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5.

Teorias em Psicologia Social


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O Universidade Aberta
Os psicólogos sociais desenvolveram muitas ideias diferentes sobre a vida
social. À questão "Que teoria deve ser utilizada para as investigações em
psicologia social”, não existe uma resposta simples, dado que nenhuma teoria
permite explicar de modo adequado todos os fenómenos sociais. O mesmo
acontece em todos os domínios científicos (por exemplo, a teoria da
relatividade de Einstein não pode explicar o fenómeno da aceleração dos
corpos em queda livre). Certas teorias são globais ou gerais, enquanto que
outras são mais particulares e restritas na sua aplicação e predições. Entre as
principais posições teóricas amplas em Psicologia Social figuram as teorias da
aprendizagem, as teorias cognitivas e as das regras e papéis. As teorias da
aprendizagem têm as suas origens nos princípios básicos do behaviourismo que
salientou o condicionamento clássico e a aprendizagem através de reforço ou
recompensa. As teorias cognitivas têm as suas origens na psicologia da gestalt.
Focalizam-se nos processos cognitivos que estão subjacentes às nossas
percepções e julgamentos acerca de nós próprios e dos outros em situações
sociais. A terceira orientação, mais com pendor sociológico, põe em evidência
a ideia de que os pensamentos e os comportamentos dos indivíduos são o
resultado de interacções que têm com outras pessoas e do significado que elas
dão às interacções e papéis.

No seio destas três orientações teóricas gerais é possível desenvolverem-se


modelos mais limitados. por vezes chamados mini-teorias, que tentam explicar
um leque mais restrito do comportamento humano. Aliás a tendência actual em
psicologia social é utilizar mini-teorias próprias para fenómenos precisos, tais
como o amor romântico ou a solidão. Muitas dessas teorias mais limitadas
serão apresentadas nos capítulos subsequentes. Propomo-nos mostrar aqui que
a orientação teórica adoptada pelo investigador conduzi-lo-á a colocar certas
questões acerca do comportamento que se está a estudar. Consoante os
princípios básicos da teoria a que o investigador recorre, focalizar-se-á no
mdivíduo ou no meio, em circunstâncias passadas ou presentes, em
comportamentos limitados ou em acontecimentos globais.

Para ilustrar que tipo de questões podem ser colocadas, consoante a teoria por
que se enverede, recorreremos ao caso do Manuel e da Maria. Conheceram-se
e apaixonaram-se quando ambos frequentavam a Universidade. o Manuel
estudante de Economia e a Maria de Psicologia. O Manuel] era oriundo da
classe média e tentava melhorar a sua situação na vida através de um árduo
trabalho como estudante. A Maria é oriunda da classe alta e aspirava a ajudar
crianças com dificuldades. Mesmo se os pais de ambos não viam o noivado

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com muitos bons olhos, casaram-se após a conclusão dos respectivos cursos.
Com o decorrer do tempo, os pais do Manuel e da Maria foram-se entendendo
melhor com a nova família e o Manuel até assumiu a orientação da empresa
dos pais da Maria. Maria dedicou-se ao cuidado de três filhos e, quando
cresceram, pôde enfim concretizar um velho sonho. Abriu um consultório para
tratamento de crianças com dificuldades psicológicas. Trata-se de uma história
aparentemente banal. Ora factos inscritos no quotidiano das pessoas são
objecto de grande interesse por parte dos psicólogos sociais.

5.1 Teorias da aprendizagem

Durante muitos anos, as teorias da aprendizagem foram a orientação


dominante em Psicologia. O seu núcleo é a ideia de que o comportamento de
uma pessoa é determinado pela aprendizagem anterior. A teoria da
aprendizagem tornou-se popular nos anos 1920, estimulada pelos trabalhos
sobre associação ou condicionamento “clássico” do psicólogo russo Ivan
Pavlov e do americano John Watson. Posteriormente, Clark Hull e B. Skinner
exploraram os princípios do reforço. Esta abordagem, aplicada ao
comportamento social por Albert Bandura e outros autores, chamou-se de
aprendizagem social.

5.1.1 Mecanismos de aprendizagem social

Há três mecanismos gerais mediante os quais as pessoas aprendem coisas


novas. Um é através da associação ou condicionamento clássico. Nas
experiências de Pavlov cães aprendiam a salivar ao som de uma campainha
porque era-lhes apresentada comida sempre que a campainha tocava.
Posteriormente salivariam ao som da campainha mesmo na ausência de comida
porque associavam a campainha com comida. Associações similares são
suscitadas nas pessoas que vivem no mundo social. Por exemplo, a palavra
"Nazi" é geralmente associada a crimes horrorosos. Aprendemos que os Nazis
são maus porque aprendemos a associá-los a algo de horroroso.

O segundo mecanismo de aprendizagem é o reforço. As pessoas aprendem


através de recompensas e de castigos. Por exemplo, as crianças aprendem a

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regular o seu comportamento social porque, em parte, os pais reforçam de
modo selectivo comportamentos desejáveis, usando reforços tais como
sorrisos e rebuçados. Ao inverso, comportamentos emitidos pela criança que
não são desejáveis para os outros, como seja gritar ou bater, são seguidos por
reforços negativos, tais como olhares carrancudos ou reprimendas. Pouco a
pouco a criança aprende quais são os comportamentos aceitáveis e os que O
não são.

O terceiro principal mecanismo é a aprendizagem observacional ou imitação.


Uma parte importante do comportamento humano é adquirido através de
instrução directa e por observação do comportamento dos outros (Bandura e
Walters. 1963; Miller e Dollard, 1941). As pessoas aprendem muitas vezes
atitudes sociais a comportamentos através da simples observação de atitudes e
comportamentos de modelos. Crianças e jovens podem adquirir as suas
atitudes políticas ouvindo simplesmente as conversas dos pais aquando de
campanhas eleitorais. A imitação pode ocorrer na ausência de qualquer reforço
externo, através da simples observação do modelo.

5.1.2 Contribuições

A aplicação dos princípios da aprendizagem no estudo do comportamento


social suscitou um interesse continuado em psicologia social (Lott e Lott,
1985). As teorias da aprendizagem têm-se utilizado para explicar muitos
fenómenos sócio-psicológicos, como a atracção interpessoal, a agressão, o
altruísmo, o preconceito, a formação de atitudes, a conformidade e a
obediência. Por exemplo, Byrne (1971) propusera que gostamos das pessoas
que são semelhantes a nós numa série de dimensões porque tal semelhança é
agradável.

Nalgumas dessas áreas a teoria da aprendizagem é a orientação teórica


dominante a que se tem recorrido. Todavia noutras só é utilizada de modo
periférico.

Ás teorias da aprendizagem têm sido particularmente úteis na estimulação, por


parte dos investigadores, da procura de acontecimentos ambientais ligados às
acções das pessoas. Estes teóricos defendem que uma melhor compreensão do
efeito de acontecimentos ambientais torna possível prever a sua influência. É
então possível assegurar um controlo sobre acontecimentos influenciando as

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pessoas a terem vontade de agir de determinado modo em detrimento de
outro.

Tentando aplicar a teoria do reforço às relações entre o Manuel e a Maria, o


teórico estaria atento aos padrões de reforço. Porque é que a Maria decidiu
casar-se com o Manuel? Por dinheiro? Pela fama? Pelo calor emocional?
Decisões ulteriores na vida do casal também seriam interpretadas tendo em
conta os reforços eventuais.

5.2 Teorias cognitivas

As teorias da aprendizagem são muitas vezes criticadas por terem uma "caixa
negra” para o comportamento humano. É salientado o que entra na caixa
(estímulo) e o que sai da caixa (resposta), mas é prestada pouca atenção ao
que se passa dentro da caixa. Os elementos do interior - emoções e cognições
- são a principal preocupação das teorias cognitivas. A ideia principal das
teorias cognitivas para a Psicologia Social é que o comportamento de uma
pessoa depende do modo como percepciona a situação social.

Se as experiências de Pavlov influenciaram os primeiros teóricos das teorias


da aprendizagem, os teóricos das teorias cognitivas inspiraram-se nos
psicólogos da Gestalt. Psicólogos como Kohler e Koffka interessaram-se em
saber como é que os processos interiores do indivíduo impõem uma forma ao
mundo exterior. Para eles as pessoas percepcionam situações ou
acontecimentos como "todos dinâmicos”.

5.2.1 Princípios básicos

Uma ideia central para esta orientação é que as pessoas tendem


espontaneamente a agrupar ou a categorizar objectos. Uma segunda ideia
central é que percepcionamos imediatamente algumas coisas como sendo
salientes (figura) e outras como estando atrás (fundo). Geralmente
percepcionamos os estímulos coloridos, em movimento, barulhentos, únicos,
próximos, como figura, e os estímulos suaves, monótonos, estacionários,
quietos, longínquos, como fundo.

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Os dois princípios, isto é, que agrupamos e categorizamos espontaneamente as
coisas que percepcionamos e que prestamos particular atenção aos estímulos
mais salientes, não são só centrais para a nossa percepção de objectos físicos.
São também centrais para a nossa percepção do mundo social. Estes princípios
cognitivos são importantes para o modo como interpretamos o que as pessoas
sentem, querem e que tipo de pessoas são. Essas interpretações concretizam-
se, por exemplo, através da expressão de intenções, motivações, atitudes,
traços e personalidade.

Os princípios cognitivos estudam como é que as pessoas processam a


informação. No domínio da Psicologia Social a investigação sobre cognição
social aborda o modo como processamos informação social acerca de pessoas,
de situações sociais e de grupos. A investigação sobre a cognição social tem
sido efectuada em três áreas: percepção social, memória social e julgamentos
sociais. Em primeiro lugar uma pessoa percepciona um estímulo social, depois
deve armazenar de alguma forma uma representação desse estímulo na
memória, para mais tarde o utilizar para fazer julgamentos sociais.

Ao nível perceptivo os psicólogos sociais interessam-se em como certas


estruturas cognitivas nos ajudam a prestar atenção a vastas quantidades de
informação acerca das outras pessoas e das situações sociais. Ao nível da
memória social, os psicólogos sociais examinam como é que os indivíduos
armazenam informação acerca de pessoas e de acontecimentos sociais. As
representações que as pessoas têm nas suas cabeças acerca de pessoas e de
acontecimentos chamam-se esquemas. Os esquemas representam o
conhecimento integrado que temos a respeito do nosso meio social. A
investigação sobre a memória social focalizou-se no modo como as pessoas
recuperam informação quando dela necessitam. Ao nível dos julgamentos
sociais, os psicólogos sociais examinam os modos como as pessoas integram
ou juntam informação para chegar a inferências e conclusões acerca do mundo
social.

Uma outra direcção de investigação cognitiva em que a Psicologia Social tem


sido fértil é o estudo de atribuições causais, isto é, os modos como as pessoas
usam a informação para determinar as causas do comportamento social. No
âmbito desta perspectiva teórica as pessoas são vistas como cientistas
ingénuos que consideram ao mesmo tempo várias fontes de informação para
efectuar conclusões sobre as causas do comportamento. Por exemplo, porque
é que se pensa que alguém acabou o namoro? Porque é que uma vítima de
violação resiste com sucesso ao atacante e outra não faz esforço?

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5.2.2 Contribuições

As teorias cognitivas permitem explicar situações que parecem numa primeira


abordagem incompreensíveis. Suponha que acaba de tomar conhecimento da
sua nota da primeira chamada em psicologia social: 14. Para si é uma boa nota,
pois não estudou muito. No mesmo instante ouve uma estudante que está ao
seu lado a ver as pautas soltando um grito de dor e uma série de insultos.
Pergunta-lhe tranquilamente a sua nota e ela responde de modo agressivo: "14,
um verdadeiro desastre..." Como é que a mesma nota pode suscitar efeitos tão
diferentes em duas pessoas? É este tipo de fenómenos, entre outros, que as
teorias cognitivas tentam explicar. Para esta abordagem a resposta está na
percepção do resultado do exame e do que ele representa para a estudante, e
não na nota em si, ou no aspecto objectivo do estímulo.

Muitos dos estudos a que se fará referência nos capítulos seguintes estão de
alguma forma ligados à orientação cognitiva. Por exemplo. uma aplicação
directa desta orientação tem sido a investigação sobre como é que as pessoas
formam impressões de outras pessoas. Os psicólogos sociais, seguindo a
tradição da gestalt, examinaram como é que o nosso conhecimento dos traços
individuais é combinado para formar impressões globais das pessoas
(Burnstein e Schul, 1982). Muitas teorias das mudanças de atitudes também
estão baseadas nos princípios cognitivos. As teorias da consistência cognitiva
postulam, por exemplo, que estamos motivados para conservar cognições de
acordo com outra cognição ou com um comportamento consistente.

No caso do Manuel e da Maria a teoria cognitiva prestaria atenção ao seu


conhecimento e ao significado que têm para eles várias experiências. Em
consonância também com as teorias da aprendizagem, focaliza-se
fundamentalmente a atenção num indivíduo. Todavia, diferentemente das
teorias da aprendizagem, as teorias cognitivas levariam o investigador a tomar
em consideração os modos como cada um dos elementos se vêem. Poder-se-
ja, por exemplo, examinar como é que um elemento do casal explica o
comportamento do outro. As atribuições são efectuadas em termos de traço de
personalidade ou de situações? Que crenças tem cada elemento acerca do
outro e de outras pessoas que para ele são significativas? Em geral a
orientação cognitiva não olha tanto para os acontecimentos actuais quanto
para os pontos de vista de cada elemento acerca desses acontecimentos.

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5.3 Teoria dos papéis

A Psicologia Social tem as suas raízes não só na Psicologia, como também na


Sociologia. Efectivamente há autores que encaram a Psicologia Social como
um domínio de encruzilhadas entre as disciplinas da Psicologia e da
Sociologia. Aulas com o título de Psicologia Social são muitas vezes
asseguradas nas Faculdades de Psicologia e de Sociologia. Consideremos pois
uma abordagem sociológica para a Psicologia Social examinando a teoria dos
papéis. Ainda que seja possível delinear o seu começo nas concepções dos
papéis teatrais há mais de dois milénios em autores gregos, foi George Herbert
Mead (1913) que tornou o conceito de papel popular na sua análise do self
em relação com as pessoas que nos rodeiam.

5.3.1] Princípios básicos

Embora se esteja a utilizar o termo teoria do papel, não se trata efectivamente


de uma teoria única. Trata-se de uma rede ligada de hipóteses e de um
conjunto bastante amplo de construtos (Shaw e Costanzo, 1982). De modo
diferente das teorias da aprendizagem, esta abordagem presta pouca atenção
aos determinantes individuais do comportamento. Por exemplo, raramente
recorre a conceitos de personalidade, atitudes, motivação. Em vez disso, o
mdivíduo é visto como um produto da sociedade em que vive e como um
indivíduo que contribui para essa sociedade. Por isso, em contraste com as
teorias mais psicológicas que apresentamos anteriormente, a teoria dos papéis
dá mais atenção a amplas redes sociais.

O termo “papel” é central para esta abordagem. Pode definir-se como a


posição ou função que uma pessoa ocupa no seio de um determinado contexto
social (Shaw e Costanzo, 1982). Uma pessoa pode desempenhar
simultaneamente muitos papéis. Por exemplo. pode dar consigo a desempenhar
o papel de estudante universitária, de irmã. de namorada, de jogadora de
futebol... Estes vários papéis são guiados por determinadas expectativas que
os outros têm acerca do comportamento. Por exemplo, os estudantes podem
ter expectativas de papéis para os professores, esperando que estejam a certa
hora na sala de aula, que sejam peritos num dado assunto, que digam algo de
compreensivo. Esses papéis também são guiados por normas que são
expectativas mais generalizadas acerca do comportamento, internalizadas no

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As pessoas realizam uma série de papéis todos os dias.

decurso da socialização. Por exemplo, temos normas gerais acerca das


interacções adequadas entre as pessoas investidas de autoridade e as
subordinadas que se desenvolveram a partir da experiência de papéis mais
específicos. E. como já teve certamente ocasião de experimentar, os papéis
muitas vezes entram em conflito uns com os outros. Conflitos de papéis
ocorrem quando uma pessoa ocupa diversas posições com exigências
incompatíveis (conflito interpapel) ou quando um só papel tem expectativas
que são incompatíveis (conflito intrapapel). Por exemplo, uma estudante está a
fazer serão para preparar um exame para o dia seguinte e o seu namorado
telefona-lhe para irem até uma discoteca. Essa estudante pode experienciar um
conflito interpapel, pois os papéis de estudante e de namorada não podem ser
preenchidos ao mesmo tempo. Uma estudante experienciaria um conflito
intrapapel se tivesse de escolher entre estudar para um exame a efectuar no dia
seguinte e concluir um trabalho de grupo que também tem de ser concluído
para o dia seguinte.

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5.3.2 Contribuições

O conceito de papel tem sido amplamente utilizado em Psicologia Social.


Neste domínio frequentemente se recorre a termos como modelo de papel,
jogo de papel, tomada de papel. Este conceito dá conta da possível mudança
de comportamento das pessoas quando a sua posição na sociedade muda.

A teoria dos papéis suscitou várias investigações e mini-teorias em psicologia


social. As investigações sobre as normas sociais (Sherif, 1935) e sobre os
processos de comunicação (Shannon e Weaver, 1949) constituem posições
teóricas que fazem apelo a conceitos ligados à teoria dos papéis.

O conceito de doença mental pode ser revisto a partir da teoria dos papéis.
Acredita-se geralmente que o doente mental é o produto de uma personalidade
perturbada que tem problemas profundos e duradoiros, nada tendo a ver com a
situação. Todavia, segundo a teoria dos papéis, a doença mental é muitas
vezes aprendida quase como alguém aprende um papel numa peça de teatro.
Há doentes mentais que agem de modo a provocar efeitos particulares
correspondentes a regras institucionais (Szasz, 1960). A pessoa que dá entrada
num hospital psiquiátrico aprende a desempenhar o papel de um doente
mental. A não aprendizagem destas regras acarreta castigos institucionais. Isto
foi ilustrado por Braginsky, Braginsky e Ring (1969) que mostraram que os
doentes psiquiátricos são capazes de modificar o seu comportamento para
parecerem mais ou menos doentes.

Mais recentemente as ideias da teoria dos papéis têm contribuído para o


incremento do estudo do autoconceito. Mesmo se o autoconceito não é novo
em Psicologia Social, como veremos, tem-se prestado ultimamente mais
atenção ao seu desenvolvimento. Assim, modelos de autoconsciência referem
em que condições nos tornamos mais conscientes de nós próprios. O conceito
de autovigilância dá conta da tendência de algumas pessoas a observarem o
modo como são percepcionadas pelas outras. A área da gestão da impressão
aborda o modo como as pessoas tentam criar impressões específicas e
positivas acerca delas próprias (Schlenker, 1980). O trabalho sobre este tópico
tem mostrado que as pessoas se comprometem activamente em estratégias
comportamentais, para dirigir a impressão das outras pessoas a respeito de si
próprias.

Aplicando a teoria do papel ao caso do Manuel e da Maria ter-se-ia em conta


os papéis que desempenham. Poder-se-ia considerar a transição do Manuel e

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da Maria de filho e filha para marido e esposa. Quais são os comportamentos
do Manuel como marido, como dirigente da empresa e como pai? Haverá um
conflito para Maria entre os papéis de esposa, mãe e psicoterapeuta? Também
se poderiam abordar os autoconceitos do casal. Como se vê o Manuel
passando da classe média para a classe alta, de filho para pai? Dentro da teoria
dos papéis poder-se-ia abordar a relação do casal como um conjunto de
posições, de expectativas de papel.

5.4 Uma comparação de teorias

As três teorias acabadas de apresentar diferem nas questões que tratam e nas
questões que ignoram. Também diferem em relação às variáveis que
consideram importantes e às que consideram irrelevantes. Efectivamente, cada
teoria faz diferentes suposições acerca do comportamento social.

Passaremos agora a comparar as três teorias em quatro dimensões: 1) os


conceitos centrais da teoria; 2) os comportamentos sociais primários
explicados pela teoria; 3) as suposições básicas da teoria sobre a natureza
humana; e 4) os factores que segundo a teoria produzirão mudança no
comportamento de uma pessoa. No quadro 1.5 está patenteada esta síntese
comparativa das três teorias para cada uma destas dimensões.

Cada uma das orientações teóricas passadas em revista enfatiza conceitos


diferentes. Para as teorias da aprendizagem, o comportamento social
observável é explicado pelas relações entre estímulo e resposta e a aplicação
do reforço. As teorias cognitivas acentuam a importância das cognições e, de
uma maneira mais geral, da estrutura cognitiva como determinante do
comportamento. À teoria do papel enfatiza papéis e normas, definidos pelas
expectativas dos membros do grupo em relação à realização.

Muito embora haja algum grau de coincidência, as três teorias diferem em


relação aos comportamentos explicados. As teorias da aprendizagem
focalizam-se na aquisição de novos padrões de resposta e no impacto das
recompensas e dos castigos na interacção social. As teorias cognitivas
abordam os efeitos das cognições sobre a resposta da pessoa a estímulos
sociais, e tratam também das mudanças nas crenças e nas atitudes. A teoria do
papel sublinha o papel do comportamento e a mudança de atitude que resulta
dos papéis que se têm.

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As três perspectivas teóricas diferem nas suas suposições acerca a natureza
humana. Ás teorias da aprendizagem vêem os actos das pessoas, o que
aprendem e como o fazem, como determinados fundamentalmente pelos
padrões de reforço. As teorias cognitivas acentuam que as pessoas
percepcionam, interpretam e tomam decisões acerca do mundo. As teorias do
papel supõem que as pessoas são enormemente conformistas. Vêem as pessoas
como agindo de acordo com as expectativas de papéis que têm os membros do
grupo.

As três teorias diferem também nas suas concepções do que provoca mudança
no comportamento. As teorias da aprendizagem defendem que a mudança no
comportamento resulta de mudanças no tipo, quantidade e frequência de
reforço recebido. As teorias cognitivas sustentam que a mudança no
comportamento resulta de mudanças nas crenças e atitudes, para além de
postular que mudanças nas crenças e atitudes são muitas vezes o resultado de
esforços para resolver inconsistência entre cognições. A teoria do papel
defende que para mudar o comportamento de alguém, é necessário mudar o
papel que a pessoa ocupa. Diferente comportamento resultará quando a pessoa
muda de papéis, porque o novo papel acarretará diferentes pedidos e
expectativas.

A Psicologia Social hodiernia pode recorrer a diversas teorias para


compreender o comportamento social. Cada teoria faz-nos caminhar por uma
vereda algo diferente. Consoante a teoria por que se enverede, podemos
observar aspectos diferentes do comportamento social.

Ao longo dos anos, os psicólogos sociais verificaram que os assuntos que


estudaram não podem ser completamente compreendidos por uma das grandes
teorias do passado. Por isso desenvolveram teorias mais específicas que tentam
dar conta de fenómenos com uma amplitude limitada. Estas teorias continuam
todavia a ser o reflexo de orientações teóricas básicas. As teorias da
aprendizagem, cognitivas e dos papéis desempenharam e ainda desempenham
um papel importante em psicologia social. Hoje em dia a abordagem cognitiva
é a mais popular junto de teóricos e de investigadores. Todavia as outras duas
posições teóricas continuam a exercer uma influência de relevo nesta
disciplina.

103
Teoria

Dimensão Teorias da Teorias cognitivas Teoria do papel


aprendizagem

Conceitos centrais Estímulo-resposta, Cognições, Papel


Reforço Estrutura cognitiva

Comportamentos Aprendizagem de Formação e mudança Comportamento no


primários explicados novas respostas; pro- de crenças e de papel
cessos de troca atitudes

Suposições acerca da As pessoas são As pessoas são As pessoas são


natureza humana hedonistas, os seus seres cognitivos que conformistas e com-
actos são determinados agem com base nas portam-se de acordo
por padrões de | suas cognições com expectativas
reforço de papéis

Factores que produzem | Mudança na quan- | Estado de inscon- | Mudança nas ex-
mudança no comporta- | tidade. tipo, ou | sistência cognitiva | pectativas de papéis
mento frequência de reforço

Quadro 1.5 — Comparação de três teorias em Psicologia Social

Uma outra tendência a que se vem assistindo é a tendência a combinar e


integrar ideias de diferentes tradições teóricas. As teorias mais recentes em vez
de se focalizarem exclusivamente no comportamento ou nos pensamentos e
cognições, procuram compreender o interrelacionamento | entre
comportamento, pensamento e cognições.

Uma ilustração do aumento de complexidade teórica e empírica a que se vem


assistindo foi posta em evidência mediante a análise comparativa de todos os
artigos publicados no prestigiado Journal of Personality and Social
Psychology em 1968, 1978 e 1988 em diversas dimensões (Reis e Stiller,
1992). Esta análise revelou uma tendência contínua de 1968 a 1988 para os
artigos publicados nessa revista terem em conta uma base mais vasta da
literatura anterior, implicarem mais sujeitos por estudo e mais estudos por
artigo, utilizarem métodos estatísticos mais sofisticados, apresentarem mais
quadros e exigirem relatórios escritos que eram cerca de duas vezes e meia
maiores que os anteriores.

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6. A Psicologia Social comtemporânea
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O Universidade Aberta
Até aqui neste capítulo definiu-se a psicologia social, delineou-se um rápido
panorama histórico da disciplina e apresentaram-se as principais influências
teóricas no domínio. Nesta secção parece revestir-se de interesse abordar
aspectos da psicologia social tal como ela hoje em dia existe, para além da
diversidade de tópicos que já foi apresentada.

6.1 Uma ciência em ebulição

O período actual caracteriza-se por uma explosão dos conhecimentos, das


descobertas e das publicações (Bok, 1986). Neste panorama a psicologia
social constitui um dos domínios mais importantes na investigação em
psicologia, em particular, e nas ciências sociais, em geral. Cada ano que
transcorre são conduzidos e publicados milhares de estudos em diversas
revistas especializadas em psicologia social. Se nos limitarmos ao domínio da
psicologia social verifica-se que existem pelo menos 21 revistas científicas que
se apresentam por ordem alfabética no quadro 1.6.

Basic and Applied Social Psychology

British Journal of Social Psychology

European Journal of Social Psychology

Journal of Social and Clinical Psychology

Journal of Applied Social Psychology

Journal of Experimental Social Psychology

Journal of Language nd Social Psychology

Journal of Personality

Journal of Personality and Social Psychology

Journal of Social and Personal Relationships

Journal of Social Behavior and Personality

107
Journal of Social Issues

Journal of Social Psychology

Les Cahiers Internationaux de Psychologie Sociale

Personality and Social Psychology Bulletin

Revista de Psicología Social

Revista de Psicología Social y Personalidad

Revue Internationale de Psychologie Sociale

Social Behavior and Personality

Social Cognition

Social Psychology Quarterly

Quadro 1.6 — Revistas científicas em psicologia social por ordem alfabética

Várias observações emergem da leitura deste quadro. Em primeiro lugar


verifica-se que a grande maioria das publicações importantes aparecem em
revistas americanas. Efectivamente entre todas as revistas referidas só cinco
(British Journal of Social Psychology, European Journal of Social
Psychology, Les Cahiers Intenationaux de Psychologie Sociale, Revue
Internationale de Psychologie Sociale, Revista de Psicologia Social) são
oriundas da Europa e uma da Nova Zelândia (Social Behavior and
Personality). Para além disso, as três principais revistas, segundo Social
Science Citation Index são, por ordem decrescente, Journal of Personality
and Social Psychology, Joumal of Experimental Social Psychology e
Personality and Social Psychology Bulletin, todas elas revistas americanas
(Feingold, 1989). Acontece também que há muitos investigadores americanos
que também publicam em revistas europeias. Ou, por outras palavras, a
imagem que é reflectida pela publicação em revistas científicas é que a
psicologia social americana tem um peso preponderante no domínio,

Em segundo lugar, na lista apresentada só aparecem duas revistas em francês


(Les Cahiers Intemationaux de Psychologie Sociale et la Revue

108
Internationale de Psychologie Sociale) e duas em espanhol (Revista de
Psicologia Social e Revista de Psicologia Social y Personalidad). À
semelhança do que acontece em todos os domínios científicos, a língua inglesa
é a língua de eleição no domínio da psicologia social.

Em terceiro lugar, a psicologia social aparece sobretudo ligada à psicologia,


como já se referiu. Das 21 revistas em psicologia social mencionadas, só duas
são publicadas sob a responsabilidade de sociólogos (Social Psychology
Quarterly e Journal of Language and Social Psychology).

Se acrescentarmos à lista de revistas apresentadas aquelas que não se limitam a


publicar artigos de cariz psico-social, mas que estão abertas a publicações
dessa índole, facilmente nos apercebemos que o número de artigos que cada
ano são publicados neste domínio ascende a vários milhares. A psicologia
social está pois em ebulição.

6.2 Uma plêiade de investigadores

Há um quarto de século o domínio da Psicologia Social era constituído por um


monopólio reduzido de investigadores. Hoje em dia são cada vez mais
numerosos os investigadores que apresentam contribuições de valor para esta
ciência. A eminência científica dentro de um campo é um construto que se
pode operacionalizar de diversas maneiras. Por exemplo, Gordon e Vicari
(1992) contabilizaram os investigadores mais citados em oito livros de
introdução à psicologia social. No quadro 1.7 são apresentados os 20
investigadores mais citados, bem como a respectiva frequência. Os resultados
deste estudo sugerem que os autores mais frequentemente citados (muito
especialmente os dez mais frequentemente citados) permaneceram
relativamente estáveis ao longo dos últimos quinze anos.

109
Nome Frequência de citações

E. Jones 153

H. Kelley 149

L. Festinger 135

E. Hatfield 115

E. Berscheid 109

J. Darley 108

B. Latané 100

S. Schachter 100

S. Milgram 98

E. Aronson 95

M. Snyder 2

R. Petty 88

L. Berkowitz 86

A. Eagly 78

R. Cialdini 75

S. E. Taylor 73

A. Bandura 72

J. Cacioppo 72

R. Nisbett 22

S. Asch 70

Fonte. Gordon e Vicari (1992).

Quadro 1.7 — Os vinte investigadores mais citados nos principais manuais de


psicologia social

Ho
6.3 Empregos em Psicologia Social
O domínio da psicologia social representa um sector muito popular no âmbito
da psicologia, muito em particular nos Estados Unidos. Um estudo efectuado
junto dos membros da American Psychological Association (APA) mostra
que entre 1960 e 1976, 10% dos diplomados (doutoramento) em psicologia
nos Estados Unidos tinham a especialidade de psicologia social (Howard,
Blumstein e Schwartz, 1986). Dado ter havido um grande número de novos
sectores que recentemente se abriram à psicologia, esta percentagem diminuiu
um pouco no último decénio e situava-se à volta de 6% em 1984. Durante os
últimos 25 anos o número de diplomados em psicologia social situou-se na
terceira posição, atrás da psicologia clínica e da psicologia experimental. Por
conseguinte, a psicologia social constitui um domínio de estudo muito popular
em psicologia.

Que tipos de emprego são obtidos pelas pessoas formadas em psicologia


social? O quadro 1.8 indica os sectores de emprego e faz uma comparação
com a psicologia em geral. A maioria dos empregos em psicologia social é
obtida ao nível do ensino e da investigação (62,7%), em postos de professores
ou de cientistas em meio universitário ou secundário. Esta é a percentagem
mais elevada em todos os sectores de estudo em psicologia. Os sectores
privados e governamentais atraem igualmente uma percentagem elevada de
diplomados.

Parece provável que num futuro próximo novas áreas de investigação aplicada
em psicologia social suscitarão novos empregos para os psicólogos sociais.
Por exemplo, o recente aumento na investigação sobre psicologia da saúde,
psicologia ambiental, psicologia do sistema legal e factores psicossociais de
desordens clínicas, tais como depressão e solidão, suscitam promessas de
emprego para os psicólogos sociais, estudos sobre a saúde, estudos do meio,
estudos legais. e psicologia clínica.

As competências de um psicólogo social podem ser exercitadas em muitas


espécies de trabalho: investigação de mercado, sondagens de opinião pública,
avaliação da investigação nos negócios e no governo (isto é, investigação que
avalia os efeitos de novos programas), e análise estatística de dados
comportamentais.

Muitos dos psicólogos sociais que trabalham em meios académicos partilham o


seu tempo entre ensinar, ficar ao corrente da nova investigação e efectuar
investigação. A focalização no ensino, estudo e investigação é,

1
indivitavelmente polarizada pelo assunto que os psicólogos sociais consideram
ser um dos mais fascinantes no mundo: o comportamento social humano,

Psicologia Psicologia
Social

Ensino € investigação 33.9 62.7


(Universidades ou escolas secundárias)

Sector escolar 3:7 39

Meios organizados com serviços humanos 24.5 5.9

Prática privada 22.0 1.0

Sectores privado e governamental 13.0 26.5

Fonte: Howard et al. (1986).

Quadro 1.8 — Percentagens de diplomados (com doutoramento) em Psicologia e em


Psicologia Social, trabalhando a tempo completo, nos principais
sectores
7. Perspectivas internacionais
Página intencionalmente em branco

O Universidade Aberta
Como nos pudemos já aperceber, se as raízes da psicologia social
emergiram na Europa, grande parte da sua história tem sido amplamente
dominada por investigadores dos Estados Unidos. Uma das razões
importantes para esta mudança foi o crescimento do fascismo na Europa
nos anos trinta. Efectivamente podemos ver os Estados Unidos como
constituindo o primeiro entre três "mundos" em que os psicólogos têm
Jevado a cabo investigação e prática (Moghaddam, 1987; 1990). Esse país
é o principal produtor do conhecimento psicológico. O segundo mundo é
constituido por outras nações industrializadas, como Canadá, Grã-
Bretanha, Austrália, França e Rússia. Em certos aspectos o segundo
mundo é tão produtivo como o primeiro, mas a sua influência é maior entre
os países que aí se inserem e no terceiro mundo. O terceiro mundo
compreende países em desenvolvimento, tais como Índia, Nigéria e Cuba.
Se o primeiro mundo exporta conhecimento psicológico para o segundo e
terceiro mundos, é por sua vez pouco influenciado pela psicologia dos
outros dois mundos. O terceiro mundo é sobretudo importador de
conhecimento psicológico.

Os psicólogos nos três “mundos” estão cada vez mais a ser sensíveis até
que ponto a psicologia do primeiro e segundo "mundos" é relevante para as
sociedades do terceiro mundo (Moghaddam, 1987). Vem-se assistindo
cada vez mais a investigações efectuadas em colaboração em que
experiências psico-sociais são levadas a cabo em diferentes culturas dos
diferentes “mundos”. A psicologia social do “segundo mundo”, que se vem
desenvolvendo na Europa, apresenta alguns traços que a distinguem. A
partir dos anos 60 a psicologia social europeia, tendo como chefes de
orquestra Henri Tajfel na Grã-Bretanha e Serge Moscovici em França,
enveredou por uma psicologia social diferente da dos Estados Unidos que
estava apegada ao sistema de valores individualistas desse país
(Moghaddam, 1987). A psicologia social europeia conseguiu desenvolver
áreas próprias de interesse.

O trabalho de Tajfel e de seus colegas sobre identidade social,


categorização social e relações intergrupais e de Moscovici e de seus
colegas sobre polarização de grupo, influência minoritária e representações
sociais tornaram-se temas relevantes da Psicologia Social nas duas últimas
décadas não só na Europa, mas também noutras partes do mundo (Taylor e
Moghaddam, 1987). Hoje em dia há uma grande e activa troca de ideias
entre os psicólogos sociais em todos os países (Rosenzweig, 1992). Uma
das principais questões suscitadas por esta troca de informação diz respeito
a aspectos do comportamento humano que são culturalmente específicos,
tendo em conta as condições existentes numa determinada cultura e os que

Hs
são devido à herança humana partilhada. Tudo leva a crer que nos anos
vindouros surja uma ciência mais rica, fecundada por cruzamentos de ideias
e de dados de diversas culturas.

16
APLICAÇÕES: O ESTUDO DA CAVERNA DOS LADRÕES

Em muitos problemas de investigação as abordagens da psicologia social


sociológica e da psicologia social psicológica juntaram-se de modo
profícuo. Apresenta-se seguidamente um exemplo de uma investigação de
campo em que se combinaram as abordagens das duas disciplinas. Muzafer
Sherif, um psicólogo a que já nos referimos, e Carolyn Sherif, uma
socióloga, e seus colegas efectuaram um elaborado estudo de campo para
investigar as relações intergrupais (Sherif, Harvey, White, Hood, e Sherif,
1961). Os autores exploraram a formação de grupos, o conflito intergrupal.
e técnicas para reduzir o conflito. Os seus sujeitos de investigação foram
rapazes com 10 e 11 anos que frequentavam um campo de férias e que não
estavam cientes da sua participação na experiência.

Na primeira fase da experiência os autores examinaram a formação de


grupos, a atracção dos membros de um grupo em relação aos membros do
seu próprio grupo (endogrupo), e normas do endogrupo. Os rapazes eram
distribuídos por um dos dois grupos sem conhecerem a existência do outro
grupo. Em cada grupo as actividades dos rapazes demonstraram a
formação da coesão do endogrupo. Cada grupo escolheu um nome (as
Águias e as Serpentes) e desenvolveram uma hierarquia de grupo,
actividades especiais, desportos favoritos, e símbolos de identificação, tais
como uma bandeira do grupo. Para além disso, cada grupo desenvolvia um
conjunto de normas de comportamento: um grupo desejava ser visto como
duro, enquanto que o outro grupo desejava ser visto como bem
comportado. Esta formação de normas do endogrupo apareceu sem que a
equipa de experimentadores fizesse qualquer encorajamento ou
comentário.

Quando as Águias e as Serpentes souberam da existência um do outro, os


membros sentiram imediatamente competição intergrupal. Os grupos
suscitaram encontros espontâneos um com o outro com interacções
competitivas. Os resultados desta competição fortaleciam os laços do
endogrupo e o desenvolvimento de sentimentos de hostilidade em relação
ao outro grupo. Estes sentimentos aumentavam em cada encontro
intergrupal. Por exemplo, depois de um jogo em que as Águias tinham
perdido, as Serpentes queimaram a bandeira das Águias. As Águias
roubaram então a bandeira das Serpentes. Este acto por sua vez provocou
um ataque de surpresa à cabana das Águias, que suscitou um ataque ainda

197
mais destruidor à cabana das Serpentes. Mediante as interacções, o
exogrupo era visto cada vez de modo mais acentuado com estereótipos
negativos.

Na segunda fase da experiência os autores testaram várias técnicas para


reduzir o conflito intergrupal que se havia desenvolvido. Em primeiro
lugar tentaram simplesmente o contacto entre os grupos, mas verificaram
que só o contacto não era suficiente para reduzir o conflito. Os grupos
utilizaram o contacto meramente como uma oportunidade para aumentar o
nível de hostilidade entre eles.

A técnica que finalmente obteve sucesso para reduzir o conflito foi a


introdução de objectivos supraordenados, objectivos que cada grupo
desejava realizar, mas que não podia realizar só sem a cooperação do outro
grupo. Um desses objectivos era o restabelecimento da água para o campo
após o corte de linhas de água. Os dois grupos trabalharam conjuntamente
para encontrar o corte e repararam a linha. Uma série de tais encontros em
que a cooperação era requerida para alcançar objectivos comuns obteve
sucesso na redução da hostilidade e na criação de sentimentos positivos.
Tal foi indicado por mudanças nas escolhas de amizade no endogrupo e no
exogrupo.

Nesta experiência combinaram-se técnicas quer da psicologia social


sociológica quer da psicologia social psicológica. Os autores utilizaram
técnicas de observação e entrevistas em profundidade correntemente
utilizadas em sociologia e combinaram-nas com a técnica dos
questionários estandardizados a que frequentemente recorrem os
psicólogos. A subjectividade inerente aos processos de observação foi
compensada pelo rigor de medidas estandardizadas. Os problemas
resultantes da artificialidade destas medidas estandardizadas foi atenuada
mediante a fecundidade dos dados de observação e de entrevistas.

O estudo da Caverna dos Ladrões ilustra o interesse partilhado por todos


os psicólogos sociais pelos pontos de vista subjectivos das pessoas. O
estudo chama a atenção para as mudanças que ocorreram ao longo do
tempo nas perspectivas dos membros de um grupo sobre as dos membros
do outro grupo. Os experimentadores estudaram a formação de grupos .
segundo as perspectivas dos próprios sujeitos. Tiveram também a
possibilidade de observar as mudanças das atitudes e dos comportamentos
dos sujeitos em relação aos membros do endogrupo e do exogrupo. Enfim,
este estudo combinou níveis de análise psicológicos e sociológicos.
Sentimentos entre os grupos foram medidos através das observações das
atitudes e comportamentos individuais e, ao mesmo tempo, explicações

118
para os comportamentos foram procuradas nas relações estruturadas dos
grupos.

O estudo da Caverna dos Ladrões ilustra como a sensibilidade à


perspectiva dos participantes pode ser realizada num contexto
estandardizado. Dados qualitativos e quantitativos podem ser utilizados
para se complementarem. Este notável estudo integrativo ilustra também
como se podem combinar as vantagens das duas psicologias sociais.

SUMÁRIO

O objectivo deste capítulo foi o de introduzir o domínio da psicologia


social. Uma análise científica do comportamento social permite ter uma
visão esclarecida dos diversos fenómenos que nos preocupam. Há vários
modos de caracterizar a psicologia social: 1) a psicologia social pode
definir-se como o estudo de como as pessoas influenciam os pensamentos,
sentimentos e acções de outras pessoas; 2) a disciplina tem vários tópicos
fundamentais; 3) a psicologia social tem relações próximas com outras
ciências sociais, especialmente com a sociologia e a psicologia; 4) embora
enfatizem diferentes questões, quer psicólogos quer sociólogos
contribuíram para a psicologia social. A psicologia social psicológica e a
psicologia social sociológica devem tendencialmente ser abordadas em
conjunto, pois cada uma complementa a outra e cada uma tem fraquezas
que as forças da outra podem compensar em parte. Ambas as perspectivas
também convergem na sua focalização no comportamento humano
individual e ambas prestam atenção ao mundo subjectivo do indivíduo.

Ainda que a interpretação do comportamento social remonte a vários


milénios, o estudo científico deste último é recente. Como a própria
psicologia, a psicologia social tem as suas raízes no questionamento
filosófico. As ideias acerca do indivíduo no contexto social beneficiam de
contribuições de pensadores como Platão, Aristóteles, Hobbes, Rousseau,
Bentham e Marx, para só se referirem alguns.

O húmus propício à eclosão de uma abordagem específica da psicologia


social encontramo-lo na confluência de duas correntes: uma francesa e
outra anglo-saxónica. Comte defendeu que as ciências se desenvolvem em
estádios, em termos da sua capacidade em dar interpretações dos
fenómenos que não requeiram explicações religiosas, e a psicologia social
foi uma das últimas ciências a emergir. A psicologia social é necessária na

9
medida em que fornece uma explicação para a integração de forças sociais,
biológicas e interpessoais, dentro de um só indivíduo. A moderna
psicologia social é uma síntese de teoria e de dados científicos. As
primeiras experiências em psicologia social foram efectuadas em finais do
século dezanove e desde então uma grande quantidade de investigação deu
à psicologia social uma sólida base científica. A disciplina, uma vez
lançada, desenvolveu-se a um ritmo fulgurante.

À investigação em psicologia social foi fortemente influenciada pelo


“espírito do tempo” (Zeitgeist) de cada década da história do século vinte
na América e noutros Jocais. Duas tendências recentes do campo são a
influência crescente da perspectiva cognitiva e uma ênfase em aplicar as
descobertas da psicologia social a um vasto leque de problemas práticos.
Para além de prevermos que estas tendências continuarão no futuro,
também prevemos uma maior focalização no papel do afecto e numa
perspectiva intercultural.

A Psicologia Social é simultaneamente uma ciência comportamental e


social. E aceite como ciência na medida em que obedece a todos os
requisitos do método científico: descrição, explicação, previsão e controlo.

Há três orientações teóricas principais na actual Psicologia Social: as


teorias da aprendizagem, as teorias cognitivas e a teoria do papel. As
teorias da aprendizagem postulam uma relação estímulo-resposta entre
meio e comportamento social. As teorias da aprendizagem defendem que
os seres humanos percepcionam activamente e interpretam os estímulos no
seu meio para criar sentido nas interacções sociais. A teoria do papel
procura explicar o comportamento social através de uma análise de papéis,
de expectativas de papéis e de conflito de papéis.

Hoje em dia a psicologia social tornou-se um sector de investigação em


ebulição. Numerosos tópicos são estudados e várias mini-teorias foram
formuladas para o explicar. A psicologia social oferece também
possibilidades de emprego relativamente interessantes ao estudante que
pretenda fazer carreira neste domínio. No futuro um maior número de
psicólogos sociais trabalharão em campos aplicados, tais como em
psicologia da saúde, psicologia ambiental e psicologia legal.

Ao nível das aplicações é referido um exemplo de como a psicologia social


sociológica e a psicologia social psicológica deveriam ser estudadas
conjuntamente porque cada uma complementa a outra e cada uma tem
desvantagens que podem ser compensadas em parte pelas vantagens da
outra.
PARA IR MAIS LONGE

No final de cada capítulo serão fornecidas publicações importantes e


recentes susceptíveis dg dar mais informação sobre tópicos discutidos em
cada capítulo. Apresentam-se, no entanto, aqui algumas obras de referência
que podem servir de introdução à maior parte das áreas de investigação no
domínio.

Algumas obras básicas de referência

BERKOWITZ, L. (Ed.),

Advances in experimental social psychology (série


anual). New York: Academic Press.

BICKMANN, L. (Ed.),

Applied social psychology (série anual). Berverley


Hills: Sage.

FESTINGER, L. e KATZ, D.

1974 A pesquisa na psicologia social, Rio de Janeiro:


Fundação Getúlio Vargas.

LÉVY, A.
1965 Psychologie sociale: Textes fondamentaux anglais
et américains. Paris: Dunod.

STOETZEL,J.

(1963) La Psychologie sociale. Paris: Flammarion.

ROSENZWEIG, M. R.e PORTER, L. W: (Eds.).

Annual Review of Psychology (série anual). Palo


Alto, CA: Annual Reviews, Inc.

121
TAJFEL, H. (Ed.)

1984 The social dimension: European development in


social psychology (2 vols.). Cambridge e Paris:
Cambridge University Press e Éditions de la
Maison des Sciences de Homme.

TRIANDIS, H. C., LAMBERT, W. W., BERRY, H. W., LONNER, W.J.,


HERON, A., BRISLIN, R. e DRAGUNS, J. (Eds.)

1980/1981 Handbook of cross-cultural psychology ( 6 vols.).


Boston: Allyn and Bacon.

ZAJONC, R.

1974 Psicologia social: Do ponto de vista experimental.


São Paulo: E.P.U.

Referências específicas para este capítulo

ALLPORT, G.

1985 The historical background of social psychology. In


G. Lindzey e E. Aronson (Eds.), Handbook of
Social Psychology (Vol. 1, 1-46). New York:
Random House.

Este artigo já apareceu na primeira edição do Handbook em 1954, e também,


de modo abreviado, na terceira edição de 1985. Trata-se da fonte mais
frequentemente citada da história da psicologia social. escrita por um dos
psicólogos sociais mais conhecidos.

CARLSMITH, J., ELLSWORTH, P. e ARONSON, E.

1976 Methods of research in social psychology.


Reading, MA: Addison-Wesley.

Este livro dá-nos conta de como efectuar investigação em psicologia social.


JONES, E.

1985 Major developments in social psychology during


the past four decades. In G. Lindzey e E. Aronson
(Eds.), Handbook of Social Psychology (Vol. 1,
47-107). New York: Random House.

Trata-se de um complemento necessário ao capítulo de Allport referido mais


acima, sendo revistos os recentes desenvolvimentos da psicologia social na
América do Norte.

MOSCOVICI, S.

1984 Le domaine de la psychologie sociale. In 5.


Moscovici (Dir.). Psychologie sociale (pp. 5-22).
Paris: Presses Universitaires de France.

Neste sucinto, mas rico e denso texto é apresentado o olhar psicossocial, e


uma síntese de teorias e métodos da psicologia social.

SHAW, M. e COSTANZO, P.

1982 Theories of social psychology (2º ed.). New York:


Mcgraw-Hill.

DEUTSCH, M. e KRAUSS, R.

1965 Theories in social psychology. New York: Basic


Books.

Cada um destes livros apresenta uma descrição pormenorizada das principais


teorias da psicologia social. Embora o livro de Deutch e Krauss não esteja
actualizado, tornou-se uma síntese clássica do domínio.

ACTIVIDADES PROPOSTAS

1) O texto distingue a psicologia social da psicologia e da sociologia. A


literatura também analisa a vida. Como é que distinguiria entre
conhecimentos acerca da natureza humana e da vida social que advêm da
literatura dos que advêm da psicologia social”?

123
2) Escolha um acontecimento importante na história da Psicologia Social e
desenvolva-o com o recurso a referências bibliográficas adequadas.

3) Desenvolva uma teoria acerca de um tópico que ache interessante e


planeie um estudo para testar a sua hipótese. Que considerações tomaria
em conta para escolher os sujeitos? Como saberia se tinha uma boa teoria?

4) Efectue o inquérito seguinte:

INQUÉRITO SOBRE A ORIENTAÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL

A. A maior parte do comportamento social é aprendido através de


reforço e imitação.

B. Pensamento e memória são importantes nas interacções sociais.

C. A sociedade é extremamente importante nos comportamentos


sociais.

D. Grande parte do comportamento social é influenciado por factores


biológicos.

Administre esse inquérito a uma dúzia de colegas e amigos. Peça a cada


sujeito para escolher a afirmação que representa melhor a psicologia social.

Qual a orientação que foi mais popular? Porquê? Há probabilidades de


encontrar um par de afirmações populares. Não há uma orientação que
domine hoje em dia a psicologia social. As duas primeiras orientações, a
aprendizagem social 1) e cognitiva 2) são as mais populares entre os
próprios psicólogos sociais. A terceira abordagem é sociológica e a última
é biológica. Estas não são tão activamente utilizadas pelos psicólogos
sociais actuais. Concordam os seus sujeitos com os interesses da
investigação dos psicólogos sociais?

5) O pioneiro da psicologia social, Kurt Lewin, disse que “nada é tão


prático como uma boa teoria.” Porque é que uma teoria pode ser
considerada prática”?

6) Como é que defenderia que a ênfase intercultural na psicologia social é


também uma ênfase prática?

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