Você está na página 1de 90

UNIDADE 2 —

AS MACROMOLÉCULAS E
SUAS FUNÇÕES
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• descrever os quatro principais tipos de macromoléculas biológicas;

• descrever as estruturas das macromoléculas biológicas;

• compreender as funções das macromoléculas biológicas;

• compreender a natureza das moléculas catalíticas;

• compreender os mecanismos envolvidos no fluxo de informação genética nos


sistemas biológicos.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TEMA DE APRENDIZAGEM 1 – ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS PROTEÍNAS

TEMA DE APRENDIZAGEM 2 – ESTRUTURA E FUNÇÃO DE CARBOIDRATOS E LIPÍDIOS

TEMA DE APRENDIZAGEM 3 – AS MACROMOLÉCULAS DA INFORMAÇÃO GENÉTICA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

59
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

60
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS PROTEÍNAS

1 INTRODUÇÃO
As grandes estruturas moleculares (ou supramoleculares) necessárias para a
vida, são constituídas a partir de moléculas orgânicas chamadas de macromoléculas
biológicas. Existem quatro classes principais de macromoléculas biológicas: as proteínas,
os carboidratos, os lipídios e os ácidos nucléicos.

Cada uma dessas macromoléculas é formada por subunidades monoméricas.


(Figura 1). Essas subunidades são unidas entre si por ligações covalentes. Por outro
lado, as macromoléculas que formam as estruturas supramoleculares estão unidas
entre si por ligações não covalentes, que são ligações mais fracas, como pontes de
hidrogênio, as interações iônicas, as interações hidrofóbicas e as interações Van der
Waals. As ligações fracas combinadas em grandes números conferem estabilidade aos
complexos supramoleculares.

As macromoléculas são componentes importantes da célula e executam uma


ampla variedade de funções. Na célula, elas compõem a maior parte da massa seca,
sendo que água compõe a maior parte da massa completa de uma célula (Figura 1)

Figura 1 – Hierarquia estrutural na organização molecular das células

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 11)

61
As organelas e outras estruturas relativamente grandes das células são feitas de
complexos supramoleculares, que, por sua vez, são feitos de moléculas menores e
de subunidades moleculares menores. Por exemplo, o núcleo desta célula de planta
contém cromatina, complexo supramolecular que consiste em DNA e proteínas
(histonas). O DNA é feito de subunidades monoméricas simples (nucleotídeos), assim
como as proteínas (aminoácidos).

Figura 2 – Componentes moleculares de uma célula de E. coli

Número aproximado de
Porcentagem do
espécies moleculares
peso total de célula
diferentes
Água 70 1
Proteínas 15 3.000
Ácidos nucleicos
DNA 1 1-4
RNA 6 > 3.000
Polissacarídeos 3 10
Lipídeos 2 20
Subunidades monoméricas e
2 500
intermediárias
Íons inorgânicos 1 20
Fonte: Nelson & Cox (2014, p.15)

As proteínas são as macromoléculas mais abundantes da célula e fundamentais


para a estrutura e função celular. Constituem-se como polímeros compostos por
aminoácidos, sendo sintetizadas a partir dos moldes de mRNA pelos ribossomos.

Acadêmico, no Tema de Aprendizagem 1, abordaremos as propriedades dos


aminoácidos, como eles se unem como blocos para formar as proteínas com estruturas
tridimensionais singulares e capazes de desempenhar funções biológicas específicas.
O proteoma é o conjunto das proteínas em funcionamento na célula, e o estudo da
proteômica é a caracterização dessas proteínas.

Algumas proteínas têm atividade catalítica e funcionam como enzimas capazes


de quebrar ligações moleculares, reorganizar ligações ou formar novas ligações. Essas
enzimas podem conter um componente não proteico chamado cofator, podendo ser
uma coenzima ou vitamina que é necessário para o funcionamento adequado da enzima.

62
2 AMINOÁCIDOS, PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS
As proteínas, tanto as de bactérias, como as achadas nos seres humanos, são
constituídas principalmente pelos mesmos grupos de 20 tipos de aminoácidos. Porém,
as diferentes combinações e arranjos de aminoácidos dão origem à vasta diversidade
de proteínas encontradas em organismos vivos.

A maioria dos aminoácidos são α-aminoácidos, contendo um grupo carboxila


(-COOH), um grupo amino (-NH3+), um carbono α, um hidrogênio (H) e uma cadeia
lateral ou grupo R que difere para cada aminoácido. O carbono α é quase sempre quiral,
exceto na glicina. Sendo assim, apresenta dois estereoisômeros possíveis L e D, sendo
enantiômeros (imagens não sobrepostas).

Por convenção, L e D referem-se à configuração similar ao gliceraldeído, sendo


L grupo-amino na esquerda, e D grupo-amino na direita (Figura 3). Os aminoácidos nas
proteínas são exclusivamente estereoisômeros L.

Figura 3 – Estereoisomerismo em α-aminoácidos

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.15)

A figura apresenta: (a) Os dois estereoisômeros da alanina, L– e D–alanina, são


imagens especulares não sobrepostas um do outro (enantiômeros).

Os grupos carboxila e amino dos aminoácidos, e as cadeias laterais ionizáveis,


podem sofrer protonação (adição de H) e desprotonação (retirada de H), dependendo
do pH.

Em soluções ácidas, os grupos ionizáveis apresentam-se protonados (-COOH,


-NH3+), em soluções de pH neutro é um íon bipolar ou zwitterríon (do alemão, íon híbrido
-COO-, -NH3+), e em soluções alcalinas, apresentam-se desprotonados (-COO-, -NH2).
(Figura 4)

63
Figura 4 – Formas não iônicas e zwitteriônicas de aminoácidos

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.83)

A figura apresenta: (esquerda) A forma não iônica não ocorre em quantidades


significativas em soluções aquosas. O zwitteríon predomina em pH neutro. Um
zwitteríon pode atuar tanto como ácido (doador de prótons) quanto como base
(aceptor de prótons). (direita) Titulação de um aminoácido. Aqui é mostrada a curva de
titulação de 0,1 M de glicina a 25ºC. As espécies iônicas que predominam em pontos-
chave na titulação são mostradas acima do gráfico. Os retângulos sombreados,
centrados em torno de pK15 2,34 e pK25 9,60, indicam as regiões de maior poder de
tamponamento. Observe que 1 equivalente de OH–5 0,1 M de NaOH foi adicionado.

A titulação ácido-base envolve a adição ou remoção gradual de prótons. O pKa


e pKb (ou -log do Ka, ou do Kb) descrevem o grau de ionização de um ácido ou base e
são usados para indicar a força de um ácido ou base. O pKa e pKb são iguais ao valor do
pH quando metade do ácido ou da base se dissocia, e são regiões de tamponamento.

Os aminoácidos possuem caráter anfótero, podendo se comportar como ácidos


e bases fracas. Os aminoácidos com apenas dois grupos ionizáveis, apresentam duas
regiões de tamponamento (Exemplo: a glicina, pKa 2,34 e pKb 9,60, Figura 4), enquanto
os aminoácidos com cadeias laterais ionizáveis apresentam uma terceira região de
tamponamento.

O ponto isoelétrico (pI) corresponde ao valor de pH em que a molécula se


encontre eletricamente neutra, ou seja, quando o número de cargas positivas for igual
ao número de cargas negativas (carga elétrica líquida igual a zero). De modo geral,

64
pode ser calculado pela média dos valores de pKa e pKb, sendo pI = (pKa + pKb) /2. Por
exemplo, a glicina tem pI = (2,35 + 9,60/2) = 5,97.

A determinação da forma iônica dos aminoácidos é importante em processos


técnicos de separação e purificação dessas moléculas.

2.1 CLASSIFICAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS


As cadeias laterais (o grupo R) dos aminoácidos possuem diferentes propriedades
químicas, como carga, tamanho e polaridade, que influenciam a maneira como os
aminoácidos interagem entre si e com seu ambiente. Por exemplo, algumas cadeias
laterais têm forte afinidade com a água e são hidrofílicas, enquanto outras não interagem
bem com a água e são hidrofóbicas. Essas propriedades podem afetar a conformação
geral da proteína, bem como sua função e interações com outras moléculas. Em geral,
as cadeias laterais desempenham um papel crucial na determinação da estrutura e
função das proteínas.

Os aminoácidos são então classificados em 5 grupos de acordo as propriedades


químicas da sua cadeia lateral (R). (Figura 5) São abreviados por 3 letras, com símbolo
de uma letra (Ex: Alanina, ALA, A).

1. Grupo R alifáticos (não contém anéis): são apolares e hidrofóbicos, tendem a se


aglomerar no interior da molécula, onde participam em interações hidrofóbicas. São
7: alanina, glicina, leucina, isoleucina, metionina, prolina e valina;
2. Grupo R aromáticos: são relativamente hidrofóbicos. Absorvem luz ultravioleta
280nm, dando esta característica para identificação de proteínas. São 3: fenilalanina,
tirosina e triptofano.
3. Grupo R polares, não carregados: são mais solúveis em água. São 5: asparagina,
cisteína, glutamina, treonina e serina.
4. Grupo R carregado positivamente (básicos): hidrofílicos. São 3: arginina, histidina e
lisina.
5. Grupo R carregado negativamente (ácidos): hidrofílicos. São 2: aspartato e glutamato.

65
Figura 5 – Os 20 aminoácidos comuns de proteínas

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.79)

A figura apresenta as fórmulas estruturais que mostram o estado de ionização que


predomina em pH 7,0. As porções não sombreadas são aquelas comuns a todos os
aminoácidos; aquelas sombreadas são os grupos R.

Os grupos carregados atuam como doadores e aceptores de elétrons. Por essas


características, as proteínas podem ter ação tamponante – a capacidade de resistir à
mudança do pH.

No laboratório, os aminoácidos aromáticos tirosina e triptofano são identificados


por reação com o ácido nítrico, originando um composto amarelo (em meio ácido),
chamada de reação xantoproteica (xanto, do grego, significa amarelo).

Na nutrição, os aminoácidos são classificados como essenciais ou não essenciais.


Os aminoácidos essenciais, são aqueles que humanos e outros vertebrados não
conseguem sintetizar a partir de intermediários metabólicos. Esses aminoácidos devem

66
ser consumidos na dieta, porque o corpo humano não possui as vias metabólicas
necessárias para sintetizar esses aminoácidos. São os aminoácidos metionina, lisina,
leucina, isoleucina, triptofano, valina, treonina, fenilalanina e histidina.

2.2 LIGAÇÃO PEPTÍDICA


Os aminoácidos formam polímeros, unidos por ligação covalente, a ligação
peptídica (C-N) para formar os peptídeos e proteínas. Trata-se de uma reação de
condensação entre o carbono da carboxila e o nitrogênio da amina, liberando uma
molécula de água (H2O) (Figura 6). Esse processo não acontece por uma reação direta
entre os aminoácidos, mas pela maquinaria de síntese de proteínas que inclui os
ribossomos, os locais de síntese de proteínas na célula. A sequência de ácidos nucléicos
no DNA ou RNA fornece as instruções, os ribossomos e outras proteínas e enzimas
ajudam a ler esse código genético para ligar os aminoácidos na ordem correta formando
as proteínas. Este é um processo altamente coordenado e complexo que é essencial
para a função dos organismos vivos.

Figura 6 – Formação de uma ligação peptídica por condensação

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.86)

A figura apresenta o grupo a-amino de um aminoácido (com grupo R2) atua como
nucleófilo para deslocar o grupo hidroxila de outro aminoácido (com grupo R1),
formando uma ligação peptídica (sombreada). Os grupos amino são bons nucleófilos,
mas o grupo hidroxila é um grupo de saída fraco e não prontamente deslocado. No
pH fisiológico, a reação mostrada aqui não ocorre em grau apreciável.

Os polímeros de aminoácidos são chamados de peptídeos, oligopeptídeos


(contendo alguns aminoácidos), polipeptídios (contendo muitos aminoácidos) e/
ou proteínas (sendo o n= o número de aminoácidos de uma proteína, por exemplo, a
hemoglobina humana possui 574 aminoácidos).

67
No laboratório, o reagente de biureto contendo sulfato de cobre (II) (CuSO4)
é comumente usado para a determinação de concentração de proteínas, em ensaio
colorimétrico. Os íons de Cu2+ provenientes do CuSO4, formam um complexo com as
ligações peptídicas presentes na amostra, desenvolvendo uma coloração violeta.

As proteínas conjugadas apresentam, além dos aminoácidos, um grupo


prostético que desempenha um papel importante na função da proteína. Exemplo:
lipoproteína (contêm lipídios), glicoproteína (contêm carboidratos), fosfoproteínas
(contêm grupos fosfato), hemeproteínas (contêm o grupo heme), flavoproteínas (contêm
nucleotídeos de flavina) e metaloproteína (contêm ferro, zinco, cálcio e cobre).

3 ESTRUTURA DAS PROTEINAS


Cada proteína apresenta uma composição de aminoácidos bem característica
e que forma estruturas tridimensionais. As estruturas das proteínas são comumente
definidas em 4 níveis: 1. primária, 2. secundária, 3. terciária e 4. quaternária (Figura 7).

Figura 7 – Níveis de estrutura nas proteínas

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.96)

A figura apresenta a estrutura primária que consiste em uma sequência de aminoá-


cidos unidos por ligações peptídicas e inclui quaisquer pontes dissulfeto. O polipep-
tídeo resultante pode ser disposto em unidades de estrutura secundária, como em
uma hélice a. A hélice é uma parte da estrutura terciária do polipeptídeo dobrado,
que é ele mesmo uma das subunidades que compõem a estrutura quaternária da
proteína multissubunidade, nesse caso a hemoglobina.

68
A estrutura primária consiste na sequência de aminoácidos, começando pela
extremidade N- terminal e terminando com a extremidade C- terminal. Essa sequência
primária reflete a sequência do gene da qual a proteína foi codificada, ou seja, é a forma
através da qual a informação genética é expressa.

A estrutura primária é importante para a formação tridimensional das proteínas.


Por exemplo, na anemia falciforme, o ácido glutâmico, polar na sequência primária, é
substituído pelo aminoácido valina não polar. Essa alteração causa modificações na
estrutura tridimensional dessa hemoglobina, que passa a ter a uma forma de foice com
capacidade de se agregar, alterando sua função.

Cada proteína possui uma sequência de aminoácidos que é única, porém não
é sempre fixa, o que confere uma característica polimórfica às proteínas, de forma que
pequenas variações na sequência podem não alterar sua função.

Em um polímero de aminoácidos, a ligação peptídica que une os aminoácidos


tem um caráter parcial de ligação dupla, o que ajuda a manter a estrutura geral da
proteína (Figura 8). Essa característica restringe o movimento da ligação peptídica,
mantendo-a em uma configuração planar rígida. No entanto, as outras ligações na
proteína, como as ligações entre os átomos de carbono nas cadeias laterais, têm
rotações livres e podem se mover para formar diferentes conformações. Isso permite
que a proteína adote uma variedade de formas e estruturas diferentes, conhecidas
como sua estrutura secundária.

Figura 8 – Grupo peptídico planar

Fonte: Nelson & Cox (2014, p 118)

A figura apresenta em (a) Cada ligação peptídica tem algum caráter de ligação du-
pla devido à ressonância, e não pode girar. Embora o átomo de N em uma ligação
peptídica seja sempre representado com uma carga positiva parcial, considerações
cuidadosas dos orbitais de ligação e dos mecanismos quânticos indicam que o N
tem uma carga líquida neutra ou levemente negativa. (b) Três ligações separam os

69
carbonos a consecutivos em uma cadeia polipeptídica. As ligações N-Cα e Cα-C po-
dem girar, sendo descritas pelos ângulos diedros designados f e c, respectivamente.
A ligação peptídica C¬N não está livre para rotação. Outras ligações simples do es-
queleto também podem estar rotacionalmente obstruídas, dependendo do tamanho
e da carga dos grupos R.

A estrutura secundária é constituída de arranjos estáveis e recorrentes, como a


α-hélice aconformação β (Figura 9).

A α-hélice é uma estrutura helicoidal em que o esqueleto polipeptídeo está


enrolado em torno de um eixo imaginário e os grupos R projetam-se para fora, evitando
o impedimento estérico (repulsão eletrostática). Cada volta da hélice é formada por 3,6
resíduos de aminoácidos, que se repetem. A estrutura é estabilizada por ligações de
hidrogênios, entre o H do grupo amino, e o presente no grupo da carbonila (C=O).

Nem toda sequência de aminoácidos forma α-hélice, a formação dessa estrutura


pode ser impedida pelas interações entre os grupos R (em grupos R carregados, os
aminoácidos irão repelir-se mutuamente), os volumes de grupos R adjacentes, e
interações entre os resíduos de aminoácidos das extremidades do segmento helicoidal
e o dipolo elétrico inerente da α-hélice.

Outro tipo de arranjo de estrutura secundária é a conformação β estendida na


forma de zigue-zague. Os aminoácidos também interagem por pontes de hidrogênio, e
as cadeias laterais projetam-se em direção oposta. Estão organizados de forma paralela
ou antiparalela. Quando vários segmentos β estão lado a lado, são chamados de folhas β.

As cadeias polipeptídicas em estrutura secundária podem estar unidas entre si


através de conexões chamadas de voltas ou alças. Exemplo são o barril β e a alça β-β-β.

70
Figura 9 – (esquerda) Modelos de hélice α, mostrando os diferentes aspectos de sua estrutura

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.121 e 123)

(a) Modelo de esfera e bastão mostrando as ligações de hidrogênio internas da ca-


deia. A unidade que se repete forma uma volta da hélice: 3,6 resíduos. (b) Hélice
α vista de uma de suas extremidades, ao longo do eixo central (obtida a partir do
PDB ID 4TNC). Observe as posições dos grupos R, representados pelas esferas roxas.
Observe modelo de esfera e bastão, que ressalta o arranjo helicoidal, dá uma falsa
impressão de que a hélice é oca, pois as esferas não mostram os raios de van der
Waals de cada um dos átomos. (direita) A conformação β das cadeias polipeptídicas.
Estas visões (a) lateral e (b, c) superior mostram os grupos R saindo do plano da folha
β enfatizam a forma pregueada formada pelos planos das ligações peptídicas. (Um
nome alternativo para esta estrutura é folha β pregueada. As ligações de hidrogênio
entre as cadeias adjacentes também são mostradas. A orientação das cadeias adja-
centes (setas), do aminoterminal para carboxiterminal, pode ser a mesma ou oposta,
formando (b) folhas β antiparalelas ou (c) folhas β paralelas.

Na estrutura terciária, ocorrem interações entre as estruturas regulares


secundárias e/ou regiões sem estrutura definida. Essas interações são formadas por
ligações fracas, porém em grande número, que influenciam o enovelamento da proteína.

A conformação da proteína diz sobre seu arranjo no espaço, assumindo


normalmente conformações termodinâmicas estáveis, com menor energia livre (G).
Essa conformação funcional é chamada de nativa.

As interações químicas na forma nativa que estabilizam a proteínas são ligações


fracas, que podem ser:
71
• Pontes de hidrogênio, que não são regulares como acontece na estrutura secundária.
• Interações hidrofóbicas, ocorrem entre cadeias apolares de aminoácidos e estão,
presentes no interior da proteína para diminuir o contato com a água.
• Ligações iônicas, são interações entre as regiões carregadas, sendo mais frequentes
na superfície da proteína, onde podem talvez estabelecer interações com a água.

A estrutura terciária também pode ser estabilizada por ligação covalente, como
a ponte dissulfeto (S-S), que é formada por reação de oxidação entre dois resíduos de
cisteína (Figura 10)

Figura 10 – Ondulação permanente é engenharia bioquímica

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.127)

Proteínas com semelhança na estrutura primária e/ou terciária e com funções


semelhantes fazem parte da mesma família.

A estrutura quaternária é formada por associação de subunidades distintas,


podendo formar multímetros (muitos) ou oligômeros (alguns). As subunidades podem
ser iguais ou diferentes e são mantidas na estrutura quaternária por ligações não
covalentes.

No entanto, algumas proteínas podem ser intrinsicamente desordenadas e com


padrões estruturais distintos.

72
4 CLASSIFICAÇÃO DAS PROTEINAS E FUNÇÃO
As proteínas podem ser classificadas de acordo com as funções que realizam
(Tabela 2).

Tabela 2 – Funções das proteínas

Classe Exemplo
Enzimas – função catalítica Tripsina
Transportadoras Hemoglobina
Contrácteis Actina e miosina
Defesa Anticorpos
Reguladoras Hormônios como a insulina
Estruturais Colágeno
Fonte: a autora.

As proteínas também podem ser classificadas quanto à forma (Tabela 3).

Tabela 3 – Níveis estruturais das proteínas

Fibrosas Globulares
Cadeias polipeptídicas arranjadas de for- Cadeias polipeptídicas que se organizam
ma alongada. em esferas.
São geralmente insolúveis, pela quantida-
São geralmente solúveis.
de de aminoácidos hidrofóbicos.
Desempenham papéis estruturais, confe- Desempenham várias funções dinâmicas
rindo força e flexibilidade. na célula.
Exemplos: enzimas, proteínas de defesa,
Exemplo: o colágeno, α-queratina.
reguladoras e transportadoras.
Fonte: a autora.

O colágeno são proteínas que conferem resistência. São encontradas nos tecidos
conectivos, tendões e cartilagens. Na estrutura quaternária, as cadeias polipeptídicas
se contorcem entre si, formando cadeias em α. A vitamina C é necessária para a
hidroxilação dos aminoácidos no colágeno e a falta dessa vitamina causa o escorbuto, a
degeneração do tecido conectivo.

A α-queratina é uma proteína que ocorre nos mamíferos, nos cabelos, unhas
e chifres. Possui estrutura quaternária complexa formada pela associação lateral de
cadeias α-hélices, formando longos filamentos. A formação de pontes de dissulfeto
entre as cadeias confere grande resistência às fibras de α-queratina.

73
A mioglobina e hemoglobina são exemplos de proteínas globulares. Possuem
um grupo heme (com o ferro) na sua estrutura que faz ligações com o O2 nas células
musculares e nas hemácias.

Além disso, as proteínas podem ser classificadas com base em sua origem, por
exemplo, se são produzidas por bactérias, plantas ou animais.

As mudanças na estrutura da proteína podem alterar a sua atividade biológica. A


desnaturação é um processo de perda da estrutura tridimensional que pode resultar em
perda da função sem romper as ligações peptídicas. Pode ser um processo irreversível
ou reversível, e nesse último a proteína retorna ao seu estado original.

Os principais agentes desnaturantes são:

• A temperatura, pois o calor age nas interações fracas como ponte de hidrogênio.
No entanto, algumas proteínas de arquibactérias evoluíram para funcionar em
temperaturas de 100oC.
• O pH, que pode alterar a carga líquida das proteínas, causando repulsão eletrostática
e rompendo ligações.
• Os solventes orgânicos, como o álcool e a acetona, que promovem alterações nas
ligações hidrofóbicas.
• Os detergentes e solutos, como a ureia, que possuem baixo peso molecular e afetam
a estabilidade das proteínas em solução aquosa.
• Agentes redutores, que desfazem ligações dissulfeto (S-S).

A desnaturação pode levar à precipitação de proteínas e formação de agregados


proteicos. No laboratório é possível promover a precipitação de proteínas, pois essas
são moléculas carregadas. Os íons positivos de metais pesados reagem com as cargas
negativas das proteínas, principalmente se o pH estiver acima do pI da proteína (ponto
neutro), formando precipitados. Por outro lado, quando a proteína está abaixo do seu pI,
a carga líquida total da molécula é positiva, o que facilita a interação com ácidos fortes
e precipitação da proteína.

A alteração da estrutura tridimensional e da função de proteínas pode causar


doenças. As proteínas podem estar alteradas quando ocorre falhas no dobramento
de forma espontânea ou por uma mutação de um determinado gene. Essas proteínas
podem expor sua superfície hidrofóbica e ligam-se com outras proteínas, formando
agregados. O organismo atua para corrigir proteínas deformadas, direcionando-as para
as vias de reciclagem (via UPR, do inglês Unfolded Protein Response) e/ou através das
vias de degradação como autofagia e o sistema ubiquitina-proteoma. No entanto, o
acúmulo dos agregados causa doenças como o Parkinson, o Alzheimer e a doença da
vaca louca (doença do príon).

74
As proteínas são moléculas flexíveis e dinâmicas que interagem com outras
moléculas. Os ligantes são moléculas que fazem ligações reversíveis com uma proteína
no sítio de ligação ou sítio ativo (em enzimas). Essa interação está acoplada a uma
mudança conformacional na proteína denominada encaixe induzido. Essa ligação
reversível pode ser descrita por uma constante de associação (Ka) ou uma constante de
dissociação (Kd).

Um exemplo clássico de estrutura e função das proteínas é observado na


molécula de hemoglobina.

A hemoglobina (Hb) é uma proteína presente nas hemácias e realiza o transporte


de oxigênio. É uma hemeproteína, constituída por quatro globinas (a parte proteica), e
quatro grupos prostéticos, heme. Uma molécula de hemoglobina com quatro moléculas
de O2 é denominada oxi-hemoglobina (HbO2).

O grupo heme, é um complexo entre a protoporfirina (com quatro anéis pirrólicos)


e o ferro que está preso no centro da molécula. Essa estrutura mantém o ferro no estado
ferroso (Fe2+) e inibe a sua oxidação para Fe3+, pois apenas o Fe2+ faz ligações reversíveis
com oxigênio.

A função da hemoglobina depende tanto da capacidade de se ligar quanto


de liberar o oxigênio. A ligação do oxigênio a hemoglobina é alostérica. Essa ligação
da hemoglobina com o oxigênio altera a conformação da hemoglobina, que passa do
estado R com alta afinidade pelo oxigênio para captar oxigênio nos pulmões; para o
estado T com baixa afinidade, liberando o oxigênio nos tecidos, dependente da pressão
parcial de oxigênio (pO2 em mmHg) (Figura 11) A P50 é a pO2 em que a Hb está 50%
saturada, e é, normalmente, 27 mmHg.

Figura 11 – Curva sigmoide de ligação (cooperativa)

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.166)

75
A curva sigmoide de ligação pode ser vista como uma curva híbrida que reflete a
transição de um estado de baixa afinidade para um de alta afinidade. Devido a sua li-
gação cooperativa, evidenciada por uma curva sigmoide, a hemoglobina é mais sen-
sível às pequenas diferenças na concentração de O2 entre os tecidos e os pulmões,
o que lhe permite se ligar ao oxigênio nos pulmões (onde a pO2 é alta) e liberá-lo nos
tecidos (onde a pO2 é baixa).

A hemoglobina também carrega CO2 (HbCO2) e H+, sendo que o H+ liga-se


a diferentes sítios da proteína. No entanto, a maior parte do CO2 é convertido para
bicarbonato (HCO3-) pela hidratação do CO2 catalisada pela enzima anidrase carbônica.
Essa reação resulta em mais H+ nos tecidos, o que reduz o pH.

A presença do CO2 e a variação do pH produz o efeito Bohr e tem influência na


ligação e liberação de oxigênio pela hemoglobina. A redução do pH resulta na redução
de afinidade da hemoglobina por O2 e garante a disponibilidade de O2 para os tecidos.
Por outro lado, o meio alcalino aumenta a afinidade da hemoglobina por O2.

A função da hemoglobina é complementada por modulação alostérica de


interação ao BPG (2,3-bifosfoglicerato), que diminui a afinidade da hemoglobina ao
oxigênio em relação pO2 nos pulmões. E em caso de altitude ou de doenças pulmonares,
os níveis de BPG aumentando para facilitar ainda mais a liberação de O2 nos tecidos.

5 ENZIMAS E CATÁLISE
As enzimas são catalisadores biológicos, assim são capazes de acelerar as
reações químicas na célula por um fator de 105 a 107. As enzimas funcionam diminuindo a
energia de ativação necessária para que uma reação ocorra, o que permite que a reação
ocorra de forma mais rápida e eficiente. Essa função é essencial nos sistemas vivos,
pois muitas reações na célula ocorreriam muito lentamente sem a ajuda de enzimas. Em
alguns casos, a reação seria tão lenta que seria efetivamente impossível de acontecer.

A maioria das enzimas são proteínas, porém um pequeno grupo de RNA realiza
atividade catalítica, como a ribozima, envolvida na síntese de proteínas, catalisando
reações peptídicas. As enzimas são classificadas de acordo com o tipo de reação que
catalisam (Tabela 4).

A reação química catalisada por uma enzima é específica e distingue uma


enzima de outra. Na enzima (E), a reação ocorre em um bolsão denominado sítio ativo
(Figura 12). A molécula que se liga ao sítio ativo é o substrato (S), formando um complexo
enzima-substrato ou ES. O composto resultante é o produto (P).

76
Com exceção de algumas das enzimas, como pepsina, renina e tripsina, a maioria
dos nomes das enzimas terminam em "ase". A nomenclatura de enzimas indica o substrato
sobre o qual a enzima atuou e qual o tipo de reação foi catalisada. Por exemplo, a enzima
fosfatase é uma hidrolase que catalisa a hidrólise de ésteres de fosfato.

Tabela 4 – Classificação das Enzimas

Classe Nome Tipo de reação


1 Oxidorredutase Reações de oxidação-redução ou transferência de elétrons.
Transferem grupos funcionais como amina, fosfato, acil,
2 Transferase
carboxil.
3 Hidrolases Reações de hidrólise de ligação covalente.
Adição de grupos a duplas ligações ou remoção de grupos
4 Liases
deixando dupla ligação, clivagem de C-C, C-O, C-N.
Reações de interconversão entre isômeros óticos ou
5 Isomerases
geométricos.
Condensação de duas moléculas, sempre às custas de
6 Ligases
energia, geralmente do ATP.

Figura 12 – Ligação de um substrato no sítio ativo de uma enzima

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 192)

A enzima quimotripsina, com o substrato ligado (PBD ID 7GCH). Alguns dos resíduos-
-chave do sítio ativo aparecem como uma mancha vermelha na superfície da enzima

A função da enzima é aumentar a velocidade da reação sem, contudo, afetar


o equilíbrio final, e a enzima não é gasta no processo. Assim, uma reação enzimática
simples pode ser descrita como: E + S ⇌ ES ⇌ EP ⇌ E + P (enzima + substrato ⇌
complexos transitórios ⇌ enzima + produto).

77
5.1 FUNÇÃO DOS CATALISADORES ENZIMÁTICOS
Um catalisador pode ajudar a reação a atingir o equilíbrio mais rapidamente,
mas não pode alterar a constante de equilíbrio ou o estado de equilíbrio da reação. Na
reação de conversão SP, a função do catalisador é acelerar a conversão de S para P (e
de P para S), porém, sem alterar a proporção entre reagentes e produtos encontrados no
final da reação e assim mantem o equilíbrio (K´eq) da reação que é K´eq=[P]/[S].

A energia livre de Gibbs (G) é um importante parâmetro termodinâmico que


determina a viabilidade de uma reação química. Em sistemas biológicos, a energia
livre de Gibbs é frequentemente usada para prever a direção de uma reação e se ela
prosseguirá até a conclusão ou chegará ao equilíbrio. A variação de energia livre é
chamada de ΔG ou ΔG'o (nas condições padrões a 25 °C e pH 7).

As reações biológicas dependem da energia livre de Gibbs e tendem a ocorrer


em direção ao equilíbrio (ΔG =0). Em geral, o sinal de ΔG determina a direção na qual
uma reação química ocorrerá. As reações onde o equilíbrio libera energia e favorece a
formação do produto, são ditas exergônicas e são espontâneas (então ΔG < 0 é negativo).
As reações endergônicas são desfavoráveis termodinamicamente e absorvem energia
(então ΔG > 0 é positivo).

No entanto, mesmo para as reações espontâneas (ΔG < 0), algumas reações
não alcançam o equilíbrio, pois existe uma barreira energética entre a transformação
dos reagentes a produtos. Essa barreira possui uma energia de ativação ou ΔG‡. Os
catalisadores aceleram a velocidade da reação por diminuírem a energia de ativação.
Sendo assim, ΔG‡ mais baixa significa uma reação mais rápida.

Quando os reagentes são transformados em uma reação, passam por um


estado de transição, um estado intermediário e instável em que a reação pode tanto
continuar quanto voltar. Nas reações enzimáticas, a reação ocorre por um caminho
alternativo, criando um estado de transição, com energia de ativação menor e formação
de complexos transitórios que colaboram com a eficiência da catálise.

A reação S⇌P (com ou sem enzima) pode ser descrita por um diagrama de
coordenada da reação que representa a variação de energia durante a reação (Figura 13).

78
Figura 13 – Diagrama da coordenada da reação comparando uma reação catalisada por enzima com uma
não catalisada

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.193)

Na reação S à P, os intermediários ES e EP ocupam o nível mínimo na curva da pro-


gressão da energia de uma reação catalisada por uma enzima. Os termos DG‡não
catalisada e DG‡catalisada correspondem, respectivamente, à energia de ativação
da reação não catalisada e à energia de ativação total da reação catalisada. A energia
de ativação é menor quando a reação é catalisada por uma enzima.

O complexo ES é o primeiro passo na catálise enzimática e alguns modelos de


interação ES foram propostos que ajudam a entender o mecanismo das enzimas.

• O modelo chave e fechadura exemplifica a especificidade pelo substrato. Trata-se,


porém, de um modelo rígido, não explicando toda a complexidade da catálise e o
estado de transição.
• O modelo de ajuste induzido é o mais aceito e mostra como a ligação do substrato
induz uma mudança de conformação na enzima, para uma conformação que possui
propriedades catalíticas aumentadas.

Essa interação entre a enzima e o substrato é acompanhada de liberação de


energia livre, ou energia de ligação, proveniente das interações fracas que estabilizam
a reação.

A energia de ligação atua na redução da entropia, mantendo o substrato em


uma melhor orientação, e, na dessolvatação, a enzima substitui as ligações do substrato
com a água (ou seja, excluindo as moléculas de água que eram um impedimento para
a reação).

O mecanismo de ação das enzimas pode variar. Uma vez que o substrato está
ligado à enzima, alguns grupos catalíticos específicos contribuem para a catálise no
complexo ES, ajudando no rompimento ou formações de ligações:

79
• A catálise ácido-base refere-se à transferência de prótons mediada por certos
aminoácidos e não água.
• A catálise covalente forma ligação covalente transitória, onde alguns grupos
funcionais ou coenzimas servem como agentes nucleofílicos.
• A catálise por íons metálicos realiza interação iônica entre metais ligados a enzimas
e substrato.

5.2 CINÉTICA ENZIMÁTICA


A cinética enzimática determina a velocidade das reações químicas catalisadas
pelas enzimas e quais os fatores que afetam a velocidade das reações enzimáticas.

Os cientistas Leonor Michaelis e Maud Menten propuseram um modelo para


estudar a ação enzimática em que a enzima e o substrato formam um complexo ES a uma
certa constante de velocidade (k1) e reversível (k-1). E em seguida complexo ES é rompido
em uma segunda etapa mais lenta (k2), fornecendo a enzima regenerada e o produto P.

A velocidade da reação depende da concentração crescente de substrato,


deslocando o equilíbrio para formação do complexo ES.

Para mensurar a velocidade em um experimento de cinética enzimática,


o valor da enzima é fixado, sou seja, a concentração total de enzima é a mesma. A
concentração do substrato varia, sempre adicionando muito mais substrato que enzima.
Utiliza-se apenas o tempo inicial em que a velocidade inicial (𝑉𝑜) está relacionada com
a concentração do substrato. Ou seja, o início representa melhor a velocidade da reação
e esta é a velocidade inicial. Conforme vai aumentando a concentração do substrato,
a velocidade é alterada, o que mostra que a concentração do substrato interfere na
velocidade da reação.

Sendo assim, com essas informações, é possível construir um gráfico de


velocidade inicial (𝑉𝑜 em µM/min) pela concentração do substrato ([S] em mM). O gráfico
resultante é uma curva hiperbólica (Figura 14 e 15).

Na parte inferior da curva, a velocidade depende da concentração do substrato ([𝑆]


em mM). Na parte superior da curva, o aumento da concentração do substrato não mais altera
a velocidade da reação (em µM/min), e a reação está na sua velocidade máxima (𝑉má𝑥).

Ao longo de todo o processo, a enzima pode estar livre (E) ou formando o complexo,
ligada ao substrato (ES). Aumentando a concentração de substrato, teremos um momento
em que 50% da enzima estará livre e 50% na forma de complexo ES. Nesse momento de
50%, podemos também concluir que temos metade da 𝑉má𝑥 acontecendo nessa reação.

80
A [S] detectada a uma velocidade de reação igual a metade de 𝑉má𝑥 é chamada
de constante de Michaelis-Menten, 𝐾𝑚 onde 𝐾𝑚 = 𝑉má𝑥/2.

Figura 14 – Dependência da velocidade inicial da concentração de substrato

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.203)

Este gráfico mostra os parâmetros cinéticos que definem os limites da curva em [S]
elevada e baixa. Em baixa [S], Km>>[S], e o termo [S] no denominador na equação de
Michaelis-Menten se torna desprezível. A equação fica simplificada a V0 = Vmáx[S]/
Km, e V0 apresenta uma dependência linear de [S], como observado aqui. Em alta
[S], quando [S] >>Km, o termo Km, denominador na equação de Michaelis--Menten,
torna-se desprezível, e a equação fica simplificada a V0 = Vmáx, o que é consistente
com o platô observado em [S] elevada. A equação de Michaelis-Menten é, portanto,
consistente com a dependência observada de V0 por [S], e a forma da curva é defi-
nida pelos termos Vmáx/Km em baixa [S] e Vmáx em alta [S].

Figura 15 – Velocidades iniciais de reações catalisadas por enzimas

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.201)

81
Uma enzima teórica catalisa a reação S⇌P. A enzima está presente em uma
concentração suficiente para catalisar a reação a uma velocidade máxima, Vmáx,
de 1 mM/min. A constante de Michaelis, Km (explicada no texto), é 0,5 mM. Estão
mostradas as curvas de progressão da reação para as concentrações abaixo,
exatamente no Km e acima dele. A velocidade de uma reação catalisada por uma
enzima diminui à medida que o substrato é convertido em produto. A tangente de
cada curva, no tempo zero, define a velocidade inicial, V0, de cada uma das reações.

A velocidade da reação com um único substrato, catalisada pela enzima, é


descrita na equação de Michaelis-Menten (𝑉𝑜 =𝑉má𝑥 [𝑆] / 𝐾𝑚 + [𝑆]).

Essa reação pode ser simplificada quando 𝑉𝑜 =𝑉má𝑥/2, de forma que 𝐾𝑚 = [𝑆],
ou seja, 𝐾𝑚 é numericamente igual à concentração do substrato e fornece uma medida
de [𝑆], para que ocorra uma catálise significativa. Essa equação é denominada cinética
do estado estacionário, na qual a concentração de ES e dos intermediários permanecem
constantes ao longo do tempo.

O valor de 𝐾𝑚 (em M) também é utilizado como inverso da medida de afinidade


entre a enzima e o substrato. Quanto menor o Km, maior a afinidade. Por exemplo a
enzima hexocinase pode ter como substrato a glicose ou a frutose. O Km para a glicose
é de 0.15mM, nessa [S] essa enzima está na metade da sua 𝑉má𝑥, porém para a frutose
é necessária uma concentração 10x maior (km= 1,50 mM) para se obter a metade 𝑉má𝑥.
Ou seja, a hexocinase teria maior afinidade pela glicose, e menos afinidade pela frutose.

A enzima quando saturada é descrita pela constante Kcat, que define o número
de renovação ou número máximo de moléculas de substratos convertidos em produto
por segundo.

A relação que Kcat/𝐾𝑚 fornece medida de eficiência catalítica. Os valores de


Kcat/𝐾𝑚 na ordem de 108 e 109 M-1s-1, estão próximos a perfeição cinética de uma
enzima, onde todo encontro entre a enzima e o substrato, resultará em um produto. A
enzima anidrase carbônica é um exemplo de eficiência da enzima com alto valor Kcat/
Km. Essa enzima acelera (de forma reversível) a hidratação de CO2, formando o ânion
bicarbonato (HCO3-). Na catálise, o CO2 se acopla ao sítio catalítico e recebe o ataque
nucleofílico de OH- para formar HCO3-, que possui função de sistema tampão no sangue
dos mamíferos. O bicarbonato é um ácido fraco e pode ser revertido CO2 e H2O quando
o pH diminui.

Na maioria das reações, dois ou mais substratos podem ligar-se à enzima e


participar da reação, como ocorre no exemplo da fosforilação da glicose pela enzima
hexocinase: Glicose + ATP ⇌ Glicose-6-fosfato + ADP. As velocidades dessas reações
de bissubstrato também podem ser analisadas pela abordagem de Michaelis-Menten. A
hexocinase tem um Km característico para cada um dos seus substratos.

82
Outros fatores, além da concentração do substrato podem influenciar a atividade
enzimática como a temperatura e o pH. Isso porque as enzimas dependem de pH ótimo
no qual a atividade catalítica seja máxima, sendo que atividade catalítica decresce em
pH maior ou menor. O aumento da temperatura pode favorecer a velocidade das reações
químicas. No entanto, algumas proteínas podem sofrer desnaturação e, assim, acarretar
alteração na sua função.

Um exemplo de reação enzimática é a da enzima α-amilase salivar (ou


ptialina), uma hidrolase que tem a função de degradar carboidratos, na boca. Ela é
predominantemente produzida pelas glândulas parótidas e pâncreas.

No laboratório, a presença do carboidrato amido nos alimentos é detectada pela


formação de um complexo amido-iodo (principalmente com a amilose) que desenvolve
uma cor azul intensa. O desaparecimento dessa cor é observado, adicionando saliva,
pois a α-amilase faz a hidrólise das ligações α (1-4) das cadeias do amido, produzindo
glicose, maltose e oligossacarídeos. A coloração azul diminui proporcionalmente à
atividade enzimática, comparado com um controle.

As enzimas podem ser inibidas de forma reversível ou irreversível. Os inibidores


da atividade enzimática possuem um papel regulador no organismo e são também
usados como agentes farmacêuticos. A determinação do tipo de inibidor pode ser
visualizada em um gráfico duplo-recíproco (gráfico 1/V0 versus 1/[S]) (Figura 16).

A inibição reversível pode ser de 3 tipos:

• Com inibidor competitivo, o inibidor tem estrutura similar ao substrato e compete


pelo sítio ativo da enzima. Forma um complexo EI que não leva a catálise. A análise
cinética mostra alteração de Km, com um valor maior, o Km aparente.
• Com o inibidor não competitivo, o inibidor liga-se à um sítio ativo distinto do
substrato no complexo ES, formando ESI, que impede a formação do produto. Na
avaliação cinética, Km permanece inalterado, mas, como a enzima fica inativa, a
𝑉má𝑥 é reduzida, dependendo da concentração do inibidor.
• Com inibição mista, o inibidor liga-se tanto à enzima quanto ao complexo ES
alterando tanto Vmá𝑥 quanto Km.

Os inibidores irreversíveis inativam a enzima fazendo ligações estáveis, ou


destroem um grupo funcional essencial para a ativação da enzima. Os inibidores
irreversíveis suicidas inativam a enzima usando o próprio mecanismo de reação da
enzima e são muito utilizados no planejamento de fármacos.

83
Figura 16 – O gráfico duplo-recíproco possibilita uma maneira fácil de determinar se o inibidor de uma
enzima é competitivo, incompetitivo ou misto

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.209)

A penicilina é um antibiótico do tipo betalactâmico que faz inibição irreversível


da enzima transpeptidase, a qual, por sua vez, confere a rigidez da parede bacteriana
para evitar a lise osmótica. A resistência das bactérias é conferida pela presença da
enzima beta-lactamases, que cliva o anel betalactâmico do antibiótico. Os antibióticos
mais potentes possuem em sua composição o ácido clavulônico, que é inibidor suicida
das beta-lactamases.

Outro exemplo de inibidor irreversível é a aspirina, que transfere um grupo


acetila para enzima Cox. Isso inativa a enzima e libera o ácido salicílico. A Cox é uma
enzima responsável pela síntese das prostaglandinas que regulam vários processos
fisiológicos e a dor.

5.3 REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA


O controle da catálise é crucial para a vida. Através de mecanismos reguladores,
as células catalisam apenas as reações que necessitam em determinados momentos.
A energia química é usada de forma econômica. As enzimas regulatórias presentes nos
processos metabólicos influenciam na velocidade de toda a sequência de reações. As
enzimas alostéricas possuem locais de ligação além do sítio ativo, esses outros locais
são específicos para cada modulador ou efetor alostérico. Tais enzimas não obedecem
a cinética de Michaelis-Menten, pois respondem a múltiplos efetores que interferem
na velocidade máxima e na constante de Michaelis-Menten. Essas enzimas exibem
gráficos com curva de saturação sigmóide e não uma curva hiperbólica.

A regulação de enzimas também pode acontecer por modificações covalentes


reversíveis que podem alterar as propriedades locais da enzima, podendo ter a adição
de um grupo fosfato (fosforilação), de um grupo metila (metilação), entre outros. Podem,
ainda, ser moduladas por proteínas internas como a ubiquitina e a sumo.

84
Algumas enzimas são sintetizadas na forma de precursores inativos, chamados
zimogênios, que serão transformados em enzima em outro local.

5.4 COENZIMAS E VITAMINAS


Algumas enzimas necessitam de um componente químico ou grupo prostético
denominado cofator. São íons inorgânicos como Fe2+, Mg2+, Mn2+ e o Zn ou uma
coenzima, que pode ser uma molécula orgânica ou metalogênica como as derivadas
das vitaminas. A enzima completa, junto com seu grupo prostético é denominada
holoenzima. A parte proteica de uma dessas enzimas é denominada apoenzima ou
apoproteína.

As vitaminas são micronutrientes vitais que não são sintetizados de forma


endógena, sendo obtida principalmente por meio da dieta. Existem dois grupos
principais de vitaminas, as lipossolúveis, essas são mais facilmente armazenadas em
gordura após a absorção e as hidrossolúveis, estas não ficam armazenadas e requerem
ingestão regular para evitar a deficiência. A maioria das coenzimas são vitaminas ou são
derivadas de vitaminas.

As vitaminas lipossolúveis incluem as vitaminas A, D, E e K. As vitaminas


lipossolúveis desempenham papéis essenciais em vários processos fisiológicos, como
visão, saúde óssea, função imunológica e coagulação (Figura 17).

As vitaminas hidrossolúveis incluem vitamina C e complexo de vitamina B


(tiamina, riboflavina, niacina, ácido pantotênico, piridoxina, biotina, folato e cobalamina).

As coenzimas estão também envolvidas em uma variedade de processos


metabólicos no corpo humano. A coenzima NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo)
desempenha um papel fundamental no processo de respiração celular para gerar
energia para as células. Está envolvida em várias outras reações importantes no corpo,
incluindo a degradação da glicose e a síntese de ácidos graxos. A coenzima FAD (flavina
adenina dinucleotídeo) é outra coenzima que desempenha um papel fundamental
no metabolismo. Está envolvida em várias reações importantes no corpo, incluindo a
quebra de ácidos graxos e a produção de energia. Também está envolvido na síntese
de certos aminoácidos e na desintoxicação de drogas e outras substâncias nocivas no
corpo. Tanto o NAD quanto o FAD são essenciais para o bom funcionamento do corpo e
são normalmente obtidos da dieta na forma de vitaminas.

85
Figura 17 – A produção da vitamina D3 e o metabolismo

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.373)

(a) O colecalciferol (vitamina D3) é produzido na pele pela radiação UV sobre o


7-desidrocolesterol, que rompe a ligação que está em cor salmão. No fígado, um grupo
hidroxila é adicionado ao C-25; no rim, uma segunda hidroxilação em C-1 produz o
hormônio ativo, 1a,25-di-hidroxivitamina D3. Este hormônio regula o metabolismo do
Ca2++ no rim, no intestino e nos ossos. (b) A vitamina D da dieta evita o raquitismo, uma
doença comum em climas frios, em que as roupas pesadas bloqueiam o componente
UV da luz solar necessário para a produção da vitamina D3 na pele. Neste detalhe de
um grande mural de John Steuart Curry, Os benefícios sociais da pesquisa bioquímica
(1943), as pessoas e os animais à esquerda representam os efeitos da nutrição pobre,
incluindo as pernas arqueadas de um menino com raquitismo clássico. À direita estão
as pessoas e os animais mais saudáveis com os “benefícios sociais da pesquisa”,
incluindo o uso da vitamina D para prevenir e tratar o raquitismo. Este mural está no
Departamento de Bioquímica na Universidade de Wisconsin-Madison.

86
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• As proteínas são uma classe de macromoléculas que desempenham diversas


funções na célula.

• Os aminoácidos são os monômeros que formam as proteínas. Cada aminoácido


contém um grupo carboxila (-COOH), um grupo amino (-NH3+), um carbono α, um
hidrogênio (H) e uma cadeia lateral ou grupo R que difere.

• Existem 20 aminoácidos principais. Os aminoácidos estão ligados entre si por


ligação peptídica para formar os peptídeos e proteínas.

• As proteínas são organizadas em quatro níveis: primário, secundário, terciário e


quaternário.

• Mudanças estruturais da proteína podem levar à desnaturação da proteína e perda


de função.

• As enzimas são proteínas que aceleram a velocidade das reações reduzindo a


energia de ativação e não são consumidas durante uma reação.

• As enzimas podem ser inibidas de forma reversível ou irreversível.

• As vitaminas são obtidas da dieta e são essenciais para o funcionamento de enzimas


que requerem cofatores.

87
AUTOATIVIDADE
1 As macromoléculas são fundamentais para o funcionamento de todos os seres
vivos, desempenhando papéis importantes em processos como armazenamento de
energia, estrutura celular e transporte de informações. Sobre as macromoléculas,
assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) As quatro principais macromoléculas essenciais à vida são proteínas, lipídios,


carboidratos e ácidos nucléicos.
b) ( ) As macromolécula são composta de subunidades menores chamadas
monômeros.
c) ( ) Todas as quatro macromoléculas são compostas dos mesmos monômeros,
porém em configurações moleculares diferentes.
d) ( ) Cada macromolécula têm funções específica na célula.

2 As proteínas são macromoléculas complexas que desempenham uma ampla


variedade de funções no organismo. Sua estrutura é composta por quatro níveis:
estrutura primária, secundária, terciária, além da estrutura quaternária. A estrutura da
proteína é crucial para sua função e pode ser alterada por vários agentes, conhecidos
como agentes desnaturantes, tais como mudanças na temperatura, pH, soluções
salinas etc. Acerca dos níveis estruturais das proteínas são afetados por agentes
desnaturantes, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Estrutura primária e secundária.


b) ( ) Estrutura terciária e quaternária.
c) ( ) Estrutura secundária, terciária e quaternária.
d) ( ) A estrutura da proteína não é afetada por agentes desnaturantes.

3 As vitaminas são moléculas essenciais para o nosso organismo. Várias doenças são
causadas por deficiência de vitaminas. O raquitismo é uma doença associadas a
carência de de determinada vitamina. Acerca dessa vitamina, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) D.
b) ( ) E.
c) ( ) A.
d) ( ) B.

88
4 Os aminoácidos são as unidades básicas das proteínas. Os aminoácidos essenciais
não são sintetizados pelo organismo, como a isoleucina, leucina, valina, fenilalanina,
metionina, treonina, triptofano, lisina e histidina. Enquanto os aminoácidos não
essenciais podem ser sintetizados pelo organismo, a partir de outros precursores.
São os aminoácidos alanina, ácido aspártico, asparagina, ácido glutâmico e a serina.
Descreva a estrutura geral de um α-aminoácido e como eles se diferem?

5 As reações químicas que ocorrem nos seres vivos são catalisadas por enzimas. As
enzimas aumentam a velocidade dessas reações, tornando-as mais eficientes e
permitindo que os processos biológicos aconteçam rapidamente. Uma das variáveis
que afeta a velocidade de uma reação enzimática é a concentração do substrato.
Em um experimento a concentração do substrato X (denominado Sx), é baixa. O que
acontece com a velocidade da reação catalisada por enzima se a concentração de Sx
for aumentada?

89
90
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
ESTRUTURA E FUNÇÃO DE
CARBOIDRATOS E LIPÍDIOS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tema de aprendizagem 2, abordaremos duas importantes
macromoléculas, que participam no fornecimento de energia da maioria dos animais e
plantas, os carboidratos e lipídios.

Os carboidratos são um grupo de macromoléculas que são fonte de energia


vital para a célula e fornecem suporte estrutural para células vegetais, fungos e todos
os artrópodes.

Os lipídios são uma classe de macromoléculas de natureza apolar e hidrofóbica.


Os principais tipos incluem gorduras e óleos, ceras, fosfolipídios e esteroides. Os lipídios
desempenham muitas funções diferentes em uma célula, são fontes de energia para
uso a longo prazo na forma de gorduras e fornecem isolamento do ambiente para
plantas e animais.

2 CARBOIDRATOS
Os carboidratos como o açúcar e o amido são a principal fonte para a produção
de energia na maioria das células não fotossintéticas. A fórmula empírica do carboidrato é
Cn(H2O)n, em que, para cada carbono, há uma água. Logo o termo “carbono hidratado”. O
n na fórmula representa um determinado número, no mínimo, os carboidratos são de 3C.

Os carboidratos são divididos em 3 classes principais: mono-; di-; e polissacarídeos.


A palavra “sacarídeo” é derivada do grego sakcharon, que significa “açúcar”.

2.1 MONOSSACARÍDEOS
Os monossacarídeos (chamados de “oses” açucares simples) são sólidos
incolores, cristalinos, solúveis em água e com sabor adocicado. São constituídos por
uma única unidade de aldeído (C=O, grupo carbonil na extremidade, com C ligado ao
hidrogênio) ou cetona (grupo carbonil entre carbonos), e que apresentam pelo menos
dois grupos hidroxilas.

91
Os açúcares que possuem aldeído são chamados de aldoses, e os que tem
função cetona são chamados de cetoses. O mais simples são as trioses de 3 carbonos,
como os gliceraldeídos (aldotrioses) e di-hidroxicetonas (cetotrioses). As demais
classificações são de tetroses de 4C, pentoses de 5C, hexoses de 6C e heptoses de 7C.

Na nomenclatura, os carbonos do açúcar começam a ser numerados a partir


da extremidade da cadeia mais próxima ao grupo carbonil. Os monossacarídeos de
6C, D-glicose e a D-frutose são os mais comuns na natureza. As pentoses, D-ribose e
2-deoxi-D-ribose são os componentes dos ácidos nucleicos (Figura 18).

Na projeção de Fischer, a cadeia de carbonos é escrita na vertical, com o grupo


carbonil próximo ou na extremidade.

Figura 18 – Monossacarídeos representativos

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.244)

(a) Duas trioses, uma aldose e uma cetose. O grupo carbonil em cada molécula está
sombreado. (b) Duas hexoses comuns. (c) As pentoses componentes de ácidos
nucleicos. A D-ribose é um componente do ácido ribonucleico (RNA) e a 2-desóxi-
D-ribose é um componente do ácido desoxirribonucleico (DNA).

A maioria dos açúcares possuem pelo menos um centro quiral com um carbono
assimétrico ligado a quatro átomos ou grupos diferentes, permitindo que existam
formas isoméricas opticamente ativas. Sendo assim, os açúcares podem apresentar 2
estereoisômeros possíveis, L e D, sendo enantiômeros, ou seja, são imagens especulares
(é a imagem no espelho) e não são sobrepostas (Figura 19).

O número de carbonos assimétricos (n) determina o número de isômeros,


utilizando-se a expressão 2n, por exemplo, uma aldohexose com quatro carbonos
assimétricos possui n= 4, logo o número de isômeros é 24 =16, sendo que 8 destes da
forma D e 8 da forma L.

92
Por convenção, L e D referem-se à configuração similar ao gliceraldeído,
sendo L grupo -OH na esquerda, e D grupo -OH na direita do carbono assimétrico. As
estruturas D e L não são interconversíveis e, portanto, são biologicamente diferentes.
Em organismos, as hexoses são isômeros D, porém alguns açúcares também ocorrem
na forma L (lembrando que as proteínas são isômeros L).

Açúcares epímeros são aqueles que diferem na configuração das hidroxilas de


apenas 1 carbono. Por exemplo, a D-manose é um epímero de D-glicose porque os dois
açúcares diferem apenas na configuração em C2.

Figura 19 – Três maneiras para representar os dois enantiômeros do gliceraldeído

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.245)

Os enantiômeros são imagens especulares um do outro. Modelos de esfera e bastão


mostram a verdadeira configuração das moléculas. Lembre-se de que, nas fórmulas
em perspectiva, a extremidade larga da cunha sólida projeta-se para fora do plano
do papel, em direção ao leitor; na cunha descontínua, ela se estende para trás.

Em solução aquosa, monossacarídeos com mais de 5 carbonos normalmente


ocorrem como estruturas cíclicas, em anéis que são representados pela perspectiva de
Haworth (Figura 19).

93
Figura 20 – Convenção-chave

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.247)

Para converter uma fórmula de projeção de Fisher de qualquer D-hexose linear em


uma fórmula em perspectiva de Haworth mostrando a estrutura cíclica da molécula,
desenhe o anel de seis membros (cinco carbonos e um oxigênio, na direita superior),
numere os átomos no sentido horário começando com o carbono anomérico, e,
então, coloque os grupos hidroxila.

Os açúcares que formam anéis com 6 elementos parecem-se com o pirano e


são piranoses (como a glicose, uma aldose); já os que formam anéis com 5 elementos
parecem-se com o furano e são furanoses (como a frutose, uma cetose). Essa estrutura
forma-se a partir de uma reação do grupo hidroxila -OH de álcoois, que ataca o
grupamento carbonila presente nos aldeídos e cetonas do próprio carboidrato, formando
o anel. Essa reação forma o hemiacetal (nos aldeídos) ou hemicetal (nas cetonas).

Na forma cíclica, o carbono anomérico - isto é, o átomo de carbono que continha


o grupo carbonil na forma linear, produz um novo centro quiral com 2 configurações
possíveis: α-anômero e β-anômero. Esses se interconvertem em soluções aquosas
por um processo chamado mutarrotação. Em solução, a D-glicose é uma mistura dos
anômeros α e β, sendo a β-D-Glicose predominante (Figura 20).

94
Figura 21 – Formação das duas formas cíclicas da D-glicose

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.247 – 248)

A reação entre o grupo aldeído em C-1 e o grupo hidroxila em C-5 forma uma ligação
hemiacetal, produzindo um dos dois estereoisômeros, os anômeros a e b, que
diferem apenas na estereoquímica do carbono hemiacetal. Esta reação é reversível.
A interconversão dos anômeros a e b é chamada de mutarrotação. (direita) Piranoses
e furanoses. As formas piranose da D-glicose e as formas furanose da D-frutose
estão mostradas aqui como fórmulas em perspectiva de Haworth. Os limites do
anel mais próximos ao leitor são representados por linhas mais grossas. Os grupos
hidroxila abaixo do plano do anel nestas perspectivas de Haworth apareceriam à
direita em uma projeção de Fischer (compare com a Figura 7-6). Pirano e furano
estão mostrados para comparações.

Os açúcares como a glicose podem agir como redutores, logo são moléculas
reativas. Os átomos do carbono anomérico (C1 nas aldoses e C2 nas cetoses) são
capazes de reduzir agentes oxidantes contendo íons metálicos (como Cu2+).

Em laboratório, a reação de Benedict identifica açucares redutores. Nesse


experimento, o reagente Benedict de cor azulada constituída por Cu(OH)2, sofre reação
de redução pela presença de um açúcar redutor e a formação do óxido cuproso (Cu2O),
que tem cor vermelho tijolo. Essa propriedade redutora foi por muito tempo utilizada
para medir glicose na corrente sanguínea e na urina.

Os açúcares simples podem ser convertidos em compostos derivados com


função metabólica e estrutural nos organismos. Os derivados da hexose são açúcares

95
com substituições no grupo hidroxila. A glicosamina, por exemplo, está substituída pelo
grupo amino chamado de aminoaçúcares.

A oxidação dos monossacarídeos em C1 pode formar os ácidos aldônicos, e, em


C6, os ácidos urônicos, estes possuem importante função nos tecidos conjuntivos de
mamíferos.

A condensação de ácido fosfórico com um dos grupos hidroxila de um açúcar


forma um éster de fosfato, essas moléculas participam em muitas vias metabólicas.

2.2 DISSACARÍDEOS E OLIGOSSACARÍDEOS


Os dissacarídeos são formados a partir da ligação covalente entre monossacarí-
deos, chamados de O-glicosídicas. (Figura 21) Essa ligação é formada pela condensação
entre o hemiacetal e o álcool liberando H2O.

Figura 22 – Formação da maltose

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.252)

Um dissacarídeo é formado a partir de dois monossacarídeos (aqui, duas moléculas


de D-glicose) quando um ¬OH (álcool) de uma molécula (à direita) se condensa
com o hemiacetal intramolecular da outra (à esquerda), com a eliminação de H2O
e a formação de uma ligação glicosídica. O inverso desta reação é uma hidrólise
– ataque da ligação glicosídica pela água. A molécula de maltose, mostrada aqui,
conserva um hemiacetal redutor no C-1 não envolvido na ligação glicosídica. Como a

96
mutarrotação interconverte as formas a e b do hemiacetal, as ligações nesta posição
algumas vezes são representadas por linhas onduladas, conforme mostrado aqui,
para indicar que a estrutura pode ser tanto α quanto β.

A sucrose é um dissacarídeo, conhecido como a sacarose de mesa, formada a partir


da condensação do C1 da D-glicose com C2 da D-frutose, formando GLC (α1- 2β)FRU.

A lactose é um dissacarídeo formada pela ligação da D-galactose e D-glicose.


A lactose requer uma enzima específica para quebrar essa ligação. À medida que o
ser humano envelhece, uma característica evolutiva dessa enzima é a perda da sua
expressão em pessoas de certas regiões do mundo.

Os oligossacarídeos são polímeros curtos, de monossacarídeos. São geralmente


encontrados ligados a proteínas e a lipídios.

Os polímeros de açúcares redutores, apresentam em uma extremidade o


carbono anomérico livre que é a extremidade com função redutora. Por outro lado,
os açucares não redutores como a sacarose, o carbono anomérico está envolvido na
ligação glicosídica impossibilitando a molécula de reagir.

2.3 POLISSACARÍDEOS
A maioria dos carboidratos encontrados na natureza ocorre como polissacarídeos
(polímeros de muitos monossacarídeos) de alta massa molecular, chamados de
glicanos. Os polissacarídeos possuem diversas funções, atuando no armazenamento,
na fonte de intermediários de energia; na estrutura de ácidos nucleicos; na estrutura da
parede celular; e na interação célula-célula.

São classificados como (Figura 22):

• Homopolissacarídeos, polímeros que contêm o único monossacarídeo. Por exemplo:


amido, glicogênio, celulose.
• Heteropolissacarídeos, polímeros que contêm mais de um tipo de monossacarídeo.
Exemplos: peptidoglicanos das bactérias, glicosaminoglicanos na matriz extracelular
dos tecidos.

97
Figura 23 – Homo e heteropolissacarídeos

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.254)

Os polissacarídeos podem ser compostos por um, dois ou alguns monossacarídeos


diferentes, em cadeias lineares ou ramificadas de vários comprimentos.

O amido é a forma de armazenamento da glicose nas plantas. Exemplos são o


arroz, a batata e o milho. O amido contém 2 tipos de polímeros de glicose: a amilose não
ramificada, em que os monossacarídeos estão unidos por ligações α1-4, adotando um
rearranjo tipo hélice; e a amilopectina, que pode também fazer ligações de ramificação
do tipo α1-6 nas extremidades não redutoras.

O glicogênio é o principal polissacarídeo de armazenamento em células animais.


Possui mais ramificações e é mais compacto que o amido e com menos acesso à água.
Possui apenas uma ponta redutora, o que deixa a molécula menos reativa. É abundante
no fígado e está presente nos músculos esqueléticos como fonte de energia rápida.
A quebra de glicogênio é feita a partir das várias extremidades não redutoras, o que
permite produzir mais glicose rapidamente (Figura 23).

Figura 24 – Glicogênio e amido

98
Fonte: Nelson & Cox (2014, p.256)

(a) Segmento curto de amilose, polímero linear de resíduos de D-glicose em ligações


(a1S4). Uma única cadeia pode conter alguns milhares de resíduos de glicose. A
amilopectina tem trechos de resíduos ligados de maneira similar, situados entre
pontos de ramificação. O glicogênio tem a mesma estrutura básica, porém é mais
ramificado do que a amilopectina. (b) Ponto de ramificação (a1S6) no glicogênio ou na
amilopectina. (c) Agrupamento de amilose e amilopectina como o que supostamente
ocorre nos grânulos de amido. Fitas de amilopectina (em preto) formam estruturas em
hélice dupla umas com as outras ou com fitas de amilose (em azul). A amilopectina
tem pontos de ramificação (a1S6) frequentes (em vermelho). Os resíduos de glicose
nas extremidades não redutoras das ramificações mais externas são removidos
enzimaticamente durante a mobilização do amido para produção de energia. O
glicogênio tem estrutura similar; porém, é mais ramificado e mais compacto.

No laboratório, o reagente de lugol contém o iodo que forma complexos corados


com os polissacáridos, produzindo uma cor azul intensa na presença das cadeias
helicoidais da amilose, enquanto na presença de polissacarídeos mais ramificados como
o glicogênio, a interação com o iodo será menor, e a coloração menos intensa.

A celulose é uma substância fibrosa insolúvel em água com funções estruturais.


É linear, sem ramificações, formando fitas longas e retas que interagem com as fitas
vizinhas por ligações de hidrogênio. As unidades de glicose são unidas em configuração
β1-4 que não podem ser quebradas por enzima dos animais vertebrados. Entretanto,
em animais ruminantes, microrganismos simbióticos fazem a hidrólise da celulose. Para
os seres humanos, a celulose são fibras alimentares, importantes para o funcionamento
intestinal.

A quitina é similar à celulose, com uma substituição da hidroxila em C2 por um


grupo amina acetilado. Os resíduos de N-acetilglicosamina em ligações β1-4 forma
longas cadeias retas com função estrutural. É o principal componente do exoesqueleto
duro de invertebrados como insetos e crustáceos.

99
3 GLICOCONJUGADOS
Os glicoconjugados são moléculas em que o carboidrato está ligado a uma
proteína (os proteoglicanos ou glicoproteínas) ou a um lipídio (os glicolipídios).

Possuem importantes funções no transporte de informações, bem como no


reconhecimento e na interação entre células. A glicobiologia estuda a estrutura e
função dos glicoconjugados.

Figura 25 – Glicoconjugados

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.263)

As estruturas de alguns proteoglicanos, glicoproteínas e glicoesfingolipídeos típicos


descritos no texto.

Os proteoglicanos são macromoléculas da superfície das células ou da matriz


extracelular, contendo uma proteína (o cerne proteico) ligada por ligação tetrassacarídica
a várias cadeias de açúcar – os glicosaminoglicanos sulfatados (como o heparan-
sulfato, sulfato de condroitina, dermatan sulfato ou queratan sulfato). O grupo negativo
do açúcar faz com que esse complexo tenha, em volta de si, grandes quantidades de
água, proporcionando a viscosidade e lubrificação das articulações.

100
Muitos proteoglicanos podem se ligar a uma única molécula de ácido hialurônico
e formar os agregados proteoglicano. Esses agregados ficam entrelaçados com as
proteínas fibrosas de matriz – como o colágeno, a elastina e a fibronectina – e garantem
força elasticidade à matriz extracelular (Figura 25).

Figura 26 – Interações entre as células e a matriz extracelular

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.263)

A associação entre as células e os proteoglicanos da matriz extracelular é mediada


por uma proteína de membrana (integrina) e por uma proteína extracelular
(fibronectina, neste exemplo) que tem sítios de ligação tanto para integrina quanto
para proteoglicano. Observe a proximidade na associação das fibras de colágeno
com a fibronectina e o proteoglicano.

As glicoproteínas são glicoconjugados menores de proteína e glicanos. São exem-


plos a imunoglobulina G, certos hormônios e proteínas do leite, como a lactose-albumina.

A ligação do oligossacarídeo com a proteína se dá por:

• O-ligado, em que -OH do resíduo serina ou treonina (da proteína) liga-se ao


carboidrato.
• N-ligado, em que o nitrogênio da amida de um resíduo Asn (da proteína) se liga ao
carboidrato.

As alterações genéticas na adição de resíduos de açúcar a uma proteína (a


glicosilação de proteínas) causam graves problemas no desenvolvimento físico e
mental, podendo ser fatais para o indivíduo.

101
Os glicolipídios são carboidratos ligados aos lipídios. Os glicoesfingolipídios são
componentes da membrana plasmática, com uma “cabeça” de carboidrato que serve
como ponto de interação. Os grupos sanguíneos ABO são exemplos de glicolipídios que
diferem entre si na cabeça de monossacarídeo.

Os lipopolissacarídeos são glicolipídios presentes na superfície externa das


bactérias gram-negativas, que são alvos do sistema imunológico dos hospedeiros.

As lectinas são proteínas que se ligam com especificidade aos carboidratos.


São importantes para o reconhecimento celular, sinalização, adesão e destino de outras
moléculas. (Não confundir com leptina, que é um hormônio, e lecitina, que é um lipídio).
As lectinas estão presentes nas bactérias e nos vírus e reconhecem glicolipídios na
superfície celular do hospedeiro.

Em humanos, as lectinas, selectinas, são proteínas da membrana plasmática


presente em certas células, controlam a interação entre células, como por exemplo, a
de leucócitos com as células endoteliais em um sítio de infecção.

Figura 27 – Função das interações lectina-ligante durante a movimentação de leucócitos para um sítio de
infecção ou ferimento

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 270)

Um leucócito movendo-se ao longo de um capilar é desacelerado por interações


transitórias entre moléculas de selectina-P da membrana plasmática das células
endoteliais do capilar e glicoproteínas ligantes de selectina-P da superfície do
leucócito. Por interagir com moléculas de selectina-P consecutivas, o leucócito rola
sobre a superfície do capilar. Próximo a um sítio de inflamação, interações mais fortes
entre integrinas da superfície do leucócito e seus ligantes na superfície do capilar
levam a uma adesão firme. O leucócito para de rolar e, sob a influência de sinais
enviados a partir do sítio de inflamação, começa a extravasar – escapar através da
parede do capilar –, movendo-se em direção ao sítio de inflamação.

102
4 LIPÍDIOS
Os lipídios são compostos químicos com a propriedade comum de solubilidade
em solventes orgânicos (como clorofórmio e o metano) e são insolúveis em água. A pa-
lavra lipos significa “gordura” no grego. Os lipídios possuem diversas funções biológicas
como moléculas de reserva, como vitaminas lipossolúveis, exercem papel de hormônios
e são os constituintes das membranas celulares. Eles podem ocorrer como moléculas
híbridas como os glicolipídios (carboidratos + lipídios) e lipoproteínas (lipídios + proteínas).

Podem ser classificados como lipídios de armazenamento ou lipídios simples


(ácidos graxos), lipídios de membranas ou lipídios compostos (fosfolipídios e glicolipídios),
ou ainda, como sinalizadores (hormônios), cofatores enzimáticos (vitaminas lipossolúveis
A, D, E e K) e pigmentos (como a clorofila).

4.1 ÁCIDOS GRAXOS


A maioria dos lipídios apresentam ácidos graxos em sua estrutura. Os ácidos
graxos são moléculas anfipáticas por serem constituídas tanto por um grupo polar, da
cabeça – COOH, como apolar, da cadeia hidrocarboneto alifática.

Os ácidos graxos geralmente têm um número par de carbono (C4 a C36),


separados em cadeia curta até 4C, cadeia média até 10C e cadeia longa, acima de
12C. Os mais comuns são aqueles que contêm de 12 a 24 carbonos. Podem apresentar
somente ligações simples em sua estrutura de hidrocarbonetos – os ácidos graxos
saturados – ou uma ou mais ligações na configuração cis – os ácidos graxos insaturados
ou poliinsaturados, conhecidos como PUFA (polyunsaturated fatty acids).

Os ácidos graxos insaturados podem ser convertidos em ácidos graxos


saturados pela hidrogenação. Quando a conversão é incompleta, forma ácidos graxos
insaturados com a ligação na posição trans, conhecidos como gorduras trans. Essas
gorduras ocorrem em baixa quantidade na natureza e estão presentes em alimentos
industrializados, sendo o seu consumo associado às doenças cardiovasculares.

Em solução aquosa, os ácidos graxos se aproximam, formando interações


hidrofóbicas. Ácidos graxos saturados unidos apresentam uma maior rigidez devido
ao alinhamento ordenado das suas cadeias alifáticas. Por outro lado, as duplas ligações
dos ácidos graxos insaturados causam uma dobra na cadeia, proporcionando uma maior
desordem no conjunto (Figura 27). Essa característica tem consequências no ponto de
fusão e na determinação dos lipídios no estado solido ou líquido. No estado líquido,
em temperatura ambiente, os óleos possuem maior porcentagem de ácidos graxos
poliinsaturados.

103
Figura 28 – O empacotamento de ácidos graxos em agregados estáveis

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.359)

A extensão do empacotamento depende do grau de saturação. (a) Duas


representações do ácido esteárico completamente saturado, 18:0 (estearato em pH
7), em sua conformação normal estendida. (b) A ligação dupla cis (em vermelho) no
ácido oleico, 18:1(D9) (oleato), restringe a rotação e introduz uma dobra rígida na
cauda hidrocarbonada. Todas as outras ligações na cadeia estão livres para rotação.
(c) Os ácidos graxos completamente saturados na forma estendida empacotam-se
em arranjos quase cristalinos, estabilizados por muitas interações hidrofóbicas. (d)
A presença de um ou mais ácidos graxos com ligações duplas cis (em vermelho)
interfere nesse agrupamento compacto e resulta em agregados menos estáveis.

4.2 TRIGLICERÍDEOS
Os ácidos graxos são comumente esterificados ao grupo hidroxila do glicerol
(chamados de ésteres de glicerol) e podem formar os monoacilgliceróis, diacilgliceróis e
triacilgliceróis (ou triglicerídeos) (Figura 28).

Os triacilgliceróis são compostos apolares e hidrofóbicos e estão presentes em


grandes quantidades em óleos e gorduras e com importante papel biológico de reserva
energética, isolamento térmico e proteção contrachoques. Eles acumulam-se no tecido
adiposo, e sua metabolização gera um equivalente energético (por kg) muito maior que
os carboidratos.

104
Figura 29 – O glicerol e um triacilglicerol

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.359)

O triacilglicerol misto mostrado aqui tem três ácidos graxos diferentes ligados à
cadeia do glicerol. Quando o glicerol apresenta ácidos graxos diferentes em C-1 e
C-3, o C-2 é um centro quiral. (direita) Depósitos de gordura nas células. (a) Secção
transversal de tecido adiposo branco de humanos. Cada célula contém uma gotícula
de gordura (branco) tão grande que espreme o núcleo (corado em vermelho) contra
a membrana plasmática. (b) Secção transversal de uma célula de cotilédone de
uma semente da planta Arabidopsis. As estruturas grandes e escuras são corpos
proteicos, que estão rodeados por gordura de armazenamento nos corpos oleosos,
de coloração clara.

A diferença na composição de ácidos graxos entre gorduras animais e vegetais


determinam suas propriedades físicas, como o ponto de fusão. Os triacilgliceróis das
gorduras animais são ricos em ácidos graxos saturados conferindo uma consistência
sólida à temperatura ambiente. Em contraste, os óleos vegetais são ricos em ácidos
graxos insaturados e permanecem líquidas à temperatura ambiente.

As ceras, como nas colmeias, são formadas por ésteres de ácido graxo de
cadeia longa com álcoois de cadeia curta. Sua temperatura de fusão é maior que os
triacilgliceróis (Figura 29).

105
Figura 30 – Cera biológica

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.362)

(a) Triacontanoilpalmitato o principal componente da cera de abelha, é um éster de


ácido palmítico com o álcool triacontanol. (b) Favo de mel, construído com cera de
abelha, firme a 25°C e completamente impermeável à água.

No laboratório, a reação de saponificação, forma os sabões encontrados


comercialmente. Essa reação ocorre através do tratamento de óleos com soluções
alcalinas concentradas, que resulta na liberação do glicerol e formação de sais de
ácidos graxos, originados pela incorporação do sódio à molécula de ácido graxo. Os sais
de ácidos graxos apresentam uma característica anfipática onde em solução aquosa
diminuem a tensão superficial da água formando espuma sob agitação.

Os lipídios saponificáveis são os ácidos graxos e lipídios compostos como


fosfolipídios e glicolipídios. Os demais lipídios não saponificáveis são os esteróis,
terpenos (compostos de isoprenos) e prostaglandinas.

Os esteróis são lipídios que contêm um sistema de 4 anéis de carbono fusiona-


dos. O colesterol possui uma cabeça (-OH), um álcool, ligado ao carbono saturado dos
anéis (Figura 30).

Figura 31 – Colesterol

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.368)


106
Na estrutura química do colesterol, os anéis são denominados A a D para simplificar a
referência aos derivados do núcleo esteroide; os átomos de carbono estão numerados
em azul. O grupo hidro-xila do C-3 (sombreado em azul) é o grupo cabeça polar. Para
armazenar e transportar o esterol, esse grupo hidroxila se condensa com um ácido
graxo para formar um éster de esterol.

O colesterol tem um importante papel nas membranas celulares, mas também


é precursor de hormônios, ácidos biliares e vitaminas. A alta concentração de colesterol
no sangue está associada ao desenvolvimento da aterosclerose, depósito de lipídios
nos vasos sanguíneos, nas doenças cardiovasculares.

5 MEMBRANAS BIOLÓGICAS E TRANSPORTE


As membranas das células, ou membranas plasmáticas, possuem uma estrutura
de bicamada lipídica. As membranas delimitam a célula, separando o ambiente externo
do interno, porém possibilitando o transporte de íons e moléculas para dentro e fora delas.

Os principais lipídeos de membrana são (Figura 31):

• Os fosfolipídeos (como os glicerofosfolipídeos e esfingofosfolipídeos).


• Os glicolipídeos (como os esfingoglicolipídeos, galactolipídeos e sulfolipídeos).
• As membranas também contêm esteróis, como o colesterol nos animais e
fitocolesterol nos vegetais.

107
Figura 32 – Alguns tipos comuns de lipídeos de armazenamento e de membrana

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.363)

Todos os tipos de lipídeos representados aqui têm ou glicerol ou esfingosina como


esqueleto (em cor salmão), ao qual estão ligados um ou mais grupos alquila de
cadeia longa (em amarelo) e um grupo cabeça polar (em azul). Em triacilgliceróis,

108
glicerofosfolipídeos, galactolipídeos e sulfolipídeos, os grupos alquilas são ácidos
graxos em ligação éster. Os esfingolipídeos contêm um único ácido graxo em
ligação amida com o esqueleto de esfingosina. Os lipídeos de membrana de
arqueias são variáveis; aqueles representados aqui têm duas cadeias alquilas muito
longas e ramificadas, cada extremidade em ligação éter com a porção glicerol. Nos
fosfolipídeos, o grupo cabeça polar está unido por meio de ligação fosfodiéster,
enquanto os glicolipídeos têm uma ligação glicosídica direta entre o açúcar do grupo
cabeça e o esqueleto de glicerol.

Nos glicerofosfolipídeos, uma das posições do glicerol é ocupada por um


fosfato, enquanto as outras duas são compostas de ácido graxo. O fosfato está
unido por ligação fosfodiéster ao C3 do glicerol e, na outra extremidade, liga-se a um
grupo substituinte X variado, como um aminoálcool, a serina ou colina, formando, por
exemplo, a fosfatidilcolina. O grupo substituinte pode estar carregado ou neutro, e essas
diferenças contribuem para propriedades na superfície da membrana.

Os fosfolipídios são anfipáticos e anfifílicos, o que significa que eles possuem


regiões hidrofóbicas e hidrofílicas na mesma molécula. Ou seja, uma região hidrofílica,
a “cabeça” contendo o fosfato, grupo X e o glicerol ligados a uma “cauda” hidrofóbica
com duas cadeias longas e apolares de ácidos graxos. Essa estrutura faz com que
quando misturados em água, os fosfolipídios formem agregados, agrupando sua porção
hidrofóbica e deixando o grupo hidrofílico em contato com a água. Ao se agregarem,
as moléculas apolares reduzem a área exposta à água, formando micelas, vesículas e
a bicamada lipídica, dependendo das características de seus ácidos graxos. (Figura 33)

Figura 33 – Agregados lipídicos anfipáticos formados na água

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.388)

(a) Em micelas, as cadeias hidrofóbicas dos ácidos graxos são sequestradas no


núcleo da esfera. Praticamente não há água no interior hidrofóbico. (b) Na bicamada
aberta, todas as cadeias laterais acil, exceto aquelas das margens da lâmina, estão

109
protegidas da interação com a água. (c) Quando a bicamada bidimensional se dobra
sobre ela mesma, ela forma uma bicamada fechada, uma vesícula oca tridimensional
(lipossomo) envolvendo uma cavidade aquosa.

Os ácidos graxos podem formar um éster com um aminoálcool, a esfingosina,


e formar um esfingolipídio que não contém glicerol. Podem conter um grupo fosfato
em sua estrutura, formando um esfingofosfolipídeo, como a esfingomielina. Os
esfingolipídeos podem também conter um mono- ou oligossacarídeo e são conhecidos
como glicolipídios, globosídeo ou glanglosídeo.

Os glicoesfingolipídios são importantes determinantes dos diferentes grupos


sanguíneos no sistema ABO. (Figura 33) Os glicoesfingolipídeos estão presentes nas
membranas das células, sendo abundantes no sistema nervoso.

Figura 34 – Glicoesfingolipídeos como determinantes dos grupos sanguíneos

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.368)

Os grupos sanguíneos humanos (O, A, B) são determinados em parte pelos


grupos de oligossacarídeo da cabeça desses glicoesfingolipídeos. Os mesmos três
oligossacarídeos também são encontrados ligados a certas proteínas do sangue de
indivíduos dos tipos sanguíneos O, A e B, respectivamente. Os símbolos-padrão para
açúcares são utilizados aqui.

O modelo do mosaico fluido descreve a estrutura da membrana plasmática


formada pela bicamada lipídica, onde os fosfolipídeos anfipáticos se arranjam por meio
de interação hidrofóbica de forma que apenas a cabeça polar entra em contato com a
110
água (do meio extracelular e intracelular), enquanto as caudas apolares ficam na parte
interna da membrana.

A fluidez das membranas depende da sua composição. A presença de mais


ácidos graxos saturados leva a uma maior compactação e maior rigidez. Por outro lado,
as dobras dos ácidos graxos insaturados resultam em maior fluidez. A quantidade de
esteróis aumenta a rigidez, pois preenche os espaços vazios. A estrutura da membrana
pode ser alterada por temperatura (Figura 34).

A distribuição dos lipídios entre as lâminas das membranas plasmáticas varia,


gerando uma assimetria da composição lipídica da membrana com consequências na
sua função biológica. Os fosfolipídios da membrana são translocados por enzimas para
passar de um lado para o outro da bicamada, um movimento conhecido como flip-flop.
Esses lipídios também se movimentam por difusão lateral.

Figura 35 – Dois estados extremos da bicamada lipídica.

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.368)

a) No estado ordenado líquido (Lo), os grupos polares das cabeças são arranjados
uniformemente na superfície, e as cadeias acila quase não apresentam movimento,
estando agrupadas em uma geometria regular. (b) No estado líquido desordenado
(Ld), ou estado fluido, cadeias acila sofrem muito mais movimentação térmica e não
apresentam organização regular. O estado dos lipídeos em membranas biológicas é
mantido entre esses extremos.

Várias proteínas estão embebidas na bicamada lipídica e podem projetar-se para


apenas um lado ou ambos de forma assimétrica. Podem atuar como transportadores,
receptores de membrana, transferindo sinais celulares, e outras, ainda, atuam na
catálise das reações de oxidação, como as proteínas da membrana mitocondrial.

111
As proteínas periféricas estão associadas à superfície de uma membrana celular
por meio de vários tipos de interações não covalentes, como pontes de hidrogênio ou
ligações iônicas. Essas proteínas podem ser extraídas da membrana por tratamento
com ureia ou soluções salinas concentradas, que podem interromper as interações
não covalentes que mantêm a proteína na membrana. As proteínas periféricas são
tipicamente solúveis em água, como por exemplo a o citocromo c, que desempenha um
papel fundamental na cadeia de transporte de elétrons.

As proteínas integrais estão embebidas na membrana através de interações


hidrofóbicas. Exemplo são as integrinas, caderinas e lectinas que promovem adesão
célula, compõe a matriz extracelular e são pontes de ligação.

5.1 TRANSPORTE DE BIOMOLÉCULAS


As membranas biológicas são permeáveis a moléculas apolares, como oxigênio
e dióxido de carbono. No entanto são impermeáveis aos solutos polares ou carregados,
como íons e açúcares.

O transporte de biomoléculas pela membrana pode ocorrer de forma ativa ou


passiva, conforme descrito a seguir:

• Na difusão simples, solutos apolares se movem a favor do gradiente de concentração


até o equilíbrio ser alcançado.

No entanto, se o soluto for carregado eletricamente, o equilíbrio é alcançado


pela combinação do potencial elétrico (Vm) e da razão entre a concentração dos solutos
através da membrana, chamado de gradiente ou potencial eletroquímico:

• As proteínas transportadoras ou permeases realizam transporte passivo com


difusão facilitada do soluto a favor do gradiente eletroquímico.
• Os canais iônicos apresentam especificidade para íons, e a direção é determinada
pelo gradiente eletroquímico. Esses canais podem funcionar por “portões”
controlados por voltagem ou ligante (Figura 35).
• Os ionóforos são transportadores de íon a favor do gradiente eletroquímico.
• O transporte ativo primário é realizado contra o gradiente eletroquímico impulsionado
por ATP.
• O transporte ativo secundário é impulsionado pelo movimento iônico de outra
molécula a favor do seu gradiente.

112
Figura 36 – Diferenças entre canais e transportadores

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 404)

(a) Em um canal iônico, um poro transmembrana está aberto ou fechado, dependendo


da posição do único portão. Quando ele estiver aberto, íons passam através dele
com uma velocidade limitada apenas pela taxa de difusão máxima do equilíbrio.
(b) Transportadores (bombas) possuem dois portões, que nunca estão abertos ao
mesmo tempo. O movimento de um substrato (um íon ou uma pequena molécula)
através da membrana é, portanto, limitado pelo tempo necessário para um portão
abrir e fechar (em um lado da membrana) e para o segundo portão abrir. A velocidade
de movimento através dos canais iônicos pode ter ordens de magnitude acima da
velocidade de movimento através das bombas, porém os canais permitem o fluxo
dos íons apenas a favor de seus gradientes eletroquímicos, enquanto bombas
podem mover substratos contra o seu gradiente de concentração.

A glicose que entra nos eritrócitos é um exemplo de difusão facilitada. (Figura 36)
O seu transportador, o GLUT1, é uma proteína integral que passa por duas conformações
para mover a glicose a favor do seu gradiente de concentração, que é normalmente para
dentro da célula. A glicose que entra na célula é rapidamente metabolizada, mantendo-
se baixas suas concentrações intracelulares.

113
Figura 37 – Modelo de transporte de glicose para dentro do eritrócito pelo GLUT1

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 404)

O transportador existe em duas conformações: T1, com o sítio de ligação de glicose


exposto na superfície externa da membrana plasmática, e T2, com o sítio de ligação
exposto na superfície interna. O transporte de glicose ocorre em quatro passos. 1 A
glicose do plasma sanguíneo se liga ao sítio estereoespecífico em T1; isso reduz a
energia de ativação para 2 uma mudança conformacional a partir de glicosefora·T1
para glicosedentro· T2, efetuando a passagem transmembrana da glicose. 3 A glicose
é liberada de T2 para o citoplasma, e 4 o transportador retorna à conformação T1,
pronto para transportar outra molécula de glicose.

O transporte ativo é o principal consumo de energia da célula (Figura 37). O


transporte ativo primário está acoplado à uma reação exergônica como a conversão
de ATP para ADP + Pi, gerando a energia necessária para o transporte do soluto. Um
exemplo é o transporte de ABC que bombeia biomoléculas e fármacos para fora da
célula. Nas células tumorais, esse tipo de transportador, a Glicoproteína P, é responsável
pela resistência dos tumores a certos fármacos.

No transporte ativo secundário, o fluxo endergônico de um soluto está acoplado


ao fluxo exergônico de outro soluto.

As proteínas transportadoras podem atuar em sistema de co-transporte e


simultaneamente carregar dois solutos através da membrana. Quando os dois solutos
se movem em direções opostas, isso é chamado de antiporte; e quando se movem na
mesma direção, de simporte.

114
Figura 38 – Dois tipos de transporte ativo

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.409)

(a) No transporte ativo primário, a energia liberada pela hidrólise de ATP impulsiona
o movimento de soluto (S1) contra o gradiente eletroquímico. (b) No transporte ativo
secundário, o gradiente de um íon X (S1) (geralmente Na1) se estabelece por transporte
ativo primário. O movimento de X (S1) a favor de seu gradiente eletroquímico provê
agora energia para impulsionar o cotransporte de um segundo soluto (S2) contra
seu gradiente eletroquímico.

Todas as células apresentam em suas membranas a bomba eletrogênica (que


carregam solutos com carga) de Na+ e K+. Essas proteínas são canais iônicos que
utilizam a energia do ATP e bombeiam para fora da célula 3 íons de Na+ e ao mesmo
tempo trazem para dentro da célula 2 íons de K+. Isso resulta em um desequilíbrio iônico
que produz o potencial de membrana nas células, isso é essencial nos neurônios para a
condução do potencial de ação.

115
Figura 39 – Papel da Na+ e K+. ATPase em células animais

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 412)

Em células animais, o sistema de transporte ativo é responsável principalmente pelo


estabelecimento e manutenção das concentrações intracelulares de Na1 e K1 e pela
geração do potencial de membrana. Ele faz isso ao movimentar três Na1 para fora
da célula para cada dois K1 que move para dentro. O potencial elétrico através da
membrana plasmática é fundamental na sinalização de neurônios, e o gradiente de
Na1 é usado para impulsionar “morro acima” o cotransporte de solutos em muitos
tipos celulares.

As moléculas de água se movimentam pela membrana plasmática através


dos canais chamados de aquaporinas (Figura 39). Esses canais são especificamente
projetados para permitir o movimento de moléculas de água através da membrana.
Em alguns casos, as aquaporinas também podem regular o fluxo de outras moléculas
pequenas. São encontrados em todos os tipos de organismos, desde bactérias até
plantas e animais. As aquaporinas facilitam o rápido movimento das moléculas de
água através da membrana, permitindo que as células mantenham sua hidratação e
funcionem adequadamente.

116
Figura 40 – Aquaporina

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.420)

A proteína é um tetrâmero de subunidades idênticas, cada qual com um poro


transmembrana. (a) Um monômero da aquaporina de espinafre SoPIP2;1 (derivado
do PDB ID 2B5F), visto no plano da membrana. As hélices formam um poro central,
e dois segmentos helicoidais curtos (em verde) contêm as sequências Asn-Pro-Ala
(NPA), encon-tradas em todas as aquaporinas que formam parte do canal de água.
(b)Esse desenho de aquaporina 1 bovina (derivado do PDB ID 1J4N) mostra que o
poro (em marrom; preenchido com moléculas de água mostradas em vermelho
e branco) se estreita em His180 para um diâmetro de 2,8 Å (aproximadamente o
tamanho da molécula de água), limitando a passagem de moléculas maiores do que
H2O. A carga positiva de Arg195 repele cátions, incluindo o H3O1, impedindo sua
passagem pelo poro. As duas hélices curtas mostradas em verde estão orientadas
com seus dipolos carregados positivamente apontando para o poro, de forma a
forçar a molécula de água a se reorientar à medida que o atravessa; isso quebra as
cadeias de ligações de hidrogênio nas moléculas de água, impedindo a passagem
de prótons pelo “salto de prótons”.

117
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Os carboidratos são classificados como monossacarídeos, dissacarídeos e


polissacarídeos.

• Monossacarídeos de cinco ou mais átomos de carbono formam estruturas cíclicas.


Consequentemente, a glicose em solução existe como uma mistura em equilíbrio
de três formas, duas delas cíclicas (α- e β-) e uma de cadeia aberta.

• Os derivados dos monossacarídeos são moléculas com importantes papéis


no metabolismo celular, como os ácidos urônicos, aminoaçúcares e açúcares
fosforilados.

• Os monossacarídeos são unidos por ligações glicosídicas formando dissacarídeos e


polissacarídeos, com a eliminação de uma molécula de água para cada ligação formada.

• Glicose, galactose e frutose são monossacarídeos comuns, enquanto dissacarídeos


comuns incluem lactose, maltose e sacarose.

• Amido e glicogênio são polissacarídeos com função de armazenamento de glicose


em plantas e animais, respectivamente.

• As longas cadeias de polissacarídeos podem ser ramificadas ou não ramificadas. A


celulose é um exemplo de um polissacarídeo não ramificado, enquanto o glicogênio
e amilopectina são moléculas altamente ramificadas.

• Glicoconjugados são carboidratos ligados a moléculas de proteína ou lipídeos, e são


os proteoglicanos, glicoproteínas e glicolipídios.

• Os lipídios são uma classe de macromoléculas de natureza apolar e hidrofóbica. Os


principais tipos incluem gorduras e óleos, ceras, fosfolipídios e esteroides.

• Os ácidos graxos com apenas ligações simples são conhecidos como ácidos graxos
saturados. Os ácidos graxos insaturados podem ter uma ou mais ligações duplas na
cadeia de hidrocarbonetos.

• O colesterol é um tipo de esteroide, sendo importante constituinte da membrana


plasmática, onde ajuda a manter a fluidez da membrana.

• Triacilgliceróis ou triglicerídeos são compostos três ácidos graxos ligados ao glicerol,


formando uma molécula hidrofóbica, com função de armazenamento de energia.

118
• As células são envoltas por uma membrana celular, a bicamada lipídica composta
principalmente de fosfolipídios, glicolipídios e colesterol. As proteínas são também
importante componentes das membranas biológicas.

• O transporte de biomoléculas pela membrana pode ocorrer de forma ativa ou


passiva.

119
AUTOATIVIDADE
1 As macromoléculas que desempenham uma série de funções no organismo e podem
ser classificados de acordo com sua estrutura, tamanho e composição. A celulose e o
amido são exemplos de um tipo de molécula. Acerca desse tipo, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Monossacarídeos.
b) ( ) Homopolissacarídeos.
c) ( ) Lipídios.
d) ( ) Dissacarídeos.
e) ( ) Heteropolissacarídeos.

2 A bicamada lipídica desempenha uma função crucial na manutenção da integridade


da célula e na comunicação celular. Acerca de que é composta a bicamada lipídica
que envolve as células, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Fosfolipídios.
b) ( ) Glicolipídios.
c) ( ) Colesterol.
d) ( ) Todas as alternativas.

3 Os ácidos graxos são constituídos tanto por um grupo polar, da cabeça – COOH, como
apolar, da cadeia hidrocarboneto alifática. Os ácidos graxos são considerados um
determinado tipo de molécula. Acerca desse tipo, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Hidrofílicas.
b) ( ) Anfipáticas.
c) ( ) Hidrofóbicas.
d) ( ) Anfifílicas.

4 Os carboidratos podem ser classificados como monossacarídeos, dissacarídeos


e polissacarídeos. Monossacarídeos são os mais simples de todos, enquanto
dissacarídeos e polissacarídeos são formados por ligação glicosídica. Quais dos dois
compostos abaixo é um monossacarídeo? Explique.

A B

120
5 Os ácidos graxos são uma classe importante de lipídios que desempenham uma
ampla gama de funções em organismos vivos. Os ácidos graxos podem ser saturados
ou insaturados devido a presença de ligações duplas. O ponto de fusão de um
composto é a temperatura na qual ele passa de estado sólido para líquido. Por que os
ácidos graxos insaturados têm pontos de fusão mais baixos do que os ácidos graxos
saturados?

121
122
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
AS MACROMOLÉCULAS DA INFORMAÇÃO
GENÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Os ácidos nucleicos são as macromoléculas mais importantes para a continuidade
da vida. No Tema de Aprendizagem 3, abordaremos uma visão geral da estrutura dos
nucleotídeos, dos ácidos nucleicos DNA e RNA e da transmissão do material genético.

Essas moléculas carregam a informação genética que contém as instruções


para o funcionamento da célula encontrado em todos os organismos vivos.

Estão envolvidas no fluxo das informações celulares que compõem o dogma


central da biologia proposto por Francis Crick em 1958, onde as informações presentes
no DNA são um conjunto de instruções que podem ser transcritas para o RNA e que são
então traduzidas para combinar aminoácidos e assim produzir as proteínas da célula.

2 ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS ÁCIDOS NUCLEICOS


Os ácidos nucleicos, DNA – Ácido desoxirribonucleico (do inglês, DesoxyiboNu-
cleic acid) – e o RNA, ácido ribonucleico (do inglês, RiboNucleic acid), são polímeros de
unidades de nucleotídeos. Possuem um papel biológico de armazenamento e transmis-
são da informação genética.

2.1 NUCLEOTÍDEOS
Cada nucleotídeo apresenta 3 componentes característicos (Figura 40): (1) A
Base nitrogenada, pirimidina ou purina; (2) Uma pentose, monossacarídeos aldeídos;
e (3) Um grupo fosfato.

O grupo fosfato em meio aquoso e pH fisiológico é carregado negativamente,


dando o caráter ácido para a molécula. A molécula sem o grupo fosfato é denominada
nucleosídeo (Tabela 5).

Os nucleotídeos possuem 2 tipos de pentoses, na forma de β-furanose (um anel


de furano):

• Para o RNA, a D-ribose possui o grupo -OH no C2’.


• Para o DNA, a 2-desoxi-D-ribose, o grupo -OH do C2’ é substituído do por – H .
123
Assim, se o açúcar for ribose, o resultado é um ribonucleotídeo. Se o açúcar é
desoxirribose, o resultado é um dos quatro desoxirribonucleotídeos.

A numeração do carbono com apóstrofe (´) diferencia-se dos demais carbonos


das bases nitrogenadas. O “D” das pentoses indica a isomeria, com o -OH à direita do
centro quiral na configuração linear.

Figura 41 – Estrutura de nucleotídeos

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.282)

(a) A estrutura geral mostrando a convenção numérica do anel de pentose. Esse é um


ribonucleotídeo. Nos desoxiribonucleotídeos, o grupo ¬OH no carbono 2´ (vermelho)
é substituído por H. (b) Os compostos ancestrais das bases pirimídicas e púricas dos
nucleotídeos e dos ácidos nucleicos, mostrando a convenção numérica.

O DNA é estável em condições alcalinas, pois não possui o grupo hidroxila do C2’.
Por outro lado, o 2’-OH do RNA atua como grupamento nucleofílico intramolar, sendo
mais suscetível à hidrólise em condições alcalinas.

As bases nitrogenadas presentes nos ácidos nucleicos são moléculas fracamente


básicas e por isso chamados de bases. Todas as bases nucleotídicas absorvem luz UV,
no comprimento de onda 260nm.

As bases pirimidinas são moléculas planas com um único anel que contém o
nitrogênio. São as citosinas (C), timinas (T) e uracilas (U). As bases purinas possuem 2
anéis. Um anel pirimidina fundido a um anel imidazólico, formando a adenina (A) e na
guanina (G) (Figura 41).

124
A ocorrência das bases difere no DNA e no RNA. As bases formam pares
definidos por Watson e Crick de maneira que A é sempre pareado com T, e G é sempre
pareada com C na estrutura do DNA. Enquanto na estrutura do RNA, A é pareado com
U e G com C, principalmente.

Figura 42 – Nomenclatura de nucleotídeo e de ácido nucleico

Base Nucleosídeo Nucleotídeo Ácido nucleÍco


Purinas
Adenina Adenosina Adenilato RNA
Desoxiadenosina Desoxiadenilato DNA
Guanina Guanosina Guanilato RNA
Desoxiguanosina Desoxiguanilato DNA
Pirimidinas
Citosina Citidina Citidilato RNA
Desoxicitidina Desoxicitidilato DNA
Timidilato ou
Timina Timidina ou desoxitimidina DNA
desoxitimidilato
Uracila Uridina Uridilato RNA
Fonte: Nelson & Cox (2014, p.282)

Nota: “Nucleosídeo” e “nucleotídeo” são termos genéricos que incluem ambas as


formas ribo ou desoxirribo. Também, ribonucleosídeos ou ribonucleotídeos são aqui
designados simplesmente como nucleosídeos e nucleotídeos (p. ex., riboadenosina
como adenosina), e desoxirribonucleosídeos e desoxirribonucleotídeos como
deso-xinucleosídeos e desoxinucleotídeos (p. ex., desoxirriboadenosina como
desoxiadenosina). Ambas as formas de denominação são aceitas, mas os nomes
mais curtos são mais comumente usados. A timina é uma exceção; “ribotimidina” é
usado para descrever sua ocorrência incomum no RNA.

O DNA e o RNA são polímeros de nucleotídeos ligados covalentemente por


pontes do grupo fosfato em ligação fosfodiéster, formando um esqueleto hidrofílico de
fosfato e resíduos de pentose alternados (Figura 41).

Nos nucleotídeos, o C1’ da pentose faz uma ligação N-β-glicosídica como o N1


das pirimidinas e o N9 das purinas. Essa ligação é formada pela remoção de H2O (um
-OH da pentose e um H da base); e, do outro lado, o ácido fosfórico está esterificado
com a hidroxila do C5’ da pentose em uma ligação fosfodiéster.

As bases podem ser vistas como grupos laterais ligadas ao esqueleto central. As
extremidades da cadeia nos carbonos 5’ e 3’ não apresentam nucleotídeo.

125
Em um ácido nucleico, a sequência de nucleotídeos é representada de forma
simplificada por uma sequência de letras, com cada letra representando uma base
nitrogenada específica. Por exemplo, a sequência se 5'-ATG-3' representa a sequência
que se inicia com a extremidade 5' e termina na extremidade 3' e as bases nitrogenadas
nos nucleotídeos estão nessa ordem: adenina (A), timina (T) e guanina (G).

Além da sua função de constituintes dos ácidos nucleicos, os nucleotídeos


também apresentam uma variedade de funções no metabolismo celular. Estão
envolvidos no armazenamento de energia química e são componentes das coenzimas
NAD+ e FAD, além da participação de transdução de sinal nos sistemas biológicos.

Os nucleotídeos são formados pela combinação de um nucleosídeo com um


ou dois fosfatos adicionais ligados, como a adenosina monofosfato (AMP), adenosina
difosfato (ADP) e adenosina trifosfato (ATP). A hidrólise de nucleotídeos como o ATP e
GTP, produz a energia química necessária para as reações celulares.

Figura 43 – Ligações fosfodiéster no esqueleto covalente do DNA e do RNA

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 285)


126
As ligações fosfodiéster (uma das quais está sombreada no DNA) ligam unidades
nucleotídicas sucessivas. O esqueleto de pentose e grupamentos fosfato alternados
nos dois tipos de ácidos nucleicos é altamente polar. As extremidades 5´ e 3´ da
macromolécula podem estar livres ou podem estar ligados a um grupo fosforil.

2.2 ESTRUTURA DO DNA


O DNA é o material genético encontrado em todos os organismos vivos, desde
bactérias unicelulares até mamíferos multicelulares. Na célula podemos encontrar dois
tipos de DNA: o DNA nuclear e o DNA mitocondrial.

O DNA é composto por duas fitas de nucleotídeos unidas por pontes de


hidrogênio. Cada fita de DNA é formada por um esqueleto de açúcar-fosfato, com bases
as nitrogenadas adenina, guanina, citosina e timina.

A estrutura primária do DNA é a sequência covalente de bases que carregam a


mensagem genética. A ordem é sempre lida na direção 5’3’.

A estrutura secundária do DNA refere-se à maneira pela qual duas fitas de DNA
estão enroladas em torno do mesmo eixo para formar uma dupla hélice de orientação
à direita com o esqueleto do lado de fora. O modelo de dupla hélice foi proposto por
Watson e Crick em 1953. (Figura 42)

A determinação da estrutura secundária do DNA foi obtida com base em padrão


de difração de raio X dos estudos de Rosalind Franklin e Wilkins, além de outros dados
de análises químicas que serão descritos a seguir.

As cadeias de dupla fita são complementares e antiparalelas. Na estrutura de


dupla hélice do DNA, cada base de uma fita está pareada com a base da segunda fita,
unidas por ligação de hidrogênio, em que AT forma 2 pontes de hidrogênio, e GC forma
3 pontes de hidrogênio. A especificidade de pareamento entre as bases resulta na regra
de Erwin Chargaff, em que em qualquer amostra de dupla fita de DNA, a quantidade de
A será sempre igual a quantidade de T. E similarmente, G e C. Assim conclui-se que a
somas dos resíduos de purina (A+G) é igual à soma dos resíduos de pirimidina (T + G).

As ligações de hidrogênio, juntamente com as interações de empilhamento de


base contribuem para a estabilidade da dupla hélice.

A quantidade de AT e GC presente na estrutura do DNA interfere na suscetibilidade


da dupla fita de sofrer desnaturação. O DNA rico em pares GC são mais estáveis e com
ponto de fusão maior, sendo essa uma característica utilizada para experimentos
bioquímicos de PCR.

127
As duplas fitas podem ser separadas e sintetizadas em novas fitas
complementares, sendo que cada fita funciona como molde na replicação do DNA. No
laboratório, o DNA pode ser desenrolado e separado em condições de aquecimento ou
em pHs extremos.

Na dupla hélice do DNA, os pares de base estão empilhados perpendicularmente a


uma distância de 3,4 A com 10,5 pares por volta. O pareamento entre as bases na α-hélice
forma espaços vazios nas voltas, chamadas de sulcos ou cavidades maior e menor, que
são sítios para interação de proteínas, ligantes tóxicos e fármacos (Figura 43).

A estrutura proposta por Watson e Crick é conhecida como forma B do DNA,


porém o DNA pode ocorrer em formas tridimensionais diferentes como a forma A
e a forma Z. Outras variações estruturais do DNA são conhecidas como pareamento
alternativo ou tipo não-Watson-Crick.

O DNA pode apresentar outras variações estruturais como nas sequências


palindrômicas, onde as duas fitas possuem a mesma sequência, porém uma é inversa
da outra como na sequência AATT//TTAA. Essas sequências permitem a formação de
estruturas incomuns no DNA, com a formação de grampos. Esse tipo de estrutura
irregular não ocorre nos genes, e são locais de reconhecimento para enzimas de restrição
que efetuam cortes no DNA, sendo uma característica utilizada na terapia genética.

Figura 44 – Modelo de Watson-Crick para a estrutura do DNA

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.289)


128
O modelo original proposto por Watson e Crick tinha 10 pares de bases ou 34 Å (3,4
nm) por volta da hélice; medidas subsequentes revelaram 10,5 pares de bases ou
36 Å (3,6 nm) por volta. (a) Representação esquemática, mostrando as dimensões
da hélice. (b) Representação em bastão mostrando o esqueleto e o empilhamento
de bases. (c) Modelo de volume atômico. (direita) Complementaridade das cadeias
na dupla-hélice de DNA. As cadeias antiparalelas complementares do DNA seguem
as regras propostas por Watson e Crick. As cadeias antiparalelas pareadas por
bases são diferentes na sua composição de bases: a cadeia da esquerda tem a
composição A3T2G1C3; a da direita, A2T3G3C1. Elas também se diferenciam na
sequência quando cada cadeia é lida na direção 5´3´. Observe as equivalências de
bases: A=T e G=C no duplex.

Na estrutura terciária, o DNA pode apresentar-se de uma forma mais condensada


ou empacotada. Em procariotos, o DNA circular de plasmídeos dobra-se sobre si mesmo
e torna-se super torcido e mais compacto.

Nos eucariotos, o DNA encontrado no núcleo pode estar complexado com


proteínas histonas. As histonas são ricas em aminoácidos com cadeias laterais
carregadas positivamente, que fazem ligação eletrostática com as cargas negativas
dos grupos fosfato do DNA. As histonas empacotam e organizam o DNA em unidades
estruturais de nucleossomos. Esses nucleossomos se organizam em estruturas maiores,
formando a cromatina compacta dos cromossomos.

O genoma humano, que é o conjunto completo de material genético presente


em uma célula humana, contém cerca de 3 bilhões de nucleotídeos. Esses nucleotídeos
estão organizados em 23 pares de cromossomos, que são formados por longas cadeias
de DNA. Cada cromossomo contém muitos genes, o segmento de uma molécula de
DNA que codificam as instruções para a produção de proteínas e outras moléculas.

2.3 ESTRUTURA DO RNA


O RNA é composto por apenas uma fita de nucleotídeos. Pode formar uma
estrutura secundária quando a cadeia se dobra sobre si mesma, porém não assume
conformação em dupla hélice. Se houver pareamento, pontes de hidrogênio serão
formadas. As regiões sem pareamento podem formar estruturas tipo alças. O RNA
pode ainda fazer pareamentos não-Watson-Crick. Esses elementos estruturais podem
influenciar a função da molécula de RNA, por exemplo, permitindo que ela se ligue a
outras moléculas ou influenciando sua estabilidade.

Um exemplo característico de uma estrutura secundária de RNA é encontrado


no RNA transportador (tRNA) (Figura 44)

129
A sequência de bases do RNA é complementar à sequência de codificação
do DNA do qual foi copiada. Relembrando que no RNA, a base U ocupa o lugar da
base T. Logo, uma fita de DNA com a sequência AATTGCGCAA, a sequência do RNA
complementar será UUAACGCGUU.

O RNA tende a ser menor em tamanho em comparação com o DNA. No entanto,


o tamanho pode depender de sua função e do organismo em que se encontra. O RNA
é encontrado tanto no núcleo como no citoplasma, e pode exercer diferentes funções.
Por exemplo, as ribozimas são RNA com atividade catalítica similar à das enzimas.

Figura 45 – Estrutura tridimensional do RNA

Fonte: Nelson & Cox (2014, p. 296)

(a) Estrutura tridimensional do tRNA de fenilalanina em levedura (PDB ID 1TRA).


Alguns padrões de pareamento de bases incomuns encontrados neste tRNA estão
mostrados. Observe também o envolvimento do oxigênio de uma ligação fosfodiéster
da ribose em um arranjo de ligação de hidrogênio e um grupo 29-hidroxila da ribose
em outro (ambos em vermelho). (b) Ribozima cabeça-de-martelo (denominada

130
desta forma devido à estrutura secundária no sítio ativo que parece a cabeça de
um martelo), obtida de certos vírus de plantas (obtida de PDB ID 1MME). Ribozimas,
ou enzimas de RNA, catalisam uma variedade de reações, principalmente do
metabolismo de RNA e na síntese proteica. As estruturas tridimensionais complexas
desses RNAs refletem a complexidade inerente na catálise, como descrito para
enzimas proteicas no Capítulo 6. (c) Segmento de mRNA conhecido como íntron,
de um protozoário ciliado Te -trahymena thermophila (obtido do PDB ID 1GRZ). Esse
íntron (uma ribozima) catalisa sua própria excisão do meio dos éxons em uma cadeia
de mRNA.

3 TRANSMISSÃO DO MATERIAL GENÉTICO


A replicação e transcrição são os processos envolvidos na produção de novos
ácidos nucléicos, o DNA ou RNA.

3.1 REPLICAÇÃO
A replicação do DNA é o processo pelo qual as células fazem cópias de seu DNA
antes de se dividirem. Isso garante que cada uma das células filhas receba um conjunto
completo de instruções genéticas.

A replicação do DNA ocorre na fase S (fase de síntese) do ciclo celular. As


principais enzimas que participam desse processo são a DNA polimerase e a DNA
helicase.

A unidade do DNA em que está acontecendo a replicação é conhecida como


replicon. A enzima helicase desenrola a estrutura de dupla hélice da molécula de DNA e
separa as duas fitas. Isso cria uma forquilha de replicação, com uma fita servindo como
modelo para a síntese da nova fita. As bactérias possuem um único replicon, porém os
eucariotos podem ter vários.

Em seguida, uma enzima chamada primase adiciona uma pequena sequência


iniciadora de RNA (primer) às fitas modelo que servem como pontos de partida para a
síntese de DNA.

A replicação do DNA é sintetizada pela DNA polimerase (ou DNA pol). (Figura 45)
Esta polimerase sintetiza as novas fitas adicionando os desoxiribonucleotídeos (dNTP)
às fitas molde, seguindo as regras de pareamento de bases (A com T e C com G).

À medida que a polimerase se move ao longo das fitas molde, ela sintetiza as
novas fitas na direção 5'3', adicionando nucleotídeos um a um, com a liberação do
pirofosfato inorgânico (PPi). O 3´OH livre é ponto no qual o DNA é alongado.

131
Figura 46 – Alongamento da cadeia de DNA

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.1014)

(a) O mecanismo catalítico para a adição de um novo nucleotídeo pela DNA-


polimerase envolve dois íons Mg2+, coordenados aos grupos fosfato do nucleotídeo
trifosfato que chega, ao grupo 39 hidroxila que atuará como nucleófilo e três
resíduos Asp, dois dos quais são altamente conservados em todas as DNA--
polimerases. O íon Mg21 representado na parte de cima facilita o ataque do grupo 39
hidroxila do iniciador ao fosfato a do nucleotídeo trifosfato; o outro íon Mg21 facilita
o deslocamento do pirofosfato. Ambos os íons estabilizam a estrutura do estado de
transição pentacovalente. As RNA-polimerases usam um mecanismo semelhante
(b) A atividade da DNA-polimerase I também precisa de uma fita simples não pareada
para atuar como molde e uma fita iniciadora para fornecer o grupo hidroxila livre na
extremidade 3’, à qual a nova unidade de nucleotídeo é adicionada. Cada nucleotídeo
que chega é selecionado em parte pelo pareamento de bases ao nucleotídeo

132
apropriado na fita-molde. O produto da reação tem uma nova hidroxila 3’ livre,
permitindo a adição de outro nucleotídeo. O par de bases recentemente formado
migra para deixar o sítio ativo disponível para o próximo par a ser formado. (c) O
núcleo da maioria das polimerases tem um formato semelhante ao de uma mão
humana que envolve o sítio ativo. A estrutura mostrada é a DNA-polimerase I de
Thermus aquaticus, ligada ao DNA (PDB ID 4KTQ). (d) Uma interpretação do desenho
da estrutura da DNA-polimerase mostra as partes de inserção e pós-inserção no
sítio ativo. O sítio de inserção é onde ocorre a adição de nucleotídeos, e o sítio de
pós-inserção é o local para onde o par de bases recentemente formado migra depois
que aparece.

Como as fitas são antiparalelas, uma fita líder é sintetizada continuamente 5'3',
enquanto a outra terá uma síntese descontínua ou retardada, formando fragmentos de
novas fitas chamados de Okasaki (Figura 46).

Figura 47 – Definindo as fitas de DNA na forquilha de replicação

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.1013)

Uma nova fita de DNA (vermelho-claro) sempre é sintetizada na direção 5’3’. O


molde é lido na direção oposta, 5’3’. A fita líder é sintetizada continuamente na
direção adotada pela forquilha de replicação. A outra fita, retardada, é sintetizada
descontinuamente em pequenos pedaços (fragmentos de Okazaki) em uma direção
oposta àquela em que a forquilha de replicação se move. Os fragmentos de Okazaki
são ligados pela DNA-ligase. Em bactérias, os fragmentos de Okazaki têm 1.000 a
2.000 nucleotídeos de comprimento. Nas células de eucariontes, eles têm 150 a 200
nucleotídeos de comprimento.

133
Os organismos possuem propriedades básicas para replicação do DNA:

• A replicação é semiconservativa, de forma que cada fita mãe de DNA funciona como
molde para a síntese de novas fitas filhas. Assim, cada dupla hélice recém-formada
contém uma fita nova e uma fita velha.
• A replicação começa em uma região específica, a origem, que são regiões ricas em
AT, que desnaturam em temperaturas mais baixas por terem apenas duas pontes
de hidrogênio.

As bactérias possuem várias DNA polimerases, sendo as principais: a DNA


polimerase I e a DNA polimerase III, uma enzima multimérica e a principal responsável pela
síntese pois possui maior velocidade de polimerização (nucleotídeos por segundo) e mais
processividade, que é o número de nucleotídeos formados antes de se soltar do molde.

Os eucariotos possuem 5 tipos principais de DNA polimerases: α, β, γ, ε, δ. As


polimerases α, ε e δ estão mais ativas no processo de divisão celular, enquanto a γ
polimerase é responsável pela replicação do DNA mitocondrial.

A síntese de uma molécula de DNA prossegue em 3 estágios: (1) iniciação, (2)


alongamento e (3) terminação. As informações desses estágios provêm de experimentos
realizados em bactérias, porém os princípios são conservados em todos os sistemas de
replicação.

No estágio (1), iniciação, a DNA polimerase em bactérias associa-se com o DNA


na origem (chamado de OriC).

O estágio (2), elongação, é a fase de síntese da fita líder e da fita descontínua.


Primeiramente, a DNA polimerase com as enzimas acessórias avançam na forquilha de
replicação. Logo após, a fita descontínua é dobrada com a ajuda de um complexo de
proteínas para que a DNA polimerase siga na direção 5'3', fazendo a polimerização de
ambas as fitas. Por fim, os fragmentos da fita descontínua são selados pela DNA ligase
e os primers são removidos.

No estágio (3) de terminação, as duas forquilhas de replicação do cromossomo


circular se encontram. Em seguida, as enzimas topoisomerases quebram ligações,
separando as duas hélices formadas.

A replicação do DNA é um processo altamente preciso com mecanismos que


garantem a fidelidade da replicação. Mesmo assim, erros de replicação podem ocorrer
e serão corrigidos por diferentes mecanismos após a replicação. Esses erros são
chamados de mutações e alguns podem afetar a estrutura e a função da molécula de
DNA com consequências na expressão gênica ou perda de função.

134
No laboratório, a aplicação resultante do conhecimento dos mecanismos de
replicação do DNA é utilizada em técnicas como a de reação em cadeia polimerase
(PCR) e a do sequenciamento de DNA, que abriram novas perspectivas de manipulação
do genoma e novos métodos de diagnóstico.

3.2 TRANSCRIÇÃO
O gene é o segmento de uma molécula de DNA que contém as informações
necessárias para a síntese de um produto com função biológica. A transcrição converte
a informação genética de um gene em um filamento de RNA.

Enquanto o genoma é estável, o transcriptoma, que consiste em todas as


moléculas de RNA produzidas em uma célula, pode ser variável, de acordo com o estado
fisiológico, do tipo de tecidos, das influências externas, dentre outros mecanismos.

O processo de transcrição é realizado pela RNA polimerase.

Os RNA produzidos nesse processo são:

• mRNA, O RNA mensageiro que codifica para a sequência de aminoácidos das


proteínas;
• tRNA, O RNA transportador que identifica e transporta aminoácidos até o ribossomo;
• rRNA, O RNA ribossômico que é o constituinte dos ribossomos, responsáveis pela
síntese das proteínas.

Outros RNAs adicionais produzidos têm função regulatória e catalítica.

O mRNA de procariotos pode ser policistrônico, que contém mais de um gene.


Em eucariotos, o mRNA são sempre monocistrônicos, que codificam um único gene. O
mRNA é lido em conjuntos de três bases conhecidas como códons. Cada códon codifica
um único aminoácido.

Nos eucariotos, a transcrição ocorre no núcleo, onde o RNA é processado e


transportado para o citoplasma para realizar tradução. Ao final da transcrição, o RNA
de eucariotos passa por um processamento antes de ser traduzido em proteína no
citoplasma.

Nos procariotos, a transcrição e tradução são processos acoplados que ocorrem


simultaneamente, pois não existe o compartimento do material genético no núcleo.

As RNA polimerases são enzimas que realizam a transcrição. Os procariotos


possuem apenas um tipo de polimerase do RNA. Os eucariotos possuem três tipos de
RNA polimerase:

135
• RNA polimerase I, transcreve genes de rRNA (conhecidos como 5.8S, 28S e 18S).
• RNA polimerase II, transcreve genes que codificam para pre-mRNA.
• RNA polimerase III, transcreve outros RNAs, como o tRNA.

A síntese de RNA pela RNA polimerase é semelhante à do DNA com suas 3


etapas: (1) iniciação, (2) elongação e (3) terminação. Porém, com uma etapa anterior, de
reconhecimento (Figura 47).

Alguns fármacos, como antibióticos, agem interferindo no processo de


transcrição, fazendo ligações com a polimerase. Alguns cogumelos produzem um agente
tóxico que inibe a RNA polimerase em eucariotos. Outros agentes podem intercalar-se
entre os ácidos nucleicos e inibirem a replicação ou transcrição.

Certos vírus de RNA, conhecidos como retrovírus, carregam a enzima


transcriptase reversa que catalisa a síntese de DNA complementar ao RNA viral, após
entrar na célula hospedeira. O DNA viral entra no núcleo e é integrado no genoma do
hospedeiro para ser transcrito posteriormente, gerando proteínas virais.

No laboratório, as transcriptases reversas são utilizadas nas técnicas de


clonagem do DNA, tornando possível a síntese de DNA complementar (cDNA) a partir de
um molde de mRNA.

136
Figura 48 – Início da transcrição e alongamento pela RNA-polimerase da E. coli.

Fonte: Nelson & Cox (2014, p.1064)

O início da transcrição precisa de várias etapas geralmente divididas em duas fases,


ligação e início. Na fase de ligação, a interação inicial da RNA-polimerase com o
promotor leva à formação de um complexo fechado, no qual o DNA promotor é ligado
de maneira estável, mas não desenrolado. Uma região de 12 a 15 pb de DNA
– do interior da região -10 à posição 12 ou 13 – é então desenrolado para formar
um complexo aberto. Intermediários adicionais (não mostrados) foram detectados
nas vias que levam aos complexos fechados e abertos, junto com várias mudanças
na conformação proteica. A fase de iniciação envolve o início da transcrição e a
remoção do promotor (etapas 1 a 4 aqui). Uma vez que o alongamento tenha
começado, a subunidade s é liberada e substituída pela proteína NusA. A polimerase
deixa o promotor e fica comprometida com o alongamento do RNA (etapa 5). Quando
a transcrição está completa, o RNA é liberado, a proteína NusA se dissocia e a
RNA-polimerase se dissocia do DNA (etapa 6). Outra subunidade s se liga à RNA-
polimerase, e o processo se reinicia.

137
NOTA
O tamanho das macromoléculas é dado em termos de massa molecular (ou peso molecular)
e é tipicamente expresso em dalton (Da ou D), sendo que 1000 D = 1 kilodalton (kD).
A massa molecular das proteínas depende do número e tipo de aminoácidos que elas
contêm. As proteínas podem variar em tamanho, desde pequenas moléculas com massas
moleculares de alguns milhares de daltons até grandes moléculas com massas moleculares
de vários milhões de daltons.
A massa molecular dos carboidratos depende de seu tamanho e complexidade. Açúcares
simples, como a glicose, têm uma massa molecular de cerca de 180 Da, enquanto
carboidratos maiores, como amido e celulose, têm massas moleculares que podem variar
de vários milhares a vários milhões de daltons.
A massa molecular dos lipídios depende do tipo e número de cadeias de ácidos graxos que
eles contêm. Lipídios simples, como ácidos graxos, têm massas moleculares que variam de
200 a 400 Da, enquanto lipídios mais complexos, como triacilgliceróis (gorduras)
e fosfolipídios, têm massas moleculares que podem variar de vários milhares a
várias centenas de milhares de daltons.
A massa molecular dos ácidos nucleicos depende do comprimento de suas
cadeias poliméricas. O DNA e o RNA são compostos de nucleotídeos e sua
massa molecular depende do número dos nucleotídeos que ele contém.
Por exemplo, a massa molecular de uma molécula de DNA com um
comprimento de 10.000 nucleotídeos tem de cerca de 300.000 Da.

DICA
www.labxchange.org
www.celuladidatica.ufpr.br/membrana-biologicas.php
https://www.instagram.com/descomplica_doutoras
https://learn.genetics.utah.edu/content/labs/
www.projeto-biologico.arizona.edu/default.html

138
LEITURA
COMPLEMENTAR
É o DNA!
HÁ 60 ANOS ERA DESCRITA A PRIMEIRA FORTE EVIDÊNCIA DA RELAÇÃO ENTRE
ÁCIDO NUCLÉICO E HEREDITARIEDADE

Mônica Bucciarelli Rodriguez


Revista Ciência Hoje

Qualquer estudante com um mínimo de informação em biologia sabe que as


características genéticas da grande maioria dos seres vivos são transmitidas de geração
a geração pelo ácido desoxirribonucleico (DNA). No entanto, a primeira demonstração do
papel central desempenhado por essa molécula na hereditariedade ocorreu há apenas
seis décadas, e não foi aceita de imediato.

Uma experiência realizada em 1928 pelo microbiólogo inglês Frederick Griffith


(1877-1941) mostrou, para surpresa geral, que bactérias capazes de causar uma doença
podiam, mesmo depois de mortas, ‘passar’ essa capacidade para bactérias vivas que a
tinham perdido, mas não descobriu como isso ocorria. Esse enigma só seria decifrado em
1944, quando um trabalho de três médicos norte-americanos – Oswald T. Avery (1877-
1955), Colin M. MacLeod (1909-1972) e Maclyn McCarty (1911-) –indicou que o DNA das
bactérias mortas seria o responsável pela transmissão da virulência para as bactérias vivas.

Tal associação era tão surpreendente para a época que, embora ficasse clara
na experiência, recebeu pouco destaque no título do trabalho de Avery e colegas:
‘Estudos sobre a natureza química da substância indutora de transformação de tipos
de Pneumococcus’. A informação mais importante estava no subtítulo – ‘Indução de
transformação por uma fração de ácido desoxirribonucléico isolada de Pneumococcus
tipo III’ –, mas este certamente só chamaria a atenção de especialistas da área.

Qual a razão para tamanho cuidado? A composição química dos ácidos nucléicos
e das proteínas já era conhecida. Sabia-se que os primeiros eram longas moléculas
formadas por apenas quatro tipos de unidades básicas, o que as tornava quimicamente
muito monótonas, sobretudo porque estava em voga a teoria de que o DNA seria uma
longa seqüência de ‘blocos’ idênticos, cada um reunindo quatro diferentes nucleotídeos
(moléculas constituídas de um açúcar específico que se liga a uma base nitrogenada
e a um grupo fosfato). Em contrapartida, sabia-se que as proteínas eram polímeros
formados por 20 aminoácidos diferentes. Assim, apresentavam uma diversidade de
estrutura muito maior, e por isso eram as moléculas mais cotadas como as responsáveis
primárias pela grande diversidade genética dos seres vivos, embora em 1897 o zoólogo
norte-americano Edmund B. Wilson (1856-1939) já tivesse sugerido que esse papel
cabia a um ácido nucléico. Mas o que Avery, MacLeod e McCarty de fato fizeram?

139
Para entender isso, é importante conhecer o experimento precursor, de Fre-
derick Griffith. O microbiólogo trabalhava, no Laboratório de Patologia do Ministério
da Saúde britânico, com pneumococos (nome comum da bactéria Streptococcus
pneumoniae, então conhecida como Pneumococcus, que causa pneumonia), já
classificados anteriormente em diversos tipos. Essa classificação se baseava nas
respostas a anticorpos presentes em soros, que distinguiam o mucopolissacarídeo
(constituinte da cápsula que envolve certas bactérias) específico de cada tipo de
pneumococo. Quando cultivados em placas de petri, em laboratório, os pneumo-
cocos que sintetizam suas cápsulas geram colônias ‘lisas’. A injeção subcutânea
de cultura líquida desses pneumococos em camundongos causa a sua morte. No
entanto, o cultivo in vitro permite também o surgimento de colônias ‘rugosas’, cujas
bactérias perderam a capacidade de sintetizar mucopolissacarídeo (e, portanto, não
têm cápsulas). As mutantes rugosas não podiam mais ser classificadas com os soros
e, além disso, perdiam a virulência: camundongos inoculados com elas permane-
ciam vivos, ao contrário do que ocorria se fossem inoculados com pneumococos
lisos. Griffith mostrou que quando bactérias lisas do tipo III mortas (pela aplicação
de calor) eram misturadas com bactérias rugosas derivadas do tipo II, e depois essa
suspensão mista era inoculada em camundongos, estes morriam, e os pneumoco-
cos vivos recuperados dos corpos eram do tipo III (Figura 1).

140
Figura 1. Pneumococos selvagens do tipo III (que produzem colônias lisas), quando inoculados em camun-
dongos, os matam (A), e pneumococos do tipo II mutantes (que produzem colônias rugosas) perdem a
virulência (B). Em sua experiência, Griffith mostrou que, quando a mistura de pneumococos lisos do tipo
III mortos pelo calor (não virulentos) com bactérias rugosas vivas (C) é injetada nos camundongos, estes
morrem (D), e bactérias selvagens do tipo III são recuperadas de seu organismo. Esse resultado indica que
houve uma transformação das bactérias rugosas pela ação de algum ‘princípio transformante’ contido na
suspensão com bactérias mortas.

O cientista concluiu que uma substância liberada pelas bactérias mortas fazia
com que as bactérias não virulentas mudassem de tipo e voltassem a ser capazes de
matar os camundongos. Ele chamou essa substância de ‘princípio transformante’, e
chamou o processo de transformação, como é conhecido até hoje. Posteriormente, a
transformação de pneumococos foi obtida in vitro – e não apenas em camundongos
(in vivo) – e observada em outros organismos, sendo relacionada a uma alteração de
características genéticas produzida por recombinação de genes.

141
Figura 2. Na experiência de Avery e colegas, foi usada uma fração purificada e não virulenta (A) do extrato
de pneumococos lisos do tipo III, virulentos. Essa fração, rica em DNA, mantinha a capacidade de promo-
ver transformação (B) quando tratada com enzimas que destroem proteínas (proteases), mas perdia essa
propriedade (C) quando tratada com enzimas que degradam DNA (DNAses). Isso revelou que o DNA era o
responsável pela transformação das bactérias – ou seja, era o portador das características genéticas

A natureza do princípio transformante de Griffith permaneceu obscura até


o trabalho de Avery, MacLeod e McCarty. Eles repetiram a transformação in vitro de
pneumococos, no Instituto Rockfeller para Pesquisa Médica, mas substituíram as células
mortas pelo calor por uma fração purificada de extrato de bactérias lisas (incapaz, por
si só, de provocar a doença) e trataram esse material com diferentes enzimas, cada
uma capaz de destruir um tipo específico de macromolécula. A experiência revelou que
essa fração mantinha sua capacidade transformante quando tratada com enzimas que
degradam proteína ou RNA, mas perdia essa capacidade quando tratada com enzimas

142
que degradam DNA (Figura 2). Esses resultados indicavam que a natureza química do
‘princípio transformante’ era DNA. Cientes de que essa conclusão não seria aceita com
facilidade, os autores foram cautelosos na discussão do trabalho, onde escreveram:
“No atual estado de conhecimento, qualquer interpretação do mecanismo envolvido
na transformação tem que ser puramente teórica.” Apesar da cautela, defenderam
que o DNA tinha uma participação não apenas estruturalmente importante, mas
funcionalmente ativa na determinação das atividades bioquímicas e nas características
específicas dos pneumococos.

O tempo e o consequente desenvolvimento da ciência mostraram que Avery


e seus colaboradores estavam certos em sua acanhada proposição. Muitas vezes
aquilo que não parece certo para o senso comum – como a ideia de que o DNA seria
o material genético, e não as proteínas – revela-se absolutamente claro e óbvio
após o esclarecimento de seu mecanismo. Informações curiosas sobre o princípio
transformante e sobre pesquisas realizadas antes e após essa descoberta estão no site
http://profiles.nlm.nih.gov/CC/Views/Exhibit/documents/discovery.html, que traz ainda
uma biografia de Oswald T. Avery. Uma descrição simples e correta da caracterização
estrutural e funcional do DNA, acompanhada de um debate sobre as implicações do
avanço do conhecimento genético, é feita pelo jornalista brasileiro Marcelo Leite em O
DNA (Coleção Folha Explica, 2003).

Apesar da importância da descoberta de Avery e colaboradores e do amplo


reconhecimento que o experimento alcançou no meio científico (é descrito em
praticamente todos os manuais de genética e biologia molecular), seus autores
curiosamente não foram agraciados com o prêmio Nobel.

Fonte: Disponível em: https://www2.icb.ufmg.br/grad/genetica/dna.pdf. Acesso em: 15 mar. 2023.

143
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• Os ácidos nucleicos possuem um papel biológico de armazenamento e transmissão


da informação genética.

• Os ácidos nucleicos são o DNA – Ácido desoxirribonucleico (do inglês,


DesoxyiboNucleic acid) – e o RNA, ácido ribonucleico (do inglês, RiboNucleic acid),
formado por polímeros de nucleotídeos lidos na sequência 5’3’.

• Os componentes dos nucleotídeos são: a base nitrogenada, pirimidina ou purina;


uma pentose, monossacarídeos aldeídos; e um grupo fosfato.

• Os nucleotídeos também apresentam outras funções no metabolismo celular.

• O DNA é formado por duas fitas e possui uma estrutura secundária de dupla hélice
onde as bases são complementares e antiparalelas.

• O RNA é formado de uma fita simples

• Na replicação do DNA, cada fita do DNA original serve como modelo para a síntese
de uma fita complementar.

• A DNA polimerase é a principal enzima necessária para a replicação.

• Na transcrição, um segmento de DNA serve como modelo para a síntese de uma


sequência de RNA.

• A RNA polimerase é a principal enzima necessária para a transcrição.

• Três tipos de RNA são formados durante a transcrição: mRNA, rRNA e tRNA.

144
AUTOATIVIDADE
1 O DNA (ácido desoxirribonucleico) e as proteínas são duas importantes macromoléculas
da célula. O DNA é responsável pelo armazenamento e transmissão da informação
genética, enquanto as proteínas são importantes para várias funções biológicas,
incluindo de estrutura celular, a regulação metabólica e a realização de reações
químicas. Ambos o DNA e as proteínas são compostos de elementos químicos, no
entanto, alguns elementos são encontrados somente em um dos compostos, e não
na outra. Acerca dos elementos que são encontrados no DNA, mas não nas proteínas,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Carbono
b) ( ) Nitrogênio
c) ( ) Oxigênio
d) ( ) Fósforo
e) ( ) Enxofre

2 A estrutura do DNA é estabelecida por interações específicas de base entre as duas


fitas complementares formando a dupla hélice de DNA. As quatro bases nitrogenadas
encontradas no DNA são adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). A adenina
complementa a timina, enquanto a citosina complementa a guanina.
Uma fita de DNA contendo 20 A, 25 G, 30 C e 22 T, quando completada pela segunda
fita, terá um determinado total de bases. Acerca desse total, assinale a CORRETA:

a) ( ) 40 A, 50 G, 60 C e 44 T
b) ( ) 50 A, 47 G, 50 C e 47 T
c) ( ) 45 A, 45 G, 52 C e 52 T
d) ( ) 42 A, 52 G, 52 C e 42 T

3 A molécula de RNA, ou ácido ribonucleico, é uma molécula importante na biologia


celular, responsável por muitas funções, incluindo a tradução do código genético do
DNA para proteínas. Na molécula de RNA, a adenina faz pareamento com determinada
base. Acerca dessa base, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Citosina.
b) ( ) Timina.
c) ( ) Uracila.
d) ( ) Guanina.

145
4 Uma fita molde de gene de DNA tem a sequência 5′‑ATGAGCGACTTTGCGGGATTA‑3′.
Qual é a sequência de nucleotídeos complementar no DNA e qual a sequência do
RNA que será formada a partir desse molde?

5 O DNA é uma molécula que armazena informações genéticas, as quais são


responsáveis por regular a expressão gênica, ou seja, a síntese de proteínas. Para
que as informações armazenadas no DNA sejam utilizadas na produção de proteínas,
é necessário que ocorra a transcrição. Qual é o papel do DNA na transcrição? Qual é
o produto formado na transcrição?

146
REFERÊNCIAS
BERG, J. M.; STRYER, LU. Bioquímica. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2014.
FERRIER, D. Bioquímica ilustrada. 7 ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 7. ed. Porto Ale-


gre: Artmed, 2019.

NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de bioquímica. 6. ed. Porto Alegre: Artmed,


2014

RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 31. ed. Porto Alegre: AMGH,
2021.

WILSON, K.; WALKER, J. Principles and Techniques of Biochemistry and Molecular


Biology. 7 ed. Cambridge Univ. Press, 2010.

147
148

Você também pode gostar