O primeiro ponto levantado por Freud é que não faz sentido
em se falar no mecanismo de defesa da repressão em situações onde a tensão provocada pela falta de satisfação de um impulso instintual seja insuportável, como a fome e a dor, por exemplo. As condições nas quais um impulso instintual pode sofrer repressão são que, primeiro, caso satisfeito, ele traga prazer de um lado e desprazer do outro. Outra forma de dizer isso é que o mecanismo da repressão é usado quando o desprazer provocado pela satisfação do impulso instintual acabar sendo maior que o prazer. Exemplo: um paciente casado que tem fortes impulsos instintuais anais pode ver-se obrigado a reprimi-los, para não se sentir moralmente em conflito consigo mesmo e em seu casamento. A segunda condição para haver repressão é o psiquismo já ter chegado ao ponto de haver nele uma cisão marcante entre a atividade mental consciente e inconsciente. Antes disso, os mecanismos de defesa contra o impulso instintual usados seriam outros, tais como, os que estudamos no encontro passado (reversão no oposto, retorno em direção ao eu)
As fases da repressão
O mecanismo da repressão ocorre em três estágios.
No primeiro estágio (repressão primeva), ocorre que o sujeito defendeu-se violentamente de alguma ideia vinculada ao impulso instintual em questão, negando-lhe passagem à consciência. No exemplo do paciente, digamos que lhe ocorreu pela primeira vez a ideia: “que delícia se eu fosse penetrado por trás”, vendo nádegas femininas na rua. Ideia da qual ele se defendeu violentamente, retirando-a imediatamente da consciência, e relegando-a ao inconsciente. No segundo estágio (repressão propriamente dita ou pressão posterior) a ideia rechaçada “que delícia se eu fosse penetrado por trás”, agora inconsciente, começa a se espraiar por outras ideias (derivados do reprimido), que guardam relação indireta com a ideia inicial rechaçada, criando situações bizarras e incompreensíveis para ele. Então, pode ser que este paciente comece a desenvolver algum tipo de obsessão por ver nádegas, ou fobia por aparecer em público e mostrar suas nádegas ou sintomas de hemorróidas, por exemplo. Todas estas, formas disfarçadas da ideia original (“que delícia se eu fosse penetrado por trás”) poder aparecer. Ocorre ainda que à cada uma destes derivados da ideia original, o paciente forçará nova repressão, cada vez mais ineficaz. Freud ressalta que a repressão só “paralisa” o aspecto ideativo da pulsão instintual, a saber, a ideia, retirando-a da consciência. Sem afetar, nem impedir que o impulso (no caso aqui, o desejo de ser penetrado por trás) continue ganhando força no inconsciente. Na verdade, a retirada da ideia da consciência só ajuda o desejo a se proliferar mais e mais no inconsciente, porque deixa de ficar sujeito ao crivo da razão e de ganhar expressão verbal, o que faria diminuir, por si só, grande parte do seu poder. Isso dá ao neurótico a falsa ideia de que seu instinto é tremendamente perigoso, já que, além de não tê-lo tratado com a seriedade devida, alimentou-o fantasiando sobre ele, sem nem sequer perceber. Por exemplo, este paciente pode inadvertidamente pensar várias vezes por dia em nádegas, sem perceber que está, desta forma, alimentando o seu desejo. Quanto mais os derivados do reprimido estiverem distorcidos da ideia original, menor resistência à pensá-los terá a pessoa. O paciente citado, por exemplo, permitia-se pensar sem nenhuma resistência, nos primeiros tempos de análise, que não gostava de estar em público, o que explicava, sem mais nem menos, pelo argumento de não gostar do olhar “perscrutador e curioso” dos outros. Depois de ter-lhe sido interpretado o desejo odioso de ser penetrado por trás, pôde-se compreender melhor porque não gostava de estar sob o crivo do olhar alheio, uma vez que temia ser descoberto. Um outro exemplo do quanto a distorção de um conteúdo reprimido pode tornar possível seu aparecimento na consciência são os chistes. A repressão atua de maneira permanente no psiquismo dos seres humanos, mantendo os conteúdos desagradáveis, inconscientes, só relaxando durante o sono e sob efeito de algumas substâncias, por exemplo, o álcool. Existem no inconsciente muitos impulsos instintuais, muitos deles inativos. E que são ativados por experiências ou ciclos naturais da vida. Este paciente por exemplo, teve seu impulso instintual anal ativado por ter sido, aos cinco anos, seduzido sexualmente por dois ou três rapazes mais velhos da sua rua, que lhe penetraram o ânus à força. Exemplo de ativação de um impulso instintual por ciclo natural da vida é o grau de elevação brutal do instinto sexual na mulher na menarca e, depois, na menopausa. Quanto mais ativo estiver o impulso instintual em questão, mais a repressão será colocada em jogo.
Os destinos da ideia e da quota de afeto de um impulso instintual
Freud sugere que o impulso instintual possui dois elementos:
a ideia que corresponde ao impulso e uma carga afetiva associada a ele. No exemplo em que estamos trabalhando, a ideia do impulso instintual anal é “quem bom deve ser ser penetrado” e a quota de afeto associada a ele é o desprazer e a ansiedade. Freud explica que a repressão só atinge a ideia associada ao impulso instintual que, neste caso, é retirada da consciência, e não afeta a carga afetiva do impulso. Isso significa dizer que a repressão é um mecanismo ineficaz na medida em que não é capaz de eliminar o desprazer afetivo ou a ansiedade provocados pela ideia (caso do meu paciente). É, portanto, o destino da carga afetiva do impulso instintual que determinará o futuro de cada neurose.
Histeria de ansiedade (“fobias”)
Na primeira fase da doença, a ideia associada ao impulso
instintual sofre repressão e é retirada da consciência para depois reaparecer em um objeto ou situação X que guarda relação com a situação original. O afeto surge como ansiedade, que só é evocado nessa situação ou ante esse objeto específico. Na segunda fase, medidas evitativas e protetivas cada vez mais complicadas e engenhosas vão sendo usadas para se evitar a eclosão da ansiedade, restringindo quase que completamente a vida da pessoa.
Histeria de conversão
A ideia associada ao impulso instintual sofre repressão e é
completamente retirada da consciência, ao passo que a carga afetiva é convertida em sintomas corpóreos (ataques, convulsões, paralisias, catatonia, frigidez, etc.). Por exemplo, é a paciente pudica que reprimiu qualquer ideia vinculada ao sexo, mas que ao ser inspecionada pelo médico, tem um ataque de choro ou de riso inexplicável. Sendo a “explosão de choro” a conversão da excitação sexual experimentada ao ser tocada. Outro exemplo é a mulher que reprimiu o nojo sexual pelo marido e converteu-o no corpo, ficando completamente anestesiada sexualmente.
Neurose obsessiva
Aqui o impulso instintual reprimido é o ódio que se
experimenta pelo objeto amado, repressão que, de início, é bastante exitosa. Numa segunda fase da doença, surge, no lugar do impulso instintual reprimido, um excesso de autoconsciência moral acompanhado de uma excessiva necessidade de mostrar-se zeloso e bondoso, para com o objeto ambivalente. Mais tarde, o conflito amor-ódio reprimido retorna transformado agora em ansiedade moral e violentas auto-recriminações. A ideia original, carregada de ambivalência, desloca-se para algo aparentemente sem importância. Um exemplo é uma paciente jovem que certa vez desejara que seus pais morressem, numa viagem de carro, para que não a importunassem mais. Recriminando-se violentamente por tal desejo, reprimiu-o, retirando-o da consciência e desenvolveu para com os pais um excesso de zelo e cuidado, ao mesmo tempo em que passou a ser atormentada pela ideia obsessiva de que um ladrão invadiria a qualquer momento sua casa e mataria os pais. Situação em que se vê claramente o desejo inicial de matar os pais projetado e deslocado para os ladrões. Para defender-se de tal ideia obsessiva, passou a criar rituais do tipo: se apertasse o interruptor três vezes ao mesmo tempo, ou se dormisse embaixo da cama enrolada em dois lençóis, para surpreender o ladrão, nada aconteceria aos pais. Rituais que significavam, nesse caso, tanto uma punição a ela pelo desejo de que os pais morressem, como um reasseguramento de que isso não viesse a acontecer.