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Delfina Geraldo

Resumo da obra de Jean Copans: Antropologia, Ciência das Sociedades Primitivas

Curso de Licenciatura em Ensino Básico com Habilitação em Administração e Gestão da


Educação

Universidade Rovuma
Montepuez
2022
Delfina Geraldo

Resumo da obra de Jean Copans: Antropologia, Ciência das Sociedades Primitivas

Trabalho de pesquisa científica a ser


apresentado ao Curso de Licenciatura
em Ensino Básico, na Cadeira de
Antropologia Cultural 4º ano, para fins
avaliativos pedagógicos.
Docente: dr, Faruk Abdul Amede

Universidade Rovuma
Montepuez
2022
Situação da antropologia

A heterogeneidade da vida em sociedade tornou-se progressivamente manifesta no decorrer


do descobrimento e da ocupação colonial das sociedades não europeias. Reparou-se então que
as sociedades da América, da Ásia e da África não eram feitas à imagem da sociedade
europeia. Esta verificação começa por fazer dessas sociedades um objecto de reflexão
filosófica ou política, antes de se tornarem objecto de ciência. A sistematização dessas
reflexões sob uma forma científica torna-se possível a partir do momento em que a ciência das
formações sociais e históricas se constitui, isto é, no decurso do século XIX (Saint- -Simon,
Proudhon, Karl Marx, Augusto Comte).

A descoberta intelectual das sociedades "não europeias" coloca, pois, em foco a diversidade
das formas sociais de pensamento e de comportamento e a das instituições correspondentes.
Mas é difícil, a princípio, separar a abordagem científica da abordagem ideológica, ou morai
desse fenómeno. A reacção instintiva do Ocidente face aos povos exóticos é o etnocentrismo,
que, implícita ou mesmo explicitamente, ajuíza das, sociedades a não europeias" pelo modelo
europeia. De fato, tal diversidade põe em causa o fundamento natural das nossas tradições e
das nossas relações sociais. Impele-nos a problematizar o fundamento da nossa manifesta
superioridade técnica e, portanto, os quadros de pensamento que lhe servem de base.

Paradoxalmente, é esta heterogeneidade da realidade social que vai conduzir a um progresso


científico. Com efeito, impõe-se uma metodologia nova para apreender e comparar o conjunto
das outras sociedades. Porque o fato de serem todas exteriores à Europa e de formarem, por
assim dizer, um resíduo histórico, confere-lhes uma aparência de unidade. A constituição da
etnografia, que recolhe os dados, e da etnologia, que os sintetiza e compara, visa, portanto,
unificar teórica e metodologicamente essa realidade humana.

Mas o comparativismo sistemático a que se recorre para analisá-la acaba por atribuir igual
importância ao método e ao objecto, se não mais àquele que a este. E, finalmente, as
sociedades «não europeias» não são mais que um pretexto, e o estudo das sociedades
europeias sofre, por sua vez, o embate do método e do ponto de vista antropológico. Em
menos de dois séculos a antropologia reencontrou assim um dos seus pontos de partida: a
reflexão sobre si própria e a comparação de todas as sociedades humanas.

Portanto, a unificação da evolução histórica das sociedades humanas impõe uma nova
perspectiva que suprime as particularidades e as diferenças como constitutivas de teorias
locais da evolução social. A esta necessidade histórica junta-se uma necessidade científica: a
explicação do funcionamento das sociedades europeias e «não europeias», passadas e atuais,
não pode ser elaborada senão dentro de um mesmo conjunto teórico.

Origens da Antropologia

Toda a ciência tem necessidade de descobrir os seus precursores. A antiguidade das


preocupações «etnográficas» seria um indício da curiosidade natural das nossas sociedades
relativamente aos outros grupos humanos, a fim de entre todos estabelecer as diferenças e as
semelhanças.

A partir dos séculos XVII e XVIII vemos desenharem-se empiricamente os contornos de uma
reflexão mais sistemática sobre as sociedades não europeias e sobre, a natureza das
sociedades e do homem em geral. Os relatos de viagens levam cada vez mais explicitamente
ao comparativismo (com a Antiguidade, com as sociedades europeias contemporâneas, com
outras sociedades não europeias).

Explicar as diferenças e as semelhanças, as origens e as evoluções das sociedades, tal e o


programa dos pensadores da segunda metade do século XVIII (Origine de l'inégalité parmi les
hommes; Essai sur les moeurs, etc.). É, pois, neste contexto que aparece pela primeira vez o
emprego dos termos etnologia e etnografia ia etnologia (Chavannes, 1787) é primeiramente
um ramo da filosofia da história e depois a análise das características raciais. A etnografia é
mais recente (Balbi, 1826) e designa a classificação dos grupos humanos a partir das suas
características linguísticas. Apenas nos fins do século XIX as duas disciplinas se apresentam
como duas fases complementares de um mesmo projecto: colecta dos documentos e descrição
(etnografia), e depois síntese comparativa (etnologia).

Do projecto teórico ao trabalho de campo

É certo que a maior parte das virtualidades das ciências humanas se deixam já entrever
embrionárias no fim do século XVIII. Mas é o século XIX que permitirá o desenvolvimento
consciente e sistemático de algumas delas, e é no decurso desse processo que se fixa a
especificidade do domínio etnológico. O primeiro campo empírico a tomar forma é o da
evolução natural da espécie humana. A pesquisa das origens conduz às classificações
biológicas das raças e à sua descrição racional: a antropologia física. Mas a pesquisa das
origens conduz igualmente à paleontologia e à pré-história, descrição dos estádios anteriores
da espécie humana como espécie social (fabricação de utensílios, etc.). É a distinção cada vez
mais acentuada entre a origem e a evolução do ser humano como espécie natural e como ser
social que explica a constituição de disciplinas científicas autónomas. A confusão acerca do
objecto da reflexão filosófica vai desaparecendo progressivamente. O aparecimento de
disciplinas autónomas não se acha apenas ligado a essa reflexão: provém igualmente da
afirmação progressiva de métodos e de técnicas adequados ao objecto que se deseja estudar. E
é a síntese metódica dessas diversas práticas que permite à etnologia delimitar um campo
geográfico e social original no quadro do descobrimento (e da conquista) de novas
sociedades.

Panorama de um itinerário teórico

Pode-se dizer que, por princípio, o século XIX é evolucionista: o progresso técnico e
económico é prova incontestável de uma certa evolução histórica. Decalcando o modelo do
evolucionismo biológico, buscam-se os estádios da evolução humana e, em consequência, as
sociedades primitivas aparecem como os antepassados naturais das sociedades ocidentais
atuais. Trata-se de um evolucionismo Unilinear, quer dizer, tal sucessão de estádios é
necessária e obrigatória: por uma série de transformações passa-se do inferior ao superior.

Mas a pesquisa das leis de evolução das sociedades levou frequentemente a extrapolações e a
generalizações abusivas: as sínteses elaboradas acabam por silenciar as lacunas da
documentação ou os fatos que contrariam a demonstração. Pode-se afirmar, sem exagero, que
todas as teorias etnológicas subsequentes tomaram uma posição antievolucionista.

Para Franz Boas (1858-1942), alemão naturalizado americano, é o primeiro que de modo
consequente põe em causa o evolucionismo. Formado em Ciências Exactas e em Geografia
Física, rejeita qualquer espécie de síntese. Especialista de antropologia física, de linguística e
da mitologia dos índios da América do Norte, consagra-se ao Registro de fatos e às
correlações limitadas e controladas. Pratica um verdadeiro cepticismo teórico e anti-histórico.

Uma outra reacção contemporânea é a da escola difusionista. Os difusionistas (na Alemanha


com F. Graebner, P. Schmidt, L. Frobenius, nos E. U. A. com C. Wissier) pesquisam os
círculos, as áreas culturais que delimitam e explicam as diferenças e semelhanças entre
sociedades: os fenómenos de contacto, de empréstimo, de difusão de elementos são
determinantes. Nascida da prática, museográfica (cartografia e apresentação das diferenças e
semelhanças culturais), esta escola enferma de numerosos vícios: atomização dos conjuntos
culturais, identificações formais, pesquisa de focos de difusão singulares.
No entanto, é funcionalismo anglo-saxônico que mais consequente e duradouramente refuta o
evolucionismo. Bronislaw Malinowski, de origem polaca (1881-1942), é o teórico mais
sistemático da corrente funcionalista, e sem dúvida domina o período que decorre entre as
duas guerras: Todo o elemento (instituição) de uma cultura desempenha uma função neste
conjunto e reflecte uma necessidade biológica. As respostas às necessidades primárias e, às
necessidades derivadas constituem a cultura. Em certo sentido o funcionalismo representa um
progresso, porquanto apresenta uma visão geral e integrada do sistema social. Mas, visto que
tudo o que existe desempenha uma função, a transformação torna-se mecânica. É o conteúdo
da função que se transforma, e não o conjunto das relações da totalidade social.

O estruturalismo, tal como Lévi-Strauss o teorizou e praticou, não é um formalismo. De fato,


o objectivo da etnologia (Lévi-Strauss conserva ainda nessa época, 1949, a acepção de M.
Mauss) «é atingir, para além! da imagem consciente e sempre diferente que os homens
formara do seu devir, um inventário de possibilidades inconscientes, que não existem em
número ilimitado, e cujo repertório e as relações de compatibilidade ou de incompatibilidade
que: qualquer delas mantém com todas as outras fornecem uma arquitectura lógica a
desenvolvimentos históricos que podem ser imprevisíveis sem nunca serem arbitrários».

Investigação Antropológica

Compreende-se, por consequência, a prolixidade e a imprecisão do discurso teórico da


etnologia: definir é analisar, visto que a aparência se apresentaria à primeira vista como sendo
a essência. Mas esta particularidade do processo de constituição do campo empírico impõe ó
método: o olhar exterior definiu o princípio de distanciação como científico.

Para ultrapassar o etnocentrismo ideológico, conceptual e metodológico, é preciso dar nova


forma as questões dirigidas a estas sociedades, isto é, demonstrar o vínculo entre a ilusão do
método etnológico e o objecto da ilusão etnológica. O exame crítico (e evidentemente
sumário) do objecto, do método e das técnicas da investigação etnológica, vai permitir-nos
definir as condições dessa mudança de perspectiva. A antropologia enquanto ciência aparece,
pois, primeiramente como uma articulação consciente da teoria com as práticas, como uma
crítica do contexto histórico i9deológico e teórico que a toma possível.

O objecto

O objecto, identifica-se em primeiro lugar com o domínio empírico que a expansão europeia
constitui ao longo do seu desenvolvimento histórico. As sociedades recentemente descobertas
vão ser qualificadas com uma multidão de sinónimos, todos igualmente mistificadores, aos
quais se procura em seguida dar um estatuto científico.

O método e as técnicas

O método etnológico toma, sistematicamente a parte pelo todo e, por causa da aparente
unidade do conjunto observado, esquece-se de o inserir no seio de uma rede de relações mais
vastas, (a comunidade como comunidade de um conjunto “étnico”, ou outro, etnia em relação
com outras etnias, ou dominada, por uma sociedade europeia, etc.).

O método etnológico privilegia objectivamente a parte em relação ao todo e utiliza conceitos


que explicam a parte como um todo (o que em muitos casos não é errado), bastando-se a si
mesmo (o que é errado a priori e em todos os casos). O método oscila, portanto, entre uaná
perspectiva totalizante ou generalizante e uma experiência pessoal precisa, considerada como
científica, embora sujeita a todas as armadilhas do empirismo.

A utilização dos meios audiovisuais, a colecta sistemática, por meio de questionários, de


certos dados destinados a tratamento mecanográfico ou eletrônico, o recurso às disciplinas
afins para situar cada elemento o mais precisamente possível (já não há descrição agrária
possível sem levantamento dos terrenos, dos tempos de trabalhos, sem pesagem das colheitas;
sem botânica, pedologia e agronomia; as análises nutricionais limitam a apreciação subjectiva
das rações alimentares, etc.), são outras tantas dimensões novas que assinalam o fim de
etnologia tradicional. A arbitrariedade subjectiva e individual de uma ciência infusa e
«ocidental» cede o Lugar a uma antropologia respeitadora das regras do discurso científico e
da complexidade das estruturas sociais.

Tendências Actuais da Antropologia

A sistematização da reflexão sobre a prática antropológica está apenas no início. Tal reflexão
é ainda elementar, querendo isto significar que se aplica às fases elementares desta disciplina,
e nomeadamente aos problemas que levanta o trabalho de campo. Todavia, convém ter em
consideração as diferenças entre as diversas tradições científicas, neste caso entre as reflexões
dos antropólogos franceses, anglo-saxónicos.

No entanto, é preciso apresentar a própria prática de campo, não sob a forma de memórias
literárias, mas como prova de uma prática científica. É preciso ligar a descrição do método
empírico à evolução da reflexão teórica sobre o objecto de estudo e sobre o próprio método
empírico.

Outra influência determinante para o futuro da antropologia é a do marxismo. Antes de


transformar o campo conceptual, o marxismo modificou implicitamente os temas de
investigação: reconheceu-se aos domínios do político e do económico um estatuto que a
ideologia etnológica não podia conceder-lhes. O exame das relações de produção, das forças
produtivas, das estratificações sociais não igualitárias, das múltiplas formas de regulação
política, entre as quais o Estado, permite ao antropólogo compreender o funcionamento real
da totalidade social. Além disso, estes temas exigem por definição a apreensão tanto das
práticas como das normas estratégicas dos grupos, produção de excedentes, trocas, etc.,
atitude que mostra a uma nova luz os discursos do parentesco, da religião e da ideologia.

Paradoxalmente, a este progresso no rigor corresponde uma reconciliação entre antropologia e


literatura. Desde a sua origem, a etnologia é também uma literatura, visto que ambas são um
discurso, descritivo e valorizante. O romance realista do século XIX, não obstante as suas
intenções psicológicas e estéticas, desempenha objectivamente um papel de conhecimento.

Responsabilidades Sociais e Políticas da Antropologia

A história da etnologia é também a história das relações entre as sociedades europeias e as


sociedades não europeias. Logo desde o princípio, a etnologia participa de um certo contexto
político. O etnólogo tornou, portanto, posições políticas pela própria natureza da sua função
objectiva. A ideologia colonial e a etnologia fazem parte de uma mesma configuração, e
existe entre as duas ordens de fenómenos um jogo que condiciona o seu desenvolvimento
respectivo. Esta dialéctica entre o contexto da prática e a função objectiva da disciplina
manifesta-se ainda hoje no caso da antropologia.

No primeiro caso, o etnólogo ”descobre” a espoliação, a alienação e o massacre das


populações ditas “primitivas”, e chama etnocídio (por analogia com genocídio) ao que é de
fato uma prática banal, com, pelo menos, quinhentos anos de existência (cf. Cortez, Pizarro. O
tráfico de escravos, etc.). Os antropólogos são, pois, culpados, visto que permitem a
manutenção de tais práticas. Esta paz branca, para usar a designação de R. Jaulin, cria
problemas de consciência ao antropólogo, que «se serve» das populações que estuda, e que
não pode impedir a alienação cultural, religiosa, económica ou física de que a sua presença é
álibi (ou causa). Mas a ingenuidade dá, as mãos à utopia quando o antropólogo valoriza. A.
pureza primitiva em relação à inautenticidade das civilizações; brancas. A antropologia não se
limita a participar nesta opressão, ela própria seria opressão.

Se o antropólogo volta as costas às mutações sociais que surgem por toda a parte, arrisca-se a
condenar a sua disciplina a um empobrecimento teórico, precursor da total esterilidade. Entre
o Vietname, o Biafra, o massacre dos índios da Amazónia e do Mato Grosso, as diferenças
são consideráveis, mas a pureza da motivação não depende do primitivismo ou do isolamento
da população em vias de extermínio. O antropólogo não deve chorar de saudades da calma
dos mundos ainda fechados nem virar costas ao som e à fúria que pouco a pouco invadem
todas as sociedades.

Para uma antropologia geral

Qualquer ciência tem necessidade de definir prioridades na investigação. Em antropologia


confundimos ainda a ordem das urgências, quer dizer, hesitamos entre as sociedades
«primitivas» em vias de desaparecimento e o projecto teórico da comparação do conjunto das
sociedades humanas, históricas e contemporâneas. Uma tal confusão, porém, é igualmente
resultado da cisão estabelecida entre a antropologia e as outras ciências humanas. Esta cisão
aparece-nos cada vez mais arbitrária. O estudo das sociedades humanas constitui uma
disciplina específica mas única e as modalidades particulares do objecto (grandeza, história,
recursos, etc.) introduzem apenas modalidades particulares, nos métodos utilizados. A
unidade das ciências manas não devem, pois, constituir um vão projecto nem um mito
ideológico; é uma necessidade científica. Todas as ciências humanas (entre elas a
antropologia) se acham a mesma exigência: experiência histórica actual das sociedades põe
um certo número de problemas de ordem teórica e prática que só uma nova prática da
investigação pode abordar e resolver.

A elaboração de uma antropologia geral é um projecto que demanda muito tempo. É também
um projecto cujas vastas dimensões mal- foram ainda delimitadas. Por isso é que não
encontraremos aqui mais do que um balanço das conclusões, uma recapitulação necessária
dos problemas antes da longa marcha que nos deve conduzir à ciência única das formações
sociais e históricas de que todos necessitamos.

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