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Texto para a Exposição no Seminário sobre “Da Antiguidade Tardia à Idade Média, parte 2:

Tomás de Aquino: o Restabelecimento da Natureza” de José Carlos Estêvão.

As mudanças de eixo filosófico, de um neoplatonismo agostiniano para a leitura aristotélica de


Tomás de Aquino tem suas implicações no âmbito da filosofia política, recorte escolhido pelo
livro pra mobilizar suas exposições. Logo no começo do capítulo destinado a tratar deste
momento, estêvão comenta sobre a discordância dos autores em relação a natureza do
homem (condição caída e natureza humana), implicando em uma mudança de visualização
com que diz respeito a natureza da política.

Para agostinho, os homens só se tornam políticos, apenas passam a dominar os outros


homens, não mais meramente os objetos, em decorrência da queda, do pecado, associando
então, o fazer político dos homens a sua condição decaída; em contrapartida, Tomás definira o
homem como “NATURALMENTE POLÍTICO”, sendo o fazer político parte indispensável dos
assuntos humanos. O autor nos alerta para uma distinção necessária de ser feita para o termo
“dominação”. Em agostinho, dominação se entende como a ação de um subjugar a outros
tendo em vista fins que apenas o dizem respeito, uma concepção tirânica de dominação, esta,
também tratada em tomas como “antinatural”, desviante. Sendo, esta outra forma de
dominação, aquela onde um subjuga o outro em vista do BEM COMUM, não apenas natural,
reta, mas condição NECESSÁRIA para a realização plena da natureza humana. A transição da
política para o âmbito das coisas naturais, a configura, como todas as outras coisas desse
domínio – criadas por deus – como BOA EM SÍ MESMA.

Tomás de Aquino, diferente de agostinho, teve acesso a obra da política aristotélica e – como
diz estêvão – fora ele e seu mestre (Alberto Magno) os dois primeiros comentadores da
Política, nem averróis, famoso por seus comentários as obras do filosofo, não chegou a ler os
textos políticos. A forte influência do trabalho aristotélico para o campo da filosofia política se
deve, em enorme parte, à recepção e disseminação feitas por Tomás na Europa Latina.
Consome da obra aristotélica a concepção da Política como uma ciência, e especificamente
uma ciência sui generis , versando sobre aquilo que é próprio da natureza, mas que, esta
inscrito em sua natureza a dependência da escolha humana.

Tratando da sociabilidade dos homens, é preciso que se busque o que é próprio dela, a
distinguindo das demais, visto que ser um animal social não é exclusivamente um atributo
humano, é visível que em muitas outras espécies indivíduos vivem juntos. Os seres humanos –
tal como outros animais - se congregam, em um nível elementar da sociabilização, para
procriar e viver. Para viverem, se associam em famílias, reunindo o homem, a mulher e a prole;
reunidos sobre a direção do senhor, que pelo critério da capacidade intelectual
direciona/comanda o restante da família e seus escravos. Para propiciar a sobrevivência das
famílias, o próximo passo é a associação entre elas, criando uma comunidade dos vizinhos – as
vilas. Por fim, a associação entre vilas formará o que entendemos por CIDADE. As diferenças
entre os diferentes estágios de sociabilização humana não são apenas quantitativas, mas
também qualitativas, visto que a cidade – e por conta disso, se distinguindo das associações
anteriores como SUPERIOR – visa não apenas garantir a vida, mas A BOA VIDA. A cidade
constitui então a mais perfeita forma de associação, fim para qual as outras tendem, aquela
que melhor cria as condições para a realização plena da natureza dos homens que nela estão
associados.
Seguindo a exposição, o autor nos apresenta uma possível questão: se a cidade fica
estabelecida como NATURAL, é justo que se espere que todos os homens vivessem civilmente,
que todas as formas de associação tenderam ate chegar ao ponto de cidade, mas não é isso
que ocorre. Já no texto aristotélico se é inserido a ideia de “bárbaros” (então os “não gregos”),
o que faz com que Tomás repense então como conceber esse termo. Ele não parte da
nacionalidade para defini-lo, remetendo-se quando o emprega a “aqueles que não são regidos
por leis nem distinguem as proeminências segundo a natureza” – o caso de comunidades que,
na distribuição social de tarefas e funções, não levaria em conta o critério natural de
sabedoria, sendo regidos pelos mais fortes ao invés de pelos mais sábios. Portanto, se mostra
possível que hajam comunidades humanas que, no entanto, não são cidades.

No livro “Aristóteles e Política” de FRANCIS WOLFF, em específico em seu capítulo “A felicidade


de se viver junto: análise dos dois primeiros capítulos da Política” (pág. 35) o autor nos elucida
a forma como Aristóteles apresenta e desenvolve a CIDADE em sua obra. Segundo Wolff, nos
dois primeiros capítulos de sua Política, Aristóteles constata suas premissas, concluindo delas o
que o Wolff denomina como “TESE GERAL”, dominante na obra: “A cidade tem por finalidade o
soberano bem”. Essa conclusão parte de três premissas:

1 - A cidade é uma comunidade

2- Toda comunidade é constituída em vista de um certo bem

3- De todas as comunidades, a cidade é a mais soberana e aquela que inclui todas as outras

Tendo estabelecido esses três pontos, é evidente que o BEM buscado pela comunidade
soberana seja o BEM SOBERANO.

Essa tese é fundamental, sendo ela a responsável pela singularização da perspectiva


aristotélica em relação as demais: Aristóteles não parte de razões comuns a qualquer
associação (ao ato de associar-se) para justificar a cidade (como seria se dissesse que a cidade
existe pois os homens necessitam viver no sentido de sobreviver), mas atribui a cada tipo de
comunidade uma razão própria de ser, conferindo para a Política uma “espera singular”, como
diz wolff. Para as razões singulares da cidade, os homens nela vivem não por ser esta a única
maneira possível de ser, mas o fazem com o intuito de ATINGIR O SUPREMO BEM.

Voltando ao texto do Estêvão, aqui no paragrafo 13 ele ira inserir um novo ponto para
continuar a discussão: a propriedade humana da fala. Outros animais também conseguem se
comunicar emitindo sons, conseguem comunicar dor, prazer, alegria, tristeza, perigo. Mas os
homens, além de também comunicarem tais sensações, também dizem o UTIL E O NOCIVO, o
JUSTO E O INJUSTO, sendo a concepção de do útil-nocivo bem vinculada ao do justo-injusto.
Nos homens, distinguimos de modo JUSTO o que é UTIL e o que NOCIVO, sendo papel da
JUSTIÇA observar a igualdade ou a desigualdade entre esses parâmetros. Temos a capacidade
de dissernir o BEM e o MAL, escolhemos entre eles, e ao escolhermos o bem,
DELIBERADAMENTE ESCOLHEMOS NOS ASSOCIAR EM CIDADES. A cidade “é instituída pela
indústria humana”, quando os homens, discernindo entre o justo e bom e o injusto e nocivo,
escolhem não apenas sobreviver, mas VIVER BEM, viver segundo O QUE É JUSTO.

Logo, a natureza humana depende da ESCOLHA dos homens em VIVER REGIDOS PELA JUSTIÇA,
VISANDO O BEM SUPREMO para se realizar, “é da natureza humana ser simultaneamente
determinada pelo seu próprio movimento natural e pela escolha deliberada. A cidade é
simultaneamente natural e instituída” nas palavras de Estêvão.
Por conta desta da determinação segundo a ESCOLHA – não apenas o movimento natural – é
que a natureza humana carece de uma ciência própria para si, que considere aquilo que
depende da operação humana, isso é, CIENCIAS PRATICAS, não ESPECULATIVAS, responsáveis
por conhecer aquilo que INDEPENDE dos homens (como os movimentos dos astros e a geração
dos seres naturais). Tais ciências são a Ética e a Política, elas, por versarem sobre a prática
humana, não são ciências na mesma medida que as ciências especulativas, fim em si mesmas,
mas são evidentemente superiores as técnicas, visto que de fato tratam sobre aquilo que é
natural, não apenas da pura ação humana.

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