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RESUMO:
A separação entre o que é ensinar e aprender e o que é jogar e brincar está patente no
desenvolvimento de currículos e planificações de aulas. Os principais prejudicados são as
crianças que, sobrecarregadas em atividades escolares e extracurriculares, perderam o tempo
para disfrutar dos jogos e brincadeiras. Brincar e jogar são fundamentais no desenvolvimento
infantil, enquanto espaço de aprendizagem e interação consigo própria, com os outros e o
mundo. É fundamental pensar o currículo escolar de modo a incluir tempos apropriados e
espaços específicos para a brincadeira e o jogo, garantindo o direito da criança a ser criança.
Também é importante tirar vantagem do jogo e da brincadeira enquanto ferramentas de ensino,
elaborando atividades lúdico-pedagógicas que incorporem as suas características como: a
liberdade de construção do próprio percurso, a aceitação do erro e do fracasso como hipótese
de aprendizagem, a valorização do trabalho em equipa e o constante feedback e retorno
construtivo.
PALAVRAS CHAVE: Ludicidade | Currículo | Gamificação
ABSTRACT:
The separation between what is teaching and learning and what are games and playfulness is
evident in the development of school curricula and lesson plans. The main victims are the
children who, overloaded with school and extracurricular activities, have lost the time to enjoy
games and be at leisure. Playing is fundamental in child development, as a space for learning
and interacting with oneself, with others and the world. It is essential to think about the school
curriculum in order to include appropriate times and specific spaces for play and games,
guaranteeing the child’s right to be a child. It is also important to take advantage of games and
play as teaching tools, creating ludic-pedagogical activities that incorporate their characteristics,
such as: the freedom to build one's path, accepting mistakes and failure as a learning
opportunity, valuing teamwork and constant feedback and constructive feedback.
KEYWORDS: Ludicity | Curriculum | Gamification
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Todos sabem que brincar e jogar fazem parte integral de ser criança. Porém na
sociedade contemporânea, o brincar não é visto no mesmo patamar de importância como o
estudar ou qualquer outra atividade ao serviço da escola ou tempo escolarizado. Atividades
ao serviço da escola são aquelas “nas quais as crianças se envolvem e que se justificam pela
sua possível repercussão no seu percurso escolar” e tempo escolarizado “refere-se à
pluralidade de ações ou dinâmicas nas quais as crianças e os jovens se envolvem e
adquirem características específicas de um certo modelo de escola” (Duarte, 2023). O
tempo das crianças gira em torno de uma escola, cujo sistema de ensino está reduzido às
suas finalidades pragmáticas de preparação como o mercado económico e é refém dos
rankings competitivos entre países, organizações, diretores, professores e alunos.
Estruturando o currículo de forma a atender aos conteúdos valorizados pela sociedade da
aprendizagem formal, como a escrita, a leitura ou o cálculo, focando-se sobretudo em
aspetos cognitivos, ficam excluídos aspetos emocionais e sociais, estruturais no
desenvolvimento integral da pessoa (Kobori & Silva, 2021). Esta perspetiva económico e
funcional do ensino estrutura as escolas de forma semelhante a organizações laborais,
reduzindo a interação entre alunos e professores a uma transação de conhecimento e que
um ensina e detém o poder e o outro aprende passivamente. Este modelo de educação
bancária (Freire, 1994) sufoca os alunos, o seu pensamento e a sua criatividade, perdendo-
se a espontaneidade e a motivação, excluindo-se o jogo e a diversão.
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descontrolada e a segunda a um necessário suplício tendo em vista um futuro brilhante
(Collares, 2022).
2. BRINCAR E APRENDER
“As crianças não brincam para aprender, mas aprendem porque brincam” (Araújo,
2009). A brincadeira é estrutural na vida da criança. Desde os primeiros meses de vida, as
brincadeiras são formas de alargar o conhecimento da criança de si próprio, do outro e do
mundo que a rodeia, constituindo-se desde cedo como uma atividade intrinsecamente
relacionada com a aprendizagem e o desenvolvimento da criança. Jogar e brincar
constituem-se partes integrantes na construção e transmissão de uma cultura. É brincando
que as crianças aprendem a expressar-se a integrar a sociedade que vivem, estabelecendo
laços e vínculos consigo mesmas, com os outros e com o mundo (Fortuna, 2000). Os jogos
e as brincadeiras são necessários em qualquer idade e não devem ser entendidos
exclusivamente como diversão ou ocupação de tempos livres.
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conceito de jogo as ideias de desafio, mistério e surpresa em conjunto com o prazer da
descoberta do desconhecido e do novo.
Acima de tudo, jogar e brincar constituem-se como momentos para aprender e crescer,
testando limites, interagindo com a realidade e os outros de forma segura e controlada
através da implementação de regras, adquirindo e confirmando conhecimentos e
capacidades, estimulando pensamento criativo e crítico e ampliando o mundo interior.
3. BRINCAR E ENSINAR
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Do ponto de vista do aluno, uma atividade lúdico-pedagógica não deve ser vista como
tendo um objetivo sério, sobretudo com para os mais novos. Os elementos lúdicos do jogo
devem surgir naturalmente na atividade e sobretudo como motivações extrínsecas que
acompanhem o processo de aprendizagem. (Foerstnow & Miquett, 2018).
O erro e o fracasso são parte integral dos jogos e brincadeiras. A qualquer momento,
todo o processo recomeça e surge uma nova oportunidade de atingir a meta esperada. Nas
formas tradicionais de aprendizagem, o fracasso e o erro são motivos de várias emoções
negativas. Nem sempre há o feedback necessário para compreender os motivos do erro,
nem das estratégias para o corrigir. Uma atividade lúdico-pedagógica deve prever e criar
espaço para o fracasso, sem qualquer tipo de pressão emocional ou psicológica,
antecipando estratégias que facilitem a identificação e correção dos erros (Mattar, 2012).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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e dos espaços escolares não é e não pode ser vista como uma perda de tempo ou algo
extrínseco aos processos de ensino e aprendizagem. É imperativo entender e respeitar o
jogo e a brincadeira como parte integrante do desenvolvimento e crescimento de um
indivíduo, salvaguardando tempos espaços para que ocorram natural e organicamente
entre as crianças, mas também recrutando as suas potencialidades enquanto método
pedagógica capaz de incentivar e motivar os alunos nas suas aprendizagens. É imperativo
terminar com a instrumentalização do tempo dos alunos exclusivamente para fins
formativos e criar pontes entre o recreio e a sala de aula.
Existem já áreas curriculares onde o jogo encontrou um espaço regular com método
interativo, mas outras continuam reticentes à integração de dinâmicos de jogo e de
gamificação na ação letiva. São muitas as reticências. Introduzir uma atividade lúdica vai
despoletar emoções ou sentimentos negativos nos alunos quando perderem, ou alimentar
inseguranças associadas com o erro, ou estimular uma lógica de competitividade
excessiva, ou a compreensão e domínio das regras não é imediato... Riscos iminentes se a
atividade não for implementada e estruturada tendo como foco a cooperação e colaboração
dos alunos e for somente uma ilusão cosmética aplicada a formas tradicionais de avaliar a
capacidade de memória ou se o fracasso e o erro não são entendidos como parte orgânica
e natural nos processos de ensino e aprendizagem.
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É necessário pensar o currículo em articulação com o brincar e o jogar, garantindo o
direito da criança a ser criança, com tempos e espaços apropriadas para expressar e
desenvolvimento as suas brincadeiras e jogos, tirando vantagem do desenvolvimento de
atividades lúdico-pedagógicas que possam incorporar as características do jogo e da
brincadeira nos processos de ensino e aprendizagem.
REFERÊNCIAS
Araújo, M. J. (2004). ATL: Actividades de tempo livre sem tempo nem liberdade.
[Dissertação de mestrado, Universidade do Porto]. Repositório Aberto da
Universidade do Porto. https://hdl.handle.net/10216/20769
Araújo, M. J. (2009) Crianças ocupadas: Como algumas opções erradas estão a prejudicar o
seu filho. (1ª ed.). Prime Books.
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Duarte, P. (2023) Hiper-escolarização das crianças (e jovens): Diálogos a partir do currículo
e das políticas educativas. Escola Informação Digital, 38. pp. 36-37.
https://www.spgl.pt/escola-informacao-digital-no-38-fevereiro-2023.
Kobori, E. T. & Silva R. F. (2021). A ludicidade infantil no contexto escolar: Reflexões sobre o
desenvolvimento infantil. Anthesis, 9 (18), pp. 42-52.
https://periodicos.ufac.br/index.php/anthesis/article/view/5278
Mattar, J. (2012) Games em educação: Como os nativos digitais aprendem. (2ª edição).
Pearson Education.
Schlemmer, E. (2016). Games e Gamificação: uma alternativa aos modelos de EaD. RIED-
Revista Iberoamericana De Educación a Distancia, 19 (2), pp. 107–124.
https://doi.org/10.5944/ried.19.2.15731
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Souza, A. S. (2021). O lúdico na prática pedagógica: O desenvolvimento e aprendizagem das
crianças nas escolas públicas do município de São Luís Gonzaga Maranhão – Brasil.
[Dissertação de mestrado, Escola Superior de Educação João de Deus]. Repositório
Científico de Acesso Aberto de Portugal. http://hdl.handle.net/10400.26/37141