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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

JESSICA LISBOA DA PAZ

PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

PONTA GROSSA 2021


JESSICA LISBOA DA PAZ

PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Trabalho apresentado para a


obtenção de nota parcial, na
disciplina de Direito Penal.

Professor: Pablo Milanese

PONTA GROSSA
2021
RESUMO

Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre o Princípio da adequação social no campo
do Direito Penal, descrevendo seu conceito e efeitos, além de explanar sobre a
possibilidade de descriminalização de condutas típicas por meio da aplicação do
referido princípio. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica de doutrinas, assim
como jurisprudências acerca do tema.

Palavras-chave: Princípio da Adequação Social. Atipicidade. Direito Penal.


ABSTRACT

This paper aims to discuss the Principle of social adequacy in the field of Criminal Law,
describing its concept and effects, in addition to explaining the possibility of decriminalizing
typical conduct through the application of that principle. For that, a bibliographical research of
doctrines was carried out, as well as jurisprudence on the subject.

Keywords: Principle of Social Adequacy. Atypical. Criminal Law.


SUMÁRIO
1

1 INTRODUÇÃO
Os princípios são regras hermenêuticas que possuem a finalidade de orientar o legislador,
assim como o intérprete do direito, garantindo desta forma os direitos fundamentais e a
limitação do poder repressivo do Estado.
A teoria da adequação social parte da premissa de que uma conduta, por mais que seja
submetida ao tipo penal, pode deixar de ser considerada típica quando a mesma se adequa e é
amplamente aceita pela sociedade. Algumas destas condutas já são submetidas ao princípio da
adequação social e se tornaram costumes em nosso meio social, como a prática de perfurar a
orelha de bebês e as tatuagens, que por mais que se enquadrem no tipo penal como condutas
ilícitas, não são penalizadas.
Outras, contudo, ainda são encaradas timidamente pelos tribunais, como a venda de CD’s
e DVD’s piratas, que apesar de ser conduta costumeira em nossa sociedade, ainda é
considerada pelo judiciário uma prática na qual se entende inadmissível a aplicação da
adequação social como forma de torná-la atípica.
Para tanto, a presente pesquisa proporciona uma análise doutrinária e jurisprudencial
acerca do tema, demonstrando os argumentos utilizados para fundamentar a aplicação ou não
do princípio da adequação social a casos que são objeto de debates e que geram dúvidas quanto
à sua tipicidade material.

2 CONCEITO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Em tradução a palavra Adequação é proveniente do latim "adaequare" e significa


adaptar ou ajustar-se. Levando em consideração essa ideia inicial, estrutura-se toda a
concepção referente ao "Princípio da Adequação Social" e que possui como aspecto primordial
à necessidade de constante adaptação, por parte do Ordenamento Jurídico, aos fatos produzidos
pela coletividade, a fim de manter a relação de interdependência.

Concebida por Hans Welzel, o princípio preconiza que nenhuma conduta pode ser
considerada delituosa ou socialmente condenável, mesmo que se enquadre no que está
determinado pela legislação, se tiver ampla aceitação por parte coletividade ou por um grupo
que a pratique, pois as mesmas estão em consonância com a ordem social. Nesse sentido,
embora determinadas condutas sejam formalmente típicas, já que estão expressas no tipo
penal, elas são consideradas materialmente atípicas, por estarem socialmente adequadas e
toleradas.
2

Por conseguinte, pode-se destacar que esse princípio constitui-se a partir de um critério
de subjetividade de aceitação ou reprovação, determinado pela sociedade, e que, se desdobra
em uma exteriorização a ser materializada pelo legislador e pela comunidade jurídica. Esse
princípio dispõe, em síntese, que se a sociedade aceita a conduta praticada e essa não contraria
o disposto na Constituição Federal, ela não será punida criminalmente. Isso significa dizer que,
embora formalmente típica, a conduta será materialmente atípica. O doutrinador Cesar
Roberto Bitencourt ressalta que,

há condutas que por sua “adequação social” não podem ser consideradas criminosas.
Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram “socialmente
adequadas” não se revestem de tipicidade e, por isso, não podem constituir delitos.
(BITENCOURT, 2011, p. 103)

Segundo Nucci, ( NUCCI, 2011, p.230) “A evolução do pensamento de costumes, no


entanto, é fator decisivo para a verificação dessa excludente de tipicidade. Atualmente, não
mais se considera lesão corporal a utilização de tatuagem”. Uma conduta é considerada
perigosa pela sociedade, se for atribuída a ela uma grau de valoração referente a periculosidade
da mesma.

A partir dessa valoração dada pela sociedade é que o Estado irá, então, tipificar
criminalmente essa conduta e determinar uma sanção cabível. Por outro lado, quando a
coletividade passa a tolerar determinada conduta, devido a evolução do pensamento, tais
condutas deixam de ser valoradas negativamente, havendo a adequação da mesma pela
sociedade, e a possibilidade de aceitação na esfera jurídica, deixando de se aplicar pena sobre a
referida prática.

Tem-se, portanto, que o princípio da adequação social auxilia o intérprete do direito na


escolha das condutas que deseja proibir devido à lesividade aos bens jurídicos protegidos, além
de repensar outras condutas que, por razão da evolução social, acabaram se adequando a
sociedade e que talvez deixem de serem passíveis de pena.

DESCRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS TÍPICAS

Analisando a doutrina, entende-se que a adequação social se constitui como excludente


supralegal da tipicidade, como afirma o Nucci,

Parece-nos que a adequação social é, sem dúvida, motivo para exclusão da tipicidade,
justamente porque a conduta consensualmente aceita pela sociedade não se ajusta ao
modelo legal incriminador, tendo em vista que este possui, como finalidade precípua,
proibir condutas que firam bens jurídicos tutelados. Ora, se determinada conduta é
acolhida como socialmente adequada deixa de ser considerada lesiva a qualquer bem
jurídico, tornando-se um indiferente penal. (NUCCI, 2011, p. 229-230).
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Ao excluir a tipicidade de condutas socialmente aceitas, entende-se como válida a


descriminalização das mesmas. Como exemplo da aplicação do princípio da adequação social
pode-se citar o ato de furar a orelha de um bebê para a colocação de brincos, conduta esta
tipificada pelo art. 129 do Código Penal como lesão corporal, mas que tornou-se indiferente
penal devido a aceitação social da prática e, portanto, não é penalizada.

Há condutas, contudo, que geram discussões acerca da aplicação da adequação social


como excludente de tipicidade, à exemplo da venda de cd’s e DVD’s piratas, crime de violação
de direito autoral previsto no art. 184, §2º, do Código Penal, mas que devido a tolerância
social, segundo a doutrina, poderia deixar de ser considerada conduta típica.

Os tribunais brasileiros, contudo, não são muito receptivos quanto a admissibilidade da


adequação social ao caso de venda de CD’s e DVD' s piratas, pois além de ser contrária a lei,
fomenta essa espécie de crime. Devido a recorrência de julgamentos pleiteando a declaração de
atipicidade da conduta, com base no princípio da adequação social, o STJ aprovou em 2016 a
súmula 502, anunciando que “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em
relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs
piratas.”, consagrando, desta forma, a inadmissibilidade da aplicação do princípio da
adequação social da conduta supracitada.

Entende-se, portanto, que o princípio da adequação social não é aplicável a qualquer


conduta que seja tolerável socialmente, devendo ser analisada de forma ampla e verificando a
possibilidade de aplicação em um determinado caso concreto.

3 DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR- Apelação: APL 8895117 PR 889511-7

APELAÇÃO CRIMINAL CRIME CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL ART. 184, §


2º, DO CP EXPOSIÇÃO À VENDA DE CD'S E DVD'S "PIRATAS" - AUTORIA E
MATERIALIDADE COMPROVADAS - PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL
INAPLICABILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE
RECURSO PROVIDO. Embora conte, não raramente, com a tolerância da sociedade e dos
agentes estatais incumbidos da repressão penal, a exposição à venda de produtos "piratas" não
comporta a aplicação do princípio da adequação social. (TJPR - 5ª C.Criminal - AC - 899511-7
- Maringá - Rel.: Juiz Eduardo Fagundes - Unânime - J. 23.08.2012)

(TJ-PR - APL: 8995117 PR 899511-7 (Acórdão), Relator: Juiz Eduardo Fagundes, Data de
Julgamento: 23/08/2012, 5ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 948 14/09/2012)
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No julgado mencionado posteriormente, o indivíduo do caso foi condenado à pena de


dois anos de reclusão, em cumprimento através do regime aberto, e ao pagamento de 10 dias-
multa, já que o mesmo praticou a violação do crime de direito autoral, este tipificado no art.
184, § 2.º, do Código Penal, quando colocou à venda em sua loja, em Maringá (Paraná), 250
CDs e 65 DVDs falsificados.

Entretanto, a sentença tomada pelo Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de Maringá
absolveu os réus , pois acreditava que o caso aplicava-se ao princípio da adequação social,
concebido por Hans Welzel e o qual abrange: "não se pode reputar criminosa uma conduta
tolerada pela sociedade, ainda que se enquadre em um descrição típica".

Assim, o TJ do Paraná conseguiu reformular a sentença anterior e no recurso de apelação


do Ministério Público, ocorreu o pedido de reforma da mesma, já que o próprio relator disse
em seu voto: "O entendimento exarado em sentença, de aplicação do princípio da adequação
social e, consequentemente, absolvição do apelado do crime de violação de direito autoral, não
merece prevalecer".

"Segundo este princípio, uma conduta deixa de ser considerada típica, quando
socialmente aceita."

"Não é o caso dos autos. A meu ver, a comercialização de CDs e DVDs falsificados não
se enquadra no conceito de conduta normalmente aceita pela sociedade. Isto porque a
banalização da pirataria não lhe confere legitimidade."

Assim, votaram a sentença com a fundamentação do argumento anterior, o que


inegavelmente não garante a indicação de um consenso, já que inicialmente o caso havia sido
entendido como conduta atípica e chegou próximo à uma absolvição.

4 CONCLUSÃO

Considera-se pelos doutrinadores, que em razão do princípio da adequação social,


condutas típicas podem se tornar atípicas quando praticadas dentro de um limite socialmente
tolerável. Vale ressaltar que a teoria diz respeito a tipicidade material da conduta, já que em
matéria de tipicidade formal, as mesmas continuam sendo típicas.
Ao analisar a prática jurídica por meio de jurisprudência, contudo, percebe-se que não
são todas as condutas toleradas na sociedade que permitem a aplicação do princípio da
adequação social pelos tribunais brasileiros. A compreensão majoritária é pela não
descriminalização de delitos que causem danos à sociedade, por mais que estejam incorporadas
e toleradas pela população.
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Desta forma, o princípio da adequação deve ser analisada racionalmente diante de casos
concretos a fim de garantir a proteção das garantias penais e ao formalismo legal.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, parte geral 1. 17ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação Criminal Crime Contra A Propriedade


Imaterial Art. 184, § 2º, do Cp Exposição À Venda de Cd'S e Dvd'S "Piratas". nº APL:
8995117 PR 899511-7.Maringá, PR, 23 de agosto de 2012. Jus Brasil. Maringá. Disponível
em: https://jus-vigilantibus.jusbrasil.com.br/noticias/3144302/tjpr-reforma-decisao-de-1-grau-
que-aplicando-o-principio-da-adequacao-social-absolveu-acusado-de-violacao-de-direito-
autoral

JORGETTE, Gabrielle Delecróde; PIACITELLI, M. . O princípio da adequação social e a


descriminalização de condutas. Toledo: Revista Juris, 2019.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e parte especial. 7ª ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 1151 f.

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