Você está na página 1de 12

PSICOLOGIA

SOCIAL

Daiane Duarte Lopes


Grupo como lugar da
diferença e não da
homogeneidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Compreender os processos formadores de subjetividade nos grupos.


„„ Analisar os processos de homogeneização e de heterogeneidade no
funcionamento grupal.
„„ Identificar grupo como lugar da diferença e como potencializador
da diversidade.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar o grupo como lugar da diferença e não
da homogeneidade a partir da compreensão dos processos formadores
de subjetividade nos grupos, visualizando o grupo como instância para
a possibilidade de criação de encontros. Em seguida, você analisará o
funcionamento grupal sob a influência dos processos de homogeneização
e heterogeneidade, compreendendo o grupo como lugar de fuga para
lógicas hegemonicamente instituídas. Por fim, você identificará o grupo
como lugar da diferença e como potencializador da diversidade.

Processos formadores de subjetividade nos


grupos
Os grupos se constituem enquanto lugar ao oportunizarem espaço para a
fuga de lógicas instituídas, engessadas em si mesmas ou impostas por forças
externas. O grupo caracteriza, em si, uma instância de encontro: mais do
que estar junto ou ocupar uma mesma estrutura, os sujeitos pertencentes a
2 Grupo como lugar da diferença e não da homogeneidade

um grupo se conectam por suas características internas e por seus objetivos,


sonhos, desejos, ideais de mundo e de viver em coletividade na sociedade.
Bronfenbrenner (1996) discute, em sua teoria bioecológica, sobre o de-
senvolvimento dos sujeitos por meio de uma combinação entre as mudanças
pessoais e contextuais. Tais mudanças se estruturariam de acordo com um
modelo de regulação e com um modelo de interação recíproca, constituindo
identidades, atitudes, crenças e atribuições do sujeito em desenvolvimento
em relação à família, à cultura, bem como à estrutura organizacional das
instituições sociais e aos grupos aos quais está inserido, tais como escola,
espaços de convivência, entre outros.
Ou seja, os grupos oportunizam o desenvolvimento ampliado dos sujeitos
atribuindo significâncias para além dos processos psicológicos tradicionais,
como percepção, motivação, pensamento ou aprendizagem, potencializando
o conteúdo desses processos transversalmente à maneira como cada sujeito
percebe, sente, analisa ou absorve como conhecimento. Nesse sentido, o
grupo disponibiliza aos sujeitos a experiência de processos nos quais seja
possível a manifestação da natureza integral desse material psicológico em
desenvolvimento com o seu meio ambiente.
O processo de produção da subjetividade aponta para a incorporação de
modos de ser decorrentes do contato entre grupos. Martins (2003), ao indicar o
grupo enquanto uma estrutura de vínculos e relações de pertencimento, refere
que, no grupo, é possível a canalização, de acordo com as especificidades
individuais e/ou coletivas, da constituição de uma estrutura social delineada
pela subjetividade.
Ou seja, a produção da subjetividade se configura em decorrência da for-
mação de redes de relações, nas quais os sujeitos encontram no grupo pistas
sobre si mesmo por meio do espelhamento oportunizado pela configuração
grupal. Para Deleuze e Parnet (1980), os processos de identificação e produção
de subjetividade se desenvolvem primeiramente a partir de forças verticais,
como as estabelecidas nas instituições como a família, o Estado, entre outras,
e conforme o avanço no desenvolvimento os sujeitos vão sendo influenciados
por outras forças, tais como as estruturadas pelos meios de comunicação, que
acabam por contaminar os modos de ser de maneira horizontal.
Dessa maneira, podemos compreender a produção de subjetividade a partir
de aspectos multifatoriais implicados no desenvolvimento do sujeito no grupo
e, consequentemente, no grupo como uma unidade. As constantes transfor-
mações nos modos de existir tornam necessários tanto o reconhecimento de si
quanto do outro em meio a um complexo sistema de relações sociais presentes
antes mesmo da existência do sujeito no grupo e no mundo (ADORNO, 1985).
Grupo como lugar da diferença e não da homogeneidade 3

Nesse sentido, tais aspectos desenvolvimentais apontam para os processos


formadores da produção de subjetividade sob, inclusive, perspectivas políticas,
uma vez que o grupo se delimita à luz de um tecido social. Atualmente, as
redes sociais, o contexto cultural e socioeconômico, assim como as forças
institucionais presentes nas relações, são potentes fatores, capazes de disparar,
realizar ou paralisar reposições constantes das subjetividades que atravessam
os grupos.

As redes sociais são fortes aliadas para a criação de espaços nos quais os grupos
possam exercer a possibilidade de expressar suas subjetividades. Por meio das redes
sociais, os grupos podem interagir com debates ou com a estruturação de encontros
presenciais e virtuais, estabelecendo a criação de reflexões sobre seu existir cotidiano,
colocando em evidência análises e problematizações acerca do contexto social, cultura,
econômico, histórico entre outros territórios pertinentes aos processos formadores
de subjetividades.
No entanto, é necessário estar atento aos aspectos relacionados à funcionalidade
grupal nas redes sociais, pois existe certa tendência da rede social de estimular conflitos,
por se tratar de um ambiente idealizado no qual as relações são filtradas pela distância
em um ambiente composto por avatares interligados por algoritmos institucionais
que tendem a formar grupos com pessoas que já têm uma confortante ideia de uma
verdade homogênea e, muitas vezes, alienadora.

Processos de homogeneização e de
heterogeneidade no funcionamento grupal
O grupo é composto por regulamentos internos formais ou informais esta-
belecidos conforme uma consciência de pertencimento, união e segurança
perpetuada pelos sujeitos no grupo, bem como em relações entre grupos.
Dessa maneira, o funcionamento grupal pode atuar, muitas vezes, de forma
contraditória e de acordo com preceitos instituídos culturalmente, como ar-
gumentado por Lane (1984).
Assim, o funcionamento grupal é atravessado por processos que conduzem
maneiras de se constituir, desenvolver e estabelecer. Esses processos podem
atuar para a homogeneização ou heterogeneidade de aspectos fundamentais
para o andamento evolutivo do grupo.
4 Grupo como lugar da diferença e não da homogeneidade

O processo de homogeneização indica que valores e normas culturais são


assimilados como normas e regras sociais próprias naturalizadas e, por vezes,
até mesmo reproduzidas como se criadas e geridas extraordinariamente pelo
grupo. Desse modo, o processo de homogeneização pode apresentar-se ao
funcionamento grupal como uma forma eficaz na busca por manter o controle
social sobre o pensar, o fazer e o sentir (LANE, 1984).
A homogeneização como processo dinâmico de funcionamento grupal
atua de maneiras ambivalentes, pois, ao mesmo tempo em que busca esta-
belecer a homeostase no grupo – por meio da potencialização de maneiras
de ser, desenvolver-se e atuar do grupo que sejam o mais similar e previsível
possível –, buscando instituir modos de existir comuns a todos, como em
grupos escolares, também tende a provocar o silenciamento das diferenças e
diversidades existentes no grupo, impossibilitando a atuação de funcionamentos
que escapem de uma lógica instituída previamente pelo grupo.
O funcionamento grupal se desenvolve, também, sob influência dos pro-
cessos de heterogeneidade. Nesse processo, o grupo identifica-se a partir
de e em meio a ideais que podem interagir tanto com idealizações quanto
para os mais elevados princípios e ações éticas, como podemos observar
em grupos reivindicatórios por direitos e respeito às diversidades, como os
grupos feministas.
Nos processos que oportunizam a heterogeneidade do funcionamento
grupal, reside, portanto, uma identificação dos membros do grupo entre si,
respeitando as singularidades e ainda assim possibilitando a identificação
desses membros em torno de um ideal comum. A heterogeneidade estabelece
como preceito fundamental o respeito às relações entre os componentes do
grupo ao mesmo tempo em que pretende a preservação de símbolos e discursos
que podem ser individuais ou coletivos – por exemplo, em grupos de pais de
estudantes, nos quais ainda que haja ideais comuns, as especificidades de
cada estudante preservam o respeito à heterogeneidade para o funcionamento
grupal (LANE, 1984).
O funcionamento grupal transcorre de acordo com as possibilidades e
os limites presentes nas relações entre os componentes dos grupos, seja
nos processos de homogeneização, quando se propõe a estabelecer formas
de formatação dos modos de ser, seja nos processos de heterogeneidade
no sentido de uma efetiva coordenação e concretização dos interesses e
ideais compartilhados, mas que preservam as peculiaridades e pluralidades
dos componentes do grupo, do grupo em si e do grupo com relação a sua
realidade e com o mundo.
Grupo como lugar da diferença e não da homogeneidade 5

Grupo: lugar da diferença e potencializador da


diversidade
Os grupos surgem, ao longo da história e também nos tempos atuais, como
imensos caleidoscópios de normas e padrões, assim como de valores cultu-
rais, dialetos e modos de se comunicar, crenças, heranças significantes entre
outros modos de existir e de se estabelecer como instância e estrutura. O
grupo oportuniza que modos distintos de ser e de viver possam se concentrar
e conviver em um mesmo lugar.
A atualidade produz, nos grupos, o desenvolvimento de uma cultura por
intermédio dos meios de comunicação, como elementos da transformação
social em um processo amplo de desenvolvimento e construção de lugares
que possibilitem a existência de diferenças que preservam as singularidades.
Nesse sentido, em meio à fluidez de informações, o grupo se estrutura como
espaço para a diversidade, no encontro com o excepcional, no reconhecimento
da distinção entre o individual e o coletivo interconectado e, ao mesmo tempo,
interdependente, supondo, concomitantemente, a reafirmação da diversidade
e da diferença como parte de um mesmo processo de constituição cultural e
identitária.
Assim, a diversidade, sob a ótica do funcionamento grupal, colabora com
uma profunda ampliação na compreensão do que entendemos por diferença.
A diferença deixa de ser assimilada como mera desigualdade radical entre
culturas, nas quais se estabeleceria enraizada em territórios específicos,
dotada de um centro e de fronteiras nítidas geradora de estranhamento e,
consequentemente, perturbações e ameaças, para se estabelecer como lugar
para a existência do que é único e singular, ao mesmo tempo em que potencia-
lizador de características que contribuem para a criação de formas ampliadas
de olhar e compreender a si enquanto grupo e enquanto agente facilitador da
transformação social.
Dessa maneira, a diversidade enquanto potência possibilita o enfrenta-
mento e a superação de modos hegemonicamente instituídos de existir por
meio da construção de esquemas referenciais para a fuga de lógicas comuns
e engessadas de viver. A diversidade dos modos de pensar e existir dos
componentes do grupo visa motivar a dialética, assim como a capacidade
de problematizar a realidade e reconhecer o desconhecido ou não elucidado
como ferramentas para uma compreensão mais profunda sobre questões
previamente impostas.
6 Grupo como lugar da diferença e não da homogeneidade

Portanto, ao enfocar o processo de potencialização da diversidade a par-


tir da abertura de um espaço para a criação de um lugar para a diferença,
estabelece-se uma visão de mundo que ultrapassa a representação estática.
Nesse sentido, a diversidade implica oportunizar o tornar-se singular por
meio de uma orquestração entre diferenças e similaridades do grupo diante
de si mesmo e do outro – ainda que as múltiplas relações e seus contrastes
propiciados pelo contexto convoquem uma atuação complexa de ser.
O grupo oportuniza o encontro com o diverso a partir de diálogos que atuam
como instrumentos nos quais, ao mesmo tempo, unem-se e distinguem-se
os contrários. Nesses termos, podemos compreender o grupo sob aspectos
necessários para a fluidez de sua funcionalidade, tais como: haver outro que
atribua significado e sentido para que se passe a nomear sentidos e se adquira
existência, de modo que, a partir da interação, configurem-se representações
sociais manifestas no encontro com o diverso na proliferação de modos reno-
vados de se posicionar no mundo (MATOS, 1998).
O encontro com o diverso, com a diferença e, consequentemente, com a
diversidade, apresenta-se no grupo, refletindo em seu contexto, ou seja, aquilo
que no grupo encontra lugar para se diferenciar, inaugura um movimento
de misturar-se assumindo a diferença como condição de existência perante
o outro (SCHMIDT, 1997). Tais movimentos permitem uma metamorfose,
assim como uma plasticidade na maneira de estabelecer relações consigo e
com o outro, em busca de novas invenções e no desenvolvimento de criações
inovadoras nos modos de existir social, cultural e afetivamente.

As novas configurações sociais acabaram por elevar os índices de pobreza e miséria em


muitos países da América Latina, levando a uma crescente onda de imigração e, assim,
naturalmente, alguns grupos têm se configurado a partir dessas demandas. Em uma
grande cidade do Sul do Brasil, os espaços de acolhimento para adultos, conhecidos
como albergues, que antes recebiam como público sujeitos isolados em situação de
dependências químicas ou andarilhos, têm acolhido grupos de pessoas que estão se
deslocando dos países vizinhos. Esses sujeitos chegam a grupos formados por pessoas
que estão vivenciando a mesma situação, mas que apresentam uma diversidade
infinita de demandas sendo constituídos por homens, mulheres, crianças, idosos,
das mais diversas, crenças, raças e etnias, e ainda assim preservam uma unidade de
funcionamento grupal própria e construída a partir das diferenças na potencialização
da diversidade.
Grupo como lugar da diferença e não da homogeneidade 7

ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. (Original


publicado em 1944).
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais
e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Valencia: Pré-Textos, 1980. (Original publicado
em 1977).
LANE, S.T. O processo grupal. In: LANE, S. T.; CODO, W. (Org.). Psicologia social: o homem
em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 78-98.
MARTINS, S. T. F. Processo grupal e a questão do poder em Martín-Baró. Psicologia
e Sociedade, Belo Horizonte, v. 15, n. 1, p. 201-217, jan. 2003. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822003000100011&lng=
en&nrm=iso>. Acesso em: 8 jun. 2018.
MATOS, O. Sociedade, tolerância, confiança, amizade. Revista USP, n. 37, p. 92-101, 1998.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/28339>. Acesso em:
8 jun. 2018.
SCHMIDT, M. L. Identidade, pluralidade e diferença: notas sobre Psicologia social.
Boletim de Psicologia, v. 47, n. 106, p. 57-72, 1997.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

Você também pode gostar