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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Colégio Recursal - Santos

Processo nº: 1007498-14.2020.8.26.0590

Registro 2022.0000010856

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado Cível nº


1007498-14.2020.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é recorrente
IFOOD.COM AGENCIA DE RESTAURANTES ONLINE S.A., é recorrido MATHEUS
FONSECA DIAS CLARO.

ACORDAM, em 3ª Turma Cível - Santos do Colégio Recursal de Santos,


proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial ao recurso, nos termos que
constarão do acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento tevê a participação dos MM. Juízes RENATA SANCHEZ


GUIDUGLI GUSMÃO (Presidente) E FERNANDO EDUARDO DIEGUES DINIZ.

Santos, 10 de fevereiro de 2022 .

Leonardo de Mello Gonçalves


RELATOR

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Colégio Recursal - Santos

Processo nº: 1007498-14.2020.8.26.0590

Recurso nº: 1007498-14.2020.8.26.0590 - Fórum de São Vicente


Recorrente: Ifood.com Agencia de Restaurantes Online S.a.
Recorrido: Matheus Fonseca Dias Claro

Voto nº 1019
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS –
PLATAFORMA DE VENDAS ON-LINE IFOOD –
BLOQUEIO DE VALORES E
DESCREDENCIAMENTO, SOB O FUNDAMENTO
DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL –
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARA
CONDENAR A REQUERIDA IFOOD NO
RECREDENCIAMENTO DO AUTOR NA
PLATAFORMA DE VENDAS, SOB PENA DE
MULTA, INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E LUCROS CESSANTES – RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO – RÉ/RECORRENTE
QUE NÃO COMPROVOU DE FORMA EFETIVA O
DESCUMPRIMENTO DAS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS PELO AUTOR/RECORRIDO –
DEVIDO PAGAMENTO AO RECORRIDO DOS
VALORES BLOQUEADOS, BEM COMO O SEU
RECREDENCIAMENTO NA PLATAFORMA RÉ –
IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO NO
PAGAMENTO DE LUCROS CESSANTES –
AUSÊNCIA DE PROVA OBJETIVA ACERCA DE
EVENTUAL VALOR QUE TENHA O AUTOR
DEIXADO DE AUFERIR –
REDIMENSIONAMENTO DOS VALORES
DIÁRIOS E TETOS DAS MULTAS
COMINATÓRIAS – SEM CUSTAS E
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA, HAJA VISTA
A NÃO OCORRÊNCIA DE RECORRENTE
VENCIDO.

Trata-se de recurso inominado (fls. 126/153) interposto por


IFOOD.COM AGÊNCIA DE RESTAURANTES ONLINE S.A. contra a r. sentença
de fls. 120/124, que julgou procedente a ação para condenar a recorrente na obrigação de
fazer de proceder o imediato recredenciamento da recorrida na sua plataforma online,
sob pena de multa; ao pagamento da quantia de R$ 9.081,19, referente à quantia
indevidamente bloqueada, a título de danos morais; ao pagamento da importância de R$
32.718,81, a título de lucros cessantes.

Inconformado, recorre a requerida pretendendo reforma do julgado (fls.

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126/153), alegando, em síntese, que não procedeu em qualquer ato ilícito, inexistindo o
dever de indenizar. Disse que o recorrido não comprovou o preparo e entrega dos
produtos vendidos por meio de sua plataforma, o que ocasionou o bloqueio dos valores,
não justificando os valores que tem a receber. Argumentou que foi verificada a
existência de grande número de vendas que foram objetos de chargeback, gerando um
grande número de pedidos que foram contestados junto a administradora de cartão.
Aduziu que foi identificado que vários pedidos foram feitos nos mesmos endereços,
sendo realizado pelo mesmo cliente final. Disse que houve alta concentração de pedidos
contestados junto às administradoras financeiras partindo de um mesmo endereço de IP
de contas distintas. Sustentou que há várias vendas atípicas ao padrão e histórico do
recorrido. Afirmou que não houve falha na prestação de serviços, não havendo que se
falar em indenização por danos materiais ou lucros cessantes, também não sendo o caso
de pagamento de multa. Subsidiariamente, pugnou pela redução da indenização por
danos materiais.

O recorrido apresentou contrarrazões (fls. 166/168).

É a síntese necessária. FUNDAMENTO E DECIDO.

O recurso comporta parcial provimento.

Prima facie, conforme bem salientado pelo Juízo “a quo”, insta


consignar que inexiste, no caso dos autos, relação de consumo, tendo em vista que o
contrato firmado entre as partes tem por objetivo viabilizar o exercício da atividade
empresarial do recorrido, não sendo, este, o destinatário final.

Nesse diapasão, observo que a r. sentença recorrida deve ser mantida


quanto à determinação de recredenciamento do recorrido na plataforma online da
recorrente, bem como no pagamento de indenização por danos materiais referentes ao
ressarcimento dos valores bloqueados na plataforma, somente merecendo reparo o
decisum de primeiro grau quanto à condenação do recorrente no pagamento de lucros
cessantes, bem como no redimensionamento das multas cominatórias e de seus tetos.

Restou incontroversa a relação contratual entre as partes, de modo que a


lide versa sobre eventual descumprimento do contrato por parte do recorrido, o que
gerou o seu descredenciamento da plataforma de vendas do réu, bem como bloqueio de
valores.

Desta forma, em que pese as alegações do recorrente de que o recorrido

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não comprovou a entrega dos produtos vendidos, havendo grande de contestações dos
pedidos realizados junto a ele, observo que não há nos autos prova contundente das
alegações.

Nesse diapasão, quanto à alegação de que não há prova de entrega dos


pedidos, bem decidiu o Juízo “a quo” sobre a questão (fls. 121): “Com efeito, não
prospera a alegação do requerido de suspeita de fraude cometida pelo requerente, sob a
justificativa de que deixou de apresentar relatório discriminando todos os pedidos
efetivamente atendidos. Ora, como bem esclareceu em sua peça de defesa, às fls. 67/68,
os pedidos são feitos em sua plataforma online e encaminhados para o restaurante (fl.
67, último parágrafo), bem como os pagamentos PODEM tanto serem realizados na
plataforma online, utilizando-se cartões de débito ou crédito, ou diretamente para o
restaurante off-line -, no ato da entrega (fl. 68, item 48). A partir dessa dinâmica,
depreende-se que o requerido possui meios para saber quantos pedidos foram
efetivamente atendidos, bem como quais os valores de cada um, possuindo TOTAL
controle sobre as vendas realizadas através de sua plataforma online, ainda que o
pagamento tenha sido feito diretamente para o restaurante. E mais, além da
mensalidade, o requerido cobra taxas para cada pedido efetivamente atendido,
possuindo, portanto, relatório mensal de produtividade dos restaurantes credenciados,
conforme ele mesmo aduz à fl. 63, itens 33 e 34. Ademais, conforme se infere do
documento colacionado à fl. 26, emitido pela plataforma do requerido, o requerente
possui um crédito de R$9.081,19, referente às vendas do período de 01/04/2020 a
25/04/2020. Importante observar que desse crédito já foram descontadas as taxas do
requerido, conforme cláusula VI, do instrumento de contrato de fls. 17/24, não sendo,
portanto, valor fictício, conforme quer fazer crer (fl. 47, item 47). Além disso,
descabida a exigência do requerido de que o requerente apresente relatório de efetiva
venda e entrega ao consumidor (fl. 68, item 68), uma vez que o pagamento precede à
entrega, quando realizado na plataforma online, ou por ocasião da entrega, offline.
Ainda assim, em ambos os casos, a requerida possui TOTAL controle de todos pedidos
efetivamente atendidos”. Grifo no original.

Assim, não há qualquer demonstração de violação das cláusulas


contratuais por parte do recorrido, de modo a justificar a sua exclusão unilateral, por
parte do recorrente, da plataforma de vendas deste.

Desta forma, em que pese a alegação do recorrente de que vários pedidos


efetuados em nome do recorrente foram contestados por parte da administrada de cartão,

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observo que não há prova de qualquer destas contestações, bem como sequer foi
esclarecido de forma efetiva quais pedidos foram contestados, além do fato de não ter
sido esclarecido junto a qual administradora de cartão os pedidos foram contestados.

Por estas razões, mister é a manutenção da condenação da recorrente na


obrigação de fazer no sentido de recredenciar o recorrido na sua plataforma online, nos
termos constantes da sentença recorrida, somente devendo ocorrer o redimensionamento
da multa diária no caso de descumprimento, que será de R$ 200,00 (duzentos reais),
limitado ao teto de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), de modo a evitar o enriquecimento sem
causa, esta após o trânsito em julgado do presente acórdão.

Do mesmo modo, também deve ser mantida a condenação do recorrente


no pagamento para o recorrido da quantia de R$ 9.081,19, referente à quantia
indevidamente bloqueada, a título de danos materiais, nos termos constantes da sentença
recorrida, mantida, inclusive a tutela de urgência concedida, que determinou que o
recorrente procedesse o repasse para o recorrida da quantia bloqueada unilateralmente,
no prazo de 05 (cinco) dias da sentença, sob pena de arcar com multa diária no valor de
R$ 200,00 (duzentos reais), redimensionando somente o teto desta multa para o total de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais), de modo, também, a evitar o enriquecimento sem causa.

Contudo, no que tange à condenação do recorrente no pagamento de


lucros cessantes, o recurso deve ser provido.

Embora o recorrido argumente que restou demonstrado lucro cessante no


valor aproximado de R$ 36.000,00, considerando o valor a receber no mês de abril,
descontadas as taxas e comissões, devendo responder a recorrente por aquilo que ele
deixou de lucrar a partir do bloqueio em 27/04/2020 até a data em que seu acesso for
efetivamente restabelecido, ressalto que não há qualquer prova de que a queda em seu
faturamento foi decorrente do bloqueio na plataforma da recorrente.

Assim, não restaram configurados os lucros cessantes alegados. Tal


indenização não pode ser presumida ou calculada com base em suposições. Referem
necessariamente ao valor que deixou a parte de auferir, e devem ser comprovados por
meio de documentos hábeis pela parte interessada para possibilitar sua incidência, o que
não ocorreu.

Logo, reclamava a demonstração indene de dúvida, por provas coerentes


e robustas e, evidentemente, não de forma unilateral e fincada na possibilidade ou na
previsão de que se teria alcançado este ou aquele valor.

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Nesse sentido, julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, “in


verbis”:

“O lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda


indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova da
existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação
indenizatória.” (STJ - Recurso Especial nº 107426/RS Rel. Ministro
Barros Monteiro T4 Quarta Turma Julgado em 20.02.2000).

Na hipótese, o recorrido não demonstrou de forma clara o fato de ter


deixado de auferir lucro em virtude do bloqueio na plataforma, o que torna impossível o
pagamento de indenização por lucros cessantes.

Os demais argumentos deduzidos no processo pelas partes não são


capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada por este julgador, anotando-se que
"não há obrigação processual no sentido de impor ao juiz a análise e pronunciamento
sobre todos os pontos arguidos nos arrazoados das partes. Basta a explicitação dos
motivos norteadores do seu convencimento, concentrando-se no núcleo da relação
jurídico-litigiosa, com suficiência para o deslinde da causa" (TJ/SP Apelação
1023818-39.2014 Comarca: Santos Relator: Edson Luiz de Queiroz j. 26/07/2016).

Pelo exposto, pelo meu voto, CONHEÇO do recurso, mas, no mérito,


DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para CONDENAR o recorrente NA
OBRIGAÇÃO DE FAZER no sentido de proceder ao recredenciamento do
estabelecimento do recorrido em sua plataforma online, sob pena de arcar com multa
diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais),
nos termos do artigo 536, "caput" e § 1º e do artigo 537, "caput", ambos do Código de
Processo Civil, contada a partir do trânsito em julgado do presente acórdão.
CONDENO, também, o recorrente ao pagamento para o recorrido da quantia de R$
9.081,19, referente à quantia indevidamente bloqueada, a título de DANOS
MATERIAIS, corrigidos monetariamente pela tabela prática do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, bem como incidindo juros de 1% ao mês, ambos a partir do
indevido bloqueio, nos termos do artigo 240, "caput", do Código de Processo Civil,
combinado com os artigos 398 e 406 do Código Civil, com o artigo 161, § 1º do Código
Tributário Nacional e ainda com o artigo 491 do Código de Processo Civil, estando
mantida a tutela de urgência antecipada concedido pelo Juízo “a quo”, que determinou
que o recorrente proceda ao repasse para o recorrido da quantia bloqueada
unilateralmente, no prazo de 05 (cinco) dias da data da intimação da sentença, sob pena

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Processo nº: 1007498-14.2020.8.26.0590

de arcar com multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada em R$


5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do artigo 536, "caput" e § 1º e do artigo 537,
"caput", ambos do Código de Processo Civil. E, julgo improcedente o pedido de
indenização por lucros cessantes.

Por fim, de modo a evitar o ajuizamento de embargos de declaração,


registre-se que, ficam preteridas as demais alegações, por incompatíveis com a linha de
raciocínio adotada, observando que os pedidos de ambas as partes foram apreciados e
rejeitados nos limites em que foram formulados.

Por corolário, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de


embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente
infringente lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo artigo 1026, §2º, do Código
de Processo Civil.

Sem custas e honorários de sucumbência, haja vista o parcial provimento


do recurso, não havendo a ocorrência de recorrente vencido.

LEONARDO DE MELLO GONÇALVES

Juiz Relator

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