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Documentário Doméstica (2012) e sua relação com a Terapia Ocupacional no campo do

trabalho

RESENHA

O documentário Doméstica dirigido por Gabriel Mascaro em 2012 (DOMÉSTICA, 2012),


aborda a respeito da rotina de empregadas domésticas durante o período de uma semana a
partir do olhar dos filhos de suas respectivas patroas. A produção conta a história de seis
mulheres e um homem e permeia espaços da classe alta, média e baixa. As filmagens
abordam a preconização do trabalho, as relações de poder e de classe social vinculada a esses
sujeitos.

Vanuza, a primeira a ser apresentada, fornece seu trabalho há 17 anos na família em que
aparece. A mesma é mostrada como motorista, porém há cenas em que desempenha papel de
lavadeira, passadeira, faxineira, babá e até lava o carro de luxo da família.

A segunda tem uma história de violência social e relacionamento abusivo com agressão
verbal e física e tem, na família do patrão um dos poucos laços afetivos. A mesma
compartilha que sonhou com um momento em que partilhava da refeição junto à mesa com
os patrões em um Shabat. Diz que anteriormente pensava que os judeos eram “um pessoal
muito ruim” SIC, pois já trabalhou em uma casa que partilhavam da religião e foi “muito
judiada” SIC.

Logo em seguida é mostrado Gracinha, onde é visível que a afetividade com a família se
confunde com um sentimento de dívida e necessidade de demonstração de gratidão. Gracinha
é mostrada limpando a parte inferior do sofá à noite deitada no chão, em seguida há cenas em
que dorme ajoelhada e outra sentada à mesa. A mesma agradece pelo colchão e ventilador
que a patroa comprou, isso em um cenário de quarto minúsculo. Também conta que foi
designada a cuidar da avó da família em que trabalha por três meses e lamenta muito, pois
esse período foi o tempo de vida restante do único filho que tinha.

Lena, como é chamada, foi a quarta a ser apresentada. Ela vive na casa dos fundos com a
filha, da qual é vista por diversas vezes no colo de Lúcia, a patroa, que diz "Lena é minha
filha"e se emociona ao falar. A quinta, Flávia, é mais uma vítima social do machismo,
sexismo e brutal violência doméstica. Conta que grávida de trigêmeos recebeu chutes na
barriga, perdeu os filhos. Durante as filmagens é possível ver cenas em que se diverte com as
crianças que cuida, sendo uma delas uma criança com deficiência.
Sérgio é o único homem apresentado no documentário, sendo ele outra vítima social, que se
optou pelo trabalho doméstico não como uma escolha profissional, mas como um meio de
sobrevivência. Em uma cena a patroa diz "Não sei se ele me autoriza falar, mas vou falar"
Sérgio está tão desapropriado de si, que não tem poder para contar sua própria história e
limitar a exposição de seu passado. Em outra fala diz que o filho de Sérgio não vai atrás dele,
pois tem medo que a patroa entregue Sérgio pra ele, como se o mesmo fosse algum tipo de
mercadoria para se perambular aos cantos.

Lucimar é a última, trabalha em uma casa de alto padrão. A patroa em uma fala diz "Tive que
me impor como patroa!", com a justificativa que anterior ao trabalho eram amigas. É visível a
maneira reprimida e tímida que Lucimar responde às perguntas de Felipe, filho da patroa. Em
um momento a patroa pede talheres para Lucimar, que precisa para seus afazeres e atender ao
pedido. Ao final, agradece a oportunidade de estar com eles e pelo trabalho e afirma que
considera ter uma liberdade.

DOCUMENTÁRIO E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO E TERAPIA


OCUPACIONAL

De acordo com Lancman et al. (2016), para os indivíduos, trabalhar é se engajar, é participar
do mundo, é se inserir em redes sociais, é constituir-se a si próprio. É no trabalho e por meio
dele que os indivíduos produzem e reproduzem sua contratualidade, exercitam sua cidadania
e inclusão social. A fragilidade das possibilidades de acesso e engajamento no trabalho
tendem a levar os indivíduos e grupos sociais a viverem situações de vulnerabilidade e
desfiliação social.

Dessa forma, o trabalho ocupa um espaço de grande importância na vida dos seres humanos,
uma vez que a maioria deles trabalham e grande parte de suas vidas é passada nas
organizações. Contudo, a relação homem-trabalho parece algo ainda bastante conflituoso,
pois, muitas vezes, o trabalho é percebido como indesejado, como um fardo pesado, podendo
impedi-lo de viver (RODRIGUES, 2002).

Para Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) é de extrema importância a conscientização de que o


organismo do trabalhador não é um motor humano. Ele possui uma história pessoal que se
concretiza pelos seus desejos, pelas suas motivações, pelas suas necessidades psicológicas,
que integram sua história, conferindo a cada ser humano, características únicas e pessoais
Dessa forma, pensando no contexto, cenário e condições de trabalho apresentado por meio do
documentário, sendo esse a rotina de empregadas domésticas, abaixo estão possibilidades de
atuação da Terapia Ocupacional no campo do trabalho:

Prevenção de lesões: Orientações sobre ergonomia e postura adequada para evitar lesões
musculoesqueléticas comuns associadas ao trabalho doméstico, como dores nas costas, lesões
por esforço repetitivo e outros problemas físicos.

Treinamento de habilidades: Para trabalhadoras domésticas que precisam realizar uma


variedade de tarefas, como limpeza, cozinha, cuidados com idosos ou como foi mostrado,
crianças com deficiência, os terapeutas ocupacionais podem oferecer treinamento em
habilidades específicas para melhorar a eficiência focando na segurança no trabalho.

Avaliação do ambiente de trabalho: É possível avaliar o ambiente de trabalho em casa,


identificando riscos à saúde e sugerindo modificações ou adaptações para tornar o ambiente
mais seguro e funcional.

Gerenciamento do estresse e da carga emocional: O trabalho doméstico muitas vezes


envolve lidar com altos níveis de estresse e demandas emocionais. Nesse cenário vale ensinar
estratégias de gerenciamento do estresse e oferecer suporte emocional para ajudar as
trabalhadoras a lidar com essas pressões.

Reabilitação: Se uma trabalhadora doméstica sofre uma lesão ou doença que afeta sua
capacidade de realizar suas tarefas é possível a atuação no processo de reabilitação,
ajudando-a a recuperar habilidades e capacidades.

Promoção da autonomia: Terapeutas ocupacionais podem ajudar as trabalhadoras


domésticas a desenvolver habilidades de autocuidado, como gerenciamento de tempo,
organização e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Uma questão vista no documentário.
Bem como, oferecer aconselhamento sobre hábitos de vida saudáveis, incluindo nutrição
adequada, exercícios e qualidade de sono, para promover o bem-estar geral.

Educação sobre direitos trabalhistas: Informá-las a respeito de seus direitos trabalhistas,


incluindo questões de segurança no trabalho e regulamentações trabalhistas relevantes, como
a quantidade horas e os turnos extras.

A terapia ocupacional pode ser adaptada às necessidades individuais de cada trabalhadora


doméstica, levando em consideração suas habilidades, limitações e objetivos pessoais. O
objetivo é ajudá-las a desempenhar suas funções de maneira mais eficaz, segura e saudável,
promovendo assim sua saúde geral e qualidade de vida. É possível pensar também no
processo de habilitação e reabilitação profissional de modo geral, tais como:

Habilitação profissional

Avaliação de habilidades: Avaliar as habilidades físicas, cognitivas e emocionais de um


trabalhador para determinar sua aptidão para o trabalho atual ou potencial.

Desenvolvimento de habilidades: Com base na avaliação, os terapeutas ocupacionais podem


trabalhar com o sujeito para desenvolver ou aprimorar habilidades específicas necessárias
para o desempenho eficaz de seu trabalho.

Avaliação do ambiente de trabalho: Avaliar o ambiente de trabalho para identificar


possíveis barreiras físicas, ergonômicas e psicossociais que possam afetar o desempenho no
trabalho.

Adaptações no local de trabalho: Se necessário, os terapeutas ocupacionais podem


recomendar adaptações no ambiente de trabalho, como aquisição de equipamentos
ergonômicos, modificações no layout do local de trabalho ou ajustes nas tarefas para
acomodar as necessidades do trabalhador.

Treinamento: A habilitação profissional pode incluir o treinamento do trabalhador em suas


funções específicas, bem como o uso de dispositivos de auxílio, se necessário.

Apoio psicossocial: Fornecer apoio emocional e psicossocial para ajudar o trabalhador a


enfrentar desafios relacionados ao trabalho, como estresse, ansiedade ou problemas de
relacionamento no ambiente de trabalho.

Reabilitação Profissional

Avaliação de limitações: Em casos em que um trabalhador sofreu uma lesão, doença ou


deficiência que afetou sua capacidade de trabalho, os terapeutas ocupacionais conduzem
avaliações para identificar as limitações e as áreas que precisam ser reabilitadas.

Desenvolvimento de planos de reabilitação: Com base na avaliação, é criado um plano de


reabilitação personalizado para ajudar o trabalhador a recuperar suas habilidades e
capacidades necessárias para retornar ao trabalho ou realizar novas funções.
Apoio na procura de emprego: É possível oferecer orientações sobre a procura de emprego,
elaboração de currículos e preparação para entrevistas, ajudando o trabalhador a se reintegrar
no mercado de trabalho.

Apoio na transição de carreira: Em alguns casos, a reabilitação profissional pode envolver


a exploração de opções de carreira alternativas para trabalhadores que não podem mais
exercer suas funções anteriores devido a limitações permanentes.

Em resumo, a terapia ocupacional desempenha um papel fundamental tanto na habilitação


quanto na reabilitação profissional, ajudando os trabalhadores a desenvolver, manter ou
recuperar suas habilidades e capacidades para uma participação produtiva no mercado de
trabalho. Isso envolve uma abordagem individual, de sujeito para sujeito, adaptada às
necessidades específicas de cada indivíduo.

REFERÊNCIAS

DOMÉSTICA, 2012

Lancman, Selma & Barros, Juliana & Jardim, Tatiana & Mangia, Elisabete. (2016). Saúde,
Trabalho e Terapia Ocupacional, uma relação indissociável. Revista de Terapia
Ocupacional da Universidade de São Paulo. 27. i. 10.11606/issn.2238-6149.v27i2pi-ii.

Figueiredo MO, Silva LR, Daidone V, Magalhães L. Trabalhadores em processo de


reabilitação profissional: percepções sobre o grupo de Terapia Ocupacional. Rev Ter
Ocup Univ São Paulo. 2018 jan.-abr.;29(1):56-62.

Junqueira, Taísa. TRABALHO, SAÚDE E TERAPIA OCUPACIONAL: UMA


ABORDAGEM SISTÊMICA. Faculdade de Medicina de Ribeirão-Preto/Universidade de
São Paulo – FMRP/USP, 2008.

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