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A noção de adolescência como um tempo intermediário entre a vida adulta e

a infância é uma construção social. De acordo com (ARIÈS, 1981) é o século XX que
privilegia o adolescente e o define. A partir do destaque dado a essa “nova fase” a
adolescência passa a ser compreendida como um tempo em que o sujeito inicia o
processo de adaptação para sua inserção em um universo socialmente mais amplo.

Em contrapartida a psicanálise configura a adolescência a partir do conceito


de puberdade, que são as transformações fisiológicas e hormonais que se
apresentam no corpo da criança levando-a a adquirir um corpo adulto. Esse período
inicial que é repleto de mudanças varia de sujeito para sujeito, pois se existem casos
em que a puberdade se apresenta de forma precoce em outras se desenvolve de
forma tardia. Cada corpo sofre suas alterações a seu modo e leva em consideração
as suas particularidades. (STEVENS, 2004)

Deste modo observa-se que na psicanálise não há uma idade específica onde
a adolescência se encaixa, pois cada sujeito é único tendo tempos diferentes nos
processos de transformação que ocorrem biologicamente e psicologicamente. De
acordo com a psicanalista Alba Flesler (2012) não se deve trabalhar baseado nas
idades do sujeito, como se houvesse uma idade específica para cada fase da vida,
as divisões são temporais pois cada indivíduo apresenta a sua particularidade
marcado em cada tempo da vida em que se encontra.

Freud (1905/1996) em sua teoria sobre a sexualidade aponta uma separação


por períodos na organização infantil, um de latência que está relacionado com o
desenvolvimento da sexualidade infantil e a puberdade que se apresenta como
conclusão do despertar sexual. Não é possível definir esses tempos de forma
cronológica, sendo inviável demarcar o momento em que os processos se iniciam e
o momento que terminam.

A resposta que o sujeito tem frente às transformações que a puberdade


implica sobre o seu corpo é o que a psicanálise chama de adolescência, sendo
assim podemos dizer que a adolescência é um sintoma da puberdade. Porque é a
forma como o sujeito interpreta e reage às mudanças que primeiro ocorrem no
âmbito fisiológico e vão ocasionando alterações na forma de se relacionar com o
outro e consigo. (STEVENS, 2004)
É necessário ressaltar que essa fase requer um intenso trabalho psíquico
porque o sujeito precisa se deparar com diversas transformações que ocorrem no
corpo e ao mesmo tempo uma invasão de sensações que essas mudanças
provocam. O sujeito passa a ser invadido por desejos, pensamentos e fantasias que
agora parecem incontroláveis. “A puberdade aparece então como o momento em
que ocorre um segundo despertar da sexualidade” (OLIVEIRA e HANKE, 2017)
Sendo o primeiro despertar relacionado a fase latente, citada anteriormente.

É justamente por essa invasão de emoções e sensações que a adolescência


é reconhecida socialmente como a fase dos excessos, o sujeito passa por situações
onde exprime intensa alegria, euforia, mas também enfrenta situações onde é
tomado por grande tristeza e angústia.

A puberdade provoca uma ambivalência no sujeito que agora possui um


corpo adulto, mas que não se sente ou se identifica nessa fase e ao mesmo tempo a
sociedade também não os compreende como adultos ainda. O que corrobora a
formação da adolescência como uma fase distinta entre a infância e a vida adulta,
pois o sujeito não se encontra mais na infância e ainda não se identifica com a vida
adulta.

De acordo com Palácios, et all (2004), em O desenvolvimento psicológico e a


educação, a adolescência é um período psicossociológico que se prolonga por
vários anos, caracterizado pela transição entre infância e adultez.

Há ainda, nessa fase, uma série de exigências que o sujeito passa a ter que
responder como as escolhas amorosas, a necessidade de se encaixar em algum
grupo, a construção de sua identidade, as escolhas profissionais que precisam ser
feitas e entre inúmeras outras questões que anteriormente não existiam, mas que
agora passam a ser demandas existentes e que precisam ser correspondidas.

De acordo com Freud (1920/1996) as demandas que passam a serem


exigidas nesta fase são a reatualização das escolhas que haviam sido feitas na
primeira infância, no período da latência. Nesse processo do retorno as atualizações
há mudanças que ocorrem com relação ao objeto, pois o sujeito percebe que,
diferente do que ocorria na infância, não se pode contar com o Outro
“nem com o pai, nem com as fantasias infantis e nem
mesmo com a imagem do próprio corpo que está em
abundante metamorfose. Imaginário e Simbólico
falham; o real aparece.” OLIVEIRA e HANKE, 2017

A adolescência é marcada por essa metamorfose, é a representação de um


mundo que não é mais o mesmo e que em contrapartida parece não estar pronto
para receber esse sujeito repleto de mudanças. É a revelação do outro que se
apresenta cada vez mais falho e menos confiável e como reflexo da recusa pelo
outro esse sujeito em transformação volta para si.

Faz-se necessário, então, compreender o processo de puberdade e seus


efeitos subjetivos no sujeito para que seja possível compreender o que é a
adolescência e quais sãos as demandas que esse pequeno adulto precisa enfrentar.
E assim fazer uma clínica psicanalítica que se reinvente à medida em que a
sociedade se atualiza.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ARIÈS, Philippee. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 1981.

FLESLER, A. A psicanálise de crianças: e o lugar dos pais. Rio de Janeiro: Zahar,


2012.

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Rio de Janeiro:


Imago, 1996. (Ed. standard brasileira das obras completas, 7).

FREUD, S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher (1920).


Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Ed. standard brasileira das obras completas, 18).

OLIVEIRA, Humberto e HANKE, Bruno. Adolescer na contemporaneidade: uma crise


dentro da crise. Rio de Janeiro: Agora v. XX n. 2 mai/ago 2017 295-310

PALÁCIOS, Jesús, et al. Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia


evolutiva Volume 1. Artmed, 2004. Cap 20: o que é a adolescência¿
STEVENS, A. Adolescência, sintoma da puberdade. Curinga: clínica do
contemporâneo. Belo Horizonte: EBP-MG. Nov. 2004, n. 20.

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