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CLÍNICA

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Prof. Doutora Célia Coutinho Alves
2
Dra. Viviana Carvalho

NOVAS GUIDELINES CLÍNICAS PARA O TRATAMENTO DOS


ESTADIOS I-III DA PERIODONTITE

A periodontite é uma patologia que se caracteriza pela


destruição progressiva dos tecidos de suporte dos den-
tes e que cursa com o aparecimento de sinais clínicos como
• Passo dois
O segundo passo pode ser considerado como a terapia
dirigida à causa, cujo objetivo é a remoção do cálculo sub-
Caso Clínico
Paciente do sexo masculino, 51 anos, sem patologias sis-
témicas a considerar, apresentava um defeito periodontal
sangramento gengival e bolsas periodontais, com perda de gengival pelo médico dentista, com recurso a instrumentos infra-ósseo avançado único em interproximal dos dentes 31
suporte e mobilidade dentária. como ultrassons ou curetas que permitam o acesso a estas e 41 (Figs.3 e 4). Após criterioso exame clínico verificou-se
Em 2017, um novo esquema de classificação (PAPAPANOU, zonas. Além disso, esta etapa pode ainda incluir a utilização que a profundidade de sondagem no 31 era de 9 mm (Fig.5),
Panos N., et al.) para esta patologia foi adotado. A doença de antimicrobianos locais bem como antibióticos locais ou com hemorragia à sondagem e apresentava mobilidade grau
periodontal passou então a ser classificada em estadio (ou sistémicos. É ainda nesta etapa que se deve avaliar a exis- I. Além disso, o referido dente estava em trauma oclusal
estágio) e grau, sendo que o estadio determina a gravidade tência de frémitos, efetuar alívios oclusais ou realizar férulas secundário com existência de frémito. Os dois incisivos cen-
da doença enquanto que o grau determina o risco de pro- caso haja essa indicação. trais apresentavam resposta positiva ao teste de vitalidade.
gressão da mesma (Figs. 1 e 2). O sucesso deste passo está diretamente dependente do
Dependendo da gravidade, esta doença inflamatória sucesso do passo anterior. Plano de tratamento:
crónica, pode ser travada a fim de prevenir a sua progressão Esta etapa deverá ser aplicada em todos os doentes perio- Foi proposta e iniciada a terapia periodontal em três passos:
e por consequência a perda de elementos dentários. Além dontais, independentemente do estágio, desde que apre-
disso, a doença periodontal pode ser associada ao agrava- sentem formação de bolsas periodontais. Passo um
mento de várias doenças sistémicas nomeadamente diabe- 1.1) Instruções e motivação para adequada higiene oral:
tes ou doenças cardiovasculares pelo que necessita de um Após passado o tempo de cicatrização, uma nova ava- - Técnica de escovagem com escova elétrica
tratamento ativo e realizado atempadamente. liação periodontal deve ser efetuada, o que vai permitir - Técnica de utilização do fio/escovilhão
Assim, a terapia periodontal visa o cumprimento de vários determinar o curso a seguir. Assim, se nesta nova avaliação, - Indicação de auxiliares químicos para controlo de placa
objetivos, nomeadamente prevenir episódios futuros de existirem bolsas periodontais residuais moderadas (profun- e sangramento
periodontite, reduzir e eventualmente eliminar inflamação didade de sondagem de 4 e 5 mm) o passo dois deverá ser
gengival, reduzir e eventualmente eliminar bolsas profun- repetido. Por outro lado, se existirem bolsas periodontais 1.2) Remoção de placa supragengival pelo profissional
das, regenerar a inserção periodontal dos dentes e prevenir residuais profundas (profundidade de sondagem ≥ 6 mm)
a perda de dentes e de função. então deverá ser iniciado o passo três. Caso o passo dois Passo dois
As mais recentes guidelines apontam para que a terapia tenha sido absolutamente bem-sucedido e o paciente não 2.1) Instrumentação subgengival dos dentes 31 e 41:
periodontal, dependendo da gravidade, seja efetuada de apresente mais bolsas periodontais deve então entrar numa - Remoção de placa e cálculo com ultrassons e curetas de
modo incremental, subdividindo-a em três passos: nova fase, de tratamento não ativo, destinada a cuidados Gracey
periodontais de suporte. - Irrigação subgengival com iodopovidona
• Passo um
Esta etapa é essencialmente voltada para o paciente atra- • Passo três 2.2) Alívio oclusal para eliminação de frémito no 31 e veri-
vés da orientação para a mudança de comportamentos no Esta etapa destina-se à intervenção em bolsas periodon- ficação de vitalidade positiva.
que concerne a higiene oral. O paciente deve ser instruído tais profundas (≥ 6 mm), cujo passo dois não foi capaz de
e motivado a fazer um controlo/remoção mecânica adequa- resolver com sucesso, e cujo objetivo passa pela instrumen- Dois meses após a realização do passo dois foi efetua-
da do biofilme supragengival diariamente e se necessário tação subgengival dessas zonas, muitas vezes associadas da uma nova avaliação periodontal, tendo-se verificado a
orientado a recorrer a terapias adjuvantes para controlo da a locais de pior acesso como zonas de furca. Para além da manutenção de bolsas periodontais residuais profundas nos
inflamação gengival. Além disso, este passo contempla ain- repetição da instrumentação subgengival, esta etapa desti- referidos dentes, havendo então necessidade de seguimen-
da a intervenção do médico dentista no sentido da remoção na-se também à realização de cirurgia periodontal de reta- to para o passo três.
de placa mecânica profissional (PMPR), que inclui a remoção lho de acesso, cirurgia periodontal ressetiva e /ou cirurgia
de placa e cálculo supragengival bem como de outros pos- periodontal regenerativa, dependendo do caso clínico em Passo três
síveis fatores de retenção de placa, que possam dificultar questão. 3.1) Repetição da sessão de instrumentação subgengival.
a ação pretendida por parte do doente. O médico dentista Após término do passo três, deverá ser efetuada nova 3.2) Fase cirúrgica regenerativa do defeito periodontal
deve ainda, neste passo, alertar o doente periodontal para avaliação periodontal, onde, idealmente, não deverão exis- angular profundo entre 31 e 41:
a existência de eventuais fatores de risco que possam estar tir bolsas periodontais ativas (profundidades de sondagem
associados a uma progressão mais rápida da doença, tais ≥ 4 mm com hemorragia), entrando o paciente na fase de 1º. Descolamento mucoperiósseo e limpeza do defeito-
como o tabagismo ou a diabetes descontrolada, estimulan- cuidados periodontais de suporte. RAR (Fig.6);
do-o mais uma vez para a alteração de comportamentos. O 2º. Aplicação de Prefgel® - dois min (Fig.7);
passo um não pode efetivamente ser encarado como um A fase dos cuidados periodontais de suporte, também 3.º Aplicação de gel de proteínas derivadas da matriz do
passo suficiente por si só para o tratamento do doente perio- conhecida como terapia periodontal de suporte, é uma eta- esmalte (EMDOGAIN®) nas raízes expostas (Fig.8):
dontal, mas é o passo essencial para um resultado positivo pa de monitorização clínica, destinada ao reforço das ins- 4º. Preenchimento do defeito ósseo com hidroxiapatite de
e estável a longo prazo. Este primeiro passo é aplicável a truções de higiene oral e controlo dos fatores de risco, mas origem bovina (BIO-OSS®) e membrana reabsorvível de
todos os doentes periodontais, independentemente do está- também de remoção mecânica de placa e/ou cálculo supra- colagénio porcino (BIO-GIDE®) (Figs.9 e 10);
gio da doença, e deve ser reavaliado de forma frequente e gengival e, eventualmente, de instrumentação subgengival 5º. Sutura gore-tex® (Fig.11).
se necessário reajustado. de bolsas residuais. 6º Remoção da sutura após 12 dias (Fig.12)

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Estágio da periodontite Estágio I Estágio II Estágio III Estágio IV

PIC
interdental no sítio 1 a 2 mm 3 a 4 mm
de maior perda

Se estende ao Se estende ao terço


Perda óssea Terço coronal Terço coronal
radiográfica terço médio ou médio ou apical da Figs. 3 e 4. Situação Radiográfica Inicial.
Gravidade apical da raiz raiz

Perda dentária Perda dentária devido


Sem perda dentária devido à devido a
Perda dentária periodontite periodontite de dentes

Em adição à
complexidade do
estágio III:

Em adição à Necessidade de
complexidade do reabilitação complexa
estágio II: devido a:

Profundida de Disfunção
Profundidade mastigatória Fig. 5. Profundidade inicial de sondagem de 9 mm.
Profundidade de de sondagem mm
sondagem máxima máxima Trauma oclusal
Perda óssea secundário
Complexidade Local (mobilidade dentária
Quase inteiramente Quase mm
perda óssea inteiramente
horizontal perda óssea Envolvimento de Defeito de rebordo
horizontal furca de Grau II grave
ou III
Colapso de mordida,
Defeito de desvio de mordida,
rebordo espaçamento de
moderado mordida

Extensão e Adicionar ao estágio


distribuição como descritor

Fig. 1. Classificação da periodontite por estágios (gravidade). Fig. 6. Descolamento mucoperiósseo e limpeza do defeito (RAR).

Grau B: taxa
Grau A: taxa lenta de Grau C: taxa rápida
Grau da periodontite moderada de
progressão de progressão
progressão
Dados
Evidência longitudinais Evidência de perda ao < 2 mm ao longo de
direta de (perda óssea
progressão radiográfica ou

A destruição excede
Critério o esperado devido
primário ao biofilme: padrões
Evidência clínicos específicos Fig. 7. Aplicação de Prefgel®.
indireta de sugestivos de períodos
progressão Muito acúmmulo de Destruição proporcional de progressão rápida
Fenótipo do biofilme com baixos com os depósitos de
caso níveis de destruição biofilme precoce da doença (ex.

falta de resposta
esperada às terapias
de controle bacteriano

Tabagismo Não fumantes

Modificadores Fatores de
de grau risco
Diabeteso sem diagnóstico de pacientes com diabetes pacientes com diabetes
diabetes

Fig. 2. Classificação da periodontite por graus (risco de progressão). .


Fig. 8. Aplicação de gel de proteínas derivadas da matriz do esmalte (EMDOGAIN®) nas
raízes expostas.
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CLÍNICA

Figs. 9 e 1. Preenchimento do defeito ósseo com hidroxiapatite de origem bovina (BIO-OSS®) e membrana Fig. 11. Sutura gore-tex®. Fig. 12. Pós-operatório aos 12 dias. Remoção de sutura.
reabsorvível de colagénio porcino (BIO-GIDE®)..

Figs. 13 e 14. Follow-up clínico radiográfico aos 6 meses. Figs. 15 e 16. Follow-up clínico radiográfico aos 3 anos.

Figs. 17 e 18. Follow-up clínico e radiográfico aos 10 anos. Fig. 19. Comparação da situação clínica e radiográfica inicial com a de 10 anos de follow-up.

Após cicatrização do passo três, uma nova avaliação meses, três anos e dez anos (Figs. 13 a 18). Nesta altura, 1
Licenciada em Medicina Dentária pela FMDUP (2000); Pós-graduação em
periodontal foi efetuada, demonstrando a efetivadade do pode verificar-se que houve um preenchimento ósseo radio- Periodontologia pela FMDUP; Doutorada pela Universidade de Santiago
de Compostela; Especialista em Periodontologia pela OMD; Residência
tratamento na eliminação de bolsas periodontais ativas. gráfico, com uma profundidade de sondagem de 4 mm, sem clínica 2004-Pericop. P.C. Dr. Myron Nevins-Boston-USA; Curso de cirurgia
Posto isto, o paciente entrou na fase de tratamento perio- hemorragia e um ganho clínico de 5 mm de inserção, com- mucogengival em Harvard 2004-Boston-USA; Diretora clínica da CLINICCA
dontal de suporte, tendo sido sugeridas consultas de quatro parativamente á situação inicial. (Fig. 19).
2
Mestrado Integrado em Medicina Dentária pelo IUCS (2017)
Pós-Graduação em Dentisteria Adesiva com Resinas Compostas
em quatro meses no primeiro ano, passando depois para o
acompanhamento de seis em seis meses. Nestas consultas Bibliografia
foram efetuadas a remoção supragengival de placa e ainda clinical practice guideline. J Clin Periodontol. 2020;47:4–60.
PAPAPANOU, Panos N., et al. Periodontitis: Consensus report of workgroup 2 of the
o reforço em termos de cuidados de higiene oral. 2017 World Workshop on the Classification of Periodontal and Peri-Implant Diseases
Loos B.G, Needleman I. Endpoints of active periodontal therapy. J Clin Periodontol.
and Conditions. Journal of Periodontology, 2018, vol. 89, p. S173-S182
Até à data foram efetuados várias consultas de contro- Sanz M, Herrera D, Kebschull M., et al.; On behalf of the EFP Workshop Participants 2020 Jul;47 Suppl 22(Suppl 22):61-71. doi: 10.1111/jcpe.13253. PMID: 31912527; PMCID:
and Methodological Consultants. Treatment of stage I–III periodontitis—The EFP S3 level PMC7670400.
lo. As imagens expressam o follow-up radiográfico aos 6

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