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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2024.0000188295

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal nº


2181053-74.2023.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é peticionário
PAULO YASSUO EHARA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7º Grupo de Direito


Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Não
conheceram da ação de revisão criminal ajuizada por Paulo Yassuo Ehara.
V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores WALTER DA


SILVA (Presidente), MIGUEL MARQUES E SILVA, MARCELO GORDO,
MARCELO SEMER, XISTO ALBARELLI RANGEL NETO, AUGUSTO DE
SIQUEIRA, HERMANN HERSCHANDER E MARCO DE LORENZI.

São Paulo, 10 de março de 2024.

MOREIRA DA SILVA
Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Revisão Criminal nº 2181053-74.2023.8.26.0000

Comarca de São Paulo

7º Grupo de Câmaras Criminais

Voto nº 41.584

Revisão criminal – Furto simples em continuidade


delitiva – Pleito de absolvição pela continuidade
delitiva com pedido de reconhecimento da prática de
um furto simples – Inadmissibilidade – Pretendida
rediscussão e reanálise de aspectos da prova – Ação
revisional que não pode, sem nenhum adminículo
probante novo, rescindir o julgado condenatório –
Tema amplamente examinado no v. acórdão
condenatório – Via revisional que não pode ser
manejada como se fora apelação. Ação não
conhecida.

1. Trata-se de Revisão Criminal ajuizada por

Paulo Yassuo Ehara, inicialmente condenado às penas de 1 (um) ano e

8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento

de 16 (dezesseis) dias-multa, à razão mínima, por infração ao artigo 155,

caput, combinado com o artigo 71, caput, ambos do Código Penal.

Inconformadas, as partes recorreram.

Após regularmente processamento, a Colenda

16ª Câmara de Direito Criminal proveu parcialmente o recurso da Defesa

para reduzir para 1/6 (um sexto), a fração de aumento incidente na fase

inicial do cálculo da sanção. E deu integral provimento ao recurso

ministerial, para reconhecer a continuidade delitiva, ajustar a pena

imposta fixando-a em 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 18 (dezoito) dias de

reclusão, e 15 (quinze) dias-multa fixado no mínimo legal, e ainda, para


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fixar o regime fechado para inicial cumprimento da sanção.

Operou-se o trânsito em julgado para a Defesa

e para a Acusação em 11/5/2023, conforme certidão1

A seguir, a Defesa ajuizou a presente ação

revisional com pedido liminar, a fim de garantir ao peticionário o direito

de aguardar o julgamento dessa em liberdade. Ao final, pugna pela

absolvição no tocante à continuidade delitiva por ausência de provas.

O pedido liminar foi indeferido conforme decisão

de fls. 90/92.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

Processada a ação, manifestou-se a

Procuradoria Geral de Justiça em parecer da lavra do Procurador Dr.

Danilo Salomone Agudo Romão, pelo não conhecimento ou, acaso

conhecido, pela improcedência.

É o relatório.

2. A ação revisional não merece ser conhecida.

Com efeito, a ação revisional visa à reparação de

erro judiciário. Não há de ser tratada como apelação. A coisa julgada não é,

como de todos sabido, a mesma coisa que a sentença recorrível. E mais, a

decisão impugnada, para ser rescindida, há de ser manifestamente

1 Fl. 244 Processo nº 1507430-55.2022.8.26.0228

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contrária à prova dos autos ou ao texto expresso da lei.

Não é o que se tem no caso que ora se examina e

julga.

Cumpre registrar que o peticionário foi

processado e, ao final, condenado pelo crime de furto simples em

continuidade delitiva porque, no dia e local indicados na denúncia,

subtraiu em proveito próprio, objetos pertencentes à Cia. Hering (loja

situada no Shopping Mooca), na cidade e comarca de São Paulo, quais

sejam, 13 (treze) calças jeans.

Segundo o apurado, na data e local descritos na

exordial, o peticionário se dirigiu à loja da Cia Hering, localizada no

Shopping Mooca, adentrou no estabelecimento e após, separou 11 (onze)

peças de calças jeans, levando-as consigo para o provador para

supostamente provar as vestimentas.

Em seguida, ocultou sob suas vestes 9 (nove),

das 11 (onze) peças, deixando 2 (duas) no provador. Depois, deixou a

loja sem nada pagar pelas calças que levou consigo. Ato contínuo, foi até

seu veículo marca e modelo VW/Gol, placas FXB4E17, e guardou as

peças subtraídas.

Cerca de 30 (trinta) minutos depois, o

revisionando retornou ao mesmo estabelecimento, e em proceder

semelhante ao anterior, levou outras 7 (sete) calças jeans ao provador e

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escondeu 4 (quatro) peças debaixo de suas vestes. A seguir, devolveu 3

(três) peças a um funcionário da loja (Alisson). Disse que retornaria

depois à loja para realizar a compra e saiu do estabelecimento com as 4

(quatro) peças que ocultara, sem realizar o correspondente pagamento.

Desconfiado, o funcionário solicitou ajuda de um agente de segurança do

Shopping e, juntos, seguiram o suspeito. A seguir, abordaram Paulo,

que demonstrou nervosismo e, ao ser inquirido, levantou o blusão que

vestia, indicando as 4 (quatro) calças jeans que surrupiara da loja da

vítima. À vista dos fatos, a Polícia Militar foi acionada. Ao chegar ao local,

os milicianos realizaram buscas no veículo do sentenciado e encontraram

outras 9 (nove) calças jeans, que foram imediatamente reconhecidas

pelo funcionário da loja, como sendo aquelas que o acusado provara

minutos antes, levando-as consigo sem pagar. As peças foram entregues

a Alisson. A seguir, Paulo foi conduzido à delegacia de polícia para

apuração dos fatos.

Regularmente processado, o acusado confessou

parcialmente o crime, afirmando que cometera o furto no qual foi

flagrado, e negou o primeiro crime a ele imputado. Após, foi condenado

pela r. sentença.

A Defesa interpôs recurso ao qual foi dado

parcial provimento, mantendo-se a condenação nos termos do v. acórdão

que se busca desconstituir nessa via revisional.

Pois bem.

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Verifica-se que o peticionário se volta contra o

decreto condenatório, mais especificamente no tocante ao

reconhecimento da continuidade delitiva, afirmando que não cometeu o

primeiro furto (relativo às 9 calças jeans) encontradas em seu veículo.

Busca, portanto, nova avaliação das provas

produzidas no feito, a fim de que seja reconhecida a tese de crime único

por ele sustentada.

Na verdade, o que pretende é, sem prova nova,

reabrir a discussão em torno de tema apreciado, à saciedade, no segundo

grau de jurisdição, por esta Augusta Corte de Justiça, por meio de v.

acórdão proferido em votação unânime, de relatoria do eminente

Desembargador Otávio de Almeida Toledo.

Convém salientar, contudo, que a via da revisão

criminal não se presta como instrumento processual para que, sem

qualquer adminículo probante novo, seja empreendida a rediscussão ou a

reanálise da prova ou de qualquer outro tema enfrentado em sede

recursal, transformando-a em verdadeira apelação, sem qualquer amparo

legal, como na espécie.

Oportuno trazer a lume, nesse passo, o valioso

escólio do eminente Processualista e Magistrado Guilherme de Souza

Nucci, ao prelecionar que “para ser admissível a revisão criminal,

torna-se indispensável que a decisão condenatória proferida

ofenda frontalmente as provas constantes dos autos”. Ainda: “Há

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julgados que aceitam a revisão criminal para o fim de

'reavaliar' toda a prova, embora a decisão condenatória com

trânsito em julgado tenha analisado a matéria dentro de

razoável interpretação da prova. O objetivo da revisão não é

permitir uma 'terceira instância' de julgamento, garantindo ao

acusado mais uma oportunidade de ser absolvido ou ter reduzida

sua pena, mas, sim, assegurar-lhe a correção de um erro

judiciário”.2

Assaz pertinente, também, como tem se

pronunciado o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.

REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS.

IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. RECURSO DO MINISTÉRIO

PÚBLICO PROVIDO. CONDENAÇÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO

PROVIDO. 1. Firme o entendimento deste Superior

Tribunal de Justiça no sentido de que é inadmissível

a utilização do instituto da revisão criminal como um

novo recurso de apelação, de forma a propiciar

reanálise da prova já existente dos autos. 2. 'A

fundamentação baseada apenas na fragilidade das

provas produzidas não autoriza o e. Tribunal a quo a

proferir juízo absolutório, em sede de revisão

criminal, pois esta situação não se identifica com o

alcance do disposto no art. 621, inciso I do CPP que

exige a demonstração de que a condenação não se


2 - Código de Processo Penal Comentado, 2008, 8ª Edição, Ed. Revista dos Tribunais, p. 989/990.

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fundou em uma única prova sequer, daí ser, portanto,

contrária à evidência dos autos' (REsp 988.408/SP,

Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 25/8/08).

3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp

14228/MS, j. 28/05/2013, DJe 11/06/2013) (grifei).

De mais a mais, a fragilidade ou insuficiência

probatória alegada não constitui fundamento hábil, igualmente, a autorizar

o manejo da revisão criminal, a qual exige decisão condenatória

manifestamente “contrária ao texto expresso da lei penal ou à

evidência dos autos”, consoante o preceito do artigo 621, inciso I, do

Código de Processo Penal. E não se amolda a tal hipótese julgado

condenatório com base em provas supostamente frágeis ou insuficientes,

máxime porque o v. decisum objurgado está amparado em provas e,

portanto, não se pode dizê-lo contrário à denominada evidência dos autos.

Em suma, essa contrariedade de que fala o

legislador só poderia resultar da inexistência de qualquer prova, o que não

é o caso dos autos, máxime em se considerando que há provas e estas

foram fartamente examinadas pelos desembargadores, em segunda

instância, ao reconhecerem a procedência da apelação ministerial, para

reformar a parcialmente r. sentença monocrática e, ao final, por votação

unânime, reconhecer a continuidade delitiva. Isso após percuciente análise

e discussão de todo o acervo probatório.

Não é sem razão que o Colendo Superior

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Tribunal de Justiça não tem admitido a rescisão de sentença ou de acórdão

condenatório ao fundamento de insuficiência ou fragilidade probatória:

“CRIMINAL. RESP. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO.

PRECARIEDADE DAS PROVAS. INADMISSIBILIDADE. RECURSO

PROVIDO. I. Hipótese em que foi deferido o pleito de

revisão criminal, para absolver o peticionário, sob o

fundamento de precariedade de provas da autoria. II.

Fere o sistema processual penal brasileiro a decisão

que, não obstante ter se fulcrado no art. 621, I, do

CPP, embasou toda a sua fundamentação na fragilidade

e precariedade das provas produzidas, transformando o

pedido revisional em recurso de apelação criminal.

III. A expressão "contra a evidência dos autos" não

autoriza a absolvição por insuficiência ou

precariedade da prova. Precedentes. IV. Recurso

provido.”3

De qualquer modo, oportuno registrar as

escorreitas e bem lançadas ponderações externadas no v. acórdão lavrado

em face da apelação, mais especificamente a respeito da continuidade

delitiva:

“(...) A conclusão de que o réu praticou apenas um

furto é totalmente incompatível com as provas dos

autos, uma vez que: (1) foi comprovado que o réu

ingressou na loja duas vezes na data do fato em


3 - STJ Resp nº 1.173.329/SP, 5ª Turma, Relator Min. Gilson Dipp, 13/03/2012, v.u. Em igual sentido: AgRg-REsp nº
1.295.387/MS, 5ª Turma, Relator Min. Jorge Mussi, j. em 11/11/2014, v.u.

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horários distintos; (2) além das quatro calças jeans

apreendidas sob as suas vestes, no momento em que

abordado pelo segurança e o vendedor da loja, outras

nove calças jeans foram encontradas no seu veículo

VW/Gol, todas reconhecidas pelo vendedor da loja

Hering, o que a lógica e o senso comum indicam que

foram furtadas antes. O fato de o primeiro ingresso

do réu na loja não ter levantado suspeita ou de

ninguém ter presenciado o furto, cuja descoberta foi

possível apenas da segunda vez, não o exime de

responsabilidade quanto ao primeiro furto cometido

porque: (1) o furto geralmente é praticado na

clandestinidade, ainda mais nesse tipo de

estabelecimento, em que o cliente simula o interesse

na aquisição de produtos e aproveita-se de algum

momento de descuido para praticá-lo, e (2) a

apreensão das nove calças jeans no seu veículo não

foi justificada pelo réu, que inclusive negou que

houvesse mais calças da loja no VW/Gol, versão

obviamente mendaz porque desmentida pelas testemunhas

de acusação. Ou seja, a dinâmica dos acontecimentos e

as circunstâncias do caso concreto indicam

seguramente que o réu praticou dois furtos na loja

Hering, na data mencionada na denúncia, e o

reconhecimento da continuidade delitiva é cabível. Os

delitos atingiram a esfera consumativa com a inversão

da posse dos produtos, o que desautoriza a redução da


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pena em razão da tentativa. (...)”. (Grifos nossos).

Portanto, à vista dos bem lançados fundamentos

da decisão colegiada acerca da continuidade delitiva, objeto do

inconformismo da combativa Defesa, não há que se falar em “insuficiência

de provas”, porquanto as evidências comprobatórias dos fatos, bem como

o desenrolar dos acontecimentos, foram objeto de cuidadosa discussão e

análise pelo v. acórdão condenatório unânime, que revisitou os elementos

probantes angariados nos autos, alcançando-se a convicção acerca da

prática criminosa em continuidade delitiva, mostrando-se inverossímil,

portanto, a tese defensiva de fragilidade probatória acerca dessa

circunstância .

Destarte, por ser evidente o não cabimento da via

revisional com vistas à desconstituição da coisa julgada criminal ao

fundamento de falta de prova ou insuficiência probatória, pois não se

amolda a nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 621 do Código de

Processo Penal, exsurge imperioso proclamar-se o não conhecimento da

ação revisional.

3. Pelo exposto, não se conhece da ação de

revisão criminal ajuizada por Paulo Yassuo Ehara.

RONALDO SÉRGIO MOREIRA DA SILVA


Relator

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