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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
CRLC
Nº 70084919281 (Nº CNJ: 0005481-02.2021.8.21.7000)
2021/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA


NECESSÁRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO
DECLARATÓRIA C/C MEDIDA CAUTELAR
FISCAL. GRUPO ECONÔMICO DE FATO.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE GRUPO
ECONÔMICO DE FATO POR AUSÊNCIA DOS
ELEMENTOS TÍPICOS. CASO DE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA POR DESVIO DE FINALIDADE. AINDA,
INCIDÊNCIA DO ART. 124, I, DO CTN, CUJA
APLICAÇÃO NÃO DEPENDE DA EXISTÊNCIA DE
GRUPO ECONÔMICO. EIRELI E RESPECTIVO
TITULAR COM INTERESSE COMUM NOS FATOS
GERADORES. VOTO DIVERGENTE DO RELATOR
QUANTO AO FUNDAMENTO.
APELAÇÃO DESPROVIDA E SENTENÇA
CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

APELAÇÃO REMESSA NECESSÁRIA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Nº 70084919281 (Nº CNJ: 0005481- COMARCA DE SANTA MARIA


02.2021.8.21.7000)

E.R.G.S. APELADO
..
B.C.C.L. APELANTE
..
B.E.C.A.E.E. APELANTE
..
B.A.C.E. APELANTE
..
P.N.B. APELANTE
..
P.S.B. APELANTE
..

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso, confirmada
a sentença em remessa necessária. Voto vencido do relator quanto ao fundamento.
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Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
DES. IRINEU MARIANI (PRESIDENTE) E DES. NEWTON LUÍS MEDEIROS
FABRÍCIO.
Porto Alegre, 06 de julho de 2021.

DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL,


Relator.

RELATÓRIO
DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL (RELATOR)
Trata-se remessa necessária e de apelação cível interposta por BRA COM
DE CALCADOS LTDA E OUTROS contra sentença que, nos autos de ação declaratória de
grupo econômico e responsabilidade solidária c/c cautelar fiscal ajuizada pelo ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL contra os recorrentes, julgou procedentes os pedidos nos seguintes
termos:

“DIANTE DO EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE a presente


AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESPONSABILIDADE
TRIBUTÁRIA CUMULADA COM CAUTELAR FISCAL
proposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face do
BRANDT ESPORTES COM DE ARTS ESPORTIVOS EIRELI,
BRA COM DE CALÇADOS LTDA, PATRICIA SANTANA
BRANDT E CIA LTDA, BRANDT ADMINISTRADORA DE
CRÉDITO EIRELI, PAULO NOBERTO BRANDT, PATRÍCIA
SANTANA BRANDT e MARIA REJANE DE SANTANA
BRANDT para o fim de:

1) determinar a indisponibilidade dos bens dos requeridos,


confirmando a medida liminar e as decisões posteriores que
estenderam novas constrições, respeitado o limite equivalente ao
valor dos débitos fiscais. A eficácia de tal medida deverá perdurar
até a satisfação integral dos débitos;

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2) declarar a existência de grupo econômico de fato entre os réus


BRANDT ESPORTES COM DE ARTS ESPORTIVOS EIRELI,
BRA COM DE CALÇADOS LTDA, PATRICIA SANTANA
BRANDT E CIA LTDA, BRANDT ADMINISTRADORA DE
CRÉDITO EIRELI, PAULO NOBERTO BRANDT, PATRÍCIA
SANTANA BRANDT e MARIA REJANE DE SANTANA
BRANDT, assim como determinar a desconsideração da
personalidade jurídica das empresas, reconhecendo a solidariedade
de todos em relação ao passivo tributário devido, apresentado nas
execuções fiscais ajuizadas e naquelas que ainda venham a ser
apresentadas em face do grupo, tudo com base nos arts. 124, I, e
135, III, do Código Tributário Nacional;

3) a extensão das medidas constritivas determinadas na presente


determinar ação a todas as execuções fiscais ajuizadas e naquelas
que ainda venham a ser apresentadas em desfavor do grupo,
convertendo-as em penhora a fim de garantir os débitos relativos às
execuções fiscais 027/1.15.0003625-0, 027/1.16.0009143-1,
027/1.14.0010347-9, 027/1.16.0001311-2 e 027/1.15.0006694-0.

Certifique-se o resultado da presente ação nas execuções fiscais nº


027/1.15.0003625-0, 027/1.16.0009143-1, 027/1.14.0010347-9,
027/1.16.0001311-2 e 027/1.15.0006694-0, juntando cópia da
presente decisão.

Outrossim, como forma de otimizar o andamento das execuções e


considerando o grande passivo tributário, determino ao Estado,
com base no Enunciado 515 da Súmula do Superior Tribunal de
Justiça ( A reunião de execuções fiscais contra o mesmo devedor
constitui faculdade do Juiz), que proceda à reunião de todas as
execuções fiscais movidas em face dos ora réus na presente Vara,
devendo, oportunamente, apresentar lista de todas as ações. No
mais, a conversão em penhora dos bens aqui indisponibilizados
deverá se dar na execução fiscal mais antiga, que prosseguirá
cobrando a integralidade do crédito tributário.

Sucumbentes, condeno os réus ao pagamento da taxa única e de


honorários fixados em 8% sobre valor atualizado da causa (art. 85,
§3º, III, do CPC).”

Inconformadas, alegam as partes recorrentes que não resta caracterizado


grupo econômico no caso. Discorrem sobre os grupos econômicos de direito e de fato,
arguindo que a configuração do primeiro se dá por convenção entre as empresas, que se
obrigam a combinar recursos e/ou esforços para a execução de seus objetivos sociais e/ou

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participar de atividades e empreendimentos em comum, existindo necessariamente uma


empresa controladora e uma empresa controlada, na forma da Lei nº 6.404/76, situação não
evidenciada nos autos, diante da ausência de ato formal da avença entre as recorrentes. Alega
que a caracterização do grupo econômico de fato demanda relação das sociedades por meio
de participação acionário, o que igualmente não está presente no caso em apreço. Exalta a
autonomia das empresas recorrentes, referindo que presença do Recorrente Sr. Paulo
Norberto Brandt nas demais empresas, não possibilita por si só a reconhecimento de Grupo
Econômico. Refere que “não são fatos como sócios em comum, o uso de mesma marca ou
até mesmo o mesmo objeto social que irão configurar a existência de Grupo Econômico de
Fato, mas sim a participação social de uma na outra que resultará consequentemente na
interferência das decisões da outra pessoa jurídica e por fim na autonomia desta frente as
outras”. Cita julgado (Apelação nº 70080930787). Referem que a participação anterior de
pessoas estranhas ao núcleo familiar nos quadros sociais das recorrentes, bem assim a
ausência de indicação de data do início do suposto grupo econômico na decisão recorrida,
reforçam a conclusão de inexistência do grupo econômico. Defende a impossibilidade de
desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que “as ações praticadas pelos
Recorrentes não configuram distorções ou desvios da finalidade das pessoas jurídicas
criadas, visto que elas em momento algum se afastaram do desenvolvimento de seus
objetivos sociais, os quais compreendiam basicamente no comércio varejista de calçados
(CNAE – 47.82-2-01)”. Discorre a respeito da atuação regular da empresa administradora de
cartões de crédito, indicando que se trata de prática usual no meio empresarial e não desvela
abuso. Tece considerações a respeito da inaplicabilidade do art. 50 do CC/02 na seara
tributária. Sustenta a inexistência de responsabilidade solidária entre os recorrentes, uma vez
que não há interesse comum na realização dos fatos jurídicos e inexiste proveito econômico
comum entre as recorrentes. Argumenta ainda que não compartilham da mesma posição na
relação jurídica tributária. Refere que a eventual caracterização de grupo econômico
igualmente não justifica a responsabilidade solidária, desatacando a diferença entre interesse
comum para os fins do art. 124 do CTN e mero interesse econômico. Pede o desprovimento
(fls. 154/175 @ autos originários).

Há contrarrazões (fls.195/210@ autos originários).

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Não há manifestação do Ministério Público.

É o relatório.

VOTOS
DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL (RELATOR)
1. Admissibilidade.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de


admissibilidade.

Deixo de conhecer da remessa necessária, porquanto inexistente qualquer


das hipóteses do art. 496 do CPC/15.

2. Mérito.

Eminentes Colegas, a discussão dos autos cinge-se a caracterização de grupo


econômico de fato com responsabilidade solidária entre as sociedades do grupo, bem como
desconsideração das personalidades jurídicas das entidades pela prática de fraude tendente a
blindagem e confusão patrimonial hábil a justificar, além da responsabilidade comum das
entidades, a incursão no patrimônio dos sócios destas.

De início, peço vênia aos colegas para relembrar o desprovimento do recurso


de agravo de instrumento (70074220856) interposto nos autos quanto à medida liminar
deferida no início do processo, em que assentamos a plausibilidade das alegações do Estado
e chancelamos as medidas constritivas então decretadas no juízo de origem:

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO.


AÇÃO DECLARATÓRIA C/C MEDIDA CAUTELAR FISCAL.
LIMINAR. Restando preenchidos os pressupostos dos artigos 1º e
3º da Lei 8.397/92 quanto à constituição dos créditos tributários,
bem como evidenciada a verossimilhança da formação de grupo
econômico de fato, que lança mão de práticas de esvaziamento e
blindagem patrimonial por meio de fraudes ao ICMS (art. 2º,
incisos V, alíneas "a" e "b", e IX, da Lei 8.397/92), entendo
preenchidos os requisitos para o deferimento da cautelar fiscal
como determinado na origem. Caso dos autos em que a autonomia
patrimonial dos empreendimentos do grupo culmina, em tese, em
blindagem patrimonial, na medida em que as lojas de varejo
realizaram operação de venda de mercadoria que eram usualmente
pagas com cartões em favor da pessoa jurídica do grupo que
supostamente administrava créditos, mas que, ao que se tem
perfunctoriamente, acumulava tal faturamento, frustrando a
cobrança do ICMS declarado e impago pelas demais componentes
do grupo. RECURSO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº
70074220856, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em: 22-11-2017)

Repriso os fundamentos da decisão:

“1. Da caracterização, a priori, de grupo econômico de fato com


responsabilidade tributária solidária e/ou hipótese de responsabilidade por abuso
de personalidade jurídica.
Veja-se a situação, como trazida, evidencia em tese a prática de fraude ao
fisco Estadual por meio de grupo econômico de fato.
Isto porque as empresas são constituídas por sócios de núcleo familiar
comum, com a exploração do mesmo nicho de mercado e com usual prática de
operações entre elas, recebimento de mercadoria em um mesmo local, rateio de
serviços de marketing e uso de uma mesma identidade comercial. “BRANDT
SPORT”, ou seja, envidam “esforços para a realização dos respectivos objetos, com
participar de atividades ou empreendimentos comuns”, caracterizando grupo
econômico (art. 265 da Lei 6.404/76) e não foi negado pelos agravantes.
Por outro lado, há indicativos de blindagem e confusão patrimonial, como
o suposto desvio de recebíveis de cartão de crédito das empresas que possuem

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dívida consolidada vultosa em face da suposta administradora (tal elemento


consiste no cotejo de operações mercantis realizadas, e.g., pela BRA COMERCIO
DE CALCADOS LTDA, que emite determinada nota fiscal de venda, mas realiza a
operação do cartão de crédito em favor da BRANDT ADMINISTRADORA DE
CREDITO EIRELI).
Aliás, a situação referida (operação praticada por uma das empresas e
recebimento do valor do negócio por outra) permite vislumbrar abuso de forma da
BRANDT ADMINISTRADORA DE CREDITO EIRELI (art. 50 do CC e art. 135,
inciso III do CTN), que, em vez de simplesmente administrar crédito, o acumula
sob a roupagem de personalidade jurídica autônoma, inviabilizando, por exemplo,
o encontro de ativo em nome das empresas devedoras do grupo perante o Estado.
Outrossim, a verificação dessa situação inclusive desvela o interesse
jurídico comum nas operações que constituem o fato gerador do ICMS, a culminar
solidariedade tributária (art. 124, inciso I do CTN).
Pertinente também o destaque da existência de verdadeira remessa de
mercadorias entre as empresas, que formalmente foram qualificadas como compra
e venda entre elas, mas por valores irrisórios (R$ 1,00), confirmando a prática
simulada de negócios.
Destes fatos, constata-se, em juízo perfunctório, a efetiva caracterização de
um grupo econômico de fato, à luz das premissas dispostas nos capítulos XX e
XXI da Lei 6.404/741, em especial pela previsão dos artigos 265 e 266 da referida
legislação2, que, por meio de um planejamento tributário ilegal (evasão fiscal),
1
Os referidos capítulos dispões, respectivamente, sobre as Sociedades Coligadas,
Controladoras e Controladas e Grupo de Sociedades, que, embora não caracterizados
formalmente no caso, são as figuras legais mais aproximadas da realidade fática explicitada
e posta em análise no presente caso.
2
“Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste
Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar
recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades
ou empreendimentos comuns.
§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer,
direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como
titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.
§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244.
Art. 266. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a
coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão
estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e
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perpetrado, ao que se tem, por meio de fraude, enseja, a priori, hipótese de


responsabilidade tributária solidária entre as empresas integrantes do grupo,
na forma do art. 124, inciso I, do CTN, e até mesmo de possibilidade de
responsabilização dos sócios, na forma do art. 135, inciso III do CTN.
2. Da presença dos requisitos para a cautelar fiscal.
Banda outra, para o deferimento da cautelar fiscal, devem estar presentes os
requisitos dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.397/92.
No caso, os créditos pelos quais respondem as empresas estão, em princípio,
efetivamente constituídos (preenchimento do disposto nos arts. 1º e 3º da Lei
8.397/92), constituindo um montante global de R$ 11.790.208,62 (BRANDT
ESPORTE COMERCIO DE ARTIGOS ESPORTIVOS EIRELI - R$
6.668.007,56; BRA COMERCIO DE CALCADOS LTDA. - 1.481.545,92; e
PATRICIA SANTANA BRANDT E CIA LTDA. - 3.640,655,14)
Por outro lado, tem-se que o devedor foi “notificado pela Fazenda Pública
para que procedesse ao recolhimento do crédito fiscal” e “deixou de pagá-los”,
bem como, nos termos da blindagem patrimonial antes delineada, pôs “seus bens
em nome de terceiros”, de maneira que caracterizada a hipótese do art. 2º, inciso
V, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.397/92.
Ainda quanto ao preenchimento das hipóteses do art. 2º do diploma legal da
cautelar fiscal, é possível verificar que o esvaziamento patrimonial caracterizou
“ato que dificulta ou impede a satisfação do crédito”, na forma do inciso IX do
precitado dispositivo.
Portanto, preenchidos os requisitos para a decretação.
Dessa forma, o desprovimento do recurso é imperativo categórico que se
impõe.”

Feito este breve esclarecimento, passo ao enfrentamento dos argumentos


expedidos no apelo.

patrimônios distintos.”
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2.1. Do Grupo Econômico.

Os contribuintes argumentam, em síntese, que a caracterização do grupo


econômico de fato demanda relação das sociedades por meio de participação acionária, não
sendo suficiente a constatação de existência de sócio em comum entre as sociedades, relação
de parentesco entre os sócios, uso da mesma marca e atuação no mesmo ramo de mercado.

A caracterização de grupo econômico de fato demanda precipuamente que as


sociedades combinem recursos e envidem esforços para a realização dos respectivos objetos,
ou a participação em atividades ou empreendimentos comuns, à luz da inteligência do art.
265 da Lei 6.404/76.

No caso, a combinação de recursos e a realização de esforço comum para a


realização dos objetivos empresariais resta desvelada por uma verdadeira política de grupo,
como indicado na decisão antes transcrita, tanto que, conforme referido pela magistrada de
piso na sentença, os próprios recorrentes reconheceram a prestação de auxílio mútuo.

Pela precisão, repito trechos das contrarrazões do Estado:

“Da análise de dados obtidos pela Secretaria da Fazenda, acerca da


movimentação financeira e comercial das empresas, conforme
documentos anexados aos autos, verificou-se indícios claros de
evasão fiscal, blindagem patrimonial (valores) e formação de grupo
econômico, sendo que as empresas atuam há anos de forma
planejada e sistemática apenas informando o imposto devido sem
nada pagar, em conduta de verdadeira sonegação de impostos,
gerando elevada e sempre crescente dívida para com a sociedade
gaúcha.
A quarta empresa, BRANDT ADMINISTRADORA DE
CRÉDITOS, foi criada em função das demais, exatamente com o
objetivo de frustrar as penhoras de recebíveis de cartões de crédito
deferidas nas execuções fiscais movidas em face das devedoras
originárias (Paulo Norberto Brandt, Brandt Esportes, Patrícia
Santana Brand Cia Ltda., Bra Comércio de Calçados) com as
operadoras de cartão de crédito, desviando as operações de crédito

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recebidas em todas as outras três para a operadora, que tem como


sócia, exatamente a esposa do sócio Paulo e mãe da sócia Patrícia.
Tudo conforme informações da JUNTA COMERCIAL DO
ESTADO.
Também comprobatórios da fraude são os dados verificados pela
Secretaria da Fazenda, a BRANDT ADMINISTRADORA DE
CRÉDITOS obteve como valores recebidos das operadoras de
cartões de crédito, no período de 12 meses (março/16 a fev/17), o
valor de R$3.649.472,22, ou seja, mais de três milhões e meio de
reais, enquanto as demais empresas do grupo, lojas comerciais de
varejo reconhecidas, ativas e operantes no comércio local, somente
operaram vendas com cartão de crédito no valor de R$17.503,00
(somente Brandt Esportes com de artigos esportivos, pois as duas
outras duas empresas de varejo do grupo, de forma totalmente
inverossímil, registraram venda zero com cartões), não obstante um
faturamento de mais de 5 (cinco) milhões de reais no mesmo
período.
Ainda, como última prova da fraude, juntou-se aos autos
comprovantes de compra em cada uma das lojas-pessoas jurídicas
do grupo, demonstrando que, não obstante a nota fiscal seja
emitida em face da pessoa jurídica que opera o comércio, a
operação do cartão, é realizada não com esta, mas com a BRANDT
ADMINISTRADORA DE CARTÕES.
(...)
Do referido quadro, pode-se extrair a seguinte conclusão
preliminar do arcabouço fático: (i) as três empresas primeiras
empresas - BRANDT ESPORTES COM DE ARTS ESPORTIVOS
EIRELI, BRA COM DE CALCADOS LTDA E PATRICIA
SANTANA BRANDT E CIA LTDA, realizam a mesma atividade
principal (comércio varejista de calçados e artigos esportivos), (ii)
possuem identidade de marca (nome “BRANDT SPORTS), (iii)
são integradas por sócios pertencentes a um único núcleo familiar
(pais e filhos, cônjuges) e a quarta empresa - BRANDT
ADMINISTRADORA DE CARTÕES, titulada unicamente por
Maria Rejane de Santana Brandt, esposa de Paulo Brandt e mãe de
Patrícia Santana Brandt está localizada no mesmo endereço da
empresa PATRICIA SANTANA BRANDT, foi criada exatamente
para desviar os valores que ingressam nas 3 primeiras relativas às
vendas por cartões de crédito - objeto de várias penhoras em
executivos fiscais, eis que, como demonstram os comprovantes
anexados aos autos, ao se realizar compras com cartão de crédito
nas lojas do grupo, embora a nota fiscal seja em nome da loja, a
operação do cartão de crédito não sai em nome desta, mas sim da
quarta empresa BRANDT ADMINISTRADORA DE CARTÕES,
isto, precisamente para elidir as penhoras já obtidas anteriormente
pelo ESTADO sobre os créditos relativos às operações de venda
com cartões de crédito das três primeiras empresas.
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Ou seja, a empresa BRANDT ADMINISTRADORA DE


CARTÕES foi criada precisamente com objetivo de desviar os
valores de operações com cartões de crédito e/ou débito das três
primeiras empresas do grupo econômico familiar BRANDT
SPORTS, DAS PENHORAS JÁ OBTIDAS ANTERIORMENTE
PELO ESTADO, EM CLARA E ABJETA FRAUDE, e não para o
fim de “administrar” como alegam os demandados na contestação.
(...)
Com efeito, cuida-se na situação concreta de um agrupamento de
empresas coordenadas pela família “BRANDT”, formadas a partir
do momento em que as LOJAS “BRANDT SPORTS” e seus
administradores passaram a ter seu patrimônio ameaçado.
A publicidade, inclusive é feita claramente como uma rede de
filiais da mesma empresa, o que, inclusive a parte
demandada/apelante admite na contestação.
Verificadas as ligações irrefutáveis entre os estabelecimentos, foi
realizada pela SEFAZ/RS uma análise das informações eletrônicas
das “empresas”, disponibilizadas a Receita Estadual,
principalmente por intermédio de emissões de notas fiscais
eletrônicas.
Quanto às notas fiscais de terceiros procurou-se dados como o
telefone disponibilizado pelo cliente (BRANDT), e-mail para envio
das notas fiscais eletrônicas emitidas (obrigação do emitente
disponibilizar e do destinatário arquivar) e informações
complementares constantes nas notas fiscais, onde foi possível
estabelecer inúmeros elementos de ligação entre os
estabelecimentos.
Fato incontestável diz respeito ao número telefônico de
propriedade do Sr. Paulo Brandt, (55) 3214-1807, que aparece com
grande frequência nos cadastros dos fornecedores para os três
estabelecimentos.
Outro ponto de ligação buscado pela Fiscalização foi o e-mail de
contato do destinatário das NFes, eis que, novamente, sem
nenhuma surpresa, o email dos três estabelecimentos (para envio
das notas eletrônicas emitidas) junto aos cadastros dos
fornecedores é o mesmo.
Há, inclusive, referência a um e-mail do estabelecimento matriz,
algo que não existe nos cadastros estaduais, já que todos os
estabelecimentos possuem CNPJs independentes, sem filiais:
brandtmatriz@gmail.com (47 repetições). Vejam que a maioria são
notas fiscais recentes, ou seja, os arquivos das notas eletrônicas dos
três estabelecimentos tem o mesmo destino.
Destacamos, ainda, que nas vendas efetuadas por fornecedores da
empresa BRANDT SPORTS, diversas vezes constaram a inscrição
de uma filial, com endereço de entrega das mercadorias em outra,
ou o endereço de cobrança (boletos bancários) era em filial diversa

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da do endereço de entrega das mercadorias, não havendo falar em


erro nos envios.
Quanto às transferências entre estabelecimentos filiais que, para
não impactarem no faturamento/tributação (independência dos
CNPJs) do estabelecimento filial remetente, foram simuladas as
vendas a preços “simbólicos”, e que praticamente só se constatou
emissão de vendas através de notas fiscais eletrônicas (obrigatória
para operações entre empresas) dentro do mesmo grupo BRANDT
SPORTS.”

É precisamente essa sinergia com adoção de práticas combinadas e


destinação comum dos recursos como forma de proteção patrimonial da família que revela a
existência de controle comum das entidades e, portanto, a inafastável caracterização do
agrupamento das sociedades.

A ausência participação mútua no capital social das entidades, ao que me


parece, não autoriza a descaracterização do instituto. Do contrário, a formação dos grupos
econômicos sempre dependeria de elemento formal das ligações entre as sociedades, seja
pela forma estrita prevista na Lei 6.404/76 (art. 265, §§ 1º e 2º), seja nos termos da
legislação civil (arts. 1.097 a 1.101 do CC/02) ou diante da constatação da participação
societária recíproca.

Não descuro das relevantes e bem fundamentadas lições do eminente Des.


Irineu Mariani sobre o tema, inclusive lembradas pelo recorrente com a indicação da
brilhante exposição do ilustre colega na apelação cível n.º 70080930787, sintetizada na
respectiva ementa:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE


RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA COLETIVA,
CUMULADA COM AÇÃO CAUTELAR FISCAL DE
INDISPONIBILIDADE DE BENS. FORMAÇÃO DE GRUPO
ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). SUCESSÃO
TRIBUTÁRIA. APLICAÇÃO DO ART. 124, I, DO CTN.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. FORMAÇÃO DE GRUPO
ECONÔMICO Considerando inexistir convenção entre as
sociedades, tampouco acordo entre os sócios, resta afastada a
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ocorrência de grupo econômico de direito. Quanto ao grupo


econômico de fato, igualmente não está caracterizado na medida
em que só existem sócios e administradores comuns, enquanto para
a formação de grupo, sendo sociedades regidas pelo Código Civil,
é necessário que sejam coligadas: (a) por relação de controle (art.
1.098), isto é, uma (= a investidora) participa do capital social de
outra (= a investida) em percentual que lhe assegura a maioria de
votos nas deliberações sociais; (b) por relação de filiação (art.
1.099), isto é, uma participa do capital social de outra em no
mínimo dez por cento, excluído o controle; e (c) por relação de
simples participação (art. 1.100), isto é, participação em percentual
inferior a dez por cento. 2. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE)
Caso em que devem ser desconsideradas as personalidades
jurídicas de ambas as sociedades limitadas por caracterização da
hipótese de uso abusivo da forma societário (abuso de direito),
tendo em conta endividamento exagerado, muito acima dos
padrões de razoabilidade recomendados pela prudência, não
importando tratar-se de ICMS declarado em Guia Informativa de
Apuração – GIA. Importa é que as sociedades, individualmente,
apropriando-se do imposto, endividaram-se em patamar muito
acima de qualquer índice de razoabilidade, fazendo da limitação da
responsabilidade dos sócios escudo para proteger seus patrimônios
pessoais da aventura que transformaram a atividade empresarial,
haja vista uma dever de ICMS 1.360% a mais do capital social, e
outra 3.130%. Nas circunstâncias, merece acolhida a
desconsideração da personalidade jurídica de cada sociedade, com
o que os sócios, em relação a todas as obrigações de ICMS de cada
sociedade, respondem solidariamente com seus bens particulares.
3. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA Se, embora o título do
estabelecimento esteja sendo explorado por ambas as empresas,
qualquer delas encerrou/cessou as atividades, de sorte a abrir lugar
para a outra, tampouco foi exercê-la em outro lugar, não resta
configurado sucessão tributária, seja integral seja subsidiária
(CTN, art. 133). 4. APLICAÇÃO DO ART. 124, I, DO CTN
Circunstâncias de fato evidenciadoras de que ambas as sociedades
participam dos fatos geradores: (a) ambas atuam sob o mesmo
nome de fantasia (título do estabelecimento); (b) ambas têm sede
na mesma rua, no mesmo prédio, são geminadas e pertencente à
mesma família; (c) ambas atuam no mesmo ramo de atividade (=
fornecimento de refeições), com a única diferença de que,
enquanto uma produz/prepara e serve/vende no local, a outra faz a
mesma coisa, com base na mesma estrutura de
produção/preparação, e serve/vende em eventos. Portanto, ambas
realizam conjuntamente a situação configuradora do fato gerador
de ICMS; logo, respondem de forma solidária. Exegese do art. 124,
I, do CTN. Precedentes do STJ. 5. AÇÃO CAUTELAR FISCAL
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DE INDISPONIBILIDADE DE BENS Postulação merece acolhida


à medida que os devedores não só não vêm pagando o que devem,
como também não oferecem garantias pelo quanto devem, haja
vista as diversas execuções literalmente empacadas no item
penhora de bens. 6. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Não se
tratando de ações condenatórias, e sim declaratórias, incide o art.
85, § 8º, do CPC, questão bem resolvida pela sentença. 7.
DISPOSITIVO Apelações desprovidas.(Apelação Cível, Nº
70080930787, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Irineu Mariani, Julgado em: 23-10-2019)

Ocorre que, com a máxima vênia, penso pertinente certo desapego da forma
para verificar a caracterização do instituto no que toca ao elemento da coligação ou controle,
para a mera aferição de uma coordenação, influência dominante ou controle comum dos atos,
na forma como defende Marcelo da Rocha Ribeiro Dantas3, como segue:

“Por fim, deve haver coordenação, influência dominante ou um


controle comum (unidade de direção econômica), sendo essa
quarta característica a mais polêmica e complexa, já que, apesar da
manutenção de suas personalidades jurídicas, sem confusão
patrimonial, entre aqueles que se disponham a compor o
agrupamento, suas decisões negociais não são tomadas de forma
completamente autônoma. Deve ficar caracterizada uma
política grupal, um direcionamento de ações.
Resumidamente, as características básicas para que se conceitue o
grupo econômico são: (i) pluralidade de sociedades empresárias;
(ii) exercício de atividade empresarial; (iii) independência jurídica
dos integrantes e; (iv) coordenação, influência dominante ou
controle comum.
Alerta-se, ainda, que nem sempre um conjunto de sociedades
empresárias se reúne buscando potencializar seus resultados,
mas sim visando burlar o sistema legal, praticando evasão
fiscal e fugindo de credores pela blindagem patrimonial, o que
não se pode aceitar e deve ser coibido pelos mecanismos
legais.” – grifou-se.

Exatamente essa conformação que se tem no caso, em que a combinação da


atuação das sociedades acaba por formular uma política de grupo, em que todas as
sociedades varejistas, explorando o mesmo nicho e adotando práticas comerciais comuns
com terceiros e entre elas, além de potencializar e dinamizar a atividade explorada, visam a
3
DANTAS, Marcelo da Rocha Ribeiro. Grupos econômicos e a responsabilidade tributária
em execuções fiscais. 1. Ed. – São Paulo : Noeses, 2018. p. 79.
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proteger o patrimônio de cada qual das entidades varejistas mediante a concentração dos
rendimentos em uma terceira sociedade (BRANDT ADMINISTRADORA DE CARTÕES),
adotando prática de fuga de credores (precipuamente o Estado do Rio Grande do Sul, credor
de R$ 11.655.155,32 em face das varejistas) e acabando por blindar o patrimônio, por
exemplo da penhora de recebíveis de cartões de créditos em executivos fiscais movidos
contra as varejistas.

Aliás, a complexidade a que se refere o citado autor é que o leva a formular


uma terceira via além dos grupos econômicos de direito e de fato, o chamado grupo não
regulado4, como segue:

“ As primeiras regras que tratam dos grupos econômicos, de


forma contundente, foram introduzidas no ordenamento pátrio com
a Lei das Sociedades Anônimas. Nessa Legislação, a nomenclatura
utilizada é “grupo de sociedades”.
Sob essa alcunha, inclusive, foi nomeado o Capitulo XXI da
lei em comento, que regula, entre os arts. 265 e 277, o que se
convencionou chamar de grupos de direito. Estes serão
constituídos preenchendo-se os requisitos formais expressos nos
artigos mencionados, ficando a um regime jurídico específico,
diferente da regra aplicável às sociedades empresárias.
Essa diferenciação se dá pela legitimação do poder de
comandar conferido à “sociedade direto” sobre as demais
integrantes, subordinando o interesse destas ao do agrupamento.
A formação desse tipo de grupo se dá por meio de uma
convenção específica, nos termos do art. 265 da Lei das Sociedades
Anônimas, ou seja, é contratual.
[...].
Frisa-se ainda que o grupo de direito não é o único
mecanismo nem muito menos a forma obrigatória de se agrupar.
Assim, efetivamente não se crê que o empresário, dispondo de
formas muito menos onerosas, venha a optar por este tipo de grupo
econômico, já que, de acordo com a citação acima, a própria
participação acionária já pode garantir o controle sobre outras
empresas.
Aliás, este é mote do segundo tipo de grupo econômico que
tem previsão na Lei das Sociedades Anônima: os grupos de fato.
Neles, o grupo surge pela mera participação societária, relações de

4
DANTAS, Marcelo da Rocha Ribeiro. Grupos econômicos e a responsabilidade tributária
em execuções fiscais. 1. Ed. – São Paulo : Noeses, 2018. p. 81-83.
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dependência entre sociedades empresárias através de controle


efetivo (controladas e controladoras) ou por coligação. Não é feito
nenhum procedimento formal regulando o grupo, como há no
modelo anterior em que existe a convenção, definindo-se o grupo
por suas ligações interempresariais e pela finalidade de
crescimento em conjunto.
No agrupamento de fato não deve haver subordinação das
sociedades componentes aos desígnios do controlador do grupo de
maneira que uma das agregadas sofra perdas ou se prejudique,
devendo haver uma coordenação entre as empresas na busca pela
potencialização dos seus resultados. Com isto, a proteção aos
acionistas não controladores repousa unicamente sobre o preceito
insculpido no art. 246 da Lei das Sociedades Anônimas, que trata
do princípio indenitário por abuso de poder:
Todavia, é claro que se torna extremamente difícil, dentro
dos grupos de fato, aferir se houve essa manipulação dos resultados
das empresas componentes, se estas acordarem nesse sentido,
desrespeitando a lei.
Arrebatando tudo o que foi dito, Calixto Salomão Filho,
enfatiza:

Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro enfrenta


momento de séria crise. Do modelo original praticamente nada
resta. Sepultadas pela prática ou pelo legislador, as principais
regras conformadoras do direito grupal (grupo de direito) como
originalmente idealizado não têm aplicação. Os grupos de
direito são letra absolutamente morta na realidade empresarial
brasileira, em função sobretudo da inexistência de definição de
regras de responsabilidade de retirada em massa dos
minoritários da sociedade quando da celebração da convecção
de grupo. Já o por assim dizer direito dos grupos de fato flutua
entre regras de responsabilidade mal definidas e disciplina de
conflito de interesse de difícil aplicação.

Desse cenário conturbado, além dessas duas categorias,


surgem os grupos não regulados, ou seja, agrupamentos
societários que nem são de direito, já que não formalizam sua
situação em uma convenção, nem tampouco podem-se dizer de
fato, já que prescindem de participações societárias entre si,
não sendo obrigatoriamente coligadas ou controladas.
O que une essas sociedades em um grupo não são os
preceitos da Lei das Sociedades Anônimas (daí chamá-los de
não regulados), mas o fato de haver uma organização para
obtenção de melhores resultados no mercado, ocorrendo a
pluralidade societária e existindo unicidade de controle fático,
ou seja, uma efetiva política grupal, sendo isto bastante para
configurar o grupo.
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Atualmente, o grupo não regulado é o tipo de grupo mais


comum justamente pela enorme liberdade que confere ao
empresário o esforço do hermeneuta, já que para sua
constatação há uma exigência probatória mais rebuscada,
tendo em vista inexistir vínculo direto entra as sociedades
(convecção ou controle societário) que comprove facilmente a
existência de um grupo.” – grifou-se.

Essa a figura que me parece caracterizada na espécie, de modo que, à luz dos
elementos indicados na decisão do agravo de instrumento antes transcrita, bem assim
considerando o próprio reconhecimento pelos recorrentes acerca da prestação de auxílio por
parte de Paulo em face das sociedades do grupo (mencionada na sentença e referida na
petição de contestação - reconhecem “o parco conhecimento gerencial e comercial da
demandada Patrícia” e o “auxílio do ora agravante Paulo, profundo conhecedor da
atividade, como forma de cooperação entre as empresas para as negociações com
fornecedores, por exemplo” (fl. 11 da contestação) -, evidenciam o grupo econômico
formado pelas recorrentes.

2.2. Da desconsideração da personalidade jurídica.

Sobre o tema, regulava o art. 50 do Código Civil/02, na época em que


engendrada as operações em discussão:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado


pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

No caso, o recorrente sequer nega a acusação do Estado de que a empresa


operadora de cartões, para além da administração, operou, na prática, forma de blindagem
patrimonial em razão das demais empresas, frustrando a pretensão executiva do Estado em
diversos executivos fiscais e principalmente ordens de penhora sobre recebíveis de cartões
de crédito.
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Tal operação, à evidência desvela abuso de forma por meio da criação de


entidade com patrimônio jurídico distinto e que acaba por fraudar credores.

Transcrevo trecho da sentença em que resta evidenciada a questão pelos


motivos descritos neste tópico, bem como aqueles referidos na decisão incialmente transcrita
do agravo de instrumento julgado no presente feito:

“No mais, parece óbvio que, concordando ou não os réus com a


autuação inicial das empresas pelo Estado, excluindo-as do
Simples Nacional e cobrando valores pretéritos, devidos ou não,
não tinham eles o direito de utilizar de ardis para não quitar a
dívida, senão quitá-las ou ao menos discuti-las administrativa ou
judicialmente. Tamanha foi a complexidade do caso e as dívidas da
família Brandt, e este juízo, hoje, percebe isso de forma nítida
(após dezenas de ações judiciais já julgadas e muitas em
julgamento), que todos imbricaram-se em um caminho sem volta,
no qual a única pretensão era, a tudo custo, ocultar bens para evitar
a própria ruína – ou, ao menos, não desmantelar o nível de vida
que os sócios mantinham até então.
Nesse sentido, indaga-se qual seria a utilidade de uma empresa de
administração de crédito (a Brandt Administradora de Crédito
EIRELI), criada pelos próprios devedores, para administrar suas
sociedades em nítida crise, com vultosos débitos fiscais? Parece
evidente a tentativa de omitir receitas ou desviá-las dos olhos do
fisco, com um refletido planejamento empresarial do grupo com o
fim de sofisticar a ocultação de bens e valores. Os réus sequer
teceram comentários consistentes acerca dessa sociedade de
“administração”, limitando-se, mais a uma vez, a laconicamente
negar a existência de infrações.
Como já citado quando do deferimento liminar da
indisponibilidade de bens, as empresas BRANDT ESPORTES
COM DE ARTS ESPORTIVOS EIRELI, BRA COM DE
CALÇADOS LTDA, PATRICIA SANTANA BRANDT E CIA
LTDA atuam todas no mesmo ramo, o comércio varejista de
calçados, conjuntamente com a BRANDT ADMINISTRADORA
DE CRÉDITO EIRELI, conforme as notas fiscais de fls. 55-59.
O quadro societário delas é composto, unicamente, por integrantes
da mesma família, como citado anteriormente. São eles: Paulo
Norberto Brandt, Patrícia Santana Brandt e Maria Rejane de
Santana Brandt, todos réus. O Estado comprovou isso nas fls.
67/80, em consultas ao registro das quatro empresas demandadas
junto à JUCERGS. A pessoa jurídica BRANDT ESPORTES COM
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DE ARTS ESPORTIVOS EIRELI tem como sócio Paulo Norberto


Brandt; a BRA COM DE CALÇADOS LTDA tem como sócio
Paulo Norberto Brandt; a empresa PATRICIA SANTANA
BRANDT E CIA LTDA tem como sócios Patricia Santana Brandt
e Paulo Norberto Brandt; e, em relação à BRANDT
ADMINISTRADORA DE CRÉDITO EIRELI, a sócia é Maria
Rejane de Santana Brandt.
Além disso, há nos autos a informação de que as empresas
demandadas utilizavam (e ainda aparentam utilizar) dos mesmos
endereços de e-mail nas notas fiscais das quais eram destinatárias
(fl. 16), sendo o principal deles “bradtsm@gmail.com”.
A mesma situação se repete em relação à entrega das mercadorias,
na qual é possível constatar a inscrição de uma filial, mas com
endereço de entrega em outra (fls. 17/18). Ainda, aos autos foram
juntadas notas fiscais emitidas pelas próprias empresas,
demonstrando transferências de mercadorias entre os
estabelecimentos por um preço bem inferior ao do mercado (fls.
20/21).
Desse panorama, mostra-se cristalina a formação de um grupo
econômico de fato por parte dos réus, existindo confusão
patrimonial entre as empresas da família Brandt, bem como das
pessoas físicas integrantes do quadro societário delas. Existem
elementos que indicam ausência de independência de gestão entre
as empresas, os quais não foram desconstituídos pelos réus porque,
como já salientado, perderam o prazo para a produção de provas.
Os ora réus Paulo Norberto Brandt, Maria Rejane de Santana
Brandt e Patrícia Santana Brandt revezaram-se como sócios nas
empresas, frequentemente se retirando delas e criando novas
pessoas jurídicas, além de uma empresa administradora de cartões
de crédito, criando empecilhos para a satisfação dos créditos
tributários.
Existem elementos que demonstram infração à ordem econômica e
consequente concorrência desleal, pois a sucessiva alteração
societária e a criação de novas empresas por parte da família
Brandt, além de dificultar a cobrança de impostos por parte do
autor, fez com que os ganhos das empresas fossem superiores aos
de pessoas jurídicas que cumprem fielmente suas obrigações
tributárias.
A família Brandt possui débitos tributários que até o momento não
foram saldados, que somente aumentaram e tendem a continuar
aumentando. Daí exsurge o interesse jurídico em comum, na
medida em que essa ajuda mútua e a confusão entre as empresas
(com notas fiscais, transferências e entrega de produtos, e-mails)
somente podem ter como fim evitar a tributação ou dificultar a
cobrança de créditos do fisco. Não há como admitir a mera
solidariedade familiar ou um interesse econômico simplista, pois o

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grupo entelado é devedor de mais de R$ 10 milhões ao Estado do


Rio Grande do Sul.
Há confusão patrimonial entre as empresas e os sócios, bem como
uma aparente gestão central dos negócios por parte de Paulo
Norberto Brandt, fundador da primeira empresa. Ele é quem,
aparentemente, dita os rumos dos negócios, seja pela presença
como sócio em três das quatro pessoas jurídicas rés, seja pela
presunção de que o capital financeiro foi, inicialmente, formado
por ele na empresa primeva, cujos ganhos foram posteriormente
pulverizados entre os demais integrantes da família, dando origem
às demais pessoas jurídicas.
O esquema, portanto, do que se denota dos autos, foi e é gerido por
Paulo, sendo as diversas lojas “Brandt Sports”, algumas já
fechadas, faces de um mesmo negócio e de um mesmo
planejamento empresarial. É evidente que o fato de sua filha
Patrícia ter ingressado no mundo empresarial não representa
nenhum ilícito – jamais se afirmou isso. Ocorre que, quando os
negócios da família vão mal, como efetivamente foram os da
Brandt, não é comum (ou mesmo racionalmente) que o número de
pessoas jurídicas da mesma família aumente, inclusive com a
abertura de uma empresa cuja atuação se dá, justamente, no
gerenciamento de recebíveis. Essa constatação, que chega a ser
empírica, já era um indício forte de formação de grupo com fim de
fraudar o fisco.”

De outro lado, devo exaltar que temos também hipótese de endividamento


substancial das sociedades varejistas do grupo, que, conforme explorado pelo ilustre Des.
Irineu Mariani na apelação cível n.º 70080930787 5, igualmente caracteriza abuso da forma
da pessoa jurídica.

5
“(...)
2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE)
Caso em que devem ser desconsideradas as personalidades jurídicas de ambas as
sociedades limitadas por caracterização da hipótese de uso abusivo da forma societário
(abuso de direito), tendo em conta endividamento exagerado, muito acima dos padrões de
razoabilidade recomendados pela prudência, não importando tratar-se de ICMS declarado
em Guia Informativa de Apuração – GIA. Importa é que as sociedades, individualmente,
apropriando-se do imposto, endividaram-se em patamar muito acima de qualquer índice de
razoabilidade, fazendo da limitação da responsabilidade dos sócios escudo para proteger
seus patrimônios pessoais da aventura que transformaram a atividade empresarial, haja
vista uma dever de ICMS 1.360% a mais do capital social, e outra 3.130%. Nas
circunstâncias, merece acolhida a desconsideração da personalidade jurídica de cada
sociedade, com o que os sócios, em relação a todas as obrigações de ICMS de cada
sociedade, respondem solidariamente com seus bens particulares. (...) (Apelação Cível, Nº
70080930787, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani,
Julgado em: 23-10-2019)”
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Na espécie, vê-se que o capital social da BRANDT ESPORTE COMERCIO


DE ARTIGOS ESPORTIVOS EIRELI é de R$ 80.000,00, e restou devidamente
integralizando, mas o endividamento da sociedade, somente com o Estado, alcança o valor
de R$ 6.668.007,56. Na mesma linha, verifica-se que PATRICIA SANTANA BRANDT E
CIA LTDA tem capital social de R$ 20.200,00, igualmente integralizado, mas da mesma
forma, detém passivo de R$ 3.640,655,14 com o Estado do Rio Grande do Sul.

Outrossim, a despeito das divergências que se guardam a respeito da


aplicação da regra do art. 50 do CC/02 e do art. 135, III, do CTN em hipóteses que tais, o
fato é que resta evidente o uso abusivo da personalidade jurídica como forma de frustrar
credores e em operações sistemáticas, que contam com a prerrogativa da autonomia
patrimonial de cada qual como forma de garantir os frutos da atividade empresarial, sem
afetação pelos débitos gerados pela mesma atividade comercial, especialmente de ICMS,
realidade que, sem dúvidas, desvela abuso da personalidade jurídica e autoriza a
desconsideração da personalidade jurídica.

2.3. Da responsabilidade solidária.

Por fim, melhor sorte não socorre às recorrentes no que toca à alegação de
ausência de responsabilidade solidária.

É verdade, como argumentam os recorrentes, que a caracterização do grupo


econômico, por si só, não implica responsabilidade solidária entre as sociedades
componentes do grupo. Vale frisar, o grupo econômico é figura lícita à luz do ordenamento
jurídico pátrio e permite a combinação de recursos e esforços entre sociedades diversas de
modo a dinamizar sua atuação no mercado, com mais eficiência e até mesmo melhores
preços aos consumidores (mais competitivas).

Ocorre que a figura em questão, a despeito de promover a referida


dinamização de atuação, infelizmente é também utilizada como meio para a prática de

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ilícitos, principalmente na seara tributária com a proteção do produto da atividade


empresarial das entidades tributantes.

No caso, conforme já referido, entendo que a atuação do grupo se deu com


vistas a impedir a satisfação de substancial crédito de ICMS titularizado pelo Estado do Rio
Grande do Sul, que era declarado e impago pelas contribuintes varejistas e concentrado pela
terceira empresa administradora de cartões de créditos, situação que importou esvaziamento
de determinações judiciais de penhora sobre recebíveis de cartões em executivos fiscais
movidos contra as varejistas e impediu, durante bom período, a satisfação do crédito
tributário do Estado.

Ademais, a forma de atuação com a participação tanto das varejistas como


da operadora dos cartões nas operações de circulação dos artigos esportivos demonstra, a
meu sentir, a transcendência do mero interesse econômico das sociedades no fato gerador,
mas verdadeira atuação conjunta no fato gerador. Interesse comum, portanto, para os fins do
art. 124 do CTN, já que a destinação dos valores diretamente à operadora dos cartões
impedia a eficácia de medida constritiva determinada sobre os respectivos recebíveis nos
executivos fiscais movidos contra as varejistas, demonstrando que não se tratava de mera
administração de cartões, mas verdadeira forma de blindagem do patrimônio e garantia da
disponibilidade do produto da atividade empresarial em prejuízo ao Estado do Rio Grande do
Sul, credor de significativo montante de ICMS.

Nesses termos, verificada a caracterização do grupo econômico, do abuso da


autonomia patrimonial das entidades e da atuação conjunta das entidades varejistas com a
sociedade que supostamente administrava cartões para todas as empresas varejistas do grupo,
entendo imperiosa a manutenção da sentença, com o desprovimento do recurso.

ISSO POSTO, voto por negar provimento ao recurso.


É o voto.

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DES. IRINEU MARIANI (PRESIDENTE)

Embora divirja do eminente Relator na fundamentação, quanto aos


aspectos a seguir abordados, no que se refere à conclusão estou de acordo.

1. SÍNTESE DOS FATOS. Existem as seguintes sociedades e


empresas individuais: (a) BRANDT ESPORTES – Comércio de Artigos Esportivos
Eireli (empresa individual de responsabilidade limitada), cujo titular é Paulo
Norberto Brandt, a qual deve R$ 6.668.007,56 de ICMS; (b) BRA – Comércio de
Calçados Ltda. (sociedade pluripessoal de responsabilidade limitada), a qual deve
R$ 1.481.545,92 de ICMS; (c) PATRÍCIA SANTANA BRANDT & Cia. Ltda.
(sociedade pluripessoal de responsabilidade limitada), a qual deve R$ 3.640.655,14
de ICMS; e (d) BRANDT – Administradora de Crédito Eireli (empresa individual de
responsabilidade limitada), cuja titular é Maria Rejane de Santana Brandt.
Além de todas as empresas operarem no mesmo endereço, há
parentesco próximo entre as pessoas naturais integrantes, pois Maria Rejane
Santana Brandt, titular da BRANDT – Administradora de Crédito Eireli, é esposa de
Paulo Roberto Brandt, titular da BRANDT ESPORTES – Comércio de Artigos
Esportivos Eireli, e mãe de Patrícia Santana Brandt, sócia-administradora da
PATRÍCIA SANTANA BRANDT & Cia. Ltda.
Até aí, nada de anormal.
O problema está em que a BRANDT – Administradora de Crédito
Eireli, ao contrário do alegado, não foi criada para administrar, e sim para desviar
patrimônio das demais, mediante o seguinte artifício: nas operações de compra e
venda de produtos, sujeitas ao ICMS, embora as notas fiscais sejam extraídas em
nome da vendedora, a operação de cartão de crédito não, isto é, sai em nome da
BRANDT – Administradora de Crédito Eireli.
Resumindo: uma empresa realiza operação sujeita ao ICMS, e outra
recebe, vale dizer, a dita Administradora. Com isso, vêm-se frustrando as penhoras
nas execuções fiscais, uma vez que os recebíveis dos cartões não caem – digamos
– na conta das vendedoras, mas na da Administradora, como créditos próprios,

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inclusive o ICMS destacado nas notas fiscais. Esses créditos, obviamente, ao fim e
ao cabo, são de algum modo – e aqui não é necessário identificá-lo – aproveitados
pelas vendedoras e pessoas naturais, à medida que entre estas há relação familiar
próxima.

2. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. O caso em mesa é muito


semelhante ao da Ap 70 080 930 787, da minha relatoria, invocado pelos réus para
impugnar a ocorrência de grupo econômico de fato, ponto em que, com a devida
vênia do eminente Relator, assiste-lhes razão.
Peço vênia para reproduzir o que escrevi a respeito dos grupos
econômicos em TEMAS COMERCIAIS E EMPRESARIAIS:
Há o grupo de fato, assim denominado porque não há
convenção nem contrato, também chamado grupo horizontal
e de coordenação; a Lei 6.404/76 (LSA) prevê duas espécies
(art. 243, §§ 1.º e 2.º): (a) as coligadas; e (b) as controladoras
e controladas. Já o CC prevê três espécies de coligadas
(arts. 1.096-101): (a) as controladas; (b) as filiadas; e (c) as
de simples participação.
A diferença está em que, enquanto para a LSA as
coligadas e as controladoras e controladas, não havendo
convenção nem contrato, formam gêneros diversos, para o
Código sociedades coligadas é gênero do qual as
controladoras e controladas são espécie.
Há o grupo de direito, assim denominado porque se
estabelece por convenção entre as sociedades ou por acordo
entre os sócios, também chamado grupo verticial e de
subordinação; só há previsão na LSA.
Há o grupo consórcio, para o qual também só há
previsão na LSA, adequado para quando as sociedades se
unem, a fim de executar determinado empreendimento, e de
igual modo é de direito porque há contrato (arts. 178-9).
(TEMAS COMERCIAIS E EMPRESARIAIS, 1ªed.,
Cap. 64, p. 473. Porto Alegre: AGE, 2018).
No caso, a hipótese – em tese possível – é a de grupo de fato, pois
não há convenção entre as sociedades e empresas individuais nem acordo entre os
sócios e titulares.
Por sua vez, quanto ao grupo de fato, desenvolvi o tema nas
páginas 474-5, com a seguinte ementa das características gerais:
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO GRUPO DE FATO. Em
termos gerais, eis as características do grupo de fato,

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também chamado não convencional, horizontal e de


coordenação: (a) só existe entre sociedades, portanto
excluem-se as empresas individuais (FIRMA e EIRELI); (b)
entre as sociedades, o pressuposto é que sejam coligadas ou
controladoras e controladas, não bastando, pois, o só fato de
uma ser sócia de outra (item 2 infra), vedada a participação
recíproca, salvo autorização legal (item 6.4 infra); (c) cada
sociedade conserva personalidade jurídica e patrimônio
distintos, bem assim a autonomia administrativa de
estratégias empresariais ou diretivas políticas, exceto quando
há controle, pois neste caso instaura-se relação vertical ou de
subordinação.
(Op. cit., Cap. 65, p. 474).
No que tange ao pressuposto de que as sociedades devem ser
coligadas ou controladoras e controladas, há distinguir as regidas pela LSA e as
regidas pelo CC:
4.1 Sociedades coligadas
Pela LSA, desde a redação dada pela Lei 11.941/09 ao § 1.º
do art. 243, são coligadas as sociedades em que a
investidora tem influência significativa na investida, excluído o
controle. Não basta a condição de sócia nem é decisivo o
percentual da participação no capital votante. A nova redação
afastou o critério quantitativo como suficiente. É necessário o
plus da influência significativa, o qual corresponde a um
minus em relação ao controle. E por ser influência, e não
domínio/imposição, diz-se que na coligação instaura-se
relação horizontal.
(...).
4.3 Controladoras e controladas
Pelo art. 243, § 2.º, da LSA, é controlada a sociedade cujo
capital votante pertence, direta ou indiretamente, a outra,
assegurando a esta a preponderância nas decisões sociais e
a eleição da maioria dos administradores. Instaura-se relação
vertical, isto é, de domínio/imposição, de superioridade da
controladora sobre as controladas, o que vem a ser um plus,
comparativamente à influência significativa na coligação.
(Op. cit., Cap. 65, p. 477 e 480-1).
Já em relação às sociedades regidas pelo Código Civil, que é caso
em mesa, pois temos duas sociedades limitadas, há três espécies de coligação,
conforme as seguintes ementas:
5.2 Coligadas por relação de controle
Pelo CC (art. 1.098), controlada é a sociedade cuja
participação no capital social pela controladora ocorre em
percentual que assegura a esta a maioria dos votos nas
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deliberações dos quotistas ou da assembleia geral mais o


poder de eleger a maioria dos administradores. No controle,
direto ou indireto, há presunção absoluta de influência
significativa da investidora na investida, decorrência da
aplicação da LSA.
(...).
5.3 Coligadas por relação de filiação
Pelo CC (art. 1.099), filiada é a sociedade cujo capital social
tem a participação de outra em no mínimo dez por cento,
excluído o controle; portanto, instaura-se relação horizontal.
O art. 1.099 refere dez por cento do capital, e o art. 243, §
5.º, da LSA, vinte do capital votante. Como não há exclusão
de tipos de sociedades, supera-se o impasse aplicando-se os
princípios da equidade e da reciprocidade. Se para a limitada
ser investidora na anônima deve participar, para fins de
presunção da influência significativa, com pelo menos vinte
por cento do capital votante, excluído o controle, o mesmo
critério deve ser adotado na situação inversa, isto é, não
pode a anônima, para aquele fim, ser investidora de uma
limitada com apenas dez por cento do capital. Havendo
divergência na legislação por motivo de tipos diversos, e
envolvendo anônima, prevalece a legislação desta.
(...).
5.4 Coligação por relação de simples participação
Pelo CC (art. 1.100), coligada por simples participação é a
sociedade cujo capital social tem a participação de outra em
percentual inferior a dez; portanto, instaura-se relação
horizontal. Quanto à prova da influência significativa, aplica-
se o mesmo princípio que vigora na Lei 6.404/76,
devidamente adaptado: havendo participação inferior a dez
por cento, não há presunção; logo, ela deve ser provada.
Havendo divergência na legislação por motivo de tipos
diversos de sociedades, e envolvendo anônima, prevalece a
legislação desta, pelos mesmos motivos das coligadas por
filiação.
(Op. cit., Cap. 65, p. 484-6 e v.).
No caso, em primeiro lugar, como as hipóteses de formação de
grupo econômico, inclusive de fato, são taxativas, não é possível instituir outras por
meio de interpretação para fins de responsabilidade solidária, até porque esta
decorre da lei ou do contrato (CC, art. 265).
Em segundo, há duas empresas individuais, e a lei só admite grupos
econômicos entre sociedades.
Em terceiro, há duas sociedades limitadas, logo, regidas pelo
Código Civil, e inexiste o pressuposto legal, inclusive quando se trata de
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sociedades anônimas, de que sejam coligadas ou controladoras e controladas,


não bastando o fato de uma ser sócia de outra – que no caso também inexiste –,
vedada a participação recíproca, salvo autorização legal.
Em quarto, Para fins de grupo econômico não bastam sócios e
administradores comuns em duas sociedades.
Em quinto lugar, uma vez não reconhecida a existência de grupo
econômico, nada mais precisaria ser dito no que se refere à responsabilidade sob
esse fundamento, mas não custa lembrar a questão da responsabilidade solidária e
subsidiária nos grupos de fato e de direito, conforme escrevi no Cap. 68:
1. RESPONSABILIDADE COLETIVA SOLIDÁRIA
1.1 Regra da exclusão da responsabilidade coletiva
solidária
Como regra, vigora a exclusão da responsabilidade coletiva
solidária. Isso decorre, no grupo de direito, do art. 266 da
LSA, que estabelece administração unificada, porém cada
comandada ou liderada conserva personalidade e patrimônio
distintos. Se assim é no grupo de direito, com mais razão
diferente não pode ser no grupo de fato.
(...).
1.2 Exceções à regra da exclusão da responsabilidade
coletiva solidária
(...).
1.2.1 Infrações à ordem econômica
O art. 33 da Lei 12.529/2011 estabelece responsabilidade
solidária de todas as integrantes de grupo econômico quando
qualquer delas praticar infração à ordem econômica.
(...).
1.2.2 Relações laborais
O § 2.º do art. 2.º da CLT, redação da Lei 13.467/2017, e o §
2.º do art. 3.º da Lei 5.889/73 (disciplinam as relações
laborais urbanas e rurais), estabelecem responsabilidade
coletiva solidária das integrantes de grupo econômico quanto
às obrigações decorrentes de relação de emprego.
(...).
2. RESPONSABILIDADE COLETIVA SUBSIDIÁRIA
2.1 Hipótese típica (relação de consumo)
Os §§ 2.º e 4.º do art. 28 do CDC estabelecem na relação de
consumo responsabilidade coletiva subsidiária das
integrantes de grupos econômicos e das sociedades
controladas, o que significa prévio exaurimento patrimonial da
responsável direta, característica da subsidiariedade, e
responsabilidade culposa nas coligadas.
(...).
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2.2 Hipótese residual atípica


A regra da exclusão da responsabilidade coletiva solidária, e
as exceções afirmando-a, não excluem residualmente a
coletiva subsidiária. O mesmo acontece em relação à coletiva
subsidiária: o fato de ser hipótese típica prevista apenas no
CDC não exclui residualmente a existência de atípica fora da
relação de consumo.
Quanto à hipótese residual atípica, reproduzo o comentário:
A generalização da responsabilidade coletiva, só
porque as sociedades integram grupo econômico, é tão
inadmissível quanto a exclusão, só porque elas têm
preservados as personalidades e os patrimônios.
Por um lado, induvidoso que, na responsabilidade
subsidiária, não é possível discutir com B dano cometido por
C. Parte passiva é a sociedade responsável direta. Não se
admite, pois, que desde logo as demais do grupo sejam
demandadas.
Mas, por outro, se a regra da exclusão da
responsabilidade coletiva solidária, e as exceções afirmando-
a, não excluem residualmente a coletiva subsidiária, aplica-se
o mesmo princípio em relação a esta. Quer dizer: o fato de a
responsabilidade subsidiária ser hipótese típica prevista
apenas no CDC não exclui residualmente a existência de
atípica fora da relação de consumo.
(Op. cit., Cap. 68, p. 517-21).
3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
(DISREGARD DOCTRINE). A teoria não guarda relação com o art. 135, caput e
inciso III, do CTN, que versa a respeito de outro assunto, é dizer, da
responsabilidade pessoal dos administradores que, no exercício da
administração, praticam atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato
social ou estatutos”.
Com efeito, a disregard existe para, mesmo quando a sociedade está
em normal operação ou atuação, possibilitar o rompimento da barreira da limitação
da responsabilidade dos sócios, a fim de que respondam pelas obrigações sociais.
Portanto, salvo exceção que veremos, só faz sentido nas sociedades
de responsabilidade LIMITADA, como são a limitada e a anônima; nas de
responsabilidade ILIMITADA, como é a sociedade em nome coletivo, não há por
que a desconsideração, porquanto, uma vez exaurido o respectivo patrimônio, os
sócios respondem automaticamente pelas obrigações sociais.

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Conforme escrevi em TEMAS COMERCIAIS E EMPRESARIAIS,


existem: (a) hipóteses típicas (= previstas em lei), por exemplo, relação de
consumo, infrações à ordem econômica, danos ambientais e relações laborais; e
(b) hipóteses atípicas (= não prevista em lei, mas admitidas pela doutrina e
jurisprudência).
No caso dos autos, não há hipótese típica; resta eventual atípica, a
respeito das quais transcrevo os comentários:
1 HIPÓTESES ATÍPICAS
1.1 Desconsideração por caso de alter ego (outro
eu)
(...).
Em tal ocorrência, a forma societária serve apenas
para ocultar o megassócio (na prática atua como empresa
individual comum). A pessoa jurídica é alter ego (outro eu) do
supermajoritário para fins de limitar a responsabilidade.
Quem figura somente para fins de pluralidade é chamado de
sócio laranja, testa de ferro, pintado, sócio de palha.
Jurisprudência sobrepondo a realidade sobre a
aparência: sócio com 98%, RT 511/199; 99,2%, RT 592/172 e
RJTJRS 115/301; 99,98%, RJTJRS 118/258; 99%, RT
614/109; 90%, RT 631/197; 98%, RT 713/138; 95% e 98%,
RT 917/495.
1.2 Desconsideração por uso abusivo da forma
societária (abuso de direito)
(...).
Se há direito de constituir sociedade, o exercício
(funcionamento) não pode ser anormal, sob pena de abuso
de direito. Para exemplificar, o endividamento exagerado,
acima de padrões razoáveis recomendados pela prudência, a
prática de operação de alto risco, de aventura empresarial.
Há incidência do princípio do art. 187 do CC, que diz:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bens
costumes.” Jurisprudência: RT 749/422 e 831/332.
1.3 Desconsideração por desvio de finalidade
(fraude)
A fraude, na forma de desvio de finalidade, traduz
vício no exercício da sociedade e pode acontecer: (a) de
dentro para fora; e (b) de fora para dentro (desconsideração
inversa).
1.3.1 Por fraude de dentro para fora
O ilícito é praticado pela pessoa jurídica e prejudica
terceiros, daí chamar-se fraude de dentro para fora. Os
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sócios respondem pelas obrigações da pessoa jurídica. Por


exemplo, quando esta desvia seus bens, prejudicando os
credores.
1.3.2 Por fraude de fora para dentro
(desconsideração inversa)
O ilícito é praticado pelos sócios e atinge a pessoa
jurídica, daí chamar-se fraude de fora para dentro. Aplica-se
inclusive às sociedades de responsabilidade ilimitada. Os
sócios usam como instrumento a pessoa jurídica. Esta
responde por obrigações daqueles. É a desconsideração
inversa, prevista no art. 133, § 2.º, do CPC, pela qual há
desvio de bens de uma pessoa jurídica a outra, que funciona
como “sociedade laranja”, ou desvio de bens de sócio para a
sociedade, a fim de escondê-los de seus credores.
Por exemplo, a penhora não apaga todos os efeitos
da fraude, pois é restrita à parte do sócio devedor. Não
abrange o valor que o ingresso indevido do bem na pessoa
jurídica agrega às partes dos demais. Essa forma de
desconsideração, que vinha sendo admitida pela doutrina e
jurisprudência, agora está prevista no art. 133, § 2.º, do CPC.
Aplica-se a toda sociedade, mesmo de responsabilidade
ilimitada, inclusive associação e fundação, nas quais não há
quotas nem ações. Jurisprudência: RT 901/170 (STJ, REsp
948117); RT 906/792, 884/325 ou 886/299.
1.4 Desconsideração por subcapitalização
O capital social objetiva: (a) permitir operação do
objeto social (financiá-lo); e (b) servir de garantia mínima e
permanente aos credores (funciona como seguro ou fiança).
Entende-se que, se o dano é previsível, como acontece nas
atividades de risco, o capital social deve ter um plus a tal fim,
sob pena de desconsideração por subcapitalização.
Há credores: (a) voluntários (das operações
empresariais), que podem exigir garantia extra, se
entenderem insuficiente a do capital; e (b) involuntários (de
atos ilícitos), que não têm a chance da garantia extra. À sua
vez, há credores involuntários por atos ilícitos: (a) comuns
(responsabilidade subjetiva); e (b) especiais
(responsabilidade objetiva) por atividades de risco (CC, art.
927, parágrafo único, e art. 931). Nessas, o dano é previsível;
logo, o capital deve ter um plus a tal fim, sob pena de
desconsideração por subcapitalização.
Possível, em circunstâncias diferenciadas, também
nos ilícitos comuns; exemplificando, violação grave de outros
deveres em que os sócios podem ser considerados autores
mediatos ou indiretos.
1.5 Desconsideração nos grupos econômicos e
consórcios
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Quanto à desconsideração da personalidade jurídica


nos grupos econômicos e consórcios, enviamos o leitor ao
Cap. 68, itens 3 e 4 supra, e ao Cap. 69, item 10 supra).
(Op. cit., Cap. 87, p. 629-31).
No caso, à evidência está caracterizada a hipótese de disregard por
desvio de finalidade, na modalidade de dentro para fora (= desvio de bens,
prejudicando os credores), isso em relação à empresa individual Brandt Esportes,
que deve R$ 6.668.007,56 de ICMS, à sociedade BRA – Comércio de Calçados
Ltda., que deve R$ 1.481.545,92 de ICMS, e à sociedade PATRÍCIA SANTANA
BRANDT & Cia. Ltda., que deve R$ 3.640.655,14 de ICMS, respondendo, cada
qual, pelo respectivo valor, o titular e os sócios, com seus patrimônios pessoais.

4. APLICAÇÃO DO ART. 124, I, DO CTN. Diz o art. 124, I, do CTN,


inserto no Capítulo SUJEITO PASSIVO, que são “solidariamente obrigadas” as
pessoas “que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da
obrigação principal”.
Relacionando o art. 124, I, do CTN, com a formação de grupo
econômico – outra confusão que vem ocorrendo –, é tranquila a jurisprudência do
STJ de que a formação de grupo, por si só, não basta para responsabilidade
solidária decorrente de tal dispositivo, por exemplo:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. GRUPO ECONÔMICO.
IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA
EXECUÇÃO. EMPRESA CONSTITUÍDA APÓS O FATO
GERADOR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte entende que não basta
o interesse econômico entre as empresas de um mesmo
grupo, mas sim que ambas realizem conjuntamente a
situação configuradora do fato gerador. Precedentes:
AgRg no ARESP 604177-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
DJe de 27-3-2015; AgRG no REsp 1433631-PE, Rel.
Humberto Martins, DJe de 13-3-2015).
2. No caso, se o fato gerador ocorreu em 2003, não há
como admitir que outra empresa constituída no ano de 2004
seja responsabilizada por este ato de terceiro.
3. Agravo Regimental da Fazenda Nacional a que se
nega provimento.

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(AgRg 1340385-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão


Nunes Maia Filho, em 16-2-2016, DJe de 26-2-2016).
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
EXECUÇÃO FISCAL. ISS. SUJEIÇÃO PASSIVA.
ARRENDAMENTO MERCANTIL. GRUPO ECONÔMICO.
SOLIDARIEDADE. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7/STJ.
1. Na responsabilidade solidária de que cuida o art.
124, I, do CTN, não basta o fato de as empresas pertencerem
ao mesmo grupo econômico, o que, por si só, não tem o
condão de provocar a solidariedade no pagamento de tributo
devido por uma das empresas (HARADA, Kiyoshi.
'Responsabilidade tributária solidária por interesse comum na
situação que constitua o fato gerador'; AgRg no Ag 1055860-
RS, Relª Minª Denise Arruda, 1ª Turma, em 17-2-2009, DJe
26-3-2009).
(...).
3. Agravo regimental não provido
(AgRg no AREsp 603177-RS, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, DJe 27-3-2015).
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. FORMAÇÃO DE GRUPO
ECONÔMICO. INDISPONIBILIDADE DE BENS. REEXAME
DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, existe
responsabilidade tributária solidária entre empresas de um
mesmo grupo econômico, apenas quando ambas realizam
conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não
bastando o mero interesse econômico na consecução de
referida situação.
(...).
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1433631-PE, Rel. Min. Humberto
Martins, DJe 13-3-2015).
No caso, tendo em vista que, de acordo com jurisprudência do STJ, a
aplicação do art. 124, I, do CTN, não depende da existência de grupo econômico,
há reconhecer a responsabilidade solidária da BRANDT – Administradora de
Crédito Eireli e de sua titular Maria Rejane de Santana Brandt, uma vez que têm
interesse comum nos fatos geradores.
Assim é porque na prática, mediante fraude e com a participação das
demais empresas, apropriam-se dos créditos e do próprio ICMS destacado nas
notas fiscais emitidas pela BRANDT ESPORTES – Comércio de Artigos Esportivos

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Eireli, cujo titular é Paulo Norberto Brandt, esposo de Maria Rejane, mais da BRA –
Comércio de Calçados Ltda. e da PATRÍCIA SANTANA BRANDT & Cia. Ltda., cuja
sócia-administradora é Patrícia, filha de Maria Rejane.

5. DISPOSITIVO. Nesses termos, embora divergindo do eminente


Relator quanto à fundamentação relativamente aos pontos acima abordados, na
conclusão estou de acordo, o que abrange os demais aspectos.

DES. NEWTON LUÍS MEDEIROS FABRÍCIO


Acompanho o eminente Relator, quanto à conclusão da decisão, aderindo
aos fundamentos lançados pelo eminente Des. Irineu Mariani.

DES. IRINEU MARIANI - Presidente - Apelação Remessa Necessária nº 70084919281,


Comarca de Santa Maria: "POR UNANIMIDADE, DESPROVERAM A APELAÇÃO E
CONFIRMARAM A SENTENÇA EM REMESSA NECESSÁRIA. VOTO VENCIDO DO
RELATOR QUANTO AO FUNDAMENTO."

Julgador(a) de 1º Grau:

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