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Sobre o autor

Antoni Zabala. Licenciado em filosofia e ciências da educação, é diretor da


revista Aula de Innovación Educativa e membro do conselho editorial da
revista Guix. Em sua longa trajetória profissional, participou, individual ou
coletivamente, da pesquisa e do assessoramento em escolas sobre as dife-
rentes fases e âmbitos do desenvolvimento curricular e da formação dos
professores, sendo autor de vários artigos e livros relacionados ao planeja-
mento.

Z12e Zabala, Antoni


Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma
proposta para o currículo escolar / Antoni Zabala; trad. Ernani
Rosa. – Porto Alegre: Artmed, 2002.

ISBN 978-85-7307-808-4

1. Educação – Método de investigação. I. Título

CDU 37.012

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023


28 ANTONI ZABALA

Métodos globalizados

Com esse nome designam-se todos aqueles métodos completos de


ensino que, de uma maneira explícita, organizam os conteúdos de aprendi-
zagem a partir de situações, temas ou ações, independentemente da exis-
tência ou não de algumas matérias ou disciplinas que precisam ser leciona-
das. Nos métodos globalizados, os alunos mobilizam-se para chegar ao
conhecimento de um tema que lhes interessa, para resolver alguns proble-
mas do meio social ou natural que lhes são questionados, ou para realizar
algum tipo de construção. Nessa ação, para conhecer ou realizar alguma
coisa, o estudante precisa utilizar e aprender uma série de fatos, conceitos,
técnicas e habilidades que têm correspondência com matérias ou discipli-
nas convencionais, além de adquirir uma série de atitudes. Contudo, para o
estudante, o objetivo direto não é o de aprender esses conteúdos disciplina-
res, mas o de alcançar o objetivo de conhecimento ou de elaboração que o
preocupa. De maneira sintética, diríamos que, nos métodos globalizados,
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as disciplinas não são o objeto de estudo, mas o meio para obter o conheci-
mento da realidade. Nos métodos gloablizados, o que interessa é oferecer
respostas a problemas ou questões que a realidade coloca. Para os professores,
é um meio que permite que o aluno ou a aluna aprenda a enfrentar os proble-
mas reais, nos quais todos os conhecimentos têm um sentido que vai além da
superação de algumas demandas escolares mais ou menos fundamentadas.
Diversas metodologias são empregadas sob o termo globalização. As
primeiras foram impulsionadas por Decroly com o nome de centros de in-
teresse e por Kilpatrick com o nome de método de projetos. A seguir, e com
um maior ou menor grau de diferenciação, foram sendo criados até nossos dias
outros métodos que podemos designar pelo nome de globalizados: o sistema
de complexos da escola de trabalho soviética, os complexos de interesse de
Freinet, a investigação do meio do MCE (Movimento de Cooperazione Educa-
tiva de Italia), o currículo experimental de Taba, o trabalho por tópicos, os
projetos de trabalho global, etc. Metodologias que hoje em dia são muito di-
fundidas e utilizadas, embora quase nunca do mesmo modo como foram cria-
das em seu tempo. Se nos ativermos às características diferenciais dos modelos
originais, veremos que as diferenças mais aparentes estão relacionadas ao tipo
de tarefa que os alunos e as alunas devem realizar e ao processo de ensino a
seguir (os tipos de atividades, o modo como se seqüenciam, a maneira de orga-
nizar a classe, o papel dos professores e dos alunos, etc.). As diferenças profun-
das residem nos objetivos educacionais que pretendem alcançar e na concep-
ção dos processos de aprendizagens que os fundamentam.
Por razões históricas, e de acordo com sua vigência atual, iremos fi-
xar-nos em quatro métodos que serão objeto de desenvolvimento e análise
no Capítulo 5 deste livro:
• Os centros de interesse de Decroly, que partem de um núcleo temá-
tico motivador para os alunos e que, seguindo o processo de obser-
vação, associação e expressão, integram conteúdos de diferentes áreas
de conhecimento.
• O método de projetos de Kilpatrick, que, basicamente, consiste na
elaboração de algum objeto ou de alguma montagem (uma máquina,
um audiovisual, um viveiro, uma horta escolar, um jornal, etc.).
• A investigação do meio do MCE (Movimento de Cooperazione Edu-
cativa de Italia), o qual pretende que as crianças construam o conhe-
cimento através da seqüência do método científico (problema, hipó-
tese, confirmação).
• Os projetos de trabalho global, nos quais, com o objetivo de conhe-
cer um tema que geralmente os alunos escolheram, é preciso elabo-
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rar um dossiê ou uma monografia como resultado de uma investiga-


ção pessoal ou de equipe.

Todos esses sistemas apresentados na Tabela 1.1 partem de uma situa-


ção real: conhecer um tema, realizar um projeto, resolver algumas interro-
gações ou elaborar um dossiê. A diferença fundamental entre eles está na
intenção do trabalho a ser realizado e nas fases que precisa seguir.

Tabela 1.1 Características diferenciais dos métodos globalizados


INTENÇÃO FASES
Centros de Tema que se 1. Observação 2. Associação: 1. Expressão
interesse deve conhecer – espaço
– tempo
– tecnologia
– causalidade
Método de Projeto que se 1. Intenção 3. Execução 4. Avaliação
projetos pretende realizar 2. Preparação
Investigação Perguntas ou 1. Motivação 3. Hipóteses 8. Expressão
do meio questões 2. Perguntas 4. Informação e comunicação
5. Coleta de
dados
6. Seleção
7. Conclusões
Projetos de Elaboração 1. Escolha 3. Informação 6. Avaliação
trabalho do dossiê do tema 4. Tratamento 7. Novas pers-
global da informação pectivas
2. Planejamento 5. Desenvolvimento
do índice

Os conteúdos de aprendizagem que se veiculam através desses méto-


dos provêm de disciplinas acadêmicas. O que se utiliza para poder conhe-
cer, elaborar ou investigar corresponde a conteúdos básicos de matemáti-
ca, língua, ciências sociais, artes plásticas, entre outros, e, além desses con-
teúdos, entram outros que não podem ser catalogados nas disciplinas tradi-
cionais: aprende-se a trabalhar em grupo, a pesquisar, a cooperar, etc.
A característica fundamental que distingue esses métodos consiste no
fato de que os conteúdos estão aí para responder a algumas necessidades
que são de caráter global e complexo e que não são selecionados somente
pela importância que cada um deles têm para uma determinada disciplina
acadêmica. Os conteúdos disciplinares são imprescindíveis, mas não são a
base para decidir a seqüência didática em sala de aula.
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As disciplinas e suas inter-relações

Os métodos globalizados são modelos completos de ensino e, como


tais, definem todas as variáveis que configuram a prática educativa. São
métodos globalizados pelo fato de que os conteúdos de aprendizagem não
se apresentam nem se organizam a partir da estrutura de nenhuma discipli-
na. Ao contrário, no ensino, quando se fala de interdisciplinaridade ou de
outro tipo de relações entre disciplinas, não nos referimos a nenhuma me-
todologia concreta, mas apenas à maneira como se apresentam ou organi-
zam os conteúdos. Assim, podemos dizer que a forma tradicional de orga-
nizar os conteúdos é a que denominamos multidisciplinar, em que as disci-
plinas apresentam-se uma atrás da outra, sem que exista nenhum tipo de
conexão entre elas, e em que até a mesma disciplina organiza seus conteú-
dos internos sob campos aparentemente isolados (a língua apresenta-se di-
vidida em léxico, morfossintaxe, ortografia; a matemática em medida, ge-
ometria, estatística; a física em mecânica, estática, dinâmica, etc.).
No entanto, como já dissemos anteriormente, os diferentes conceitos
que explicam as relações entre as disciplinas não provêm do ensino, pois
têm um alcance mais amplo e obedecem à necessidade de reconhecer os
diferentes vínculos que podem ocorrer entre diferentes matérias ou campos
do conhecimento. As relações entre as disciplinas constituem um problema
essencialmente epistemológico e, somente como conseqüência, escolar.
Foram muitas as tentativas de definir os tipos de relações entre disci-
plinas. Assim, por exemplo, J. Piaget fala de multidisciplinaridade, inter-
disciplinaridade e transdisciplinaridade; M. Boisot distingue interdiscipli-
naridade linear, interdisciplinaridade estrutural e interdisciplinaridade res-
trita; Heckausen estabelece seis possibilidades de relações: interdisciplina-
ridade heterogênea, pseudo-interdisciplinaridade, interdisciplinaridade au-
xiliar, interdisciplinaridade composta, interdisciplinaridade complementar
e interdisciplinaridade unificadora.
Das diferentes definições utilizaremos a de Cesare Scurai (1974), que,
a partir da identificação de diferentes graus de relação (soma, continuida-
de, integração e unificação), propõe quatro tipos de relações: multidiscipli-
naridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinarida-
de (Quadro 1.2).
Desses quatro graus de relação, os dois primeiros, a multidisciplinaridade
e a pluridisciplinaridade, são as formas mais habituais que o desenvolvimento
do conhecimento adotou e, portanto, as mais fáceis de identificar. O mesmo
não acontece com os conceitos de interdisciplinaridade e transdiciplinaridade.
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Tabela 1.2 Diferentes tipos de relações entre as disciplinas


MULTIDISCIPLINARIDADE PLURIDISCIPLINARIDADE INTERDISCIPLINARIDADE TRANSDISCIPLINARIDADE

SOMATIVA CONTIGÜIDADE INTERAÇÃO UNIFICAÇÃO


Justaposição de Justaposição de Interação entre duas ou Execução axiomática
diferentes disciplinas, disciplinas mais ou mais disciplinas que comum a um conjunto
às vezes sem relação menos próximas em pode ir desde a simples de disciplinas (por
aparente entre si. Por um mesmo setor de comunicação até a in- exemplo: a
exemplo: música + conhecimentos. Por tegração recíproca dos antropologia,
matemática + história. exemplo: matemática conceitos fundamentais considerada, segundo a
+ física ou, no campo e da teoria do conheci- definição de Linton,
das letras, francês + mento, da metodologia, como a “ciência do ser
latim + grego. dos dados da investiga- humano e de suas
ção e do ensino. obras”).

A interdisciplinaridade implica o reencontro e a cooperação entre duas ou mais


disciplinas, cada uma das quais (no nível da teoria ou no da investigação empí-
rica) traz seus próprios esquemas conceituais, a maneira de definir os proble-
mas e seus métodos de investigação. Ao contrário, a transdisciplinaridade im-
plica que o contato e a cooperação que ocorre entre diversas disciplinas seja tão
grande que estas acabaram por adotar um mesmo conjunto de conceitos funda-
mentais ou alguns elementos de um mesmo método de investigação, falando
de maneira mais geral, o mesmo paradigma. De alguma maneira, podemos
considerar o marxismo como uma teoria transdisciplinar, pois fornece um cer-
to número de idéias que levam a elaborar um quadro comum que pode orientar
a pesquisa em diversos âmbitos, tanto da economia como da sociologia e da
antropologia, dos estudos literários ou da história das culturas. Podemos afir-
mar o mesmo do estruturalismo, da fenomenologia, da teoria das mudanças* e,
em um sentido mais limitado, a teoria dos jogos,** os quais, pelo fato de ado-
tarem uma metodologia particular, podem fazer com que diversas disciplinas
empreendam um trabalho similar.
Ao mesmo tempo em que dispomos desses termos para identificar di-
ferentes graus de relação e de integração entre disciplinas, contamos com o

*N. de R.T. A teoria das mudanças utiliza a idéia da mudança como fator-chave que ajuda a expli-
car a maioria das situações em qualquer campo do saber.
**N. de R.T. A teoria dos jogos, especialmente as simulações, permite sua aplicação como instru-
mento interpretativo a múltiplas áreas do conhecimento.
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conceito de metadisciplinaridade, muito próximo ao de transdisciplinari-


dade, que explica não a forma de vincular diferentes disciplinas, mas a de
conceber ou ver o conhecimento prescindindo delas. É uma forma de se acer-
car do conhecimento, uma filosofia ou ponto de vista que pretende libertar-se
da servidão ou dos condicionantes de algumas disciplinas que foram fruto de
uma fragmentação irreal do saber. Esse conceito, como veremos, é fundamen-
tal na hora de situar o ponto de partida do que denominamos enfoque globali-
zador. Como dissemos, o conceito de enfoque globalizador é um termo especi-
ficamente escolar, em que um dos pontos de partida é uma aproximação com a
realidade que pretende ser fundamentalmente metadisciplinar, embora em seu
processo didático os instrumentos para adquirir o conhecimento sejam clara-
mente disciplinares, interdisciplinares e, quando possível, transdisciplinares.
A aplicação de tais terminologias no campo do ensino permite-nos
dizer que:
• A multidisciplinaridade é a organização de conteúdos mais tradicio-
nal. Os conteúdos escolares apresentam-se por matérias indepen-
dentes umas das outras. As cadeiras ou disciplinas são propostas
simultaneamente sem que se manifestem explicitamente as relações
que possam existir entre elas. Essa forma de organização somativa é
a que apresentam os bachirellatos* atuais.
• A pluridisciplinaridade é a existência de relações complementares
entre disciplinas mais ou menos afins. É o caso das contribuições
mútuas das diferentes “histórias” (da ciência, da arte, da literatura,
etc.) ou das relações entre diferentes disciplinas das ciências experi-
mentais. A constituição dos diferentes departamentos do ensino médio
é um possível exemplo de pluridisciplinaridade.
• A interdisciplinaridade é a interação de duas ou mais disciplinas. Essas
interações podem implicar transferências de leis de uma disciplina a
outra, originando, em alguns casos, um novo corpo disciplinar, como,
por exemplo, a bioquímica ou a psicolingüística. Podemos encontrar
essa concepção nas áreas de ciências sociais e experimentais no ensino
médio e na área de conhecimento do meio do ensino fundamental.
• A transdisciplinaridade é o grau máximo de relações entre discipli-
nas, de modo que chega a ser uma integração global dentro de um
sistema totalizador. Esse sistema facilita uma unidade interpretativa,

*N. de R.T. O sistema educacional espanhol inclui o bachirellato como uma etapa do ensino que se
situa entre o ensino médio e o ensino superior.
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com o objetivo de constituir uma ciência que explique a realidade


sem fragmentações. Atualmente, trata-se mais de um desejo do que
de uma realidade. De alguma maneira, seria o propósito da filosofia.
Dentro dessa concepção, e descontando as distâncias, poderíamos
situar o papel das áreas de educação infantil, em que uma aproxima-
ção global de caráter psicopedagógico determina algumas relações
de conteúdos com pretensões integradoras.
• A metadisciplinaridade, como dissemos, não implica nenhuma rela-
ção entre disciplinas. Ela se refere ao ponto de vista ou à perspectiva
sobre qualquer situação ou objeto, mas não é condicionada por apri-
orismos disciplinares. Na escola, deveríamos entendê-la como a ação
de se aproximar dos objetos de estudo a partir de uma ótica global
que tenta reconhecer sua essência e na qual as disciplinas não são o
ponto de partida, mas sim o meio de que dispomos para conhecer
uma realidade que é global ou holística. De alguma maneira, pode-
mos situar nessa visão os denominados eixos ou temas transversais.

Sempre é difícil transferir para outro âmbito alguns conceitos que fo-
ram elaborados para explicar ou compreender o que acontece em um deter-
minado campo, e isso é o que acontece quando queremos aplicar alguns
termos específicos do âmbito do conhecimento ao campo do ensino. As
diferenças existentes entre os dois objetos de estudo fazem com que seu
uso fora do âmbito estrito em que foram estabelecidos seja notavelmente
escorregadio. Aceitando essa dificuldade, se queremos utilizar a classificação
anterior sobre as diferentes formas como podem relacionar-se as disciplinas ou
matérias para analisar os métodos globalizados, poderíamos dizer que, no que
diz respeito à sua maneira de organizar os conteúdos de aprendizagem, partem
de uma perspectiva que poderíamos chamar metadisciplinar, já que as discipli-
nas não são em nenhum momento o objeto de estudo, mas os instrumentos ou
os meios para alcançar os objetivos pretendidos. Embora tal aproximação leve
à tentativa de utilizar formas transdisciplinares, e como não é possível afirmar
que epistemologicamente exista uma construção elaborada nem uma vocação
de criar um corpo teórico integrado, os tipos de relações reais que se estabele-
cem nos métodos globalizados são geralmente de caráter interdisciplinar.

CONCEPÇÃO DE ENFOQUE GLOBALIZADOR


Quando repassamos brevemente os referenciais teóricos do ensino,
pudemos ver que, se a finalidade do sistema educativo é o desenvolvimen-
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to de todas as capacidades da pessoa para dar reposta aos problemas que a


vida em sociedade coloca, os conteúdos escolares devem ser selecionados
com critérios que respondam a tais exigências, o que comporta uma orga-
nização que depende mais da potencialidade explicativa de contextos glo-
bais do que a que vem determinada por modelos parcializados em discipli-
nas. Ao mesmo tempo, o conhecimento científico sobre as características
dos processos de aprendizagem reforça a necessidade de utilizar formas de
organização dos conteúdos que promovam o maior grau de significação nas
aprendizagens, o que implica modelos integradores nos quais os diferentes
conteúdos possam ser situados e relacionados em estruturas complexas de pen-
samento. E, do próprio âmbito das ciências, vimos a necessidade de potencia-
lizar modelos explicativos que superem a extrema subdivisão do saber.
Da determinação das finalidades educativas, do conhecimento dos pro-
cessos de aprendizagem e da própria evolução da ciência, podemos chegar
à conclusão de que a organização dos conteúdos deve permitir o estudo de
uma realidade que sempre é complexa e em cuja aprendizagem é preciso
estabelecer o máximo de relações possíveis entre os diferentes conteúdos
que são aprendidos para potencializar sua capacidade explicativa. Se nos
fixamos nessas condições, podemos concluir que a melhor forma de ensi-
nar consiste em utilizar metodologias globalizadas. Conclusão que, apesar
de ser certa, não é a básica. A conclusão fundamental é a de que o objeto de
estudo na escola deve ser a realidade, e os processos de ensino devem fa-
vorecer ao máximo o estabelecimento do maior número possível de rela-
ções entre os diferentes conteúdos aprendidos. Condições que se dão sem-
pre nos métodos globalizados, mas que também podem ocorrer utilizando
outras formas de ensinar, sempre que se observem tais condições, ou seja, sem-
pre que se baseiem no que denominamos enfoque globalizador.
Com o termo enfoque globalizador, que também poderíamos chamar
de perspectiva globalizadora ou visão globalizadora, define-se a maneira
de organizar os conteúdos a partir de uma concepção de ensino na qual o
objeto fundamental de estudo para os alunos seja o conhecimento e a inter-
venção na realidade. Aceitar essa finalidade significa entender que a fun-
ção básica do ensino é a de potencializar nas crianças as capacidades que
lhes permitam responder aos problemas reais em todos os âmbitos de de-
senvolvimento pessoal, sejam sociais, emocionais ou profissionais, os quais
sabemos que, por sua natureza, jamais serão simples. Ser capazes de com-
preender e intervir na realidade comporta dispor de instrumentos cognos-
citivos que permitam lidar com a complexidade: modelos de conhecimento
e de atuação desde um pensamento para a complexidade e desde a comple-
36 ANTONI ZABALA

xidade. O enfoque globalizador pretende oferecer aos alunos os meios para


compreender e atuar na complexidade. Parte da idéia de que somente é
possível dar resposta aos problemas complexos com um pensamento glo-
bal capaz de construir formas de aproximação com a realidade que supe-
rem as limitações procedentes de algumas disciplinas extremamente com-
partimentadas. Somente é possível atuar na complexidade quando se é ca-
paz de utilizar os diferentes instrumentos de conhecimento existentes de
maneira inter-relacionada. O enfoque globalizador pretende desenvolver
no aluno e na aluna um pensamento complexo que lhe permita identificar o
alcance de cada um dos problemas que lhe coloca a intervenção na realida-
de e escolher os diferentes instrumentos conceituais e metodológicos de qual-
quer um dos diferentes campos do saber que, independentemente de sua proce-
dência, relacionando-os ou integrando-os, ajudem-no a resolvê-los.

O papel das disciplinas para dar resposta aos problemas


de compreensão e de intervenção na realidade

Desse modo, o enfoque globalizador parte do que agora já é evidente:


os conteúdos de aprendizagem oferecidos pelas diferentes disciplinas são
os únicos instrumentos de que dispomos para a compreensão dessa realida-
de complexa. Não existe outro conhecimento que não seja aquele propor-
cionado pelos diferentes campos do saber. A fragilidade explicativa desses
conhecimentos como resultado de sua parcialização serve somente para
que, ao reconhecer seus déficits, possamos superá-los ao afastar as limita-
ções profissionais, potencializando fórmulas e processos que facilitem a
articulação dos diferentes conhecimentos, de maneira que em sua interven-
ção conjunta e, se possível, o mais relacionada possível, sejam produzidos
os avanços para modelos que superem as carências provenientes das suces-
sivas divisões e subdivisões do saber. A confirmação da qualidade das di-
ferentes disciplinas e de seu conhecimento rigoroso não nos deve levar a es-
quecer que as disciplinas no ensino são apenas instrumentos que adquirem seu
verdadeiro significado, sua potencialidade explicativa, quando nos permitem,
de forma individual ou inter-relacionada com outras, oferecer respostas aos
problemas sempre complexos que a intervenção na sociedade coloca.
O enfoque globalizador pretende, de algum modo, recuperar na escola o
verdadeiro objeto de estudo do saber ao situar a realidade como objeto prioritá-
rio do conhecimento, tanto se se aplicam os instrumentos específicos e limita-
dos de uma disciplina quanto se se utilizam de maneira inter-relacionada os
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meios conceituais e as técnicas de diferentes saberes. O enfoque globalizador


tenta romper com uma trajetória que transformou as disciplinas nos únicos
objetos de estudo, traindo, assim, sua verdadeira essência, a razão pela qual
foram criadas. Situação que hoje ainda tem uma forma e um grau de sobrevi-
vência que seria totalmente incompreensível, não fosse pelo peso do costume e
da história. No ensino não só não se ensina para a vida, como também se nega
o sentido profundo das disciplinas que se pretende defender. A matemática, a
língua, a física, a literatura, etc., viram-se reduzidas, na maioria dos sistemas
educativos, a finalidades per se, em flagrante contradição com a razão pela
qual foram criadas. Se cada uma das disciplinas tem sentido como marco teó-
rico para a compreensão e o conhecimento do mundo real, seja natural, social,
tecnológico ou artístico, no ensino, ao contrário, perde-se ou esquece-se essa
função e instituem-se todas elas como objeto de estudo escolar independente-
mente da causa para as quais foram criadas e que as justificam: a química pela
química, a lingüística pela lingüística, a história pela história, etc., isto é, o
saber pelo saber ou, melhor ainda, a teoria pela teoria, traindo profundamente o
verdadeiro sentido de cada uma das ciências ou saberes ao desligar sua apren-
dizagem das razões que os justificam e perdendo o sentido mais profundo das
ciências: o permanente diálogo entre teoria e prática.
A proposta de um ensino vinculado ao conhecimento da realidade em
nenhum caso deve ser entendida como “utilitarista”, sendo interpretada
como o ensino restrito à aplicabilidade imediata das aprendizagens que se
realizam. Nas ciências, os modelos teóricos elaborados, cada um dos dife-
rentes conceitos ou paradigmas construídos, foram criados como meios
para ajudar na compreensão de algum aspecto do objeto de estudo de sua
disciplina. Contudo, se a desvinculação entre teoria e prática não tem ne-
nhum sentido no campo do saber, menos sentido ainda tem no ensino, no
qual a “utilidade” do que se ensina deve ser inquestionável. Não se vai à
escola fazer ciência. Essa instituição tem um objetivo claro, uma “utilida-
de”: ajudar as pessoas a se desenvolverem. No ensino, foi possível uma
desvinculação entre o que se ensina e o próprio objeto de estudo da disci-
plina. Situação que somente podemos compreender se entendemos que a
maioria dos sistemas educativos preocupou-se prioritariamente com a fun-
ção de seleção profissional, de modo que o percurso escolar transformou-
se em uma superação de etapas no caminho para a universidade. Função
seletiva que, associada a um desconhecimento dos processos de aprendiza-
gem, levou, sem buscá-los, a promover nos alunos uma cultura na qual
prevalece mais a capacidade de superar provas do que a aquisição do saber
e que levou os professores a desvincular o ensino da aprendizagem, a redu-
38 ANTONI ZABALA

zir os conteúdos escolares aos conhecimentos dos modelos teóricos de cada


uma das disciplinas, a valorizar a disciplina pela disciplina.
O enfoque globalizador, ao se situar como estratégia para responder
aos problemas que a compreensão e a intervenção na realidade colocam,
possibilita que o conhecimento proporcionado pelas diferentes ciências
sempre tenha a ver com o sentido para o qual foram criadas; sob esse enfo-
que, os diferentes saberes ou disciplinas adquirem seu verdadeiro valor ao
servirem de instrumentos inquestionáveis para ajudar a entender uma rea-
lidade extremamente complexa, constituída por inumeráveis fatores im-
possíveis de abordar sem sua participação.
O enfoque globalizador é uma maneira de conceber o ensino, uma
visão que faz com que, no momento de planejar o currículo na sala de aula,
a organização dos conteúdos de cada uma das diferentes unidades de inter-
venção articule-se a partir de situações, problemas ou questões de caráter
global. Na prática da sala de aula, o enfoque globalizador representa que,
seja qual for a disciplina que se trabalhe, seja qual for o conteúdo que se
queira ensinar, sempre devem apresentar-se em uma situação mais ou me-
nos próxima da realidade do estudante e em toda a sua complexidade, mos-
trando que, entre todos os problemas que a realidade coloca serão destaca-
dos, aqueles (ou aquele) que convêm ser tratados por razões didáticas. Uma
vez selecionado o problema ou os problemas, o aluno deverá conhecer e domi-
nar o conteúdo ou os conteúdos de aprendizagem que permitam sua solução;
conteúdo que, uma vez aprendido, irá situar-se de novo no conjunto da situa-
ção de partida, denotando, por um lado, sua contribuição na resolução de um
dos problemas que aquela colocava e, por outro, a revisão da globalidade da
situação e as mudanças que produziram em seu conhecimento.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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