Direito e Ciências Políticas da
racial como consciência higiénica, cultura Universidade Nacional,Bogotá, não. 13.
corporal, imigração europeia, alfabetização,
BERNAL JIMENEZ, Rafael;Educação, aqui está
entre outras. Tais estratégias e seus correlatos
o problema,Bogotá, Imprensa do Ministério
legislativos, educacionais e políticos vão
da Educação Nacional.
configurar uma das características centrais da
Colômbia 1900-1940, tendência de movimento
CHIAPPE, Clemency, 1983, “O Pensamento
enquadrada segundo os autores do texto
Educacional de Herbert Spencer e John Dewey”,
Olhando para a infância: pedagogia, moral e In:Simpósio permanente sobre a universidade,
modernidade na Colômbia, 1903 - 1946,como o Segundo seminário geral 1982 – 1983, Bogotá,
surgimento de uma certa moralidade biológica. Associação Colombiana de Universidades
(ASCUM), Instituto Colombiano para a Promoção
da Educação Superior (ICFES).
Omoralidade biológicavisa, tanto no campo da
enunciação, fornecer as bases ideológicas a DURKHEIM, Emil, 1985, .A divisão do serviço
partir das quais se pode compreender a social,Bogotá, Planeta Agostini.
importância do estudo e da intervenção do
corpo, como indicador básico e ferramenta GIDDENS, Anthony.Consequências da
para a regeneração racial. Tal moral reivindica Modernidade,Barcelona, Península.
a preocupação com o corpo, aparentemente
esquecido dos referentes da moral católica, GURVITCH, George.Três capítulos da história
por sua concepção do corpo como fonte de da sociologia: Comte, Marx e Spencer,
“pecado”, e centra seu interesse na proposta Buenos Aires, Edições Nova Visão.
de formação do corpo ou da cultura como
FOUCAULT, M., 1991.A arqueologia do
elemento central do desenvolvimento moral. e
conhecimento,México, século XXI.
intelectual dos colombianos da época.

HELG, Aline, 2001,Educação na Colômbia:


Por fim, pode-se afirmar que a questão
1918-1957,Bogotá, Série Educação e Cultura,
racial a partir do olhar evolucionista, na
Universidade Pedagógica Nacional, Plaza &
Colômbia do início do século XX, obedeceu a Janés.
influências políticas, intelectuais e
educacionais globais, olhar hegemônico da JIMENEZ LÓPEZ, Michael, 1928,A escola e a
época que em sua contextualização no país vida,Bogotá, Lausana.
deu origem ao pensamento dos autores da
degeneração da raça e suas consequentes _______________, 1948,O atual desvio da
estratégias de intervenção ou apostas pela cultura humana. Discursos e ensaios,Tunja,
regeneração racial. gráfica oficial.

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panegíricas,Medellín, Edições Acadêmicas, Medellín, Universidade de Antioquia,
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REFERÊNCIA
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Universidade de Antioquia, Faculdade de Educação, vol. XVII, não. 42,
(maioagosto), 2005, pp. 131-144.

Original recebido: abril de 2005


Aceito: junho de 2005

A reprodução do artigo é autorizada mediante citação da fonte e créditos dos autores.

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