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Kazumi Munakata·
Tais tópicos de pesquisa tornam-se mais urgentes, à medida que cresce a im-
portância do livro didático nas políticas públicas educacionais financiadas pelas
agências internacionais. Afirmam Lockheed e Verspoor, num diagnóstico para 0
Banco Mundial:
Por que essa oposição entre livros escolares e professores? Torres explica:
Uma Política que tem como base esses pressupostos conduz necessar·
c:~
. iatnente
a um programa de avaliação da aprendizagem e de ordenamento do mercado .
1
torial para produção ~e livros didáticos em conformidade com o currículo. ~
Tal regulação do mercado editorial faz-se, por exemplo, mediante a seleção, por
alguma instância do governo, dos livros didáticos a serem adotados pelas escolas,
de modo a, diz Gimeno Sacristán, "ordenar um mercado, afiançá-lo, criando oferta
ajustada à ordenação do sistema escolar". 12
No Brasil, é sintomático que o perfil do mercado editorial de livros didáticos
tenha sofrido certos deslocamentos desde que o Plano Nacional do Livro Didático
(PNLD), instituído em 1985, passou a realizar a partir de 1996 a avaliação desses
livros por equipes de especialistas. 13 Aparentemente, porém, a política de avaliação
do PNLD não se baseia nos pressupostos do Banco Mundial. No Guia de Livros
Didáticos, do PNLD/2002, em que se relacionam e se comentam os livros aprovados
para adoção pelos professores, em 2002, há uma introdução intitulada "Avaliar:
para quê?", em que se lê:
140
PROFESSORES E A HISTÓRIA ENSINADA: DIFERENTES APROPRIAÇÕES
Reverter este quadro implica, entre outras medidas, garantir parâmetros
curriculares básicos em nível nacional, acompanhados de orientação me-
todológica para nortear o trabalho docente e assegurar boa formação dos
professores. Implica, também, dispor de um livro didático diversificado
e flexível, sensível à variação das formas de organização escolar e dos
projetos pedagógicos, assim como a diferentes expectativas e interesses
sociais e regionais. Desse modo, o livro didático passa a ser entendido
como instrumento auxiliar, e não mais a principal ou única referência
da prática pedagógica. 14
Essa disparidade entre o que o livro diz e o modo pelo qual ele é lido é expli-
cada por Chartier:
No caso do livro em questão, ou, mais genericamente, dos livros ideados pelo
Banco Mundial, há exatamente essa maquinaria que procura impor uma ortodoxia, a
começar com a que postula a desnecessidade do professor. Quanto mais protocolos
de leitura contiver um livro, como ocorre com as sucessivas solicitações de ativida-
de no livro analisado, mais se reduz a possibilidade de escapar à ortodoxia. Além
.
do Livro D1"da't"1co (PNLD) reduz drasticamente a poss1b1hdade de se eçãoºna1
1
""
pro1essor ( qu e, não custa lembrar, pode ser capaz de ~ dar uma ótima auJa a Pa do.
de um péss1mo . . o) . Apesar disso '.o professor nao segue a ortodoxi a, rnes rt1r
11vr
porque nã o tem como seguir· Faz coisas que nem . o autor, "d nem O editor, nemmo
""
1.ormu 1adores das atividades (que nem sempre comei. em. com o autor) , nem 0 s
ava11a. d ores d o PNLD imaginaram · Um professor entrevistado por AraúJo · dizi0 s
d ta a O livro apenas para utilizar as ilustrações. 19 O próprio PNLD a
que a o v . . . Iarnenta
que os professores adotam sistematicamente os livros mal avahados.20 Cassian
mostrou que os professores (pelo menos da amostra dela) simplesmente i 0 21
ram O Guia de Livros Didáticos, não por acharem "difíceis" as resenhas_ c!no.
avaliou um documento do PNLD22, e sim •
porque prei.erem
"" 1110
f:azer suas escolhas
"com o livro na mão".
É possível que nesse desencontro entre a estratégia dos autores, das editoras e
do governo e a apropriação efetiva do livro pelos professores esteja a esperança
de uma educação criadora. Diz Gimeno Sacristán:
Bibliografia
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(org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1998.
Notas
1
Algumas das possíveis críticas à vertente "ideológica" encontram-se em MUNAKATA,
Kazumi. Produzindo livro didáticos e paradidáticos. São Paulo, 1997. Tese (Douto-
rado) - Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: História e Filosofia da
Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; idem. Histórias que os
livros didáticos contam, depois que acabou a ditadura no Brasil. ln: FREITAS, Marcos
Cezar de (org. ). Historiografia brasileira em perspectiva. Bragança Paulista, SP: USF/
Contexto, 1998; idem. Investigações acerca dos livros escolares no Brasil: das ideias à
materialidade. In: Historia de las ideas, actores e instituciones educativas - Memoria
Jbid, P· 19.
3
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. l't' das relações de classe e degenero em educaçao. Porto Alegre·
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Artes Médicas, 1995, P· 97.
6 LOCKHEED e VERSPOOR. Apud TORRES,_ Rosa María. Melhor~r. a qualidade da