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Direito Administrativo I
Manual de Direito
Administrativo
Dr.: Pedro Costa Gonçalves
Beatriz Prata
2019 - 2020
Beatriz Prata
Secção I
Estado Administrativo
1 – Estado e Estado Administrativo
A nossa compreensão do Direito Administrativo assenta na premissa da existência de um
mapa dualista da realidade política, que conhece uma divisão entre o Estado e a Sociedade
Civil. Uma comunidade politicamente organizada contempla uma bifurcação entre a
esfera pública, da autoridade institucionalizada e da governação da res pública, e a esfera
privada, da Sociedade Civil e dos cidadãos, onde imperam a liberdade, a autonomia
individual e a igualdade.
A separação entre o Estado e a Sociedade Civil constitui um elemento irrenunciável da
ordenação jurídica clássica do Estado de direito. Temos, de um lado o Estado (abrangendo
toda a aparelhagem pública de governo da coletividade), com as suas organizações e as
suas funções ou missões e as suas competências, tudo instituído para servir a coletividade
e os cidadãos. Do outro lado, surge-nos a Sociedade Civil, o conjunto dos cidadãos,
titulares de direitos e sujeitos de liberdades, bem como as organizações instituídas pelos
cidadãos num espaço de liberdade e de autonomia e no desenvolvimento de direitos
subjetivos.
a) Conceito de Estado Administrativo
O Estado Administrativo localiza-se, naturalmente, do lado do Estado: reporta-se à esfera
pública, ao setor público e à sua organização. Mas não se confunde com o Estado.
A fórmula composta é aqui empregue para identificar e delimitar, dentro da complexa
organização do Estado, um sistema composto por dois elementos: um de caráter subjetivo
ou orgânico, a Administração Pública, e outro de caráter objetivo ou material, a função
administrativa. O Estado Administrativo é, então, a parte da máquina do Estado,
identificada com a AP, que se ocupa das missões ou tarefas públicas que constituem a
função administrativa.
“The modern state is, by any conceivable measure, largely an administrative state.”
b) Presença efetiva do Estado Administrativo na vida dos cidadãos
É indiscutível a importância e a extensão da presença efetiva e prática do Estado
Administrativo na vida dos cidadãos: prestação de cuidados de saúde, execução de tarefas
no ensino e na cultura, atribuição de subsídios, gestão de equipamentos coletivos, recolha
de lixo, combate ao terrorismo, construção de edifícios e estradas, … algumas das
inúmeras tarefas e missões do Estado do nosso tempo.
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público algo que como tal seria declarado por pessoas com uma visão clara, um
pensamento racional e uma atuação benévola e desinteressada.
c) Realização administrativa do interesse público
Cabe ao poder político-legislativo a responsabilidade de escolher os interesses públicos a
realizar, de os definir e de os especificar numa norma jurídica. Já a responsabilidade
constitucional e legal da prossecução do interesse público exige, depois, tarefas práticas
de realização (realização enquanto concretização, atuação na vida real). A realização do
interesse público é um processo que se materializa no desempenho de missões que dão
resposta e pretendem satisfazer “pretensões de interesse público”.
E com a incumbência deste objetivo de realização do interesse público que surge a
Administração Pública, através da execução de inúmeras tarefas. A AP tem a
responsabilidade de cuidar, de proteger e prosseguir um interesse alheio, um interesse que
não lhe pertence, um interesse que é do público.
Supremacia do interesse público sobre os interesses privados. Uma prevalência e
supremacia que se encontra no facto de a AP surgir, com frequência, investida de poderes
de autoridade; poderes que para a realização do interesse público lhe conferem uma
capacidade de ação unilateral.
Esta supremacia não é natural, resulta especificamente de cada norma legal que confere
à AP um poder de autoridade para a realização do interesse público. Na ausência de uma
norma com estes contornos, a AP não tem autoridade.
d) Vinculação da AP pelo interesse público; o interesse público como “interesse da
AP”
A AP existe para se ocupar da realização do interesse público; esta realização constitui
uma incumbência e uma responsabilidade; mas também um cânone de vinculação para a
AP – interesse público enquanto vínculo, limite e finalidade.
Não pode a AP orientar a sua ação por objetivos ou valores que não reconduzam ao
interesse público.
Há mesmo quem fale em “interesse público administrativo”, mas o interesse é do público
e a Administração tem de o prosseguir qua tale, como um interesse alheio e não próprio.
e) Participação da AP na definição concreta do interesse público
A definição inicial do interesse público processa-se fora da AP, em sede político-
legislativa; a Administração encontra-se vinculada por essa definição.
Em geral, a vinculação da Administração pelo interesse público coincide com o
cumprimento da lei. Pode, contudo, acontecer, e acontece com frequência, que a lei não
defina, de forma taxativa e completa, os pressupostos da sua aplicação ou os termos
precisos do seu cumprimento. Neste último caso, a vinculação pelo interesse público
autonomiza-se e, em si mesmo, o interesse público ascende ao patamar de um critério
jurídico autónomo da ação administrativa. Em casos como este a AP é chamada a assumir
um papel na própria definição do interesse público.
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apresenta-se cada vez mais necessária. Esta proteção realiza-se através de sistemas de
socorro eficazes em situações de emergência, bem como através de medidas que evitem
e previnam as situações de perigo.
Ora, o objetivo da realização dos direitos dos cidadãos associa-se aos casos que têm na
sua base uma relação jurídica dual entre a Administração e o cidadão. Contudo, faz
sentido distinguir um objetivo de proteção dos direitos dos cidadãos, baseado num quadro
de relacionamento que se pode configurar como um triângulo em cujos 2 vértices da base
estão cidadãos e em cujo vértice superior está a Administração: figura triangular que
pretende evidenciar a presença de uma relação social na base, na qual se verificam, por
vezes, casos de violação ou ameaça de violação de direitos; quando isto sucede, a
Administração tem a responsabilidade e o dever de proteger os direitos lesados ou
ameaçados. Aqui, o sentido de intervenção da Administração não consiste já na
realização, mas sim na tutela ou na proteção dos direitos.
Ao exigir que a Administração prossiga o interesse público no respeito pelos direitos dos
cidadãos, a CRP determina-lhe que tenha em consideração os efeitos que a sua atuação
pode provocar nos direitos dos cidadãos, e que considere estes como um elemento de
ponderação das suas escolhas.
4. Administração Pública
A AP corresponde ao componente subjetivo ou orgânico do Estado Administrativo.
O sentido inicial e básico do conceito de AP refere-se à “máquina administrativa” ou ao
“aparelho administrativo” do Estado, e abrange as inúmeras entidades e os múltiplos
organismos que se dedicam ao exercício de uma função pública com determinadas
características que a distinguem das demais funções públicas do Estado.
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Em síntese, a ação administrativa tem de se basear sempre numa norma jurídica esta
pode ter várias fontes: CRP, regulamentos da UE, normas de direito internacional,
atos legislativos ou regulamentos administrativos.
d) Constituição e lei como referenciais das normas de competência
Num sentido figurado poderá falar-se em ‘fundamento legal’, em ‘legalidade da
Administração’ ou ‘legalidade administrativa’, não se vê inconveniente no recurso ao
conceito de lei neste sentido material a referenciar uma norma jurídica idónea para
legitimar a ação da Administração. Neste contexto, ‘lei administrativa’ é qualquer
norma jurídica com capacidade de autorizar ou legitimar a ação administrativa.
A ação administrativa tem de basear-se sempre numa norma jurídica idónea ou capaz
de produzir esse resultado, capaz de legitimar a atuação da Administração Pública.
No direito português apenas a CRP e a lei têm capacidade para indicar quais as normas
jurídicas idóneas e capazes de servir de base ou fundamento da ação administrativa.
Constituindo assim os 2 pilares essenciais do processo de legitimação jurídica da ação
da AP.
19.2.2 – Lei como fonte principal das normas de competência: o princípio da legalidade
da Administração
Independentemente das considerações anteriores e da possibilidade de a ação
administrativa se fundar em atos não legislativos, o certo é que, em regra, é em leis e atos
legislativos que a competência administrativa se desenvolve e fundamenta. Isto além de
serem também, em regra, os atos legislativos os que organizam o sistema administrativo.
Ou seja, a lei assume uma efetiva liderança na direção e condução da ação da AP. E a lei
cumpre esta função num duplo sentido: enquanto fonte imediata da ação administrativa,
e enquanto fonte indireta (ou mediata), no caso das ações da Administração baseadas em
regulamentos que, por sua vez se baseiam em leis
A posição destacada e preeminente da lei ordinária como fonte de autorização da ação
administrativa explica-se pelas seguintes razões:
- Apesar de poder conter, e conter, normas de ação administrativa, a CRP não é uma lei
para a Administração, pelo que nela não se inscrevem preceitos com essa função senão
de uma forma excecional.
- Podendo desempenhar a função de autorizar diretamente a ação administrativa, as
normas de direito da UE só marginalmente o fazem; desde logo porque a elaboração das
normas de ação pressupõe o conhecimento específico da máquina administrativa e a
identificação dos órgãos a quem as competências vão ser alocadas, um conhecimento que
falta ao legislador europeu sobre cada um dos estados-membros.
- Quanto aos regulamentos, há que ter em conta que a CRP define um elenco vasto de
matérias que estão sob ‘reserva de lei’ e que, por isso, têm de ser disciplinadas por lei da
AR ou do governo (por decreto-lei autorizado). Nestas matérias, a possibilidade de
intervenção regulamentar encontra-se fortemente condicionada.
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escolha entre agir ou não agir, ou da escolha entre a adoção da medida X ou da medida
Y.
O DA, as suas regras e os seus princípios cumpre aqui uma função de orientação dos
processos de ação e decisão administrativa, e tem a pretensão, se não se dirigir esses
processos, pelo menos de limitar e condicionar as escolhas da Administração.
No conjunto de normas com função de condicionamento da ação administrativa ocupam
uma posição de destaque os princípios gerais da atividade administrativa, alguns deles
referenciados na CRP.
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decisão certa, correta e justa: é o que exige o dever de boa administração. Mas não se
esgota dentro desses limites a juridicidade do poder discricionário.
Além dessa juridicidade inerente ao dever de boa administração, a discricionariedade é
um poder orientado juridicamente, que tem de ser exercido segundo critérios e padrões
jurídicos, e que se desenvolve dentro de limites legais e jurídicos.
Em território de uma ‘juridicidade perfeita’ existe, para a Administração, um imperativo
de correto exercício da discricionariedade. Quer isto dizer que o poder discricionário se
apresenta como um poder vinculado; o exercício do poder discricionário é limitado
juridicamente por critérios jurídicos.
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b) Outros limites
O agente administrativo tem ainda de respeitar limites gerais da ordem jurídica, pelo
que não pode, por ex.: infringir quaisquer disposições legislativas ou quaisquer
normas jurídicas aplicáveis ao caso.
Limites de ordem geral são também os que decorrem de uma eliminação ou ‘redução
da discricionariedade a zero’. A figura refere-se a situações em que, apesar de a norma
de competência conferir à partida um poder discricionário à Administração, a
apreciação das circunstâncias do caso apenas permite identificar uma única solução
como juridicamente possível ou legítima.
A eliminação ou desaparecimento do poder discricionário pode resultar das
circunstâncias específicas do caso concreto, que elimina alternativas decisórias, ou de
atuações anteriores da Administração, em conexão com os princípios da igualdade e
da boa fé.
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Deve ter-se ainda presente que, um conceito (verdadeiramente) indeterminado pode ser
objeto de definição legal. Esta pode ter o propósito de eliminar a indeterminação, para
efeitos de aplicação do regime jurídico em causa. Pode, no entanto, suceder que a lei
apenas diminua (sem eliminar) a indeterminação de um conceito. Por fim, a lei pode
fornecer uma indicação sobre alguns casos típicos ou indiciadores da aplicação correta do
conceito.
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Os elementos vinculados também podem relacionar-se de uma forma direta com o próprio
exercício do poder discricionário: o desrespeito dessas vinculações dá origem a vícios,
como o desvio de poder ou uso indevido da discricionariedade, bem como o abuso ou
subutilização do poder discricionário. Embora recaia sobre situações diretamente
associadas ao exercício da discricionariedade, a apreciação do tribunal não toca a essência
ou o exercício em si mesmo do poder discricionário.
A situação é já diferente quando a decisão ou a omissão administrativa se apoiam em
juízos de valoração e em ponderações efetuadas pela Administração no pleno exercício
do poder discricionário, na essência deste poder. Agora terá de definir-se uma metódica
específica de apreciação judicial que respeite o exercício da discricionariedade como
momento da autonomia da Administração; mas também que garanta o controlo da
observância da racionalidade jurídica que se impõe no exercício da discricionariedade,
máxime dos cânones jurídicos que devem ser observados neste contexto.
A lei acolhe um arranjo conciliador:
- Se o ato a praticar envolve a formulação de valorações próprias da função
administrativa, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar – respeito da
autonomia da Administração
- Mas deve explicar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato
devido – garantia do respeito pelos critérios jurídicos do exercício da discricionariedade.
Mas precisamente a mesma questão surge noutras situações, designadamente quando o
tribunal é acionado para apreciar decisões proferidas pela Administração no exercício de
poderes discricionários. O esquema conciliador passa aqui, pela ideia de que o tribunal
tem de fiscalizar, mas sem proceder a um reexame da decisão. Deve existir aqui, um
controlo judicial, mas que respeite o momento da escolha discricionária. Este é o critério
geral que resulta de uma compreensão adequada das relações entre a Administração e os
tribunais à luz de uma leitura equilibrada do princípio da separação dos poderes.
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em que assenta a decisão, sempre que esteja alegada a violação de direitos, liberdades
e garantias.
A questão a colocar é se, mesmo fora desse âmbito, não se justifica um controlo de
maior amplitude do exercício de poderes discricionários nos casos em que estejam em
jogo decisões relativas a direitos (quaisquer direitos e não apenas direitos, liberdades
e garantias) dos administrados. Ora, na nossa interpretação, um alargamento do
controlo judicial não apenas se justifica, como se impõe neste cenário.
Mesmo que não tenha de se estender ao controlo total, a intervenção judicial deve
escrutinar os termos da adequação da decisão administrativa aos factos, e efetuar um
controlo da adequação meio – fim. Ou seja, o controlo judicial do respeito do princípio
da adequação não pode esgotar-se num controlo negativo da razoabilidade, em que só
decisões irracionais, desrazoáveis ou de flagrante arbitrariedade são eliminadas.
Exige-se mais do que isso: o tribunal deve certificar-se de que a decisão
concretamente proferida se revela adequada à situação adequada. Não basta assegurar
que uma decisão relativa a direitos de pessoas não é desrazoável, torna-se necessária
a afirmação explícita da convicção judicial de que a decisão se revela adequada. E
para formular este juízo positivo de convicção, o tribunal tem ao seu dispor os
elementos constantes do processo administrativo, bem como as ‘explicações’ que
pode solicitar à Administração no decurso do processo contencioso.
O mero controlo da razoabilidade, do erro manifesto de apreciação, poderá manter-se
como controlo suficiente, quanto a decisões neutras para os direitos de particulares,
bem como para todas as que envolvem ‘direitos precários’, que a lei desenha, ab initio,
como situações jurídicas de substância mais frágil, que podem fraquejar por razões de
interesse público.
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Num plano diferente, mas ainda no âmbito das relações entre DUE e AP nacional, assiste-
se a um fenómeno com um relevo organizativo que podemos designar «europeização da
AP nacional».
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normas de DUE com efeito direto. Trata-se, neste cenário, de uma consequência do
primado do DUE sobre o direito nacional.
Compreende-se esta imposição europeia do princípio de aplicação preferencial. Sobram,
porém, muitas dúvidas sobre a generalização desse critério de resolução de um conflito
ou de uma contradição normativa.
Em primeiro lugar, importa ter presente a situação específica e real da AP, a qual, na
maioria das vezes não dispõe de competências instaladas para apurar a existência de um
conflito normativo, nem está na condição de formular um juízo conclusivo numa matéria
tão complexa como pode ser a da avaliação da conformidade da lei nacional com o DUE.
Além disso, não se pode desconhecer que a mobilização do princípio da aplicação
preferencial pressupõe uma atitude da AP que, em termos práticos, envolve o consciente
e deliberado ‘desrespeito’ (desaplicação) de uma norma de direito nacional.
Assim, na nossa interpretação, a desaplicação de norma de direito nacional só se deve ter
por possível e, porventura, obrigatória se a violação da norma europeia pela norma
nacional se apresentar objetivamente certa, indiscutível, manifesta ou patente.
Como corolário do princípio do primado do DUE, os atos administrativos nacionais
praticados ou os regulamentos editados em conformidade com leis nacionais contrárias a
normas europeias são inválidos, por força da desaplicação pelo tribunal das leis em que
eles se fundamentam – invalidade indireta.
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de execução direta surge, por sua vez, como um sistema de execução centralizado,
europeu, que pode dispensar as administrações nacionais.
Esta esquematização dualista não corresponde, porém, à realidade atual ou, pelo menos,
não cobre todas as formas ou modelos de execução do DUE. Com efeito, na atualidade,
as AP nacionais operam, em muitos casos, em função europeia, no desempenho de
missões administrativas comuns e funcionalmente integradas numa espécie de
administração comum da UE.
No novo quadro, ainda que se possa manter uma contraposição entre execução direta (de
origem europeia) e execução indireta (de origem nacional), o certo é que, em larga
medida, a distinção deixou de se associar a uma separação terminante de funções entre
AP europeia e AP nacionais.
A função administrativa comum – função administrativa europeia – está, na génese de
uma União Administrativa Europeia, estabelecida mediante um processo de integração e
de instituição de um espaço de condomínio entre administrações nacionais e órgãos da
Administração Europeia. Trata-se de uma função administrativa desenvolvida, em regra,
num sistema compósito, que funciona numa lógica de continuidade, de rede, de
colaboração, de cooperação, de gestão partilhada. Assim, em vez do modelo inicial de
separação, temos um fenómeno de coadministração, de interação concertada ou de
condomínio entre AP europeia e administrações dos estados-membros, em cujo âmbito,
insiste-se as administrações nacionais atuam ‘em função europeia’.
Estamos agora em posição de perceber que a implementação administrativa do DUE
promove um fenómeno de europeização das AP nacionais. Na verdade, na medida em
que participam na função administrativa comum, as AP nacionais tornam-se também
elementos ou peças da AP europeia ou, pelo menos, polos de execução partilhada do
DUE.
Este processo de europeização, que se precipita num plano organizativo, efetiva-se, na
prática, através de formas variadas de integração funcional e de integração institucional
de competentes das AP nacionais na AP europeia.
a) Integração funcional (através de procedimentos administrativas)
O modelo de integração funcional desenvolve-se essencialmente através do modelo
de estruturação de procedimentos administrativos.
Os procedimentos administrativos com relevância europeia podem dividir-se em 5
grupos fundamentais: procedimentos europeus em sentido escrito (decisão
centralizada em órgãos da União); procedimentos compostos ou conjuntos (com
intervenção simultânea de instituições da União e dos Estados); procedimentos
nacionais com efeitos trasnacionais; procedimentos administrativos nacionais
associados a sistemas de reconhecimento expresso; procedimentos nacionais
modelados e conformados pelo DUE.
No presente instante, como fundamento da integração funcional, interessam-nos os
procedimentos indicados em segundo, terceiro e quarto lugares.
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b) Integração institucional
Corresponde a um fenómeno de incorporação ou de quase incorporação de uma
instância administrativa nacional na AP europeia.
Nuns casos, estamos diante de uma integração institucional vertical, baseada na
instituição de uma cadeia de supra e infraordenação entre instâncias europeias e
organismos nacionais.
A integração institucional pode conduzir a uma espécie de «desnacionalização» da
autoridade administrativa nacional, a qual, em termos práticos, pode acabar por se ver
integrada em formas de organização da UE.
Com uma outra configuração, surge-nos a integração institucional horizontal, que se
materializa através da criação de agências ou de organismos europeus compostos por
autoridades nacionais.
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Trata-se de normas jurídicas que, dentro dessa categoria, se contrapõem às regras, pois
conhecem uma intencionalidade normativa mais branda, menos determinista. De facto,
ao contrário das normas jurídicas com estrutura de regra, os princípios definem normas
que atuam num plano de maior abstração e de maior distância em relação a uma situação
definida da vida, não tendo a pretensão de oferecer um único resultado certo, mas antes
definir um critério, um guia de orientação a seguir na adoção de medidas administrativas
e, em geral, no exercício do poder administrativo; os princípios não prescrevem a
produção de um efeito determinado, exigem antes que um determinado objetivo ou
resultado se realize na maior medida possível, segundo as possibilidades fáticas e
jurídicas – «imperativos de otimização».
Precisamente por causa da sua mais fraca intencionalidade normativa, a observância de
um princípio, ao não exigir uma resposta única, convive com várias situações, várias
possibilidades, vários resultados. Por causa desta flexibilidade ou plasticidade, quando
estão em jogo princípios em tensão ou conflito são possíveis, muitas vezes, vias de
harmonização e de concordância prática, que assegurem a realização simultânea dos
interesses protegidos nos 2 casos, sem prejuízo de, no caso concreto e tendo em conta a
sua configuração particular, o aplicador ter o dever de identificar o princípio
preponderante.
Note-se, porém, que, em certos casos, os princípios jurídicos podem apresentar uma
intencionalidade normativa mais forte, que, neste plano, os aproxima das regras jurídicas.
Eis o que ocorre com ‘princípios com a estrutura de regras’, que, como as regras, adotam
uma formulação determinada e fechada.
Também pode acontecer que um princípio jurídico se encontre, em parte, positivado e
concretizado em regras, mas conserve, fora dessa positivação, uma capacidade normativa
própria, que pode ver-se mobilizada no quadro da função de integração normativa: eis o
que pode suceder com o princípio do aproveitamento dos atos jurídicos ilegais da
Administração, mas que poderá ter aplicação fora dessas situações, em relação a outros
atos jurídicos da Administração.
No plano das relações entre princípios e regras, recorde-se a função de interpretação dos
princípios, contexto em que se alude a um cânone de interpretação das regras conforme
os princípios, designadamente para fazer prevalecer a interpretação das regras que se
apresente mais harmoniosa com os princípios. Por outro lado, embora se trate de uma
situação excecional, não é de excluir a eventualidade de um princípio afastar o
cumprimento de uma regra.
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Quando escritos num documento com força de lei, a questão da vigência dos princípios
não suscita dificuldades. Independentemente do que existia no tempo anterior à
positivação legal, a vigência jurídica do princípio torna-se certa e indiscutível com a sua
legalização.
Ainda no caso dos princípios escritos, cumpre distinguir entre situações em que a lei se
limita a referenciar um ou uma série de princípios e aquelas em que a lei procede à
configuração ou explicitação dos princípios. No primeiro caso, a existir, a normatividade
do princípio será, terá de ser, desvendada ou revelada pela jurisprudência e pela doutrina.
No segundo caso, uma parte deste trabalho de revelação é realizado, ou pelo menos
começado, pela lei, vindo, muitas vezes a ser complementado pelos tribunais e pela
doutrina.
Quanto aos princípios não escritos, não expressamente positivados, a questão é um pouco
mais complexa, e começa logo com o caráter incerto da subsistência do princípio (pense-
se em princípios como o da boa administração, da racionalidade, ou da promoção da
concorrência).
Como critério geral, parece dever-se assentar a ideia de que um princípio jurídico (não
escrito num documento com força de lei) só se pode considerar vigente no ordenamento
jurídico administrativo na medida em que se possa extrair ou deduzir como concretização
ou especificação de outros princípios jurídicos gerais vigentes ou de valores fundamentais
da ordem jurídica de um estado de direito.
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d) Emprego na AP
Ao DA pertence igualmente a regulamentação dos vários aspetos da relação de
emprego com a Administração Pública: Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
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53 – Democracia administrativa
O Estado Administrativo português, delineado pela CRP, tem de observar as exigências
postuladas pela regra segundo a qual a República Portuguesa é um Estado de direito
democrático. Além de dever atuar em função dos direitos dos cidadãos e de dever cumprir
exigências de um fundamento democrático, aberto e transparente, o Estado
Administrativo, enquanto organização, terá de ser estruturado ou modelado segundo as
exigências do princípio democrático. A democracia administrativa, que haverá de estar
presente na ação concreta da Administração, começa, contudo, pela organização do
sistema administrativo e pela adoção de soluções, esquemas e modelos organizativos
aptos a responder a exigências essenciais de legitimação democrática, de imparcialidade,
ética pública e anticorrupção, de transparência administrativa e de participação dos
cidadãos na AP.
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c) Síntese
Assim, o princípio democrático reclama a legitimação democrática da Administração
e esta exige, em regra, a delineação de modelos e formas de organização das estruturas
administrativas que assegurem uma ligação efetiva entre os titulares do Poder
Administrativo e o povo. Nos casos em que exista, o défice de uma legitimação nestes
termos terá de ser compensado por adequados e exigentes modelos alternativos.
Sublinhe-se que o princípio da legitimação democrática da Administração não se
reduz a uma exigência projetada num plano pessoal, de legitimação subjetiva e formal
dos titulares do poder administrativo. Reclama-se ainda a legitimação num plano
material. Agora, o que está em causa é a instituição de soluções que permitam uma
capacidade de influência do povo sobre os conteúdos das próprias ações públicas, com
o objetivo da garantia da realização do interesse público. Neste contexto, a submissão
de toda a AP à lei e o controlo parlamentar do Governo e a dependência da
Administração do Estado perante este, bem como a instituição de deveres de prestação
de contas constituem elementos essenciais de legitimação de um sistema
administrativo democrático.
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b) Pluralismo funcional
Por vezes, o pluralismo é imposto por razões funcionais, decorrentes da natureza e
das características particulares da missão confiada a um determinado organismo.
Este pluralismo funcional desenvolveu-se nos anos 90 do séc. XX, sobretudo para a
regulação da economia e do mercado. Surgiu a AP Independente, tendencialmente
isenta ou imune à ingerência ou interferência governamental. A independência
funcional das entidades administrativas independentes surge como o efeito de um
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c) Pluralismo técnico
Com um impacto diferente das formas de pluralismo democrático e funcional, há
também um pluralismo administrativo de recorte essencialmente prático e baseado
em vários esquemas de distanciamento da gestão de setores da Administração em
relação ao controlo hierárquico governamental. A este pluralismo técnico, prático ou
de gestão, assinala-se objetivos de eficiência e de agilização do sistema
administrativo, de redução da dependência burocrática e do aumento de qualidade de
decisão pública. As entidades que dão corpo ao modelo de pluralismo em análise
integram a Administração Indireta do Estado. Trata-se, neste caso, de um pluralismo
com um caráter essencialmente formal, porquanto a criação de entidades da
administração indireta do estado atenua a direção e o controlo governamental, mas o
Governo, além de assumir poderes relevantes, mantém-se como o responsável último
pelo funcionamento dessas entidades.
Embora com outras implicações, parece de reconduzir a este pluralismo técnico
muitos dos casos de concessão de funções administrativas a entidades particulares.
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atribuição aos órgãos administrativos de legitimidade processual para reagir contra atos
ou omissões de atos de outros órgãos administrativos.
O pluralismo administrativo pode ainda ter um efeito pernicioso, de fragmentação e de
desarticulação interna da AP, suscetível de originar situações de conflitos de
competências e, pior, de desresponsabilização ou de indefinição sobre quais as estruturas
responsáveis pela prossecução de determinados interesses públicos. Em rigor, deve dizer-
se que este efeito não resulta apenas do pluralismo administrativo, mas de facto, com
maior frequência do que seria desejável, de serem instituídos serviços, organismos e
autoridades que, sem critério e sem reflexão se vão sobrepondo uns aos outros.
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56 - Hierarquia
O regime jurídico da Administração Direta do Estado estabelece que a organização da AP
se deve orientar pelo ‘princípio da unidade e eficácia da ação da AP’ e acrescenta, que o
citado princípio se consubstancia no exercício de poderes hierárquicos, nomeadamente
os poderes de direção, substituição e revogação.
A hierarquia é um modelo de organização de uma pessoa coletiva, que tem uma projeção
exclusivamente interna. O que distingue a hierarquia de outros modelos de organização é
o facto de instituir um sistema de organização vertical entre os órgãos da pessoa coletiva,
os quais se posicionam numa cadeia ou série, em regra, com vários níveis, e na qual os
órgãos superiores detêm um poder de supremacia (de direção) sobre os órgãos
subalternos.
A hierarquia pressupõe uma ideia de verticalidade e de disposição em cadeia ou em série
de dois ou mais órgãos, e assenta na presença de um relacionamento entre os órgãos de
uma pessoa coletiva baseado numa lógica de autoridade/subordinação ou de
direção/obediência.
O modelo de organização hierárquica está assumido na CRP em relação ao Governo,
quando se refere ao poder que este detém de ‘dirigir os serviços e a atividade da
administração direta do Estado. O poder de direção é um dos poderes típicos da hierarquia
administrativa, como aliás o indica o Regime Jurídico da Administração Direta do Estado.
A presença de um encadeamento vertical entre os órgãos, com a indicação de um poder
de direção do superior e um dever de obediência dos subalternos, associa o modelo
hierárquico à ideia de unidade administrativa.
O modelo de organização hierárquica a que nos referimos assenta numa relação que se
processa no interior de uma entidade, entre os órgãos administrativos que a integram e
surge associado à competência administrativa para a prática de atos externos. Trata-se,
por conseguinte, da hierarquia administrativa.
A hierarquia implica a existência, dentro de uma pessoa coletiva, de vários órgãos com
competências administrativas externas. Neste sentido, o modelo de organização
hierárquica exige alguma medida de desconcentração vertical de competências: se toda a
competência para a prática de atos externos estiver atribuída a um único órgão não há
espaço para uma relação de hierarquia.
Na medida em que se pressupõe a competência de órgãos subalternos para praticar atos e
adotar medidas de efeitos externos, a hierarquia parece implicar ainda que o superior
hierárquico detenha uma competência própria para atuar no âmbito da competência do
subalterno; mas não é assim. Com efeito, não se inscreve na natureza intrínseca do modelo
hierárquico um qualquer princípio ou regra de englobamento da competência do
subalterno na competência do superior. O órgão subalterno pode, na verdade, ser titular
de competências exclusivas. Além disso, salvo se a lei estabelecer coisa diferente, as
competências próprias dos órgãos subalternos não pertencem aos órgãos superiores. Por
força disto, podemos distinguir uma hierarquia plena, se as competências do superior
englobam as do subalterno, e uma hierarquia restrita, na situação oposta.
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57 - Desconcentração
A implementação de medidas de descentração (conceito amplo, que abrange os
fenómenos da desconcentração e da descentralização), corresponde a um cânone ou
orientação constitucional fundamental para a estruturação do sistema administrativo.
A ideia de descentração sugere uma ideia de dinâmica e movimento, no sentido de uma
alteração ou de uma evolução de um sistema que, na base e à partida, se apresenta
centralizado e concentrado. Uma vez que se trata de um fenómeno relativo a poderes ou
competências, a ideia de descentração representa, por conseguinte, um movimento ou
deslocação de competências ou de poderes de um ponto da organização administrativa,
para um outro ponto; um ponto descentrado, situado fora do centro ou num escalão abaixo
do topo. Esta ideia encontra-se presente nas figuras da desconcentração e da
descentralização, que concretizam, assim, uma ideia inicial próxima ou semelhante. Mas
essas figuras do direito da organização administrativa não se confundem, pois refletem
opções muito diferentes de implementar e concretizar a diretriz de descentração.
A desconcentração conhece duas aplicações:
- Uma interna, que se processa no interior de uma pessoa coletiva
- Uma outra externa, que pressupõe um movimento de deslocação das competências dos
órgãos de uma pessoa coletiva para os órgãos de uma outra pessoa coletiva.
Em qualquer caso, a desconcentração versa sobre competências administrativas externas,
ou seja, competências com projeção fora das pessoas coletivas em que se integram os
órgãos envolvidos no processo de desconcentração.
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58 – Descentralização
Do mesmo modo que a desconcentração, a descentralização sugere a imagem de uma
operação dinâmica, de um momento que realiza a deslocação de competências ou de
funções de um ponto para outro ponto da organização administrativa.
Contudo, e ao contrário da desconcentração, a descentralização não se compreende já
como uma figura de dimensão apenas técnica, de incremento da eficiência na gestão e
com o propósito de promover o descongestionamento eficiente do poder decisório. Não
é de facto assim. A descentralização tem um outro alcance.
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c) Autonomia
A compreensão integral da figura da descentralização não dispensa uma referência ao
elemento da autonomia do desempenho da tarefa descentralizada. Não existe, em
rigor, um fenómeno de descentralização se a tarefa de gestão ou administração de
interesses não for assumida como própria da coletividade de interessados. Daqui
decorre que, nos limites da lei, deverá caber à própria coletividade de interessados,
através dos órgãos eleitos, o poder de definir livremente a gestão da tarefa
descentralizada, sem ingerência, intromissão ou orientação do Estado ou de qualquer
outra entidade.
A descentralização promove, assim, uma autoadministração: administração realizada
pelos administrados. Na verdade, ela consiste em atribuir a uma entidade que abrange
ou congrega a coletividade dos interessados na gestão ou administração de um certo
assunto público o poder de gerir ou de administrar esse assunto.
Por representar uma forma de atribuição da gestão de assuntos públicos aos direitos
interessados, a descentralização é um instrumento da democracia administrativa, em
particular, da participação democrática dos cidadãos na vida administrativa.
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59 – Independência
A ideia de centralidade do Governo no sistema administrativo português é, em geral,
correta, e tem manifestações claras nos poderes do Governo enquanto órgão superior da
AP, sobretudo no âmbito da Administração Estadual: direção da Administração direta e
superintendência da Administração indireta.
Contudo, esta dimensão do sistema tem de se articular com uma intendência, que se tem
desenvolvido nos últimos anos, no sentido da instituição de organismos da AP do Estado
com a garantia de independência em face do Governo. Surgiu assim uma «Administração
desgovernamentalizada», composta pelas designadas entidades administrativas
independentes, que o legislador está autorizado a criar.
A criação de entidades independentes (independentes em relação ao Governo, bem como
a qualquer outra instância administrativa) responde, em geral, a um ou mais do que 3
propósitos fundamentais:
- Garantia de uma intervenção administrativa independente da diretriz político-ideológica
das maiorias governamentais, que se considera essencial
- Garantia de intervenção independente de qualquer influência do Governo ou de outros
setores da Administração quando está em causa a proteção dos administrados contra a
própria AP ou a proteção de bens constitucionais
- Garantia de uma intervenção administrativa imune a diretrizes, instruções ou orientações
sobre os termos específicos do exercício de certas competências
A existência de elementos de Administração independente corresponde, hoje, a um
princípio de organização da AP, cuja concretização corresponde, em certos casos, a
exigências constitucionais, bem como a determinações constantes de regras do DUE ou
de standards internacionais.
Esta independência encontra fundamento na conveniência de distanciar do Governo e da
política o exercício de certas missões administrativas. Para esse efeito, atribuem-se tais
missões a organismos que gozam de uma garantia de independência institucional. Mas,
por vezes, a independência institucional do órgão ou entidade; trata-se dos casos de
autonomia ou independência técnica, que pressupõe a mobilização de uma capacidade
pessoal no plano técnico, científico ou jurídico. Aqui, a independência refere-se à
competência, não à condição de quem a exerce.
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Situação análoga à dos institutos públicos verifica-se no caso das entidades públicas
empresariais cuja denominação deve, nos termos da lei, integrar a expressão ‘entidade
pública empresarial’ ou as iniciais EPE.
Conduzem ao mesmo resultado de identificação imediata de uma entidade como pessoa
coletiva de direito público, as situações em que a lei reserva a denominação de certas
entidades para pessoas coletivas públicas: eis o que sucede com as referências ‘ordem
profissional’ ou ‘câmara profissional’ que, nos termos da lei, apenas podem ser utilizadas
por associações públicas.
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uma entidade pública podem criar-se pessoas públicas, mas também pessoas
privadas.
2) Criação por lei ou por um ato público baseado numa lei – A criação de uma
pessoa pública exige sempre a iniciativa de outra pessoa pública. Estando esse
requisito preenchido, interessa determinar a seguir a natureza jurídica do ato
instituidor, porquanto a pessoa pública tem de ser criada por um ato de direito
público.
Pois bem, o ato de criação reveste seguramente natureza jurídico-privada
quando praticado no exercício da capacidade jurídica privada da pessoa
pública: pode ser um ato unilateral (criação de uma sociedade unipessoal) ou
contratual (criação de uma associação). Uma vez que um ato de direito privado
não pode criar uma pessoa pública, a qualificação que se procura estará
encontrada: personalidade jurídica privada.
A criação de uma pessoa pública deverá, portanto, basear-se num ato de direito
público, que pode ser uma lei ou um ato praticado ao abrigo de uma lei
especialmente dirigida à entidade pública enquanto titular de funções públicas.
O ‘outro ato’ pode ser um regulamento, um ato administrativo ou um contrato
administrativo.
Sendo o ato de criação de uma pessoa coletiva uma lei ou um ato praticado ao
abrigo de uma lei especialmente dirigida a uma pessoa coletiva pública
enquanto tal, impõe-se qualificá-lo como ato de direito público. Porém, a
natureza da entidade instituída não pode ficar determinada, pois, por um ato
dessa natureza (lei ou ato administrativo) também podem ser criadas pessoas
de direito privado.
3) Sujeição da entidade a um regime de direito público – Além dos requisitos
anteriores, a qualificação pública de uma entidade depende ainda da sua
sujeição legal a um regime de direito público, que pode projetar-se no plano
das relações internas ou no plano da atuação externa e da regulação das suas
relações com terceiras entidades.
Assim, uma entidade criada por iniciativa pública e por um ato de direito
público deve qualificar-se como pessoa pública, desde que se encontre
submetida a um regime de direito público expressamente previsto e definido
por lei. A sujeição a um regime jurídico com estes contornos não é uma
consequência, mas antes um fundamento da natureza pública de uma entidade.
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a) Estado
O Estado, na sua veste jurídico-administrativa, é a pessoa coletiva pública primeira
ou de base: é o titular originário dos seus próprios poderes, posto que não os recebe
de qualquer outra instância.
O Estado desempenha as missões que lhe estão confiadas diretamente, por meio dos
seus órgãos e serviços (administração direta), em regra, sob a dependência direta do
Governo. A AP estadual apresenta, todavia, um âmbito mais amplo, e abrange
múltiplas formas de Administração estadual indireta, em cuja execução vão surgir
vários tipos de pessoas coletivas públicas instrumentais.
b) Autarquias locais
Integram a AP autónoma territorial.
c) Institutos públicos
Formam uma categoria muito heterogénea que abriga vários tipos de entidades
públicas de base institucional, com localizações diferenciadas na organização
administrativa do Estado: institutos públicos integrados em ministérios e submetidos
a tutela e superintendência do Governo, na Administração estadual indireta sob
orientação do Governo, subcategoria que inclui diferentes tipos de institutos públicos,
como os serviços personalizados e os fundos ou fundações públicas; instituições de
ensino superior públicas, que se reconduzem à Administração indireta com
autogoverno; entidades administrativas independentes, que integram a Administração
estadual independente.
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d) Associações públicas
São associações, têm base corporativa e, portanto, como dominante do seu substrato
o elemento pessoal (conjunto de pessoas); são instituídas para a prossecução conjunta
de atribuições das entidades associadas, cuja execução administrativa é confiada ao
conjunto das pessoas diretamente interessadas, as quais integram a associação.
Representam uma categoria heterogénea, na qual se integram as associações públicas
de interessados, as associações públicas interadministrativas e as associações públicas
em condomínio público-privado.
As associações públicas podem dedicar-se à realização de tarefas públicas próprias,
relativas aos interesses dos respetivos associados, localizando-se, nesse caso, no setor
da administração autónoma corporativa; mas também podem ser instituídas para a
realização de fins estaduais ou para a realização de fins públicos das entidades que se
associam.
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É a soma das competências dos seus vários órgãos que permite perceber o que é que uma
pessoa coletiva pública pode fazer, que poderes e que deveres detém e de que relações
jurídicas pode ser parte no âmbito do DA.
O fator decisivo para delimitar a capacidade de direito público da pessoa coletiva pública
é, pois, a competência dos órgãos. A lei não atribui poderes (competências) às pessoas
coletivas, mas antes, apenas, aos respetivos órgãos.
Assim, o facto de um determinado órgão da pessoa coletiva pública atuar fora da sua
competência não envolve necessariamente um problema de incapacidade da pessoa
coletiva. Importará apurar se a competência que o órgão exerceu pertence a outro órgão
da mesma pessoa coletiva ou se, pelo contrário, esse poder não pertence a nenhum órgão
daquela pessoa. O primeiro caso reconduz-se a um problema de incompetência do órgão
que atuou; é o órgão que não dispõe de competência para a ação efetuada, mas esta ação
cabe na capacidade da pessoa de direito público a que o órgão pertence. O segundo já
traduz uma incapacidade da própria pessoa coletiva pública a que pertence o órgão; a
própria pessoa coletiva não dispõe de capacidade jurídica para assumir a ação efetuada.
Diferentemente da capacidade de direito privado, que se apresenta como uma capacidade
genérica, a capacidade de direito público é uma capacidade jurídica específica, que
abrange apenas os direitos e obrigações enumeradas que a lei confere aos respetivos
órgãos - princípio da enumeração das competências públicas.
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O órgão não representa a pessoa coletiva de que faz parte. O titular do órgão também não
representa o órgão, nem a pessoa coletiva de que este faz parte. Não existe uma relação
de representação, mas, em ambos os casos, uma relação orgânica de imputação.
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81 – Impedimentos
O conceito de impedimento indica que o titular do órgão fica impedido de intervir em
procedimento, de tomar decisão ou de participar na celebração de contrato.
A ocorrência da situação que gera um impedimento tem efeitos imediatos para o titular
do órgão, o qual deve comunicar o facto e suspender imediatamente a sua atividade.
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iii) Quando se trate de recurso de decisão proferida por titular do órgão, com a
sua intervenção, ou proferida por pessoas próximas ou com intervenção
destas.
Em todos estes casos, a lei presume que o titular do órgão tem um interesse em defender
uma posição previamente assumida, por razões de coerência com o que ele próprio opinou
no parecer ou decidiu, ou por razões de proximidade com o autor do parecer ou da decisão
recorrida.
As situações típicas constitutivas de impedimento são as que a lei indica e não outras.
Contudo, em algumas situações próximas das que a lei enuncia, poderá haver fundamento
de escusa ou de suspeição.
82 – Escusa e suspeição
Os casos de que acima se falou, reportam-se a situações de conflitos de interesses que a
lei define taxativamente como de impedimento, conduzem a uma proibição estrita da
intervenção do titular do órgão e obrigam este a comunicar ao órgão competente, sob pena
de sanção disciplinar.
Mas podem verificar-se outras situações de conflitos de interesses mais ou menos
próximas daquelas, que, como os impedimentos, acabam por poder representar um risco
para a aparência de imparcialidade e de isenção da AP ou que, em qualquer caso, são
suscetíveis de colocar o titular do órgão administrativo numa situação incómoda, por, na
sua apreciação, poder gerar-se objetivamente uma dúvida séria sobre a sua
imparcialidade. Com o propósito de enquadrar em que termos se pode determinar a não
intervenção de titulares de órgãos administrativos em situações que a lei não tipifica como
impedimentos, o legislador delineou o regime jurídico do pedido de escusa ou de
dispensa de intervenção no procedimento e da oposição de suspeição – esta variação
semântica, tem que ver com quem coloca a questão em termos procedimentais: se o fizer
o titular do órgão, diz-se que “pede escusa ou dispensa”, se o fizer um interessado, diz-se
que “opõe suspeição” ou “deduz suspeição”.
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e que supera os indivíduos que o compõem, um corpo permanente e sempre idêntico mau
grado a mudança dos seus membros.
Na conceção clássica, o órgão colegial funda-se no princípio do unitas actus,
correspondente a uma tripla unidade: de tempo, de lugar e de ação de todos os membros;
o órgão colegial tem de reunir os seus membros num mesmo contexto logístico e
temporal. Daqui decorre como elemento essencial do funcionamento do órgão a reunião
dos indivíduos que o compõem num mesmo local e à mesma hora.
A conjugação das posições individuais dos vários membros do órgão vai dar origem a
uma posição coletiva e colegial, considerada a posição do órgão; esta é formalizada numa
deliberação. Nas notas da pluralidade presencial e participativa e da formação coletiva da
vontade unitária da Administração concretiza-se o princípio da colegialidade.
Neste âmbito distingue-se colegialidade perfeita de colegialidade imperfeita.
Órgãos colegiais perfeitos são os que apenas podem funcionar com a presença do número
legal de membros, devendo todos esses participar na discussão, e sendo as respetivas
deliberações tomadas por consenso. Os órgãos colegiais imperfeitos são os que podem
funcionar sem a presença de todos os membros e em que as respetivas deliberações podem
ser adotadas por uma parte dos membros presentes (em regra, a maioria absoluta dos
votos dos membros).
A regra do direito português é da colegialidade imperfeita.
O exercício da competência do órgão colegial reclama uma disciplina específica do
funcionamento do colégio, que regule, além do mais, tudo o que se relaciona com a
realização da reunião. Perspetivando a ação administrativa em termos procedimentais,
quer se trate da formação de um ato, de um regulamento ou de um contrato, a intervenção
de um órgão colegial no procedimento envolve, em especial, uma sequência de atos e de
formalidades atinentes ao funcionamento do colégio a qual constitui uma espécie de
subprocedimento que se enxerta no procedimento de formação do ato, do regulamento ou
do contrato: subprocedimento colegial.
87 – Reunião
A reunião dos membros que integram o órgão colegial é momento essencial do
funcionamento dele. O órgão só pode funcionar entre os momentos formais do início e
do encerramento das reuniões.
Fora desses momentos, o órgão colegial existe como um centro ativo de imputação de
efeitos jurídicos. Percebe-se o caráter essencial deste elemento do regime de
funcionamento dos órgãos colegiais: pelo facto de estes, enquanto figuras abstratas,
assumirem e suportarem efeitos jurídicos decorrentes de atuações dos respetivos
membros, impõe-se, naturalmente, todas as cautelas na definição dos termos em que estes
membros podem imputar ou atribuir efeitos das suas próprias declarações e ações àquelas
figuras abstratas.
Antes da abertura e depois do encerramento, o órgão encontra-se inativo e incapaz de
funcionar: até podem estar reunidos os seus membros, mas este não está a funcionar, pelo
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a) Reuniões ordinárias
Neste caso, a convocação, embora não referida na lei, deve ter lugar e cabe, em regra,
ao presidente do órgão colegial.
A ordem do dia de cada reunião é estabelecida pelo presidente e deve incluir os
assuntos que para esse fim lhe forem indicados por qualquer vogal, desde que sejam
da competência do órgão e o pedido seja apresentado por escrito com uma
antecedência mínima de 5 dias sobre a data da reunião.
O direito de indicar assuntos para a ordem do dia pertence a todos os vogais, nas
condições indicadas e salvo disposição especial em contrário. Em caso de
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b) Reuniões extraordinárias
Em regra, as reuniões extraordinárias têm lugar mediante convocação do presidente:
a lei ou mesmo o regimento do órgão podem estabelecer coisa diferente.
O presidente é, contudo, obrigado a proceder à convocação sempre que, pelo menos,
um terço dos vogais lho solicitem por escrito, indicando o assunto que desejam ver
tratado.
Se o presidente não cumprir essa sua obrigação legal, os requerentes podem efetuar a
convocação diretamente, com invocação daquela circunstância, expedindo a
convocatória para os endereços eletrónicos de todos os membros do órgão, quando
aqueles se encontrem registados nos termos estatutários ou regimentais, ou
publicitando-a mediante publicação num jornal de circulação nacional ou local e nos
locais de estilo usados para a notificação edital.
A convocação da reunião extraordinária deve ser feita para um dos 15 dias seguintes
à apresentação do pedido, mas sempre com uma antecedência mínima de 48h sobre a
data da reunião. Da convocatória devem constar, de forma expressa e especificada, os
assuntos a tratar na reunião (como que a ordem do dia das reuniões ordinárias).
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Além destes casos, a participação de terceiros pode ocorrer, em certos termos, nas
reuniões públicas.
Quando as reuniões hajam de ser públicas, deve ser dada a publicidade aos dias, horas e
locais da sua realização, de forma a garantir o conhecimento dos interessados com uma
antecedência de, pelo menos, 48h sobre a data da reunião.
Se a lei determinar ou se o órgão tiver deliberado nesse sentido, o público que assiste às
reuniões pode intervir para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre
assuntos relevantes da competência daquele. Fora do período definido para a sua
intervenção, o público que assiste à reunião não pode intrometer-se na discução.
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de ser fundada, mas subsistindo, a lei atribui primazia aos valores protegidos pela
votação secreta.
A exigência legal de votação secreta visa garantir essencialmente a liberdade de
apreciação dos membros dos órgãos colegiais desonerando-os de expor publicamente
o seu próprio juízo sobre comportamentos ou qualidades pessoais de alguém.
A fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto é feita pelo
presidente do órgão colegial após a votação, tendo presente a discussão que a tiver
precedido.
c) Realização da votação
Definido o processo e observadas as exigências de quórum, segue-se a votação.
Esta consubstancia-se na manifestação, por cada membro do órgão do seu sentido de
voto: contra ou a favor da proposta (ou propostas) em votação.
Os membros do órgão, poderão ainda optar pela abstenção.
Em regra, a abstenção é possível, uma vez que não está proibida. Mas, claro, a lei
especial pode sempre proibi-la.
De resto, o próprio CPA define uma regra geral de proibição da abstenção, quando se
trate de órgãos consultivos ou de deliberação adotada por órgão não consultivo, mas
no exercício de funções consultivas.
Após a votação, segue-se o apuramento do resultado e a determinação do sentido da
deliberação: de aprovação ou de rejeição da proposta.
As deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos membros presentes à
reunião, assim, estando presentes 7 membros, se 3 votarem a favor, 2 contra e os
outros 2 se absterem, a proposta não é aprovada por não se ter formado maioria
absoluta nesse sentido. Mas note-se que também a proposta de deliberação não é
rejeitada, pois não se formou maioria absoluta nesse sentido.
Quando seja exigível maioria absoluta e esta não se forme, nem se verifique empate,
procede-se imediatamente a nova votação e, se aquela situação se mantiver, adia-se a
deliberação para a reunião seguinte, na qual a maioria relativa é suficiente.
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88 – Ata da reunião
De cada reunião terá de ser lavrada uma ata, que contém um resumo de tudo o que nela
tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das
deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os
membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o
resultado das respetivas votações e as decisões do presidente.
Da ata consta ainda o registo dos votos de vencido.
A ata é redigida pelo secretário, mas o presidente do órgão colegial tem a responsabilidade
de zelar pela exatidão do conteúdo da mesma. Uma vez redigida, a ata é submetida à
aprovação dos membros, no final da respetiva reunião ou no início da reunião seguinte,
sendo assinada, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário.
a) Aprovação da ata
Em termos práticos, e embora a lei admita essa possibilidade, não se revela fácil
proceder à aprovação da ata logo no final da reunião a que a mesma respeita. Daí que
a lei preveja a aprovação da ata no início da reunião seguinte.
A aprovação da ata é condição de eficácia jurídica das deliberações aprovadas na
reunião do órgão a que a mesma se refere.
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Importante será referir que, não existem órgãos sem competência, e que os órgãos que
apenas exercem competências delegadas (secretários de Estado, vereadores da câmara)
só assumem a condição de órgãos se e quando forem investidos de competências por um
ato de delegação.
91 – Conceito de competência
Competência – complexo de poderes funcionais conferido por lei ou por regulamento a
um órgão administrativo. A competência indica o poder de um órgão para atuar, decidir
ou deliberar sobre uma determinada matéria ou assunto.
A competência é definida por lei ou por regulamento, entendendo-se por ‘lei’, ato
legislativo (da AR), decreto-lei ou decreto legislativo regional; e por ‘regulamento’ o
regulamento administrativo, uma norma jurídica geral e abstrata emitida pela
Administração, no exercício de poderes jurídico administrativos. Uma norma
regulamentar pode assumir a condição de norma atributiva do poder ou competência. E
pode até suceder que o próprio órgão (titular da competência) seja criada por um
regulamento.
A competência administrativa que aqui se considera é, sobretudo, a que se pode
materializar na produção de atos jurídicos externos, quer dizer, de atos que representam
uma atuação externa da pessoa coletiva que o órgão integra, que projetam os seus efeitos
numa outra pessoa ou entidade.
Existem competências internas, ou seja, competências para a prática de atos que
produzem efeitos jurídicos apenas no interior da pessoa coletiva, num plano
interorgânico, por ex.: o parecer que um órgão consultivo emite por solicitação de um
órgão ativo.
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o Institutos com autogoverno, que é o caso das instituições de ensino superior, que
correspondem a “institutos públicos autónomos”
o Institutos independentes do Governo, como é o caso das entidades administrativas
independentes com funções de regulação económica, que correspondem a
“institutos públicos independentes”
Todos os institutos públicos se integram da Administração estadual indireta, pois, em
todos os casos estamos perante organismos de substrato institucional, instituídos para
prosseguirem atribuições de Estado. Os institutos públicos são, em todos os casos,
entidades instrumentais do Estado.
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b) Personalidade jurídica
Os IP’s são pessoas coletivas de direito público, dotadas de órgãos e património
próprio. O atributo da personalidade jurídica é um elemento essencial do conceito.
Os IP’s podem ser serviços ou fundos, isto é, serviços personalizados, ou fundos
personalizados (‘fundações públicas’).
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Nos termos do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RIJES), o ensino
superior articula-se segundo um sistema binário: o ensino universitário e o ensino
politécnico. A esse sistema correspondem dois tipos de instituições de ensino superior: as
universidades e os institutos politécnicos.
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Concordamos com esse ponto de vista, exceto quanto ao segundo elemento, o qual não
parece que esteja presente em todas as formas de Administração autónoma.
A Administração autónoma é um instrumento de participação dos cidadãos da AP,
interliga-se com a autoadministração.
Há 2 manifestações da Administração autónoma: territorial e não territorial (também
designada funcional ou corporativa), a diferença entre elas reside no fator territorial.
A Administração autónoma territorial é a parte do sistema administrativo que se ocupa da
realização dos interesses próprios e específicos da população residente num espaço
delimitado do território nacional através de órgãos eleitos e representativos. Sendo as
maiores referências deste setor da AP as autarquias locais, ou seja, os municípios e as
freguesias.
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o Autonomia administrativa
o Autonomia na contratação de pessoal
Todas estas dimensões de autonomia se desenvolvem dentro de limites e de
condicionantes legais. Além disso, a autonomia local não é um valor absoluto e pode
sofrer compressões e restrições de vária ordem e em vários planos, nomeadamente as
restrições legais (orçamentais) em matéria de contratação de pessoal; ou os cenários de
restrição severa da autonomia financeira de autarquias locais endividadas e em processo
de ajustamento financeiro.
A autonomia local é suscetível de tutela judicial, por via da imputação de atos e medidas
estaduais de qualquer natureza que atentem contra a garantia constitucional. Mas, por si
mesmas, as autarquias locais apenas podem impugnar as medidas restritivas que revistam
um caráter administrativo, estando-lhes vedada a possibilidade de reação contra medidas
legislativas.
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Não se pode dizer que o presidente da câmara seja ignorado pela Constituição e muito
menos desconhecido do legislador constituinte das sucessivas revisões constitucionais.
O facto de a Constituição se revelar quase omissa sobre o presidente da câmara municipal
não exclui que este se possa conceber como órgão do município.
O presidente da câmara municipal é, na verdade, um órgão primário do município, uma
vez que dispõe de um extenso leque de competências próprias.
A atribuição legal direta de competências ao presidente revela que está aqui presente um
órgão primário e autónomo do município.
Além de deter competências próprias, no presidente pode ser delegada uma parte muito
significativa das competências da câmara municipal. Podem ser delegadas no presidente
competências para executar as opções do plano e orçamento; alienar bens imóveis;
ordenar a demolição total ou parcial de edifícios que ameace ruína ou constituam perigo
para a saúde e segurança das pessoas, …
Na atuação das suas competências (próprias e delegadas), o presidente é coadjuvado pelos
vereadores no exercício das suas funções.
O presidente tem o poder de optar pela existência de vereadores a tempo inteiro ou a meio
tempo, assim como de escolher, em concreto, os vereadores a tempo inteiro e a meio
tempo, fixar as suas funções e determinar o regime do respetivo exercício. O presidente
tem ainda o poder de delegar as suas competências próprias e subdelegar as suas
competências delegadas nos vereadores.
É o presidente que, por fim, designa, de entre os vereadores, o vice-presidente da câmara,
a quem, além de outras funções que lhe sejam distribuídas, cabe substituir o primeiro nas
suas faltas e impedimentos.
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173 – Superintendência
a) Traços gerais da figura da superintendência
A superintendência refere-se a uma situação de supremacia de uma entidade, ou
de um órgão, sobre outra entidade, ou outro órgão.
Conceitos com o qual se relaciona:
o Direção – compete ao Governo dirigir os serviços e a atividade da
Administração direta
o Tutela – compete ao Governo exercer a tutela sobre a Administração
indireta e a Administração autónoma
A superintendência, enquanto poder de supremacia, apresenta-se, por um lado,
menos forte ou intrusivo que o poder de direção e, por outro, mais forte e intenso
que o poder de tutela: superintender não significa tanto como dirigir, mas também
não significa tão pouco como controlar ou fiscalizar.
Superintendência – relação jurídica entre duas entidades da AP, na qual uma delas,
a entidade principal, detém um poder de orientação da outra, a entidade
instrumental que, em geral, se materializa através da adoção de medidas de
definição das prioridades e objetivos a prosseguir, estratégias a adotar e das metas
a atingir, bem como da emissão de diretrizes e de instruções sobre o modo de
realização dos referidos objetivos e metas por parte da entidade instrumental.
A típica relação de superintendência processa-se, no âmbito da Administração
estadual indireta, entre o Estado e os IP’s dependentes do Governo.
Superintendência é, então, a relação que se processa entre o Governo e os órgãos
dirigentes dos IP’s: o membro do Governo da tutela pode dirigir orientações,
emitir diretivas ou solicitar informações aos órgãos dirigentes dos IP’s sobre os
objetivos a atingir na gestão do instituto e sobre as prioridades a adotar na
respetiva prossecução.
Os IP’s são entidades dotadas de personalidade jurídica instituídas pelo Estado
para a realização, em seu próprio nome, de finalidades estaduais, integram, então,
as pessoas coletivas públicas instrumentais ou secundárias. São organismos
criados para servir o Estado, para atuarem como seus instrumentos que se colocam
na dependência do Governo, adstritos a um ministério, o ministério da tutela.
O facto de estar aqui presente um processo de desconcentração intersubjetiva é o
resultado de uma opção intencional de distanciamento do Governo em relação à
gestão da tarefa desconcentrada.
O afastamento dos poderes de direção governamental representa um efeito
necessário da desconcentração intersubjetiva. Assim: superintender é menos do
que dirigir.
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que esta define. Neste cenário, a relação de tutela convive com a relação de
superintendência.
A lei pretende associar à tutela todas as formas de intervenção de uma entidade pública
na gestão de outra entidade que não se reconduzam ao conceito de superintendência
(orientação). Assim, no plano da relação entre o Estado e os IP’s, o Governo tem um
poder de orientar, mas também dispõe de muitos outros poderes de intervenção
desprovidos de sentido orientador. Na medida em que não têm sentido orientador, estas
formas de intervenção são legalmente qualificadas como tutela administrativa. Há uma
diferença substancial relevante entre as medidas de tutela do Estado sobre as entidades da
AP autónoma (ex.: autarquias locais) ou sobre os IP’s autónomos (ex.: universidades) e
as que o mesmo Estado adota sobre os IP’s dependentes do Governo. As primeiras
constituem medidas materialmente externas de condicionamento ou limitação da
autonomia (impugnáveis judicialmente para proteção da autonomia e dos interesses
próprios das entidades tuteladas); as segundas correspondem a medidas formalmente
externas de intervenção legitima sobre uma entidade instrumental (não impugnáveis
judicialmente por falta de legitimidade processual ativa dos IP’s, por não disporem de
interesses próprios perante o Estado).
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A hierarquia administrativa (externa) é, então, uma relação entre dois ou mais órgãos
administrativos de uma pessoa coletiva pública posicionados em graus diferentes de uma
cadeia ou de um escalonamento vertical em que os órgãos ordenados em posição superior
detêm um poder de supremacia jurídica sobre os órgãos ordenados em posição inferior.
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c) Objeto da delegação
A delegação alberga conteúdos muito variados: o ponto de partida é,
naturalmente, o conjunto dos poderes ou competências do órgão delegante.
Órgão delegante – órgão normalmente competente para decidir em determinada
matéria.
A delegação permite que o delegado pratique atos administrativos sobre a mesma
matéria – delegação de poderes para a prática de atos administrativos.
Quando se processa entre órgãos de diferentes pessoas coletivas, a delegação de
poderes é suscetível de envolver a vinculação do órgão delegado à prossecução
de finalidades públicas – atribuições – da pessoa coletiva a que pertence o órgão
delegante. Mas isso não altera o sentido da delegação, que conserva o perfil de
um ato de transferência do exercício de competências, no qual devem ser
especificados os poderes delegados.
d) Sujeitos da delegação
A delegação pode processar-se no âmbito de relações:
o Entre órgãos administrativos da mesma pessoa pública – ex.: delegação de
competências da câmara municipal no presidente da câmara ou delegação
de competências do ministro no diretor geral
o Entre órgãos administrativos de diferentes pessoas coletivas públicas –
ex.: delegação de competências do ministro da tutela no presidente do
conselho diretivo de um IP, ou a delegação de competências dos órgãos de
Estado nos órgãos dos municípios ou das entidades intermunicipais
o Entre órgãos administrativos e titulares de órgãos administrativos que não
dispõem de competências próprias – ex.: delegação de competências de
órgão colegial no respetivo presidente, delegação de competências do
presidente da câmara nos vereadores.
o Entre órgãos administrativos e agentes de uma pessoa coletiva pública – o
conceito genérico de ‘agente’ refere-se aos trabalhadores da AP, agente é
aquele que, a qualquer título, exerça funções públicas ao serviço da pessoa
coletiva, em regime de subordinação jurídica; agente é um trabalhador da
pessoa coletiva pública.
o Entre órgãos administrativos e entidades particulares – delegação privada,
em que os primeiros estão na condição de delegantes e os segundos na
condição delegatária.
A lei de habilitação nem sempre indica os destinatários possíveis na
delegação, ou seja, os órgãos delegáveis. Quanto à subdelegação, o
subdelegante pode subdelegar as competências que lhe tenham sido
subdelegadas, mas não há qualquer indicação sobre quais os órgãos nos quais
pode o subdelegante subdelegar competências.
Na falta de indicação legal do órgão delegável, parece-nos que o órgão
delegante (ou subdelegante) apenas pode delegar (ou subdelegar) em órgãos
ou agentes que, em relação a si, estejam em condições de subalternidade ou
subordinação jurídica: órgãos ou agentes inferiores hierárquicos no âmbito da
relação de hierarquia.
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e) Relação de delegação
A delegação institui uma relação jurídica entre delegante e delegado, que
neutraliza ou suspende, no respetivo âmbito, a eventual relação (ex.: relação
hierárquica) existente antes da delegação.
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b) Subdelegação de poderes
O delegante é autorizado a subdelegar os poderes delegados, sendo atribuída a
mesma autorização ao subdelegado, uma vez que a subdelegação constitui uma
delegação, uma norma de habilitação de delegações.
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mas não indicam o órgão ou agente que pode beneficiar da delegação. O CPA também
não contém essa indicação. Parece-nos de considerar, o princípio segundo o qual o órgão
legalmente habilitado a delegar pode delegar (apenas em órgãos) ou agentes que, em
relação a si, estejam em condição de subalternidade ou subordinação jurídica.
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dias, conta-se desde o momento da prática do ato de delegação e sugere que este ato
caduca se não for publicado no referido prazo.
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c) Avocação
Avocação – ato pelo qual um órgão chama a si o exercício da competência de um
outro órgão, para decidir um caso específico ou um conjunto definido de casos; o
delegante tem o poder de avocar.
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na lei; quer sobre a função administrativa, concebida como atividade de mera execução
de lei e definida de uma forma negativa, segundo um método de subtração, como toda e
qualquer atividade pública que não se traduz na função legislativa, nem na função judicial.
Esta definição negativa da função administrativa é evidentemente insatisfatória, uma vez
que, nomeadamente, não explica os momentos de autonomia da função administrativa,
em que esta não surge, pois como atividade de execução da lei, nem como uma espécie
de função entalada entre as funções legislativa e judicial.
Apresenta-se conveniente e necessária a apresentação, se não uma definição, ao menos
uma caracterização orientada por um critério tipológico, que assinale as características
marcantes ou os momentos típicos dessa específica função do Estado.
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A função jurisdicional corresponde a uma reserva dos tribunais (reserva do juiz): exercer
a jurisdictio é uma função própria e reservada a tribunais, a instâncias terceiras e
independentes das partes.
As situações em que emerge uma especial dificuldade de distinção entre as funções
administrativa e jurisdicional: aquelas em que a atividade da AP se desenvolve a partir da
ocorrência de um conflito, e com o propósito de reagir e de o resolver; e aquelas em que
a atividade administrativa se consubstancia na aplicação de sanções, com uma finalidade
exclusiva ou primacialmente repressiva.
a) Resolução de conflitos por ato administrativo
Por vezes, a lei confia a entidades da AP competências para a resolução de
conflitos entre particulares: a Administração surge aqui na condição de um
terceiro em relação aos protagonistas da situação de conflito (ex.: nos termos da
lei, a ANACOM é chamada a dirigir litígios entre dois operadores de
comunicações, para garantia do direito de acesso e à interligação de redes). Neste
caso, entram em cena os designados ‘atos administrativos de resolução de
conflitos’: apesar de terem subjacente um conflito e de serem praticados em vista
da respetiva resolução, tais atos ainda pertencem à função administrativa, uma vez
que a Administração não atua em forma desinteressada.
Ex.: ordenar aos operadores sujeitos à sua regulação e adoção das providências
necessárias à reparação justa dos direitos dos consumidores. – Aqui permite-se
que uma autoridade administrativa ordene a particulares (empresas reguladas) a
adoção de providências que visem reparar de forma justa os direitos dos
consumidores. Nos termos da LQER, as entidades reguladoras têm a missão de
proteger os direitos e interesses dos consumidores, mas afigura-se já forçado
considerar dentro da função administrativa a resolução destes conflitos entre
consumidores e empresas prestadoras de serviços com o objetivo de alcançar a
reparação justa dos primeiros. Inclinamo-nos para considerar que se está aqui
perante uma intervenção administrativa substancialmente jurisdicional, que se
desenvolve através dos atos jurídicos que consideramos parajurisdicionais, pois
tudo indica, prosseguem sobretudo o interesse da composição justa no conflito
(justiça).
Fora da categoria dos atos administrativos de resolução de conflitos estão os atos
de órgãos da AP sobre reclamações e recursos administrativos, pelo menos nos
casos de reclamação e de recurso hierárquico. Mesmo tendo por fundamento a
ilegalidade do ato praticado ou omitido pela Administração e mesmo podendo
dizer-se que pressupõem um conflito ou controvérsia entre a Administração e o
particular, as reclamações e os recursos hierárquicos não suscitam a intervenção
de uma instância terceira em relação às partes do conflito. O autor do ato (no caso
da reclamação) ou o superior hierárquico são partes da controvérsia que se veem
chamados a resolver.
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Nós respondemos que existe uma reserva da Administração (pelo menos uma reserva de
princípio), no sentido em que é à AP que se encontra confiada a execução da função
administrativa por via de medidas concretas e individuais, no quadro da realização de um
interesse público diferente da solução pacífica e justa de um conflito. O relacionamento
direto com uma determinada entidade ou um certo cidadão a quem se dirigem as medidas,
são as marcas de uma função, tarefa ou missão que deverá pertencer à AP.
A reserva da AP não tem um sentido material, não se refere a elencos de matérias que se
encontrem vedadas à interferência de outros poderes. A reserva tem, em vez disso, um
sentido procedimental, conjugado com uma dimensão finalística, dizendo respeito ao
modo de agir, em situações concretas e perante pessoas determinadas e, ao agir para a
realização de um interesse público.
Em certos setores da Administração, podemos ainda identificar uma reserva de autonomia
em matéria regulamentar (ex.: poder regulamentar das autarquias locais, associado a uma
reserva de regulamento local e ao poder próprio das autarquias de regulamentação de
interesses próprios e específicos das respetivas populações).
A reserva da Administração também indica a limitação da intervenção do tribunal nos
espaços de discricionariedade administrativa. Trata-se, aqui, de conceber a reserva como
espaço de autonomia da Administração e de não intromissão do poder judicial.
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c) Variedade de conteúdos
Grande diversidade das matérias e dos domínios tocados pelas tarefas
administrativas. A noção objetiva de AP remete imediatamente para um copioso
número de atividades, tarefas e missões cuja classificação é, por isso,
reconhecidamente difícil e complexa.
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