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Universidade Rovuma
Montepuez
2022
Delfina Geraldo
Universidade Rovuma
Montepuez
2022
Situação da antropologia
A descoberta intelectual das sociedades "não europeias" coloca, pois, em foco a diversidade
das formas sociais de pensamento e de comportamento e a das instituições correspondentes.
Mas é difícil, a princípio, separar a abordagem científica da abordagem ideológica, ou morai
desse fenómeno. A reacção instintiva do Ocidente face aos povos exóticos é o etnocentrismo,
que, implícita ou mesmo explicitamente, ajuíza das, sociedades a não europeias" pelo modelo
europeia. De fato, tal diversidade põe em causa o fundamento natural das nossas tradições e
das nossas relações sociais. Impele-nos a problematizar o fundamento da nossa manifesta
superioridade técnica e, portanto, os quadros de pensamento que lhe servem de base.
Mas o comparativismo sistemático a que se recorre para analisá-la acaba por atribuir igual
importância ao método e ao objecto, se não mais àquele que a este. E, finalmente, as
sociedades «não europeias» não são mais que um pretexto, e o estudo das sociedades
europeias sofre, por sua vez, o embate do método e do ponto de vista antropológico. Em
menos de dois séculos a antropologia reencontrou assim um dos seus pontos de partida: a
reflexão sobre si própria e a comparação de todas as sociedades humanas.
Portanto, a unificação da evolução histórica das sociedades humanas impõe uma nova
perspectiva que suprime as particularidades e as diferenças como constitutivas de teorias
locais da evolução social. A esta necessidade histórica junta-se uma necessidade científica: a
explicação do funcionamento das sociedades europeias e «não europeias», passadas e atuais,
não pode ser elaborada senão dentro de um mesmo conjunto teórico.
Origens da Antropologia
A partir dos séculos XVII e XVIII vemos desenharem-se empiricamente os contornos de uma
reflexão mais sistemática sobre as sociedades não europeias e sobre, a natureza das
sociedades e do homem em geral. Os relatos de viagens levam cada vez mais explicitamente
ao comparativismo (com a Antiguidade, com as sociedades europeias contemporâneas, com
outras sociedades não europeias).
É certo que a maior parte das virtualidades das ciências humanas se deixam já entrever
embrionárias no fim do século XVIII. Mas é o século XIX que permitirá o desenvolvimento
consciente e sistemático de algumas delas, e é no decurso desse processo que se fixa a
especificidade do domínio etnológico. O primeiro campo empírico a tomar forma é o da
evolução natural da espécie humana. A pesquisa das origens conduz às classificações
biológicas das raças e à sua descrição racional: a antropologia física. Mas a pesquisa das
origens conduz igualmente à paleontologia e à pré-história, descrição dos estádios anteriores
da espécie humana como espécie social (fabricação de utensílios, etc.). É a distinção cada vez
mais acentuada entre a origem e a evolução do ser humano como espécie natural e como ser
social que explica a constituição de disciplinas científicas autónomas. A confusão acerca do
objecto da reflexão filosófica vai desaparecendo progressivamente. O aparecimento de
disciplinas autónomas não se acha apenas ligado a essa reflexão: provém igualmente da
afirmação progressiva de métodos e de técnicas adequados ao objecto que se deseja estudar. E
é a síntese metódica dessas diversas práticas que permite à etnologia delimitar um campo
geográfico e social original no quadro do descobrimento (e da conquista) de novas
sociedades.
Pode-se dizer que, por princípio, o século XIX é evolucionista: o progresso técnico e
económico é prova incontestável de uma certa evolução histórica. Decalcando o modelo do
evolucionismo biológico, buscam-se os estádios da evolução humana e, em consequência, as
sociedades primitivas aparecem como os antepassados naturais das sociedades ocidentais
atuais. Trata-se de um evolucionismo Unilinear, quer dizer, tal sucessão de estádios é
necessária e obrigatória: por uma série de transformações passa-se do inferior ao superior.
Mas a pesquisa das leis de evolução das sociedades levou frequentemente a extrapolações e a
generalizações abusivas: as sínteses elaboradas acabam por silenciar as lacunas da
documentação ou os fatos que contrariam a demonstração. Pode-se afirmar, sem exagero, que
todas as teorias etnológicas subsequentes tomaram uma posição antievolucionista.
Para Franz Boas (1858-1942), alemão naturalizado americano, é o primeiro que de modo
consequente põe em causa o evolucionismo. Formado em Ciências Exactas e em Geografia
Física, rejeita qualquer espécie de síntese. Especialista de antropologia física, de linguística e
da mitologia dos índios da América do Norte, consagra-se ao Registro de fatos e às
correlações limitadas e controladas. Pratica um verdadeiro cepticismo teórico e anti-histórico.
Investigação Antropológica
O objecto
O objecto, identifica-se em primeiro lugar com o domínio empírico que a expansão europeia
constitui ao longo do seu desenvolvimento histórico. As sociedades recentemente descobertas
vão ser qualificadas com uma multidão de sinónimos, todos igualmente mistificadores, aos
quais se procura em seguida dar um estatuto científico.
O método e as técnicas
O método etnológico toma, sistematicamente a parte pelo todo e, por causa da aparente
unidade do conjunto observado, esquece-se de o inserir no seio de uma rede de relações mais
vastas, (a comunidade como comunidade de um conjunto “étnico”, ou outro, etnia em relação
com outras etnias, ou dominada, por uma sociedade europeia, etc.).
A sistematização da reflexão sobre a prática antropológica está apenas no início. Tal reflexão
é ainda elementar, querendo isto significar que se aplica às fases elementares desta disciplina,
e nomeadamente aos problemas que levanta o trabalho de campo. Todavia, convém ter em
consideração as diferenças entre as diversas tradições científicas, neste caso entre as reflexões
dos antropólogos franceses, anglo-saxónicos.
No entanto, é preciso apresentar a própria prática de campo, não sob a forma de memórias
literárias, mas como prova de uma prática científica. É preciso ligar a descrição do método
empírico à evolução da reflexão teórica sobre o objecto de estudo e sobre o próprio método
empírico.
Se o antropólogo volta as costas às mutações sociais que surgem por toda a parte, arrisca-se a
condenar a sua disciplina a um empobrecimento teórico, precursor da total esterilidade. Entre
o Vietname, o Biafra, o massacre dos índios da Amazónia e do Mato Grosso, as diferenças
são consideráveis, mas a pureza da motivação não depende do primitivismo ou do isolamento
da população em vias de extermínio. O antropólogo não deve chorar de saudades da calma
dos mundos ainda fechados nem virar costas ao som e à fúria que pouco a pouco invadem
todas as sociedades.
A elaboração de uma antropologia geral é um projecto que demanda muito tempo. É também
um projecto cujas vastas dimensões mal- foram ainda delimitadas. Por isso é que não
encontraremos aqui mais do que um balanço das conclusões, uma recapitulação necessária
dos problemas antes da longa marcha que nos deve conduzir à ciência única das formações
sociais e históricas de que todos necessitamos.