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Programa de Aperfeiçoamento em Administração EAESP/FGV - GVNET

Como já se percebe, desenvolver uma Perspectiva Estratégica ou colocar-se na posição de


um administrador que procure ter uma atitude de Gerenciamento Estratégico do Negócio
implica considerar simultaneamente uma série de coisas. Nada de preocupar-se apenas com
uma dimensão dos negócios, como vender, produzir, ser eficiente de maneira geral e em
todas as coisas. Certamente tudo isso é necessário, mas ser eficiente e possuir uma
excelente gestão operacional, marcada por alta eficiência e ótima produtividade ainda não
são sinais de que a empresa esteja estrategicamente colocada no prumo.

Perspectiva estratégica significa ter visão2 ou ser “visionário”, não no sentido de ser um
lunático, excêntrico ou “desligado” da realidade, mas de ver as coisas de maneira diferente,
enxergando oportunidades que a maioria das pessoas não é capaz de perceber. O mundo
dos negócios sempre nos apresenta exemplos interessantes dessas pessoas. Amador Aguiar
nos anos 50, há cerca de meio século, percebeu que bancos não precisavam ser
necessariamente lugares onde apenas as pessoas de classe alta e poder aquisitivo elevado
mantinham contas e faziam negócios. O banco poderia muito bem abrigar correntistas que
dispusessem apenas de pequenos saldos e aos quais o banco poderia prestar uma série de
serviços. Estava aberto o caminho para o “banco de varejo”, um negócio bancário
completamente diferente daquilo que os bancos até então faziam. No início da década
passada os grandes fabricantes de equipamentos de processamento de dados eram unânimes
em declarar que o PC (computador pessoal), ou simplesmente o microcomputador, era uma
peça inútil, pois ninguém se interessaria em comprar um computador e muito menos
colocá-lo em casa. Quem discordou dessa visão foi um grupo de jovens empreendedores
reunidos numa pequena empresa chamada Apple. O resultado dessa “visão” foi a revolução
que até hoje continua se desdobrando e provocando alterações em todas as esferas de vida
no mundo inteiro.

Mas “ter visões” não significa que a realidade transformou-se. Para que visões se
concretizem e realizem, é necessário que elas se desdobrem em Missões3 e também em
Objetivos4, que sejam, por sua vez, transformados em Ações Estratégicas. Esta é a
seqüência que Jaime estava começando a entender do “administrês” de Lúcio Val. Outra
coisa muito importante quando se fala em estratégia empresarial e em administração de
maneira geral é não se prender muito a esquemas e seqüenciamentos. Na prática essas
coisas não acontecem necessariamente na ordem em que aparecem nos livros ou nos
relatórios preparados por consultores. Elas podem ser intuídas, percebidas ou “boladas”
simultaneamente.

1
A estratégia de uma empresa pode ser resumida como o plano de ação que os seus executivos adotam
visando utilizar os recursos da empresa e suas competências distintas para ganhar vantagem competitiva sobre
os seus rivais no mercado e para garantir a sua sobrevivência futura.
2
A visão geralmente se resume a uma frase que explicita o direcionamento em longo prazo da empresa,
fornecendo um guia sobre quais são os seus processos fundamentais. A visão é uma articulação das aspirações
que uma empresa tem para o seu futuro.
3
uma declaração de algumas linhas que diz qual é a razão de existência da empresa, considerando seu
mercado e seus valores. A missão define o “quem sou” da organização – seu propósito, seus valores básicos e
seu escopo de atuação.
4
As ações ou objetivos especificam o que a empresa deve fazer para alcançar a sua missão.

BERTERO, Carlos O. - março/2000


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Outro componente importante de ser entendido em gestão estratégica é a questão e o papel


dos valores. Quando dizemos que, na formulação e na revisão de estratégias, valores5
desempenham um papel muito importante, estamos criando uma oposição entre fatos e
valores. Se estratégias empresariais fossem decididas apenas com base em fatos, teríamos
uma ciência exata. Bastaria seguir os fatos, proceder às análises de mercado, de viabilidade
econômica e financeira, verificar qual curso de ação agrega mais valor aos acionistas e
teríamos uma estratégia clara e exatamente definida. Mas todos sabem que estratégias não
são um campo de exatidões. Muito pelo contrário, estratégia é uma área claramente política
e isso porque decisões estratégicas lidam com valores e não apenas com fatos. E isto não se
aplica apenas a estratégia. Aplica-se a tudo o que implica decidir politicamente e, portanto,
incluir valores. Tomemos um exemplo aparentemente distante do que estamos dizendo. Se
reunirmos físicos nucleares, termologistas e especialistas em eletricidade, três coisas
indiscutivelmente consideradas como ciências exatas e, portanto, apoiadas num mundo
absolutamente factual, e solicitarmos a esse conjunto de cientistas exatos que formulem
uma política energética, logo constataremos que a exatidão e a convergência das ciências
em questão desaparecem e segue-se uma grande diversidade de propostas. Isso porque as
ciências são exatas, mas não necessariamente as políticas ou estratégias delas derivadas,
porque entre os conhecimentos científicos e as estratégias ou políticas interpõem-se os
valores.

Valores não possuem a objetividade dos fatos, mas são subjetivos e dotados de
singularidade. Na verdade são coisas prezadas, acarinhadas e que levam pessoas e
comunidades aos extremos de viverem e morrerem por causa de valores. No mundo
empresarial e na formulação e revisão de estratégias, valores estão sempre presentes e
ajudam-nos muito a entender por que empresas são diferentes, embora tenham muitas
coisas para que as tornem iguais. Nada expressa melhor a influência de valores na gestão
estratégica do que a escolha de ramos ou sub-ramos. Essas coisas não dependem
exclusivamente de análises de ramos (industry) com todos os detalhes recomendados pelos
analistas econômicos e especialistas em gestão estratégica, mas são influenciadas por
preferências e valores das pessoas que tomam as decisões.

Para que todo este conjunto que começa em visão e estende-se até a ação estratégica se
transforme em ação empresarial, é necessário chegar a escolher, produzir e comercializar
uma carteira (portfolio) de produtos e/ou serviços.

E revisão estratégica significa também rever essa carteira, por que produtos e serviços estão
sujeitos a um “ciclo de vida”, ou seja, nascem, crescem, prosperam, têm seu apogeu para
declinar e desaparecer, como os seres vivos. Isso torna permanente a preocupação com
carteiras e com o desenvolvimento contínuo de novos produtos e serviços. E na hora de se
falar em carteira é que é colocada a questão das capacitações ou competências da
empresa.

5
Nas organizações, os valores definem como as pessoas devem agir, como elas pretendem se relacionar com
os seus stakeholders e que tipo de empresa querem constituir.

BERTERO, Carlos O. - março/2000

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