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A repressão (1915)

O primeiro ponto levantado por Freud é que não faz sentido


em se falar no mecanismo de defesa da repressão em situações
onde a tensão provocada pela falta de satisfação de um impulso
instintual seja insuportável, como a fome e a dor, por exemplo.
As condições nas quais um impulso instintual pode sofrer
repressão são que, primeiro, caso satisfeito, ele traga prazer de
um lado e desprazer do outro.
Outra forma de dizer isso é que o mecanismo da repressão é
usado quando o desprazer provocado pela satisfação do impulso
instintual acabar sendo maior que o prazer.
Exemplo: um paciente casado que tem fortes impulsos
instintuais anais pode ver-se obrigado a reprimi-los, para não se
sentir moralmente em conflito consigo mesmo e em seu
casamento.
A segunda condição para haver repressão é o psiquismo já
ter chegado ao ponto de haver nele uma cisão marcante entre a
atividade mental consciente e inconsciente.
Antes disso, os mecanismos de defesa contra o impulso
instintual usados seriam outros, tais como, os que estudamos no
encontro passado (reversão no oposto, retorno em direção ao eu)

As fases da repressão

O mecanismo da repressão ocorre em três estágios.


No primeiro estágio (repressão primeva), ocorre que o sujeito
defendeu-se violentamente de alguma ideia vinculada ao impulso
instintual em questão, negando-lhe passagem à consciência.
No exemplo do paciente, digamos que lhe ocorreu pela
primeira vez a ideia: “que delícia se eu fosse penetrado por trás”,
vendo nádegas femininas na rua. Ideia da qual ele se defendeu
violentamente, retirando-a imediatamente da consciência, e
relegando-a ao inconsciente.
No segundo estágio (repressão propriamente dita ou
pressão posterior) a ideia rechaçada “que delícia se eu fosse
penetrado por trás”, agora inconsciente, começa a se espraiar por
outras ideias (derivados do reprimido), que guardam relação
indireta com a ideia inicial rechaçada, criando situações bizarras
e incompreensíveis para ele.
Então, pode ser que este paciente comece a desenvolver
algum tipo de obsessão por ver nádegas, ou fobia por aparecer
em público e mostrar suas nádegas ou sintomas de hemorróidas,
por exemplo.
Todas estas, formas disfarçadas da ideia original (“que
delícia se eu fosse penetrado por trás”) poder aparecer.
Ocorre ainda que à cada uma destes derivados da ideia
original, o paciente forçará nova repressão, cada vez mais
ineficaz.
Freud ressalta que a repressão só “paralisa” o aspecto
ideativo da pulsão instintual, a saber, a ideia, retirando-a da
consciência. Sem afetar, nem impedir que o impulso (no caso aqui,
o desejo de ser penetrado por trás) continue ganhando força no
inconsciente.
Na verdade, a retirada da ideia da consciência só ajuda o
desejo a se proliferar mais e mais no inconsciente, porque deixa
de ficar sujeito ao crivo da razão e de ganhar expressão verbal, o
que faria diminuir, por si só, grande parte do seu poder.
Isso dá ao neurótico a falsa ideia de que seu instinto é
tremendamente perigoso, já que, além de não tê-lo tratado com a
seriedade devida, alimentou-o fantasiando sobre ele, sem nem
sequer perceber.
Por exemplo, este paciente pode inadvertidamente pensar
várias vezes por dia em nádegas, sem perceber que está, desta
forma, alimentando o seu desejo.
Quanto mais os derivados do reprimido estiverem
distorcidos da ideia original, menor resistência à pensá-los terá a
pessoa.
O paciente citado, por exemplo, permitia-se pensar sem
nenhuma resistência, nos primeiros tempos de análise, que não
gostava de estar em público, o que explicava, sem mais nem
menos, pelo argumento de não gostar do olhar “perscrutador e
curioso” dos outros.
Depois de ter-lhe sido interpretado o desejo odioso de ser
penetrado por trás, pôde-se compreender melhor porque não
gostava de estar sob o crivo do olhar alheio, uma vez que temia
ser descoberto.
Um outro exemplo do quanto a distorção de um conteúdo
reprimido pode tornar possível seu aparecimento na consciência
são os chistes.
A repressão atua de maneira permanente no psiquismo dos
seres humanos, mantendo os conteúdos desagradáveis,
inconscientes, só relaxando durante o sono e sob efeito de
algumas substâncias, por exemplo, o álcool.
Existem no inconsciente muitos impulsos instintuais, muitos
deles inativos. E que são ativados por experiências ou ciclos
naturais da vida.
Este paciente por exemplo, teve seu impulso instintual anal
ativado por ter sido, aos cinco anos, seduzido sexualmente por
dois ou três rapazes mais velhos da sua rua, que lhe penetraram o
ânus à força.
Exemplo de ativação de um impulso instintual por ciclo
natural da vida é o grau de elevação brutal do instinto sexual na
mulher na menarca e, depois, na menopausa.
Quanto mais ativo estiver o impulso instintual em questão,
mais a repressão será colocada em jogo.

Os destinos da ideia e da quota de afeto de um impulso instintual

Freud sugere que o impulso instintual possui dois elementos:


a ideia que corresponde ao impulso e uma carga afetiva
associada a ele.
No exemplo em que estamos trabalhando, a ideia do impulso
instintual anal é “quem bom deve ser ser penetrado” e a quota de
afeto associada a ele é o desprazer e a ansiedade.
Freud explica que a repressão só atinge a ideia associada
ao impulso instintual que, neste caso, é retirada da consciência, e
não afeta a carga afetiva do impulso.
Isso significa dizer que a repressão é um mecanismo ineficaz
na medida em que não é capaz de eliminar o desprazer afetivo ou
a ansiedade provocados pela ideia (caso do meu paciente).
É, portanto, o destino da carga afetiva do impulso instintual
que determinará o futuro de cada neurose.

Histeria de ansiedade (“fobias”)

Na primeira fase da doença, a ideia associada ao impulso


instintual sofre repressão e é retirada da consciência para depois
reaparecer em um objeto ou situação X que guarda relação com a
situação original. O afeto surge como ansiedade, que só é
evocado nessa situação ou ante esse objeto específico.
Na segunda fase, medidas evitativas e protetivas cada vez
mais complicadas e engenhosas vão sendo usadas para se evitar
a eclosão da ansiedade, restringindo quase que completamente a
vida da pessoa.

Histeria de conversão

A ideia associada ao impulso instintual sofre repressão e é


completamente retirada da consciência, ao passo que a carga
afetiva é convertida em sintomas corpóreos (ataques, convulsões,
paralisias, catatonia, frigidez, etc.).
Por exemplo, é a paciente pudica que reprimiu qualquer
ideia vinculada ao sexo, mas que ao ser inspecionada pelo
médico, tem um ataque de choro ou de riso inexplicável. Sendo a
“explosão de choro” a conversão da excitação sexual
experimentada ao ser tocada.
Outro exemplo é a mulher que reprimiu o nojo sexual pelo
marido e converteu-o no corpo, ficando completamente
anestesiada sexualmente.

Neurose obsessiva

Aqui o impulso instintual reprimido é o ódio que se


experimenta pelo objeto amado, repressão que, de início, é
bastante exitosa.
Numa segunda fase da doença, surge, no lugar do impulso
instintual reprimido, um excesso de autoconsciência moral
acompanhado de uma excessiva necessidade de mostrar-se
zeloso e bondoso, para com o objeto ambivalente.
Mais tarde, o conflito amor-ódio reprimido retorna
transformado agora em ansiedade moral e violentas
auto-recriminações. A ideia original, carregada de ambivalência,
desloca-se para algo aparentemente sem importância.
Um exemplo é uma paciente jovem que certa vez desejara
que seus pais morressem, numa viagem de carro, para que não a
importunassem mais.
Recriminando-se violentamente por tal desejo, reprimiu-o,
retirando-o da consciência e desenvolveu para com os pais um
excesso de zelo e cuidado, ao mesmo tempo em que passou a ser
atormentada pela ideia obsessiva de que um ladrão invadiria a
qualquer momento sua casa e mataria os pais.
Situação em que se vê claramente o desejo inicial de matar
os pais projetado e deslocado para os ladrões.
Para defender-se de tal ideia obsessiva, passou a criar
rituais do tipo: se apertasse o interruptor três vezes ao mesmo
tempo, ou se dormisse embaixo da cama enrolada em dois
lençóis, para surpreender o ladrão, nada aconteceria aos pais.
Rituais que significavam, nesse caso, tanto uma punição a
ela pelo desejo de que os pais morressem, como um
reasseguramento de que isso não viesse a acontecer.

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