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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000119445

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1016485-26.2020.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante IFOOD.COM
AGÊNCIA DE RESTAURANTES ON LINE S/A, é apelado INDÚSTRIA DE
PANIFICAÇÃO PEG PÃO LTDA ME.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MENDES


PEREIRA (Presidente sem voto), ELÓI ESTEVÃO TROLY E JAIRO BRAZIL
FONTES OLIVEIRA.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2022.

RAMON MATEO JÚNIOR


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 25359
Apelação nº 1016485-26.2020.8.26.0562
Apelante: IFOOD.COM AGÊNCIA DE RESTAURANTES ON LINE S/A
Apelado: INDÚSTRIA DE PANIFICAÇÃO PEG PÃO LTDA ME
Comarca: Santos (9ª Vara Cível)
Magistrado Prolator: LIVIA MARIA DE OLIVEIRA COSTA

OBRIGAÇÃO DE FAZER E DANOS MATERIAIS - Ação


movida por estabelecimento comercial em face da
plataforma de pedidos “on line” IFOOD. Desativação da
conta da parte autora com retenção de valores. Sentença de
procedência. Manutenção. A alegação de fraude e suas
consequências exige prova robusta, não se admitindo mera
presunção e juntada apenas de telas sistêmicas. Parte ré, ora
apelante, que inova e passa a admitir a retenção de valores,
mas sem comprovar a remuneração devida à plataforma.
Rescisão abrupta e retenção de valores, conduta que
constitui ato ilícito e gera o dever de indenizar.
Confirmação da sentença e da tutela de urgência que
determinou a reativação da parte autora no aplicativo, o que
já havia sido mantido em segundo grau negando-se acolhida
à insurgência da ré. - RECURSO DESPROVIDO.

Trata-se de ação de indenização por danos materiais


cumulada com obrigação de fazer, promovida por INDÚSTRIA DE PANIFICAÇÃO
PEG PÃO LTDA ME em face de IFOOD.COM AGÊNCIA DE RESTAURANTES
ON LINE S/A, na qual a autora alega que foi surpreendida com a desativação do
estabelecimento do aplicativo, tratando-se de rescisão unilateral e infundada com
retenção indevida de valores. Aduz ter notificado a ré sem resposta. Pediu a
reativação no aplicativo, além do pagamento dos valores indevidamente retidos.

A sentença de fls. 230/5, relatório adotado em acréscimo,


diante da defesa genérica da ré e da falta de provas da fraude alegada depois da
contestação, concluiu pela ilicitude da desativação da autora na plataforma e da
retenção dos valores comprovados nos autos, pelo que julgou os pedidos
procedentes, tornando definitiva a tutela antecipada, para condenar a ré: “(1) à
obrigação de fazer, determinando a inclusão do estabelecimento da parte autora em
sua plataforma; (2) ao pagamento de indenização por danos materiais, no importe de
R$ 9.819,24, (nove mil, oitocentos e dezenove reais e vinte e quatro centavos),
atualizados pela Tabela Prática Para Cálculo de Atualização Monetária dos Débitos
Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo desde a data em que se dariam os
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respectivos pagamentos, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a


partir da citação”. Com efeito, impôs o ônus da sucumbência a parte ré, fixando os
honorários advocatícios em 10% do valor da condenação.

Apela a ré. Em sum, alega a falta de ato ilícito e a ausência


do dever de indenizar por dano material. Afirma que a sentença contraria a realidade
fática demonstrada nos autos (documentos juntados) e foge a realidade processual.
Argumenta no sentido de que a autora descumpriu o contrato, no tocante a venda e a
entrega de seus pratos a terceiros (cliente final). Diz que a autora optou pelo plano
básico (marketplace), no qual não é possível à apelante verificar se houve, de fato, a
entrega do produto. Aduz que cumpriu o disposto na clausula 14 e seguintes do
contrato, assim, apurou os pedidos e, após a ausência de retorno da apelada acerca da
documentação solicitada, comunicou o estabelecimento sobre a tomada de decisão.
Conforme demonstrado em contestação, o time do iFood verificou a existência de
conduta anormal e de risco do estabelecimento, tendo em vista o grande número de
vendas que foram objetos de “chargeback”. Repete o exposto no agravo aviado
contra a decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada para determinar a
reativação do estabelecimento no aplicativo, com destaque para os valores e a
quantidade de itens dos pedidos contestados. Nessa esteira, alega que se verificou a
ocorrência de um alto percentual de “chargeback”, ou seja, paralelamente ao
crescimento do volume de vendas da agravada, constatou-se que mais de 50% dos
pedidos foram contestados pelos supostos consumidores junto às administradoras dos
cartões de crédito utilizados para pagamento do pedido, ensejando o estorno da
transação e não repasse do recurso para a plataforma. Aduz que a autora apresentou
alterações de risco no seu comportamento de vendas (crescimento de 586%),
acompanhado de um aumento significativo no ticket médio de pedidos online,
passando 100% da operação para transações online nos meses informados, atingindo
um pico percentual de “chargeback” de 57% das vendas em abril e um percentual
33% correspondente ao mês de maio. Aponta a concentração de datas e usuários, haja
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vista a existência de diversos pedidos solicitados na mesma data e com horários


próximos, realizados pelo mesmo cliente final. Ao longo do recurso insere telas
sistêmicas. Assim, “evidente nos autos a conduta irregular e de má-fé realizada pela
apelada objetivando sua autopromoção perante a plataforma, causando não só
prejuízos a esta apelante como a todos os parceiros que dela se utilizam de forma
correta e de acordo com os termos estabelecidos no contrato firmado”. Conclui que
houve vendas fictícias praticadas pela autora. Não havendo qualquer documento
idôneo nos autos que comprove que a apelada cumpriu com as cláusulas contratuais
(comprovação de efetiva entrega dos itens dos pedidos que foram recebidos pela loja
virtual da Apelada através da plataforma do iFood).

Com efeito, conclui pela inexistência de ato ilícito e ausência


do dever de indenizar por dano material: “se os repasses não foram realizados, tal se
deu por conta das irregularidades nas operações do estabelecimento, estando este
ciente das penalidades do contrato que assinou. Nesse sentido, não há que se falar em
dever de pagar pelo iFood, de modo que o contrato foi rescindido e o valor retido por
justo motivo”. Por fim, mas pelos mesmos motivos, impugna a obrigação de fazer
concernente a reinclusão do estabelecimento da parte autora em sua plataforma.

Nestes termos, pede seja provido o recurso para reformar a


sentença e julgar a ação improcedente (fls. 253/272).

Recurso tempestivo e preparado (fls. 273/4), respondido pela


apelada (fls. 285/98).

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Com a devida vênia, é o apelo da ré que “contraria a realidade


fática demonstrada nos autos e foge a realidade processual”.

Nessa lente, de proêmio cabe registrar que os fundamentos da

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sentença não foram especifica e suficientemente impugnados, especialmente no


tocante ao tom genérico das alegações relacionadas às irregularidades em tese
cometidas pela apelada, uma vez que, ao contrário do que afirma a apelante,
inexistem documentos comprobatórios nos autos, mas apenas telas sistêmicas.

Importante anotar que já no acórdão que manteve a decisão


proferida no curso da lide, após a angularização da relação jurídico processual e
inversão do ônus da prova, que deferiu o pedido de tutela antecipada para determinar
que a ré providenciasse a reativação do estabelecimento da autora no aplicativo, sob
pena de multa diária, registrou-se que a alegação de fraude e suas consequências,
exigia a apresentação de prova robusta, não se admitindo a mera presunção e a
juntada de telas sistêmicas e unilaterais.

Ilustra-se (fls. 241/6):

OBRIGAÇÃO DE FAZER E DANOS MATERIAIS - Ação


movida por estabelecimento comercial em face da plataforma de
pedidos “on line” IFOOD. Desativação da conta da parte autora e
retenção de valores por supostas fraudes. Insurgência da ré contra
a decisão que após a angularização da relação jurídico processual e
inversão do ônus da prova, deferiu o pedido de tutela antecipada
para determinar a reativação do estabelecimento no aplicativo, sob
pena de multa diária de R$ 1.000,00, limitada a 30 dias.
Necessidade de aprofundamento da motivação da desativação em
cognição exauriente, sob o crivo do contraditório. Reversibilidade
da medida que não se discute, sendo evidente, de outro lado, o
risco de agravamento do dano que a autora vem experimentando
pela desativação da sua operação na plataforma. A alegada fraude
e suas consequências requer prova robusta, não se admitindo a
mera presunção e a juntada de telas sistêmicas e unilaterais. Não
se verifica desproporção entre o valor da multa a obrigação que
visa assegurar. Pedido de redução que se escora no mérito e não na
eventual dificuldade para cumprimento da tutela. - RECURSO
DESPROVIDO. (AI 2103700-26.2021.8.26.0000; 15ª Câmara de
Direito Privado; j. 24.06.2021).

A sentença não apresenta contradição quando anota que o


salto de faturamento da autora é de se estranhar, mas ao mesmo tempo reconhece
como ilícita a conduta da ré de desativar a parte autora da plataforma.

A ilicitude decorre da forma como a ré rescindiu o contrato e


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desabilitou o estabelecimento da autora do aplicativo, inclusive retendo valores que


em contestação rechaçou, mas no apelo admite, configurando-se clara inovação
recursal que ademais deixa tal fato incontroverso, o que se verá adiante e enfraquece
os seus próprios argumentos.
Não houve a solicitação de documentos, cuja falta deu ensejo
a comunicação do descredenciamento do estabelecimento da autora. Em verdade, a
parte autora demonstrou que não foi comunicada sobre as suspeitas de fraude, bem
como que solicitou informações à ré por meio de notificação extrajudicial que não foi
respondida.

Eis os fundamentos da sentença:

“Realmente, o salto de faturamento da parte autora é de se


estranhar. Contudo, a maneira como a parte ré se comportou para
extinguir a relação jurídica empresarial não pode ser admitida.

A parte ré deveria ter dado oportunidade para a parte


autora explicar o aumento das vendas antes de surpreendê-la com a
desativação do estabelecimento da plataforma.

Desta forma, a conduta violadora da boa-fé objetiva


implica a procedência do pedido de obrigação de fazer.

Não bastasse a evidente generalidade da contestação, o que


já seria suficiente para o acolhimento do pedido, é certo que a parte ré não
pode simplesmente desativar a parte autora de sua plataforma.

(...)

Espera-se que o encerramento da relação jurídica seja


precedido de informação específica e concreta.

Não se pode aceitar como legítima a desativação


repentina do estabelecimento-autor da plataforma, sem que tenha sido
previamente cientificado das respectivas razões.

Ainda, procedido o bloqueio, a parte autora tentou


exaustivamente solucionar o problema ou, ao menos, saber o motivo, sem
que tenha conseguido contato com qualquer responsável da parte ré (fls.
37/40)”. (Grifei).

A condenação à obrigação de fazer decorre do procedimento


de como a desativação ocorreu. A sentença está calcada no procedimento de
desativação, abrupto, sem direito a defesa.
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Ademais, o aumento de faturamento é bom para a plataforma


e se houve estorno junto a operadora do cartão ou meio de pagamento utilizado, o
valor não foi recebido pela autora.

Não há prova de que houve vendas fictícias praticadas pela


autora, tratando-se de mera conjectura a alegação de que a autora não entregou os
produtos vendidos através da plataforma administrada pela ré. Sem se olvidar de que
houve a inversão do ônus da prova por decisão irrecorrida (fls. 142/5), os
documentos comprobatórios da entrega dos produtos deveriam ter sido exigidos antes
da desativação e principalmente da retenção de valores ora incontroversa.

Veja-se que em contestação a apelante rechaçou tal conduta,


que empara o pedido de indenização por danos materiais, conforme registrou o juízo
a quo:

“A parte ré, por sua vez, em contestação absolutamente


genérica, defende a regularidade de sua atuação. Apenas após ser provocada
pelo juízo, sustentou que a desativação foi motivada por suspeita de
fraude.

No que concerne aos danos materiais, muito embora a


parte ré afirme a inexistência de prova documental que revele a retenção
de valores, não impugna especificamente o documento de fls. 35/36.

Referidos documentos revelam créditos bloqueados nos


montantes de R$ 9.255,50, R$ 70,82 e R$ 493,02 em nome da parte autora.
Contudo, não se vislumbra nos autos qualquer justificativa concreta para
tanto”. (Grifei e destaquei).

Ao reconhecer e justificar a retenção de valores a apelante


inova e altera a versão da contestação. Não obstante, a contrário sensu, se reteve foi
porque recebeu e se recebeu é porque foi pago sem solicitação de estorno. Assim,
além de não combater os fundamentos da sentença, agora admite a retenção sem
provar a licitude do ato.
Com razão o juízo a quo quando assenta que “eventual
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retenção em razão de remuneração devida à plataforma deveria vir


acompanhada de prova específica que a justificasse, não bastando a mera alegação
de fraude. Desta forma, não comprovando a ré se tratar de remuneração pelos
serviços prestados pela plataforma, não restam dúvidas de que a retenção é
indevida”. (Grifei e destaquei).

A alegação de fraude, sobretudo sob pena de desativação do


estabelecimento junto a plataforma de vendas on line (aplicativo ifood), cuja
utilização cresceu exponencialmente durante a Pandemia da Covid-19, requer prova
robusta, não se admitindo a mera presunção e de tal sorte a apresentação de telas
sistêmicas, apenas, repisa-se.

Com efeito, impõe-se a manutenção da sentença por seus


próprios fundamentos, ora acrescidos.

Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo, majorando-se


os honorários para em 15% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §11, do
CPC.

RAMON MATEO JÚNIOR


Relator

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