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AULAS PRÁTICAS N.

º 13 E 14 - 09/11
1. Fontes, princípio da legalidade, corolários. Reserva de lei. Interpretação e
integração de lacunas.

Objectivos da aula: conhecer os fundamentos do princípio da legalidade penal e os


respectivos corolários; compreender as suas consequências e aplicações práticas.
Compreender o conteúdo da proibição de analogia em direito penal. Resolver hipóteses.

 Análise de acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, datado de 25 de


Junho de 2008, processo n.º 07P1008 – Conselheiro Carmona da Mota(1)

→ Enquadramento normativo:
➢ Artigo 40.º/1 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro (“DL 15/93”): «quem
consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas,
substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido
com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias»;
➢ Artigo 40.º/2 do DL 15/93: «se a quantidade de plantas, substâncias ou
preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a
necessária para o consumo médio individual durante o período de 3
dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias»;
➢ Artigo 2.º/1 da Lei 30/2000 de 29 de Novembro (“Lei 30/2000”): «o
consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas,
substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no
artigo anterior constituem contra-ordenação»;
➢ Artigo 2.º/2 da Lei 30/2000: «para efeitos da presente lei, a aquisição e
a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número
anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo
médio individual durante o período de 10 dias».
➢ Artigo 28.º da Lei 30/2000: «são revogados o artigo 40.º, excepto quanto
ao cultivo, e o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bem
como as demais disposições que se mostrem incompatíveis com o presente
regime».

(1)
Este acórdão não foi tratado no contexto das aulas práticas, mas reflecte um tópico clássico do problema
da interpretação da lei penal. Nesse sentido, recomenda-se vivamente a respectiva análise e estudo.

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→ Problema: que enquadramento terão as situações de consumo e de aquisição
ou detenção de droga para consumo em quantidade superior à necessária para
o consumo médio individual durante o período de 10 dias?
→ Soluções possíveis:
1) Constituem uma contra-ordenação, nos termos do disposto no artigo
2.º/1 da Lei 30/2000 – posição adoptada pelo acórdão fundamento,
proferido pelo TRP em 18 de Outubro de 2006;
2) Continuam a reconduzir-se ao crime de consumo, nos termos do disposto
no artigo 40.º/2 do DL 15/93 – posição adoptada pelo acórdão recorrido,
proferido pelo TRP em 22 de Novembro de 2006;
3) Devem ser analisadas à luz do crime de tráfico, p.e.p. pelos artigos 21.º e
ss. do DL 15/93;
4) Não poderão ser reconduzidos a nenhuma das opções anteriores, por
ausência de norma incriminadora.

1) CONTRA-ORDENAÇÃO
→ Lei 30/2000 – necessidade de descriminalização do consumo:
➢ Separação consumo (contra-ordenação) e tráfico (crime); e
➢ Sentido global e irrestrito (descriminalização de todo o consumo)
→ Princípio da legalidade (artigo 29.º/1 da CRP): exigência de lei escrita, estrita,
prévia e certa:
➢ Certeza, clareza ou previsibilidade da estatuição
▪ Clara, precisa, acessível e previsível;
▪ Legislador deve fixar os limites entre os comportamentos permitidos e
proibidos (previsibilidade da condenação por certo comportamento);
▪ Esta previsibilidade depende, em larga medida, do conteúdo do texto em
causa;
➢ FIGUEIREDO DIAS: esquecimentos/lacunas/deficiências de
regulamentação funcionam contra o legislador, a favor da liberdade;
➢ Proibição da analogia (artigo 1.º/3 do CP) – interpretação permitida
(teleologicamente fundada; funcionalmente justificada);
→ Artigos 2.º/1 e 2 e 28.º Lei 30/2000:
➢ Disfunção normativa ou vazio sancionatório:

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▪ Tipicidade/legalidade/não retroactividade in malam partem e proibição
de analogia impedem a recondução aos artigos 21.º ou 25.º (tráfico):
▪ O consumo nunca fora punido no contexto do 21.º, portanto esta hipótese
traduziria uma aplicação analógica de normas incriminadoras
expressamente proibida pelo artigo 29.º/1 e 3 da CRP e pelo artigo 1.º/3
do CP;
▪ Para além disso, não faria sentido que um agente que detivesse 11 doses
fosse agora punido com uma pena de 1 a 5 anos – quando o artigo 40.º/2
do DL 15/93 previa uma pena de prisão até 1 ano ou até 120 dias de multa
– num contexto de desagravamento do consumo;
→ Impossibilidade de enquadrar estas condutas no crime do artigo 40.º/2 do DL
15/93:
➢ Interpretação restritiva da norma revogatória (artigo 28.º da Lei 30/2000)
– redução teleológica: princípio da legalidade opõe-se, por causa da
revogação expressa operada:
1) Esta construção interpretativa não respeita a função de garantia do
princípio da legalidade, que exige a qualidade da lei, previsibilidade e
acessibilidade: perceber as consequências sancionatórias de uma acção
ou omissão;
▪ O requisito da qualidade da lei refere-se à necessidade de a norma
descrever, de um modo preciso e não susceptível de interpretações
díspares, a natureza, o âmbito e o círculo material da conduta proibida;
2) O artigo 28.º da Lei 30/2000 é peremptório, directo e com alcance
imediatamente apreensível:
▪ A revogação expressa de uma norma penal incriminadora não é
compatível, na perspectiva de garantia plena do princípio da legalidade
penal, com uma interpretação que privilegie uma (possível) compreensão
no plano sistémico, contrariando, pelo mecanismo interpretativo de
compatibilidade (óptima) de sistemas, o efeito da revogação expressa;
▪ Ao encurtarmos o sentido e alcance da revogação, provocamos uma
extensão que faz permanecer parte da norma incriminadora, apesar da
revogação, contrariando decisivamente o conteúdo essencial do princípio
de aplicação in melius em casa de sucessão de leis sancionatórias; opera-

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se, por esta via, uma ampliação da incriminação que afecta a legalidade
material;
▪ Este exercício metodológico corresponde, por isso, a uma extensão da
norma revogada, que seria determinada pela teleologia que uma
particular concepção do intérprete considerasse presente no plano do
legislador, ao formular a sequência normativa na execução de uma ideia,
directamente expressa, de política legislativa:
o Esta concepção teleológica não é patente;
o A consequente extensão teleológica é inadmissível (adensa a
dimensão penal de comportamentos, enfraquecendo e encurtando o
princípio da legalidade).
3) Esta construção parte de um modelo imaginado, que não correspondia
ao modelo da construção típica, dogmática e valorativa do artigo 40.º:
▪ Esta norma não previa um crime de perigo, muito menos abstracto, em
relação às quantidades detidas ou adquiridas para consumo (essas
quantidades só relevavam para efeitos de determinação das molduras
penais aplicáveis, consoante o maior ou menor dano potencial para o
consumidor);
▪ Assim, esta interpretação procede à criação de um novo crime, que
materialmente se reconduz a um crime de tráfico;
4) Esta hipótese parte do pressuposto que não foi contemplada a totalidade
do plano normativo e que se verificaria uma imperfeição ou
incompletude na regulamentação;
▪ Se assim fosse – e, como tal, estivéssemos perante uma lacuna – ao
intérprete sempre estaria vedada a possibilidade de determinar a natureza
ou o conteúdo do esquecimento do legislador;
→ Estas condutas devem ser consideradas contra-ordenação, se a finalidade
exclusiva demonstrada for o consumo privado próprio; o artigo 2.º/2 da Lei
30/2000 permite a recondução ao crime de tráfico, mediante prova da
intenção.

2) CRIME (artigo 40.º/2 do DL 15/93)


→ Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga (ENLCD)

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➢ Descriminalização do consumo de drogas e respectiva recondução a um
ilícito de mera ordenação social, que levou à alteração do artigo 40.º (≠
revogação);
➢ Não se tratou de legalizar ou despenalizar, mas apenas de substituir a
proibição através de um ilícito criminal pela proibição através de um
ilícito de mera ordenação social;
➢ A manutenção da proibição era imperativa: evitar o previsível aumento
do consumo, sobretudo entre os menores, devido à maior acessibilidade;
concentrar os esforços no combate ao tráfico; cumprir compromissos
internacionais;
➢ Ilícito administrativo como sanção mais adequada, em termos de eficácia,
racionalização e optimização de meios;
➢ O Estado deve conservar o desvalor legal que possa dissuadir
comportamentos potencialmente prejudiciais para a saúde e a segurança
públicas, bem como para a saúde dos menores, e deixar intocados os
mecanismos que permitem às autoridades intervir onde a autoridade dos
educadores não chega, e perseguir eficazmente o tráfico;
→ Lei 30/2000
➢ Artigo 2.º/2 – norma definidora e limitativa do pressuposto formal típico
integrante do ilícito contra-ordenacional;
➢ CRISTINA LÍBANO MONTEIRO: diploma define/qualifica dogmaticamente
a conduta descrita: a contra-ordenação refere-se ao consumo/aquisição ou
detenção para consumo próprio de certas substâncias, distinguindo-a do
tráfico por referência ao fim do agente (intenção específica) e às
quantidades;
➢ O projecto inicial desta lei não previa um limite à quantidade de droga
para consumo;
➢ Posteriormente, introduziu-se essa menção no número 2 do artigo 2.º:
▪ De acordo com SOUTO DE MOURA, daqui resultam duas consequências:
1) Não poderá estar em causa a mesma contra-ordenação,
independentemente das quantidades, uma vez que dessa forma
estaríamos a proceder a uma interpretação abrogatória do artigo 2.º/2
da Lei 30/2000, cuja redacção é clara e categórica;

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2) Não será possível invocar a previsão do artigo 2.º/2 da Lei 30/2000
para defender a despenalização de todas as condutas, visto que desse
modo a interpretação abrogatória abrangeria os números 1 e 2 do
preceito;
➢ Todavia, não se adaptou a redacção do artigo 28.º da Lei 30/2000 → esta
redacção não afecta a criminalização da aquisição e detenção referidos no
artigo 2.º, em quantidade superior à necessária para o consumo médio
individual durante o período de 10 dias;
➢ Logo, a restrição do artigo 2.º/2 terá que se repercutir em toda a lei,
incluindo o respectivo artigo 28.º, mantendo a criminalização prevista no
artigo 40.º/2 do DL 15/93;
➢ CRISTINA LÍBANO MONTEIRO: lógica e teleologia do regime; a teia
garantística não pretende dar lugar a vazios de punição; haverá que
“buscar o direito através da lei”; deve-se evitar desfasamentos
sancionatórios indesejáveis e, provavelmente, não queridos;
➢ Ademais, a lei derrogada diferenciava claramente as situações de
consumo e de tráfico (critério compósito de intenção e quantidade):
▪ Tráfico (artigo 21.º e ss.) – pena de prisão de 1 a 5 anos;
▪ Consumo/aquisição/detenção superior a certa quantidade (artigo 40.º/2)
- pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias;
▪ Consumo/ aquisição/detenção até certa quantidade (artigo 40.º/1) – pena
de prisão até 3 meses ou de multa até 30 dias;
➢ Na Lei 30/2000, mantém-se o critério da quantidade: 10 dias dose média
individual = contra-ordenação;
➢ 11 doses diárias, para consumo próprio – é crime, que crime?
▪ O artigo 40.º do DL 15/93 foi revogado (artigo 28.º da Lei 30/2000);
▪ O artigo 40.º funcionava como elemento excludente do crime de tráfico
(artigo 21.º do DL 15/93) → substitui-se pelo artigo 2.º da Lei 30/2000?
▪ 11 doses diárias passa a ser tráfico?
▪ Argumento sistemático: não faria sentido que, no contexto de uma lei
descriminalizadora, esta situação fosse tratada de forma mais gravosa do
que no âmbito do regime anterior;
▪ Assim, será mais consequente com o espírito do diploma interpretar
restritivamente o artigo 28.º da Lei 30/2000: (i) mantém-se em vigor o
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artigo 40.º/2 do DL 15/93, como forma de delimitar negativamente o
tráfico (a quantidade não transforma o consumidor em traficante); (ii) é
mais favorável ao arguido porque limita a pena a 1 ano de prisão ou a
multa até 120 dias)(2);
▪ A única forma de conciliar o objectivo legal com o texto imperfeito do
artigo 28.º da Lei 30/2000 será, nos termos do artigo 9.º/3 do CC,
confinar a revogação do artigo 40.º ao contexto do diploma;
▪ Dessa forma, o artigo 40.º/2 do DL 15/93 permanecerá em vigor, não só
quanto ao cultivo, mas também quando estejam em causa quantidades
superiores às 10 doses médias individuais;
▪ Motivo: perigo de a droga adquirida para consumo próprio, quando
superior às necessidades pessoais mais urgentes, vir a ser proporcionada
a outrem.
→ Justificação da criminalização da aquisição e detenção excessivas
➢ MARIA FERNANDA PALMA: necessidade da pena (artigo 18.º/2 da CRP);
intervenção mínima do direito penal; relevância ética prévia das condutas:
culpa como factor de inibição;
▪ O consumo generalizado de estupefacientes produz danos sociais graves
que reclamam a intervenção do Estado:
▪ Consumo como problema social + consumidor como doente ou potencial
doente → justificação da tutela penal: incriminação de condutas que
fomentem ou possibilitem o consumo (carência de tutela penal no
cumprimento pelo consumidor de certos deveres, e não do próprio facto
do consumo);
▪ Possibilidade de outras pessoas acederem à droga;
▪ Tráfico: relação de exploração de outros seres humanos;
▪ Distinção entre tráfico, consumo e aquisição e detenção de quantidades
excessivas evita uma presunção inilidível de tráfico, admitindo-se a
prova da intenção exclusiva para consumo próprio;

(2)
Contra, FARIA COSTA, que refere não encontrar nenhuma razão que tivesse levado o legislador a querer
continuar a punir como crime, em função de um critério meramente quantitativo, uma conduta que decidiu
despenalizar. No entanto, opõe-se a este argumento a circunstância de não se ter tratado de uma
despenalização irrestrita, justificando-se, por isso, a previsão do artigo 2.º/2 da Lei 30/2000.

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▪ Redução teleológica: evita um vazio sancionatório, que atendendo aos
princípios da igualdade e da proporcionalidade, só poderá ser dirimido
desta forma;
▪ Adicionalmente, afigura-se manifesto que o artigo 2.º/2 da Lei 30/2000
contém uma proibição forte; concluir que nesse caso se deve alargar
contra legem o ilícito contra-ordenacional constitui uma violação
princípio da legalidade, tal como previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei
433/82 de 27 de Outubro;
→ Estas condutas devem ser consideradas crime, visto que «não obstante a
derrogação operada pelo art. 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o
artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor
não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para
consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas
tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio
individual durante o período de 10 dias».

 Análise do acórdão do Tribunal Constitucional, número 79/2015 datado de 28 de


Janeiro, processo n.º 495/13 – Conselheiro Fernando Ventura(3)

→ Enquadramento:
➢ MP acusou o arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes
de menor gravidade (artigo 25.º/a) do DL 15/93);
➢ 1.ª Instância: absolveu o arguido do crime de que vinha acusado,
condenando-o pelo crime de detenção de estupefacientes para consumo
p.e.p. pelo artigo 40.º/2 do DL 15/93;
➢ Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que manteve a condenação;
➢ Recurso para o Tribunal Constitucional: inconstitucionalidade da
aplicação do artigo 40.º/2 do DL 15/93:
➢ Revogação pelo artigo 28.º da Lei 30/2000 – violação nullum crimen sine
lege (lei anterior que puna a conduta) e violação do artigo 9.º do Código
Civil, proibição de analogia e integração de lacunas;

(3)
Tal como o anterior, este acórdão não foi tratado no contexto das aulas práticas, mas deve ser
devidamente examinado, em articulação com o acórdão uniformizador de jurisprudência supra indicado.

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→ Apreciação pelo Tribunal Constitucional (controlo normativo do processo
interpretativo);
➢ Consumo: lugar à parte, privilegiado, particulares finalidades jurídico-
penais;
➢ Artigo 40.º do DL 15/93: delimitação negativa do tráfico (≠ consumo);
➢ ENLCD: descriminalização do consumo – princípio humanista
(subsidiariedade, ultima ratio do direito penal);
➢ Manter proibido o consumo e aquisição e de detenção com essa
finalidade;
➢ A questão suscitada poderá ser solucionada de 3 formas: (i) recondução
ao crime de tráfico; (ii) interpretação extensiva do artigo 2.º/1 da Lei
30/2000, enquadrando-a no contexto do ilícito contra-ordenacional; (iii)
manter a punibilidade a título de ilícito criminal, nos termos do artigo
40.º/2 do DL 15/93;
1) Quanto à primeira possibilidade, o TC julgou pela não
inconstitucionalidade desta opção, no acórdão número 295/03; de forma
sintética, o TC entendeu que, numa ponderação de proporcionalidade,
seria plausível o risco de a mencionada conduta levar à introdução da
droga no círculo social ou de acessibilidade a outrem; sublinhou ainda
que esta problemática constitui um verdadeiro flagelo, que exige
medidas de prevenção adequadas;
▪ Actualmente, o TC parece não concordar com esta perspectiva, sugerindo
que esta interpretação violaria o princípio da necessidade da pena (artigo
18.º/2 da CRP);
2) A propósito da tese que sugere uma interpretação extensiva do artigo
2.º/1 da Lei 30/2000, o TC classifica-a como “metodologicamente
adequada”, referindo que o artigo 2.º/2 é categórico; nesse sentido, a
descriminalização do consumo de droga não vale para todo o tipo de
detenção ou aquisição, sem cuidar dos riscos associados às quantidades
efectivamente detidas e dos fins a que se destinam; ademais, acrescenta
que o elemento histórico não suporta este entendimento, aludindo ao
artigo 26.º/3 do DL 15/93;

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3) Quanto à terceira opção, o TC aprecia esta possibilidade à luz do
princípio da legalidade penal, identificando-o como um princípio-
garantia;
▪ Paralelamente, destaca a carga axiológico-normativa deste princípio,
esclarecendo que traduz uma clara opção pela liberdade do cidadão, em
detrimento das exigências do poder punitivo;
▪ Desta forma, o texto legal funciona como limite às conclusões suportadas
por interpretações teleológicas, o que equivale a afirmar que a linguagem
se contém dentro de um sentido semântico que abstrai da concreta
teleologia da norma legal;
▪ Partindo destas premissas, o TC refere que a meridiana literalidade do
preceito poderia levar a conclusões equívocas;
▪ De facto, admite-se a conexão entre uma pluralidade de normas e
enunciados linguísticos, de forma a obter um sentido normativo cabível
nas palavras da lei e conforme com a vontade do legislador;
▪ Alude-se, assim, a uma ideia de conexão normativa ou prisma normativo
complexo, que traduz a coordenação entre diversas proposições
normativas;
▪ Por esse motivo, o TC considera que não se identificou qualquer lacuna
de regulamentação, uma vez que esta noção pressupõe uma lei que aspira
a uma regulação completa e esgotante do domínio material em que actua,
o que não se verificava nesta situação (Lei 30/2000);
▪ Em rigor, o âmbito restritivo encontrava-se suportado pela previsão do
artigo 2.º/2, prevendo-se ainda a vigência parcial do artigo 40.º/2 do DL
15/93;
▪ Consequentemente, revelava-se inequívoco que a regulação de 2000 era
fragmentária e incompleta, limitada em função de um tecto quantitativo
fixo;
▪ Da mesma forma, o referente normativo da revogação operada pelo
artigo 28.º da Lei 30/2000 seria apenas o segmento ideal do tipo criminal
sobreponível ao novo tipo contra-ordenacional;
▪ Neste contexto, o tribunal a quo procedeu a uma interpretação restritiva
da revogação, limitando-a ao sentido contextual do diploma e a uma
redução teleológica do artigo 40.º/2 do DL 15/93;

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▪ Este processo interpretativo surge como metodologicamente admissível,
a partir de uma base textual que existe e comporta, congregando os
diferentes elementos semânticos em conexão íntima, uma amplitude de
sentidos indesejada pelo legislador;
▪ De acordo com o TC, o tipo abrange, na sua literalidade, e desde a edição
do preceito, a aquisição e detenção para consumo próprio, em quantidade
superior à necessária para o consumo médio individual durante o período
de 10 dias, obedecendo em sede própria ao imperativo constitucional de
tipicidade e determinabilidade;
→ Pelos fundamentos expostos, o TC decidiu «não julgar inconstitucional a
norma, extraída interpretativamente da conjugação dos artigos 1.º, 2.º, n.ºs 1
e 2, e 28.º, da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, e 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei
n.º 15/93, de 22 de janeiro, com o sentido de que se mantém em vigor este
último preceito, não só quanto ao cultivo, como relativamente à aquisição e
detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações
compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para
o consumo médio individual durante o período de dez dias».

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