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INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO ATLANTIDA

DEPARTAMENTO DE CIENCIAS SOCIAIS

LICENCIATURA EM DIREITO

DIREITO ADMINISTRATIVO

AS AUTORIDADES TRADICIONAIS

DOCENTE

Eliezer Rocha

LUANDA, 2024
ÍNDICE

INTEGRANTES DO GRUPO ............................................................................. 3


INTRODUÇÃO ................................................................................................ 4
PROBLEMA .................................................................................................... 4
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO: ..................................................... 5
NATUREZA POLÍTICA E JURÍDICA DAS AUTORIDADES TRADICIONAIS ...... 5
A IMPORTÂNCIA DAS AUTORIDADES TRADICIONAIS NA GESTÃO DAS
COMUNIDADES LOCAIS ................................................................................ 8
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 11
INTEGRANTES DO GRUPO
-Edvaldo Botelho-20161943

Elisa João-20220549

Fernando Gabriel-20220189

Jaquelina Pedro-20221595

Miquel Cambinda-20210252

Orlando Gandu-20221357

Pedro Henrique Lokua-20184140

Victoria Batalha-20184289
INTRODUÇÃO
Angola foi durante muitos anos uma colónia de Portugal, isto é, entre os anos de
1910 até a 11 de Novembro de 1975. No entanto, antes da colonização sempre existiram
autoridades locais que tinham funções próprias de gestão política e administrativa do
território e a composiçãa com base a justiça comunitária dos problemas da comunidade
( locais como Onjango atestam a nossa assertiva). Ademais, no período colonial
também as Autoridades Tradicionais foram muitas vezes utilizadas pelos colonialistas
para a penetração do interior da então colónia de Angola e mais tarde, uma província
ultramarina de Portugal.

As Autoridades Tradicionais em território angolano sempre tiveram uma


importância estratégica para a Administração local do Estado central. Com a
independência de Angola, as Autoridades Tradicionais passaram a ser relativamente
afastadas do centro do poder, gerindo zonas em que o poder central e local do Estado
não tinham lugar, fruto daquilo que Mahamood Mandani chamou de Bifurcação dos
Estados Pós-coloniais. Com a constituição angolana de 2010, surge uma nova era para
as Autoridades Tradicionais.

Ao longo deste trabalho vamos refletir sobre a natureza jurídica e política das
Autoridades Tradicionais, a sua importância na administração do território, as suas
atribuições e os seus desafios que se devem superar para que as autoridades tradicionais
sejam mais activas e proativas para o empreendimento do desenvolvimento harmonioso
do Estado angolano e uma melhor gestão e ordenamento do território.

PROBLEMA
Em 2022, o soberano do Reino do Bailundo ( Autoridade tradicional) foi
destituído alegadamente de forma contrária aos costumes locais pois a destituição do
cargo deveria advir de um Colégio restrito ( composto por anciãos da corte) e não de um
órgão da administração local do Estado ( Governo provincial). Ademais, o Presidente
do Fórum das Autoridades Tradicionais denunciou que existem Autoridades
Tradicionais entronadas que não são da linhagem real, diante destes problemáticos
factos, urge questionar: “ Qual é a natureza política e jurídica das Autoridades
Tradicionais ?”
Procedimento metodológico:

O trabalho no ponto de vista da abordagem será uma pesquisa qualitativa, que


permite fazer a firmações com base a literatura existente e percepções históricas bem
como desenvolver explicações sobre o objeto estudado (Creswell, 2007). Como
sabemos toda a pesquisa tem um propósito, com tudo a nossa pesquisa será exploratória
que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vista a
torná-lo mais claro e construir hipóteses (Gil, 2017). A técnica de pesquisa será revisão
bibliográfica que se constitui num levantamento de fontes teóricas de livros; artigos;
jornais; concernentes ao objeto de pesquisa.

NATUREZA POLÍTICA E JURÍDICA DAS AUTORIDADES TRADICIONAIS

Há na grande maioria dos povos africanos formas específicas de poder local que
provêem de um passado mais ou menos remoto, e que se traduzem na existência de
comunidades locais de origem immemorial, quase sempre em zonas rurais do interior,
onde as populações reconhecem como legítimas certas autoridades tradicionais, tais
como sobas, seculos, reis, regedores, etc.

Em regra, as autoridades tradicionais são designadas por via hereditárias de pais


para filhos, ou de tio para sobrinho, às quais o direito consuetudinário ( ou costumeiro)
de cada comunidade confere um poder específico de governação local, incluindo
faculdades regulamentares, executivas, jurisdiconais e sancionatórias, quer de direito
público, quer de resolução de conflitos de direito privado ( família, terras, heranças,
etc), ( Amaral e Feijó, 2016).

As Autoridades Tradicionais (Sobas, Seculos e regedores) são entidades que


personificam e exercem poder tradicional comunitário. As Autoridades Tradicionais são
anteriores ao próprio Estado angolano que se tornou independente a 11 de Novembro de
1975. No tempo colonial como assevera Oliveira, citado por Quintas (2020) as
Autoridades Tradicionais eram verdadeiro intermédiarios entre o Governo Colonial e as
zonas mais recônditas de Angola.

Durante muito tempo, estas instituições do poder tradicional não foram


reconhecidas como tais, ou eram, “ governamentalizadas” para obedecerem às leis e as
decisões do poder central. Com a independência e consequente incapacidade
administrativa do Estado, em muitas localidades em Angola, tinham as Autoridades
Tradicionais assumido funções típicas do Estado, como sejam: a resolução de conflitos
em comunidades e a distribuição de lotes de terras. Com a paz alcançada a 4 de Abril de
2002, o poder político procurou subornar e instrumentalizar as Autoridades Tradicionais
por causa de interesses político-partidários, contrariando o espírito e a letra da
constituição (artigo 224º). No entanto, as Autoridades tradicionais têm legitimidade
tradicional e são em certa medida órgãos autocráticos.

Pela primeira vez na história de Angola, a constituição de 2010 decidiu proceder


o reconhecimento constitucional das instituições do poder tradicional. A constituição
dedica três preceitos diferentes, os artigos 223º, 224º, 225º, as instituições do poder
tradicional. Nos termos do número 1 do artigo 223º a constituição estabelece que “ O
Estado reconhece o estatuto, o papel e as funções das instituições do poder tradicional,
constituídas de acordo com o direito consuetudinário, desde que não contrariem a
constituição. Um aspecto muito significativo asseverado por Amaral e Feijó (2016) é o
facto de que o reconhecimento jurídico das instituições do poder tradicional não é
remetido para a lei ordinária, é um reconhecimento feito pela própria constituição, o seu
fundamento jurídico decorre do direito consuetudinário local cuja os dois limites
substantivos são a não-violação da constituição e a não-contradição com a dignidade da
pessoa humana. O artigo 224º da constituição conceitua as autoridades tradicionais
como “ entidades que personificam e exercem o poder no seio da respectiva organização
polílico-comunitária tradicional, de acordo com os valores e normas consuetudinários e
no respeito pela constituição e pela lei.

Uma parte da doutrina considera a natureza Jurídica das autoridades tradicionais


como pessoas colectivas públicas de substrato cultural ou consuetudinário. No entanto,
as autoridades tradicionais não se encaixam totalmente no conceito de pessoas
colectivas públicas, pois as pessoas colectivas públicas são “ pessoas colectivas criadas
por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e
por isso dotados em nome próprio de poderes e deveres públicos. O problema reside no
facto de que as autoridades tradicionais não exercerem o “ius imperi”, não têm força
administrativa para imporem irresistivelmente as suas decisões. Daí que, Freitas do
Amaral (2016) não enquadra as autoridades tradicionais nas pessoas colectivas públicas,
pois para o autor, as pessoas colectivas são apenas de três categorias no nosso
ordenamento jurídico:

- Pessoas colectivas de população e território ( Estado e autarquias locais):

-Pessoas colectivas de tipo institucional ( Institutos públicos e Empresas


públicas).

-Pessoas colectivas de tipo associativo ( que correspondem as Associações


públicas).

Contudo, ao nosso ver, apesar desta problemática, as autoridades do poder


tradicional são pessoas colectivas públicas com características muito peculiares fruto do
pluralismo consagrado pela constituição de 2010 no artigo 7º que reafirma a força e a
validade do costume. Portanto, com a constituição angolana de 2010, o poder local
compreende as Autoridades Tradicionais ( Sobas e Seculos), as Autarquias locais e
outras modalidades específicas de participação dos cidadãos ( artigo 213º da
constituição). As Autoridades tradicionais personificam e exercem o poder tradicional
com base a valores e normas consuetudinárias .( Quintas, 2020).

No início do mês de Maio de 2021, o Presidente da República angolana, João


Lourenço, teve uma iniciativa de revisão constitucional sendo essa lei de revisão
constitucional aprovada em segunda deliberação no dia 13 de Agosto de 2021. A lei nº
18\21 ( lei de revisão constitucional) já se encontra em vigor. Dentre várias alterações, a
análise centra-se sobretudo ao artigo 214º (principio da Autonomia local).

A hermenêutica constitucional, como ensina o constitucionalista André Tavares,


deve sempre levar em conta a unidade do direito ou seja, o direito visto como sistema de
normas. No caso em apreço para a interpretação das alterações feitas é preciso um
enquadramento no âmbito da própria constituição. O poder de revisão começou por
fazer um aditamento no artigo 213º sob epígrafe “ órgãos autónomos do poder local), do
Título VI sobre o poder local.

O aditamento constituiu o número 3º do artigo 213º, consagrando que “ Sem


prejuízo no disposto no nº1, a prossecução das atribuições e o exercício das
competências das Autarquias locais, das instituições do poder tradicional e das demais
modalidades específicas de participação dos cidadãos, obedecem aos príncipios da
desconcentração administrativa, da legalidade, juridicidade, prossecução do interesse
público e da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares,
da igualdade, da participação dos particulares e da tutela administrativa, nos termos da
constituição e da lei.

A IMPORTÂNCIA DAS AUTORIDADES TRADICIONAIS


NA GESTÃO DAS COMUNIDADES LOCAIS

As Autoridades tradicionais exercem o poder na respectiva organização político-


comunitária tradicional tendo as normas consuetudinárias, mas também tendo em conta
a constituição. As atribuições, competência, organização, o regime de controlo e da
responsabilidade e do património das instituições do poder tradicionais são regulados
por lei, ou seja, a existência de Autoridades tradicionais passa por um processo
legiferantes, ademais, os tipos de autoridades tradicionais são regulados por lei. É
notório que as Autoridades tradicionais, no quadro legal, não têm poder regulamentar
próprio; na mesma senda, de acordo com Mário Katapy ( citado por Quintas, 2020) do
Fórum das Autoridades tradicionais, o Ministério da Administração do território
controla mais de 41 mil sobas, isto é a maior parte.

Na realidade, As Autoridades tradicionais têm sido como apêndices ou


prolongamento da Administração local do Estado, mormente, das Administrações
comunais, entretanto, onde há vazio da Administração local do Estado, os Sobas agem
como solucionadores de conflitos comunitários, como sejam: roubos, furtos, acusações
de feitiçaria, problemas de terrenos), chegando mesmo em muitos casos, usam a vindita
privada ( recorrer a chicotes, castigos para os infractores), no entanto, não são figuras
administrativa com regime própria de finanças.

Como vimos, apesar de algumas vezes as autoridades tradicionais serem


instrumentalizadas pelo poder político, elas não deixam de ter uma importância vital na
aproximação de serviços as comunidades locais, por exemplo, Catarina Gomes ( 2009)
assevera que as autoridades tradicionais tem um papel relevante no registo paralelo,
dado a grande quantidade de cidadãos indocumentados, a lei incluiu a possibilidade do
registo eleitoral através de testemunhos que confirmavam a nacionalidade, a idade e o
local de residência.
Para Bembe (2014), as autoridades tradicionais são entidades que personificam e
exercem o poder no seio da respectiva organização político-comunitária tradicional, de
acordo com os valores e normas consuetudinárias, e no respeito pelo regime jurídico do
país, as autoridades tradicionais são agentes eficazes na ligação-articulação entre o nível
central e o local.

Nesta senda, as autoridade tradicionais como agentes de ligação entre


comunidades das áreas da sua jurisdição e os órgãos da administração local do Estado,
fazem julgamentos tradicionais, e concedem as “sentenças “de acordo com o peso do
acto cometido, promovem ainda participação das respectivas aldeias e influenciam a sua
resolução.

Para Pacheco ( 2001), as autoridades tradicionais têm as seguintes funções


genéricas :

-Estabelecem a ligação com antepassados das linhagens dominantes, assumem


os aspectos mágico-religiosos e práticas de feitiçaria ou fazem recurso a agentes
específicos para esse efeito. Administram a justiça, podendo impor castigos, gerem as
terras, protegem-na e condicionam o acesso a ela pelos seus súbditos ou por estranhos;

-Gerem a vida comunitária nos aspectos ligados à caça, organização dos trabalhos
agrícolas, a força de trabalho, a organização dos sistemas de troca. Controlam a
população, tanto do ponto de vista estatístico como de segurança; Estabelecem normas
sociais e jurídicas; Orientam o recrutamento de mancebos para o exército;

-Negoceiam as relações das comunidades com os diversos agentes externos que com
elas se relacionam: Estado, ONG, agências das Nações Unidas, empresários e agentes
privados, etc.; Negoceiam a exploração de recursos naturais: lenha, carvão, materiais de
construção (inertes), etc.;

-Estabelecem ligações com os partidos políticos (embora a maioria seja militante do


MPLA); Transmitem informação ao povo; São os porta-vozes das comunidades;
Assumem-se como elementos de ligação com as instituições do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As autoridades tradicionais sempre foram importantes desde o tempo colonial
para a Administração de zonas do interior do território. A natureza jurídica das
autoridades tradicionais é muito discutida, entretanto, nós consideramos as autoridades
tradicionais como pessoas colectivas públicas de substrato cultural ou ancestral, pois
elas integram uma das formas do poder local nos termos do número 2 do artigo 213º da
nossa constituição.

Com a constituição de 2010, as autoridades tradicionais ganharam um


reconhecimento constitucional, ademais, a natureza política das autoridades tradicionais
e de agentes intermediários entre os órgãos do Estado e as comunidades locais, daí que
em zonas onde há um vazio de serviços públicos, as autoridades tradicionais têm
verdadeiros poderes de administrar, organizar e resolver diferentes problemas que
vivem as nossas comunidades, portanto, as autoridades tradicionais são deveras
importantes para concretiza o principio da aproximação dos serviços públicos nas
nossas aldeias, daí que merecem respeito por todos e inclusive pelos órgãos do Estado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Diogo; FEIJÓ, Carlos ( 2016). Direito Administrativo angolano.Coimbra:
Almedina.

ASSEMBLEIA NACIONAL\ Constituição da República de Angola

BEMBE, Miguel (2014). Partilha do poder no enclave angolano de Cabinda: Modelo e


processo. Lisboa: Universidade de Lisboa.

CRESWELL, J.W (2007). Projecto de pesquisa: Método Qualitativo, Quantitativo e


Misto. 2ªed. Porto Alegre: ArteMed

GOMES, Catarina (2009). De como o poder se produz: Angola e as suas transições.


Lisboa: Faculdade de Economia de Coimbra: Tese de doutoramento

GIL, A (2017). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas

PACHECO, António ( 2001). Cabinda só existe quando há raptos. In Rádop


Renascença. Lisboa

QUINTAS, O. Autonomia Local: Sentido e Alcance. Revista ABÉ-ÁFRICA, V.04, n.


04, Abril de 2020, p. 135 – 151.

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