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DIABETES

diabetes
O diabetes melito (DM) refere-se a um grupo de cose. Defeitos genéticos e metabólicos distintos na
distúrbios metabólicos comuns que compartilham ação e/ou na secreção da insulina dão origem ao
o fenótipo da hiperglicemia. Vários tipos distintos fenótipo comum da hiperglicemia no DM tipo 2 e
de DM são causados por uma interação complexa comportam importantes implicações terapêuticas
de fatores genéticos e ambientais. potenciais agora que estão disponíveis agentes
farmacológicos cujos alvos são desarranjos
Dependendo da etiologia do DM, os fatores que metabólicos específicos.
contribuem para a hiperglicemia incluem secreção
reduzida de insulina, menor utilização de glicose e Tanto o diabetes tipo 1 quanto o tipo 2 são
maior produção de glicose. precedidos por um período de piora progressiva da
homeostase da glicose, seguido de
A desregulação metabólica associada ao DM desenvolvimento de hiperglicemia, que ultrapassa
acarreta alterações fisiopatológicas secundárias em o limiar para o diagnóstico clínico. No diabetes tipo
muitos sistemas orgânicos que impõem uma 2, essa fase é designada como pré-diabetes e é
enorme sobrecarga aos indivíduos com diabetes, mais especificamente classificada como glicemia
assim como ao sistema de assistência de saúde. em jejum alterada (GJA) ou tolerância à glicose
Nos Estados Unidos, o DM constitui a principal diminuída (TGD). Recentemente, esses estágios
causa de doença renal em estágio terminal distintos do DM tipo 1 foram definidos com base no
(DRET), de amputações dos membros inferiores desenvolvimento de autoanticorpos contra
não traumáticas e de cegueira em adultos. Além antígenos das células beta pancreáticas ou
disso, predispõe a doenças cardiovasculares. Com ocorrência de disglicemia progressiva.
uma incidência crescente mundial, o DM
provavelmente continuará sendo uma importante Duas características da classificação atual do DM
causa de morbidade e mortalidade no futuro. merecem ênfase em relação às classificações

CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIA
anteriores. Em primeiro lugar, as expressões
diabetes melito insulinodependente (DMID) e
O DM é classificado tendo como base o processo diabetes melito não insulinodependente (DMNID)
patogênico que resulta em hiperglicemia, em não são mais utilizadas. Sabendo-se que muitos
oposição aos critérios precedentes, como a idade indivíduos com DM tipo 2 eventualmente
por ocasião do início ou o tipo de terapia. necessitarão de um tratamento insulínico para o
controle da glicemia, o uso da expressão DMNID
Existem duas grandes categorias de DM, gerou considerável confusão.
designadas como tipo 1 ou tipo 2. Entretanto, há
um reconhecimento cada vez maior de outras Uma segunda diferença é a de que a idade ou a
formas de diabetes cuja patogênese molecular está modalidade de tratamento não constituem um
mais bem elucidada e que podem estar associadas critério. Embora o DM tipo 1 se desenvolva mais
a um defeito monogênico. Essas formas comumente antes dos 30 anos de idade, a
alternativas podem compartilhar características do autoimunidade contra as células beta pode
DM tipo 1 e/ou tipo 2. instalar-se em qualquer idade. Estima-se que entre
5 e 10% dos indivíduos que desenvolvem DM após
O DM tipo 1 desenvolve-se em consequência de os 30 anos de idade terão DM tipo 1. Embora o DM
autoimunidade dirigida contra as células beta tipo 2, em geral, se instale em uma idade mais
produtoras de insulina, resultando em deficiência avançada, ele hoje está sendo diagnosticado com
completa ou quase total de insulina. maior frequência em crianças e adultos jovens, em
particular em adolescentes obesos.
O DM tipo 2 é um grupo heterogêneo de distúrbios,
Classificação etiológica do diabetes melito
caracterizados por graus variáveis de resistência à
insulina, comprometimento da secreção de I. Diabetes tipo 1 (destruição imunomediada das
insulina e aumento na produção hepática de gli-
células beta, levando geralmente à deficiência absoluta
de insulina)
II. Diabetes tipo 2 (pode variar predominantemente
desde uma resistência à insulina com deficiência
relativa de insulina até um defeito predominantemente
secretor da insulina com resistência à insulina)]
III. Tipos específicos de diabetes
A. Defeitos genéticos no desenvolvimento ou na função
das células beta, caracterizados por mutações em:
1. Fator de transcrição nuclear dos hepatócitos (HNF) 4-
alfa (MODY 1)
2. Glicocinase (MODY 2)
3. HNF-1alfa (MODY 3)
4. Fator promotor da insulina 1, HNF-1beta, NeuroD1 e
outros, resultando em outras formas de MODY
5. Insulina, subunidades do canal de potássio sensível
Espectro da homeostase da glicose e do diabetes melito (DM). O
ao ATP, levando ao diabetes neonatal permanente espectro da tolerância normal à glicose para o diabetes no DM tipo 1,
6. DNA mitocondrial no DM tipo 2, em outros tipos específicos de diabetes e no DM
7. Outros reguladores/proteínas das ilhotas gestacional é mostrado da esquerda para a direita. Na maioria dos
tipos de DM, o indivíduo passa de uma tolerância à glicose normal para
pancreáticas, como KLF11, PAX4, BLK, GATA4, GATA6, a tolerância à glicose diminuída para diabetes manifesto (essas
SLC2A2 (GLUT2), RFX6, GLIS3 passagens não devem ser consideradas como categorias abruptas,
B. Diabetes neonatal transitório mas como um espectro). As setas indicam que as alterações na
C. Doenças do pâncreas exócrino - pancreatite, tolerância à glicose podem ser bidirecionais em alguns tipos de
diabetes. Por exemplo, os indivíduos com DM tipo 2 podem retornar à
pancreatectomia, neoplasia, fibrose cística, categoria de tolerância à glicose diminuída, com perda de peso; no DM
hemocromatose, pancreatopatia fibrocalculosa, gestacional, o diabetes pode reverter para a tolerância à glicose
mutações da carboxil-éster-lipase diminuída ou, até mesmo, para uma tolerância à glicose normal após o
parto. A glicose plasmática em jejum (GPJ), a glicose plasmática (GP)
D. Defeitos genéticos na ação da insulina, incluindo
de 2 horas após a administração de uma sobrecarga de glicose e a
insulinorresistência tipo A, leprechaunismo, síndrome hemoglobina A1c (HbA1c) para as diferentes categorias de tolerância à
de Rabson-Mendenhall, síndromes de lipodistrofia glicose são mostradas na parte inferior da figura. Esses valores não se
E. Endocrinopatias - acromegalia, síndrome de aplicam ao DM gestacional. *Alguns empregam o termo risco
aumentado de diabetes ou hiperglicemia intermediária (Organização
Cushing, glucagonoma, feocromocitoma,
Mundial da Saúde) em lugar de pré-diabetes. (Adaptada da American
hipertireoidismo, somatostatinoma, aldosteronoma Diabetes Association, 2017).
F. Induzido por fármacos ou substâncias -
glicocorticoides, vacor (um rodenticida), pentamidina, Outros tipos de DM
ácido nicotínico, diazóxido, agonistas beta-
Outras etiologias de DM incluem defeitos
adrenérgicos, tiazídicos, calcineurina e inibidores do
mTOR, hidantoínas, asparaginase, alfainterferona, genéticos específicos na secreção ou na ação da
inibidores da protease, antipsicóticos (atípicos e outros), insulina, anormalidades metabólicas que
epinefrina prejudicam a secreção de insulina, anormalidades
G. Infecções - rubéola congênita, citomegalovírus, mitocondriais e inúmeras condições que
coxsackievírus prejudicam a tolerância à glicose.
H. Formas incomuns de diabetes imunomediado -
síndrome da pessoa rígida, anticorpos antirreceptor de O diabetes de início na maturidade do jovem
insulina
(MODY, de maturity-onset diabetes of the young) e
I. Outras síndromes genéticas algumas vezes
o diabetes monogênico constituem subtipos de
associadas ao diabetes - síndrome de Wolfram,
síndrome de Down, síndrome de Klinefelter, síndrome DM que se caracterizam por herança autossômica
de Turner, ataxia de Friedreich, coreia de Huntington, dominante, início precoce de hiperglicemia (em
síndrome de Laurence-Moon-Biedl, distrofia miotônica, geral, com < 25 anos de idade; algumas vezes no
porfiria, síndrome de Prader-Willi período neonatal) e comprometimento da secreção
IV. Diabetes melito gestacional (DMG) de insulina. As mutações no receptor de insulina
causam um grupo de distúrbios raros,
caracterizados por grave resistência à insulina.
Siglas: MODY, diabetes de início na maturidade do jovem; ATP,
trifosfato de adenosina; mTOR, alvo da rapamicina em mamíferos.
Fonte: Adaptado da American Diabetes Association. O DM também pode se desenvolver em
consequência de fibrose cística ou pancreatite
crônica, em que as ilhotas são danificadas, devido a
um processo patológico primário que se origina no
tecido do pâncreas exócrino. em 1985 para 415 milhões em 2017. Com base nas
tendências atuais, a IDF estima que, no ano de
Os hormônios que antagonizam a ação da 2040, 642 milhões de indivíduos terão diabetes.
insulina podem levar ao DM. Assim, com bastante Apesar de a prevalência do DM tanto tipo 1
frequência, o DM é uma característica de quanto tipo 2 estar aumentando em todo o
endocrinopatias como a acromegalia e a doença mundo, a prevalência do DM tipo 2 está subindo
de Cushing. muito mais rapidamente devido,
presumivelmente, à obesidade crescente, aos
As infecções virais foram implicadas na destruição níveis de atividade reduzidos à medida que os
das ilhotas pancreáticas, mas constituem uma países se tornam mais industrializados e ao
causa extremamente rara de DM. envelhecimento da população.
A incidência do diabetes tipo 1 está aumentando
Uma forma de início agudo do diabetes tipo 1, em uma taxa de 3 a 5% por ano no mundo
denominada diabetes fulminante, foi observada no inteiro. A causa desse aumento não está bem
Japão e pode estar relacionada com uma infecção definida, porém o DM tipo 1 está sendo cada vez
viral das ilhotas. mais diagnosticado em idades mais jovens.
Os países com maior número de indivíduos
DM Gestacional portadores de diabetes em 2015 foram a China
A intolerância à glicose que se desenvolve durante (109,6 milhões), a Índia (73 milhões), os Estados
o segundo ou terceiro trimestre da gravidez é Unidos (30,3 milhões), o Brasil (14 milhões) e a
classificada como diabetes melito gestacional Federação da Rússia (9 milhões).
(DMG). A prevalência do DM aumenta com a idade
(0,25% em indivíduos com < 20 anos; 4,1%
A resistência à insulina está relacionada com as naqueles com 20 a 44 anos; 16,2% naqueles com
alterações metabólicas da gestação, durante a qual 45 a 64 anos e 25,9% naqueles com > 65 anos).
o aumento das demandas de insulina pode levar à A prevalência do diabetes é semelhante entre
TGD ou ao diabetes. homens e mulheres, porém as taxas de
mortalidade relacionadas com o diabetes são
A American Diabetes Association (ADA) maiores nos homens, em comparação com as
recomenda que o diabetes diagnosticado no mulheres.
primeiro trimestre seja classificado como diabetes O diabetes é uma importante causa de
pré-gestacional preexistente, em lugar de DMG. mortalidade. Vários estudos indicam que,
provavelmente, há uma subnotificação das
Em 2015, a International Diabetes Federation (IDF) mortes relacionadas com o diabetes. Dados da
estimou que 1 em cada 7 gestações no mundo IDF sugerem que o diabetes foi responsável por
inteiro era afetada por DMG ou DM preexistente. Na quase 5 milhões de mortes no mundo inteiro,
maioria das mulheres com DMG, ocorre respondendo por 14,5% da mortalidade global
normalização da tolerância à glicose no pós-parto, por todas as causas em adultos de 20 a 79 anos
porém essas pacientes correm risco substancial (35- de idade.
60%) de desenvolver DM nos próximos 10 a 20 anos. O diabetes também tem implicações
Além disso, as crianças nascidas de uma mãe com econômicas importantes. Em 2015, foi estimado
DMG também correm risco aumentado de que o diabetes foi responsável por 673 bilhões de
desenvolver síndrome metabólica e DM tipo 2 dólares ou 12% dos gastos com os cuidados de
posteriormente durante a vida. Atualmente, a ADA saúde (faixa de 5 a 20%). Até 75% dos indivíduos
recomenda que as mulheres com história de DMG diabéticos vivem em países de renda média ou
sejam submetidas a rastreamento durante toda a baixa.
vida para o desenvolvimento de diabetes ou pré-
diabetes, pelo menos a cada 3 anos.
DIAGNÓSTICO
A tolerância à glicose é classificada em três
EPIDEMIOLOGIA grandes categorias: homeostase normal da
glicose, comprometimento da homeostase da
A prevalência mundial do DM aumentou
glicose ou DM. A tolerância à glicose pode ser
drasticamente no decorrer das últimas décadas,
determinada com o uso da glicose plasmática em
de um número estimado de 30 milhões de casos
jejum (GPJ), a resposta a uma sobrecarga de A homeostase anormal da glicose é definida por (1)
glicose oral ou a hemoglobina A1c (HbA1c). GPJ = 5,6 a 6,9 mmol/L (100-125 mg/dL), que é
definida como glicemia em jejum alterada (IFG); (2)
Uma GPJ < 5,6 mmol/L (100 mg/dL), uma glicose níveis plasmáticos de glicose entre 7,8 e 11
plasmática < 7,9 mmol/L (140 mg/dL) após uma mmol/L (140 e 199 mg/dL) após uma carga de
sobrecarga de glicose oral e uma HbA1c < 5,7% são glicose oral, que é denominada tolerância à
consideradas para definir a tolerância à glicose glicose diminuída (TGD), ou (3) HbA1c de 5,7 a
normal. 6,4%.

O International Expert Committee publicou Uma HbA1c de 5,7 a 6,4%, IFG e TGD não identificam
critérios diagnósticos para o DM com base nas os mesmos indivíduos, porém os indivíduos
seguintes premissas: (1) a GPJ, a resposta a uma incluídos em todos os três grupos correm maior
sobrecarga de glicose oral (teste oral de tolerância à risco de progredir para o DM tipo 2, correm maior
glicose [TOTG]) e a HbA1c diferente entre os risco cardiovascular e devem ser aconselhados
indivíduos, e (2) o DM é definido como o nível de sobre maneiras de diminuir esses riscos. Alguns
glicemia no qual ocorrem complicações específicas utilizam o termo pré-diabetes, risco aumentado de
do diabetes, e não como desvios em relação a uma diabetes ou hiperglicemia intermediária
média de base populacional. Por exemplo, a (Organização Mundial da Saúde) para essa
prevalência de retinopatia em nativos americanos categoria. Esses valores são variáveis contínuas, e
(população de índios Pima) começa a aumentar não categorias isoladas. Os critérios atuais para o
com uma GPJ > 6,4 mmol/L (116 mg/dL). diagnóstico de DM ressaltam que a HbA1c ou a GPJ
constituem os testes mais confiáveis e
Critérios para o diagnóstico de diabetes melito convenientes para a identificação de DM em
Sintomas de diabetes mais concentração indivíduos assintomáticos (todavia, alguns
aleatória de glicose sanguínea maior ou igual à indivíduos podem preencher os critérios para um
a teste, mas não para outro). O TOTG, apesar de ainda
11,1 mmol/L (200 mg/dL) ou
Glicose plasmática em jejum maior ou igual à ser um meio válido para o diagnóstico de DM, não é
b
7,0 mmol/L (126 mg/dL) ou frequentemente usado na assistência clínica de
c rotina.
Hemoglobina A1c maior ou igual à 6,5% ou
Glicose plasmática de 2h maior ou igual à 11,1
mmol/L (200 mg/dL) durante um teste oral de O diagnóstico de DM comporta profundas
tolerância à glicose
d implicações para o indivíduo tanto do ponto de
vista médico quanto do financeiro. Por
a
Aleatório é definido como sem considerar o período desde a última
conseguinte, as anormalidades nos testes de
refeição. b O jejum é definido como a ausência de aporte calórico
durante pelo menos 8h.
c
O teste da hemoglobina A1c deve ser triagem para diabetes devem ser repetidas antes
realizado em um laboratório que utilize um método aprovado pelo de se estabelecer um diagnóstico definitivo de DM,
National Glycohemoglobin Standardization Program e correlacionado
com o ensaio de referência do Diabetes Control and Complications a não ser quando estão presentes distúrbios
Trial. A hemoglobina A1c realizada no local de assistência do paciente
d
metabólicos agudos ou uma acentuada elevação
não deve ser usada para fins diagnósticos. O teste deve ser realizado
da glicose plasmática. Esses critérios também
utilizando uma sobrecarga de glicose que contenha o equivalente de
75g de glicose anidra dissolvida em água; não é recomendado para uso permitem que o diagnóstico de DM seja revogado
clínico de rotina. em situações em que a intolerância à glicose se
Nota: Na ausência de hiperglicemia inequívoca e de descompensação
metabólica aguda, esses critérios devem ser confirmados pela normaliza.

TRIAGEM
repetição do teste em outra oportunidade.
Fonte: Adaptada da American Diabetes Association.
Uma GPJ maior ou igual à 7,0 mmol/L (126 mg/dL), O uso disseminado da GPJ ou da HbA1c como teste
uma glicose 11,1 mmol/L (200 mg/dL) 2 horas após a de triagem para o DM tipo 2 é recomendado
carga de glicose oral ou uma HbA1c maior ou igual porque (1) um grande número de indivíduos que
à 6,5% justificam o diagnóstico de DM. Uma preenchem os critérios atuais para DM é
concentração plasmática de glicose aleatória maior assintomático e não tem conhecimento de que
ou igual à 11,1 mmol/L (200 mg/dL), acompanhada sofre desse distúrbio, (2) os estudos
de sintomas clássicos de DM (poliúria, polidipsia, epidemiológicos sugerem que o DM tipo 2 pode
perda de peso), também é suficiente para o estar presente por até uma década antes do
diagnóstico de DM. estabelecimento do diagnóstico, (3) alguns indiví-
duos com DM tipo 2 apresentam uma ou mais assim como uma deficiência de insulina.
complicações específicas do diabetes por ocasião
do diagnóstico, (4) o tratamento do DM tipo 2 pode O DM tipo 1, que pode surgir em qualquer idade,
alterar favoravelmente a história natural do DM, de desenvolve-se mais comumente antes dos 20 anos
modo que o diagnóstico de pré-diabetes deve de idade. No mundo inteiro, a incidência de DM
estimular esforços para a prevenção do diabetes. tipo 1 está aumentando em uma taxa de 3 a 4% por
ano por razões incertas.
A ADA recomenda a triagem de todos os
indivíduos com > 45 anos de idade a cada três O DM tipo 1 resulta da destruição autoimune das
anos e a triagem de indivíduos em uma idade células β, e a maioria, porém nem todos os
mais jovem quando apresentam sobrepeso (IMC indivíduos, tem evidência de autoimunidade
> 25 mg/m² ou definição etnicamente relevante dirigida contra as ilhotas pancreáticas.
de sobrepeso) e apresentam um fator de risco
adicional para diabetes. Alguns indivíduos que possuem o fenótipo clínico
do DM tipo 1 carecem de marcadores imunológicos
Ao contrário do DM tipo 2, um longo período indicativos de um processo autoimune envolvendo
assintomático de hiperglicemia é raro antes de ser as células β e os marcadores genéticos do diabetes
feito o diagnóstico de DM tipo 1. Diversos tipo 1. Acredita-se que esses indivíduos
marcadores imunológicos para o DM tipo 1 estão se desenvolvam uma deficiência de insulina por
tornando disponíveis, porém seu uso rotineiro fora mecanismos não imunes desconhecidos e possam
de um ensaio clínico não é incentivado, enquanto ser propensos à cetose; muitos são de ascendência
se aguarda a identificação de intervenções afro-americana ou asiática.
clinicamente benéficas para os indivíduos com alto
risco de desenvolver DM tipo 1. O desenvolvimento temporal do DM tipo 1 é
mostrado esquematicamente como uma função da
Fatores de risco para o diabetes melito tipo 2
massa de células β na figura abaixo.
História familiar de diabetes (i.e., progenitor ou
irmão com diabetes tipo 2)
Obesidade (IMC maior ou igual à 25 kg/m² ou
definição etnicamente relevante de sobrepeso)
Inatividade física
Raça/etnicidade (p. ex., afro-americano, latino,
nativo americano, asiático-americano, nativo
das Ilhas do Pacífico)
Previamente identificado com IFG, TGD ou
hemoglobina A1c de 5,7-6,4%
História de DMG ou de parto de um lactente
com peso > 4 kg
Hipertensão (pressão arterial maior ou igual à
140/90 mmHg)
Nível de HDL-colesterol < 35 mg/dL (0,90
mmol/L) e/ou nível de triglicerídeos > 250
Modelo temporal para o desenvolvimento do diabetes tipo 1. Os
mg/dL (2,82 mmol/L) indivíduos com predisposição genética são expostos a um
Síndrome dos ovários policísticos ou acantose desencadeante imunológico, que inicia um processo autoimune,
resultando em um declínio gradual na massa de células β. A inclinação
nigricans
descendente da massa de células β varia entre indivíduos e pode não
História de doença cardiovascular ser contínua. Esse comprometimento progressivo na liberação de
insulina resulta em diabetes quando cerca de 80% da massa de células
Fonte: Adaptada da American Diabetes Association.
β são destruídos. Pode-se observar uma fase de “lua de mel” nos

PATOGÊNESE
primeiros 1 ou 2 anos após o início de diabetes, que está associada a
uma redução das necessidades de insulina.
Acredita-se que os indivíduos com suscetibilidade
Diabetes melito tipo 1 genética apresentem uma massa normal de células
O DM tipo 1 resulta de interações de fatores β no nascimento, porém começam a perder essas
genéticos, ambientais e imunológicos que acabam células em consequência da destruição autoimune
acarretando a destruição das células β pancreáticas, que ocorre ao longo de meses a anos. Admite-se
que esse processo autoimune seja desencadeado compatibilidade principal (MHC, de major
por um estímulo infeccioso ou ambiental e histocompatibility complex) de classe II, que
sustentado por uma molécula específica da célula apresentam os antígenos às células T auxiliares
β. Na maioria dos pacientes, marcadores (helper) e, dessa forma, participam do
imunológicos aparecem após o evento desencadeamento da resposta imune.
desencadeante, porém antes de o diabetes se
tornar clinicamente manifesto. A seguir, a massa de A maioria dos indivíduos com DM tipo 1 possui o
células β começa a diminuir, e a secreção de haplótipo HLA DR3 e/ou DR4. Os aperfeiçoamentos
insulina declina progressivamente, apesar de ser na genotipagem dos loci HLA mostraram que os
mantida uma tolerância à glicose normal. O ritmo haplótipos DQA1*0301, DQB1*0302 e DQB1*0201
de declínio da massa de células β varia estão mais fortemente associados ao DM tipo 1.
amplamente entre os indivíduos, com alguns Esses haplótipos estão presentes em 40% das
pacientes progredindo rapidamente para diabetes crianças com DM tipo 1, em comparação com 2% da
clínico e outros evoluindo mais lentamente. As população norte-americana normal. No entanto, a
características do diabetes só se tornam maioria dos indivíduos com haplótipos
evidentes depois que a maioria das células β já predisponentes não desenvolve diabetes.
foi destruída (70-80%). Nesse ponto, existem
células β funcionantes residuais, mas seu número é Além das associações do MHC de classe II, estudos
insuficiente para manter a tolerância à glicose. de associação de genoma identificaram pelo
menos 20 loci genéticos diferentes que contribuem
Os eventos que induzem a transição da intolerância para a suscetibilidade ao DM tipo 1 (polimorfismos
à glicose para o diabetes franco estão associados, na região promotora do gene da insulina, gene
com frequência, a maiores demandas de insulina, CTLA-4, receptor da interleucina 2, CTLA4 e PTPN22,
como poderia ocorrer durante infecções ou na etc). Existem também genes que conferem
puberdade. proteção contra o surgimento da doença. O
haplótipo DQA1*0102, DQB1*0602 é extremamente
Após a manifestação clínica inicial do DM tipo 1, raro em indivíduos com DM tipo 1 (< 1%) e parece
pode seguir-se uma fase de “lua de mel”, durante a proporcionar uma proteção contra o DM tipo 1.
qual o controle glicêmico é conseguido com doses
moderadas de insulina ou, raramente, a insulina é O risco de desenvolver DM tipo 1 é 10 vezes maior
necessária. Entretanto, essa fase transitória de nos parentes de indivíduos com a doença, porém
produção endógena de insulina pelas células β esse risco é relativamente baixo: de 3 a 4% se o
residuais desaparece, e o indivíduo torna-se progenitor sofre de diabetes tipo 1 e de 5 a 15% em
deficiente em insulina. Muitos indivíduos com DM um irmão (dependendo de quais haplótipos HLA
tipo 1 de longa duração produzem uma pequena são compartilhados). Consequentemente, a maioria
quantidade de insulina (refletida pela produção de dos indivíduos com DM tipo 1 não tem um parente
peptídeo C), enquanto outros com mais de 50 anos de primeiro grau com esse distúrbio.
de DM tipo 1 apresentam células positivas para
insulina no pâncreas à necropsia.
FISIOPATOLOGIA
CONSIDERAÇÕES GENÉTICAS
Apesar de outros tipos de células das ilhotas
A suscetibilidade ao DM tipo 1 envolve múltiplos (células α [produtoras de glucagon], células δ
genes. A concordância do DM tipo 1 em gêmeos [produtoras de somatostatina] ou células PP
idênticos varia entre 40 e 60%, indicando que [produtoras do polipeptídeo pancreático]) serem
fatores modificadores adicionais provavelmente funcional e embriologicamente semelhantes às
participam para determinar se o diabetes irá se células β e expressarem a maioria das mesmas
instalar. proteínas das células β, elas são poupadas da
destruição autoimune.
O principal gene de suscetibilidade ao DM tipo 1
fica localizado na região HLA no cromossomo 6. Do ponto de vista patológico, as ilhotas
Os polimorfismos no complexo HLA são pancreáticas apresentam infiltração modesta de
responsáveis por 40 a 50% do risco genético para o linfócitos (um processo denominado insulite). Após
surgimento de DM tipo 1. Essa região contém genes a destruição das células β, acredita-se que o
que codificam as moléculas do complexo de histo- processo inflamatório diminua, e as ilhotas se tor-
nam atróficas. imune destrói as células β e cria uma série de
autoantígenos secundários.
Estudos do processo autoimune em seres humanos
e em modelos animais de DM tipo 1 (camundongo As células β dos indivíduos que desenvolvem DM
NOD e rato BB) identificaram as seguintes tipo 1 não diferem das células β dos indivíduos
anormalidades nos ramos humoral e celular do normais, pois as ilhotas transplantadas de um
sistema imune: (1) autoanticorpos contra células gêmeo geneticamente idêntico são destruídas por
das ilhotas; (2) linfócitos ativados nas ilhotas, nos uma recidiva do processo autoimune do DM tipo 1.
linfonodos peripancreáticos e na circulação MARCADORES IMUNOLÓGICOS
sistêmica; (3) linfócitos T que proliferam quando
estimulados por proteínas das ilhotas e (4) liberação Os autoanticorpos contra as células das ilhotas
de citocinas dentro da insulite. (ICAs, de islet cell autoantibodies) são uma
combinação de diferentes anticorpos dirigidos
As células β parecem ser particularmente contra moléculas das ilhotas pancreáticas, como
suscetíveis ao efeito tóxico de algumas citocinas GAD, insulina, IA-2/ICA-512 e ZnT-8, e funcionam
(fator de necrose tumoral α [TNF-α, de tumor como marcadores do processo autoimune do DM
necrosis factor a], interferon γ e interleucina 1 [IL- tipo 1.
1]).
Os ICAs estão presentes na maioria dos indivíduos
Os mecanismos precisos da morte das células β são (> 85%) diagnosticados com DM tipo 1 de início
desconhecidos, mas podem envolver a formação de recente, em uma minoria significativa de indivíduos
metabólitos do óxido nítrico, apoptose e com DM tipo 2 diagnosticados recentemente (5-
citotoxicidade direta da célula T CD8+. 10%) e ocasionalmente nos indivíduos com DMG (<
5%). Os ICAs estão presentes em 3 a 4% dos
A destruição das ilhotas é mediada por linfócitos T, parentes de primeiro grau dos indivíduos com DM
e não pelos autoanticorpos dirigidos contra células tipo 1.
das ilhotas, pois esses anticorpos em geral não
reagem com a superfície celular das células das Em combinação com a secreção prejudicada de
ilhotas e não são capazes de transferir o DM para os insulina após o teste de tolerância à glicose IV, eles
animais. permitem prever um risco superior a 50% de
desenvolver DM tipo 1 em cinco anos.
Os esforços para suprimir o processo autoimune
por ocasião do diagnóstico de diabetes têm sido, Atualmente, a mensuração dos ICAs em indivíduos
em grande parte, ineficazes ou apenas que não são diabéticos constitui um instrumento
temporariamente efetivos para diminuir a de pesquisa, pois nenhum tratamento foi aprovado
velocidade de destruição das células β. para prevenir a ocorrência ou a progressão para DM
tipo 1.
As moléculas das ilhotas pancreáticas que FATORES AMBIENTAIS
funcionam como alvo para o processo autoimune
Foram propostos inúmeros eventos ambientais
incluem insulina, descarboxilase do ácido
como desencadeantes do processo autoimune em
glutâmico (GAD, de glutamic acid decarboxylase, a
indivíduos geneticamente suscetíveis; contudo,
enzima biossintética para o neurotransmissor
nenhum deles foi associado de maneira conclusiva
GABA), ICA-512/IA-2 (homologia com tirosina-
ao diabetes. A identificação de um desencadeante
fosfatases) e um transportador de zinco específico
ambiental tem sido difícil, pois o evento pode
da célula β (ZnT-8).
preceder o início do DM em vários anos.

A maioria dos autoantígenos não é específica da


Os desencadeantes ambientais hipotéticos incluem
célula β, o que levanta a questão de como essas
vírus (Coxsackie, rubéola, enterovírus mais
células são seletivamente destruídas. As teorias
proeminentemente), proteínas do leite bovino e
atuais apontam para o início de um processo
compostos de nitrosureia.
autoimune dirigido para uma única molécula da
célula β, que a seguir se propaga para outras
Há um interesse crescente no microbioma e no
moléculas das ilhotas à medida que o processo
diabetes tipo 1.
PREVENÇÃO DO DM1 tais (como obesidade, nutrição e atividade física)
modulam o fenótipo. O ambiente in utero também
Várias intervenções evitaram a ocorrência de contribui, e o peso ao nascer aumentado ou
diabetes em modelos animais. Entretanto, reduzido eleva o risco de DM tipo 2 na vida adulta.
nenhuma dessas intervenções teve sucesso na
prevenção do DM tipo 1 nos seres humanos. A identificação dos genes que predispõem ao DM
tipo 2 não está completa, mas recentes estudos de
Por exemplo, o Diabetes Prevention Trial - Type 1 associação ampla de genoma identificaram um
concluiu que a administração de insulina (por via grande número de genes que transmitem um risco
intravenosa [IV] ou oral [VO]) a indivíduos que relativamente pequeno de DM tipo 2 (> 70 genes,
correm risco de desenvolver DM tipo 1 não impediu cada um com risco relativo de 1,06-1,5).
sua ocorrência. Trata-se de uma área de
investigação clínica ativa. Ainda mais proeminente é uma variante do gene 2
Diabetes melito tipo 2 semelhante ao fator de transcrição 7, que foi
associado ao DM tipo 2 em várias populações e à
A resistência à insulina e a secreção anormal de TGD em uma população com alto risco de diabetes.
insulina são essenciais para o surgimento do DM
tipo 2. Apesar de o defeito primário ser controverso, Polimorfismos genéticos associados ao diabetes
a maioria dos estudos apoia a opinião de que a tipo 2 também foram encontrados nos genes que
resistência à insulina precede um defeito na codificam o receptor γ ativado pelos proliferadores
secreção de insulina, mas que o diabetes se do peroxissomo, o canal de potássio retificador
instala somente quando a secreção de insulina se interno, o transportador de zinco, o IRS e a calpaína
torna inadequada. 10. Os mecanismos pelos quais esses loci genéticos
aumentam a suscetibilidade ao diabetes tipo 2 não
O DM tipo 2 tende a abranger uma variedade de estão esclarecidos, porém acredita-se que a maioria
distúrbios com o fenótipo comum de hiperglicemia. altere a função ou o desenvolvimento das ilhotas ou
A maior parte de nossa compreensão atual da a secreção de insulina. Embora a suscetibilidade
fisiopatologia e da genética baseia-se em estudos genética ao DM tipo 2 esteja em fase de
de indivíduos de origem europeia. Fica cada vez investigação ativa (estima-se que < 10% do risco
mais evidente que o DM em outros grupos étnicos genético sejam determinados por loci identificados
(asiáticos, africanos e latino-americanos) possui até o momento), atualmente não é possível utilizar
uma fisiopatologia diferente, mas que ainda não foi uma combinação de loci genéticos conhecidos
definida. para prever o desenvolvimento de DM tipo 2.

Em geral, os latinos apresentam maior resistência FISIOPATOLOGIA


à insulina, enquanto os indivíduos no Leste e no Sul O DM tipo 2 caracteriza-se por menor secreção de
da Ásia têm mais disfunção das células β, embora insulina, resistência à insulina, produção hepática
ambos os defeitos sejam observados em ambas as excessiva de glicose e metabolismo anormal das
populações. gorduras.

CONSIDERAÇÕES GENÉTICAS
A obesidade, particularmente visceral ou central
O DM tipo 2 tem um poderoso componente (conforme evidenciada pela relação quadril-
genético. A concordância do DM tipo 2 em gêmeos cintura), é muito comum no DM tipo 2 (80% ou
idênticos fica entre 70 e 90%. Os indivíduos com um mais dos pacientes são obesos). Nos estágios
progenitor com DM tipo 2 correm maior risco de iniciais do distúrbio, a tolerância à glicose continua
diabetes; se ambos os pais sofrem de DM tipo 2, o sendo quase normal, não obstante a resistência à
risco aproxima-se de 40%. insulina, pois as células β pancreáticas realizam
uma compensação aumentando a produção de
A resistência à insulina, conforme demonstrado por insulina. Com a progressão da resistência à insulina
uma utilização reduzida da glicose no músculo e da hiperinsulinemia compensatória, as ilhotas
esquelético, está presente em muitos parentes de pancreáticas de certos indivíduos tornam-se
primeiro grau não diabéticos de indivíduos com DM incapazes de preservar o estado hiperinsulinêmico.
tipo 2. A doença é poligênica e multifatorial, pois Instala-se a seguir uma TGD, caracterizada por
além da suscetibilidade genética, fatores ambien- elevações da glicose pós-prandial. Um declínio adi-
cional na secreção de insulina e um aumento na
produção hepática de glicose resultam em diabetes
manifesto com hiperglicemia de jejum. Por fim,
instala-se falência das células β.

Embora tanto a resistência à insulina quanto a


secreção diminuída de insulina contribuam para
a patogênese do DM tipo 2, a contribuição
relativa de cada uma varia de um indivíduo para
outro.

Alterações metabólicas durante o desenvolvimento do diabetes


melito (DM) tipo 2. A secreção de insulina e a sensibilidade à insulina
estão relacionadas, e, à medida que um indivíduo torna-se mais
resistente à insulina (ao deslocar-se do ponto A para o ponto B), a
secreção de insulina aumenta. A incapacidade de realizar uma
compensação pelo aumento da secreção de insulina resulta
inicialmente em tolerância à glicose diminuída (TGD; ponto C) e,
finalmente, em DM tipo 2 (ponto D). TGN, tolerância à glicose normal.

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