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Estado, Política e
Sociedade
2ª EDIÇÃO
2014
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro
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Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
O estado na sociedade capitalista: fundamentos e consolidação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
As diversas formas de estado na era do capital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Estado e cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.1 - Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Referência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Estado, educação e política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
UAB/Unimontes - 3º Período
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Unidade 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Política de educação em tempos de globalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Atividades de Aprendizagem- AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
8
Geografia - Estado Política e Sociedade
Apresentação
Prezado (a) acadêmico (a):
Vivemos uma conjuntura marcada por transformações profundas e contraditórias. O impres-
sionante avanço das forças produtivas aumenta as possibilidades de prolongar e melhorar a vida
humana, ao mesmo tempo em que mutila e torna precária a vida de quase metade dos habitan-
tes do planeta.
Dessa maneira, um dos grandes desafios para aqueles que não se conformam com o atual
curso da história talvez seja entender em profundidade as novas modalidades de sociabilidade
capitalista, para pensar e construir também novas formas de luta e resistência que permitam
frear os efeitos discriminatórios das políticas de exclusão promovidas pelos Estados neoliberais.
Nesse contexto, com enorme satisfação, apresentaremos a disciplina Estado, Política e So-
ciedade como um campo de estudo que tem um papel fundamental no estudo da vida social
humana, dos grupos e das sociedades. Será um empreendimento fascinante e irresistível, pois
seu objeto de estudo é nosso próprio comportamento como seres sociais e, portanto, importan-
te convite para a compreensão e transformação da nossa realidade social.
Acreditamos ser de fundamental importância promover a integração, o debate e o inter-
câmbio acadêmico através dessa disciplina, procurando ampliar as fronteiras da reflexão teórica
entre o papel do Estado como mecanismo político e nossa participação como cidadãos compro-
metidos com os negócios humanos e, portanto, construtores de cidadania e tendo como orien-
tação a Política, mecanismo de construção dos espaços públicos e meio através do qual o poder
é utilizado e contestado para influenciar a natureza e o conteúdo das atividades governamentais.
Para falar da relação entre Estado, Política e Sociedade, quebraremos paradigmas sobre as-
suntos e temas que estão inter-relacionados para melhor entendê-los, sem deixarmos de fora os
nexos relacionais entre eles, o contexto da sociedade capitalista e suas contradições na constru-
ção das políticas sociais. Assim sendo, analisaremos nesta disciplina não só as principais teorias
do Estado na Sociedade capitalista, considerando as condições concretas de sua produção, como
também examinaremos, no interior dessas teorias, o papel conferido ao Estado na elaboração de
Políticas Sociais, com destaque às políticas educacionais.
Por essa via, a proposta central da disciplina será elaborar uma análise das políticas sociais, seus
mecanismos, sua relação com a economia, com o Estado e as forças sociais e com as crises econômi-
cas, sem perdermos de vista a trajetória da educação como processo e grande força social.
Desse modo, para uma melhor compreensão do Estado Moderno, este será analisado a par-
tir de diferentes abordagens teóricas, enfocando as suas várias formas de manifestação, desde
o Estado teocrático até o Estado de bem-estar social e as mudanças produzidas pelas reformas
neoliberais.
Ressaltamos que as discussões aumentarão quando analisarmos no interior dessas teorias
o papel conferido ao Estado na elaboração de Políticas Sociais, com destaque às políticas edu-
cacionais. Como analisar as políticas sociais permite vários caminhos, o nosso trajeto escolhido
refletirá a preocupação de abordar a articulação entre papel do Estado e suas articulações entre
política e economia, no seu conjunto, nas sociedades capitalistas. Assim, poderemos perceber
que as políticas sociais de educação estarão relacionadas com as exigências do capital para valo-
rizar e reproduzir a força de trabalho, com as lutas de classe e crises do capitalismo.
Ao efetuar esse processo de desvendamento, examinaremos algumas das principais ques-
tões da educação como política e política como educação nos tempos atuais.
Para tanto, na unidade I, analisaremos o Estado Moderno, buscando entender como ele con-
solidou os elementos que o constituem e a sua finalidade. Posto isso, será importante estudar a
relação entre os cidadãos de um determinado território e as instituições políticas que governam
sobre este território. O Estado forma seu povo (seus cidadãos), portanto, faz-se necessário conhe-
cer os critérios através dos quais o Estado transforma indivíduos em cidadãos. Entender o Estado
na atualidade implica compreender os critérios de nacionalidade, a noção de território e o con-
ceito de soberania.
Por sua vez, na unidade II, buscaremos construir um entendimento entre o Estado e a Ci-
dadania, objetivando esclarecer os contornos de uma cidadania plena e conscientizar, no limite
desta disciplina, sobre a nossa responsabilidade nas lutas e conquistas dos direitos democráticos
e do cidadão. Proporemos, ainda, uma reflexão sobre os conceitos de cidadania e sociedade ci-
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UAB/Unimontes - 3º Período
vil. Assim, nossa reflexão quer propor uma revolução interna em nossas subjetividades, no nos-
so modo de agir e pensar e, assim, nos impulsionar ao exercício da ação social no nível político,
comprometidos na construção de um projeto de democracia em seu sentido mais amplo.
Assim é que, na primeira e segunda unidade desta disciplina, procuraremos demonstrar as
diferentes concepções teóricas de Estado e a construção de um projeto de cidadania, para que
na, unidade III, possamos, com mais clareza, perceber as implicações nas relações entre Estado,
política e sociedade, bem como as tramas sociais advindas dessa relação. De forma pontual, ana-
lisaremos as reformas que passaram a ser orientações concretas de programas e políticas sociais,
aqui compreendidas como expressão das relações de produção e reprodução social do capitalis-
mo, de modo a compreender sua tendência e sua dinâmica contemporânea, bem como a manei-
ra como será apreendida pela educação.
Por último, buscaremos refletir sobre a importância de uma educação para a pluralidade cul-
tural em tempos de globalização, com a percepção de que nem tudo neste país são políticas neo-
liberais. Temos redes de políticas e de propostas existentes que vão noutra direção, que afirmam
a cidadania, que afirmam os sujeitos. Na última unidade, encontraremos uma das discussões mais
importantes e desafiantes: a educação inclusiva. Discussão voltada para aqueles que não se con-
formam com o atual curso da história. Nessa perspectiva, traremos o olhar da educação sobre as
concepções e práticas educativas em tempo de exclusão. Se a educação é, como nos afirma Paulo
Freire, um processo de humanização, para muitos, foi negado seu direito de ser humano.
Diante do exposto, considerando-se que há muito conteúdo a ser estudado, faremos uma
opção: apresentaremos um conjunto de informações importantes, mas sugerimos que vocês am-
pliem seus conhecimentos, pesquisando a partir das indicações apresentadas. Ao longo desse
nosso estudo, haverá dicas importantes para o processo de aprendizagem, indicações de livros,
essenciais para nossa formação científica sobre a realidade social, e indicações de filmes, pois
consideramos o filme uma importante ferramenta ilustrativa para refletirmos sobre a vida social.
Bons estudos!
10
Geografia - Estado Política e Sociedade
UNIDADE 1
O estado na sociedade capitalista:
fundamentos e consolidação
1.1 Introdução
Nesta unidade, a partir de uma abordagem histórica, estudaremos a consolidação do Estado
Moderno, seus elementos e a sua finalidade. É importante estudar a relação entre os cidadãos de
um determinado território e as instituições políticas que governam sobre este território. Se o Es-
tado forma seu povo (seus cidadãos), então é necessário conhecer os critérios através dos quais
essa transformação acontece. Entender o Estado na atualidade implica compreender os critérios
de nacionalidade, a noção de território e o conceito de soberania, enfocando tais conceitos no
entendimento do Estado brasileiro.
◄ Figura 1: El Hombre
Controlador del
Universo, Diego Rivera.
Palacio de Bellas Artes,
Ciudad de México.
Fonte:Disponível em
http://www.diegori-
vera.org/ . Acesso em
30/04/2014
DICA
Visto o mural de Diego
Rivera,pesquise sobre
1.2 Modernidade
esse artista e seus
ideais tão bem expres-
sos em sua obra. Não é
interessante que ele re-
presente no mural aqui
A modernidade é vista na Filosofia e nas Ciências Sociais como um projeto de desenvolvi- apresentado a figura
mento das perspectivas universalistas da moral, da cultura, da arte e do direito, liberando po- de um trabalhador no
tências de conhecimento e de emancipação dos indivíduos, das formas de compreensão e controle do universo?
Aproveite para refletir
expressão fundadas nas crenças e nas tradições. É o que Max Weber (2004) chamou de “desen- sobre a noção de traba-
cantamento do mundo”. De outro modo, o tempo na modernidade é um elemento de superação lho e outras questões
dos problemas do passado, o passado não constitui experiências a serem apreendidas, mas tradi- conhecendo um pouco
ções a serem deixadas para trás. Momento de inovação e ruptura, a modernidade cria e recria a si mais a obra e vida de
mesma a cada momento (HABERMAS, 1987). Diego Rivera. Nesse
sentido, esteja atento à
A modernidade pode ser caracterizada esquematicamente por: acentuação do poder da ra- importância da noção
zão e um modo de ação pertencente a uma cultura universal das quais todos os povos do mun- de trabalho para um
do poderiam compartilhar, mesmo aquelas sociedades que apresentam outro estágio de de- melhor entendimento
senvolvimento, tendem a chegar ao mesmo ponto comum a que chegou o Ocidente; os seres ao tema central da
nossa disciplina.
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UAB/Unimontes - 3º Período
humanos possuiriam uma natureza humana comum e tenderiam a passar pelos mesmos proces-
sos de desenvolvimento; a ideia de criação de uma sociedade racional em oposição às formas
arcaicas de sentimentalismo; a racionalização de processos técnicos econômicos e políticos, so-
bretudo em conformidade com a ordem produtivista do capitalismo industrial.
Santos (1995) entende que a modernidade se expressa em dois aspectos (chamados por ele de
pilares) diferentes: o aspecto da regulação e o aspecto da emancipação. O aspecto da regulação con-
templa o Estado, o mercado e a comunidade, enquanto o aspecto de emancipação contempla o po-
tencial expressivo da arte e da literatura, o imperativo ético da moral e do direito e a perspectiva do
avanço do conhecimento científico e técnico. Em linhas gerais, esse autor entende que a modernida-
de proporciona igualmente duas possibilidades: regulação, ou seja, ordem social, e emancipação, ou
seja, liberdade individual. O autor ainda diz que o aspecto da regulação cresceu em importância com
relação às possibilidades de liberdade e de emancipação (SANTOS, 1995).
Elementos característicos do aspecto da regulação, o Estado e o mercado capitalista cami-
nharam lado a lado. É na modernidade que se fundamenta o Estado burguês e capitalista, cuja
doutrina filosófica de orientação é o liberalismo. Ressaltamos que esse aspecto será mais bem
trabalhado na unidade seguinte com a exposição das principais formas de Estado.
▲
Figura 2: Edifícios A Modernidade não se resume ao fenômeno propriamente político do Estado territorial, este
modernos se misturam apenas consiste em um dos mais importantes adventos da Modernidade. A modernidade introduz
à arquitetura antiga.
transformações significativas na vida social, relacionadas à cultura, à moral, ao Direito, à ciência e à
A medieval Tower of
London nas margens técnica, à arquitetura e à vida nas cidades. Entretanto, esses aspectos não serão tratados aqui por fugir
do Tâmisa e ao do escopo dessa disciplina. Oportunamente, em outras disciplinas, serão abordadas outras transfor-
fundo City of London mações da modernidade. Neste momento, nossa atenção deve dirigir-se para as transformações do
com sua arquitetura âmbito das relações e das instituições políticas e econômicas, pois essas transformações estão bastan-
contemporânea,
te relacionadas entre si. Porém, antes de tratarmos do Estado Moderno e sua relação com a dinâmica
Londres. Podemos
interpretar a imagem capitalista, apresentamos sumariamente a noção de modernização.
como um retrato do Entende-se por modernização aquele conjunto de mudanças operadas nas esferas política,
contraste entre o mundo econômica e social que tem caracterizado os dois últimos séculos. Praticamente a data de início
globalizado e a nobreza do processo de modernização poderia ser colocada na Revolução Francesa de 1789 e na Revolu-
medieval. A história de
ção Industrial Inglesa, as quais provocaram uma série de mudanças de grande alcance, nomea-
Londres é emblemática
para compreendermos a damente na esfera política e econômica, estando intimamente inter-relacionadas. Essas grandes
história da modernidade. transformações estão relacionadas a processos que vinham ocorrendo há alguns séculos antes.
Fonte: Disponível em: Tais transformações tiveram repercussão, primeiro no Ocidente, mais precisamente na Europa, e
http://de.wikipedia.org/ foram exportados para o mundo, razão pela qual o processo global foi designado de europeiza-
wiki/Tower_of_London
Acesso em 29/04/2014 ção, ocidentalização, e, finalmente, com o termo menos eurocêntrico (termo que significa a Euro-
pa como centro) de Modernização (PASQUINO, 2000).
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Geografia - Estado Política e Sociedade
dinâmica capitalista
mundo socialista, com
os trabalhadores em
Red Square liderados
por Lenin e a presença
de Karl Marx, Friedrich
A mais importante instituição oriunda das transformações da modernidade é o Estado Mo- Engels, Leon Trotsky e
derno, como forma de ordenamento político surgida na Europa nos fins do século XV, com a Bertram D. Wolfe.
ascensão do absolutismo e do mercantilismo. O Estado não surgiu na modernidade, mas nela
sofreu importantes redefinições de suas funções. A ciência Política entende o Estado Moder-
no como uma formação histórica determinada e, como tal, caracterizada por sentidos diferen-
tes que a tornam específica na modernidade e diferente de outras formas históricas anteriores
(SCHIERA, 2000).
BOX 1 – Centralizando o poder
A definição das fronteiras do Reino de Portugal em 1297, posteriormente a Ingla-
terra, sob o domínio da dinastia dos Tudor, a Espanha sob a Casa de Habsburgo e a
França dominada pelos Bourbon são fatos históricos que possibilitaram na Europa a
implantação de uma série de programas políticos para aprimorar o controle do poder
e centralizar a economia, fundamentando as bases do Estado moderno. Nobres feu-
dais foram gradualmente derrotados ou cooptados por outras linhagens da nobreza
que se firmavam como dinastias monárquicas, suplantado assim o sistema fragmen-
tado das leis feudais. Os feudos cedem e se formam os Estados-nação com as monar-
quias absolutistas que diversificaram a burocracia e aperfeiçoam suas leis. Esse pro-
cesso atinge seu ápice nos séculos XVII e XVIII, quando as principais características
do sistema estatal contemporâneo tomaram forma, com destaque para os exércitos
permanentes, sistemas de tributação centralizados, relações diplomáticas perenes e a
organização das companhias marítimas comercias.
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UAB/Unimontes - 3º Período
Figura 3: Painéis de ►
São Vicente de Fora,
Nuno Gonçalves, cerca
de 1445. Vê-se a rígida
divisão hierárquica da
sociedade monárquica
portuguesa e a
centralização do poder
com a divinização da
realeza. Uma teoria
recente defende que
os painéis têm como
figura central o Infante
Santo, D. Fernando
de Portugal, e não
São Vicente, estando
o mesmo rodeado
pelos seus irmãos e
família nos painéis O desenvolvimento das instituições sociais, econômicas, culturais e políticas nas sociedades
centrais. Este conhecido ocidentais modernas foi desencadeado por um processo geral de racionalização. Max Weber foi
quadro seria assim uma o autor que melhor trabalhou esse processo de racionalização, entendido como o resultado da
homenagem ao Infante especialização científica e da diferenciação técnica que ocorreu com o desenvolvimento do ca-
mártir, morto no exílio pitalismo na civilização ocidental. Um processo que consiste na organização da vida, por divisão
em defesa do território
nacional. e coordenação das diversas atividades, com base em um estudo preciso das relações entre os
Fonte: Disponível em
homens, com seus instrumentos e seus meios, para atingir maior eficácia e rendimento. Trata-se,
http://www.uc.pt/artes . pois, de um puro desenvolvimento prático operado pelo gênio técnico do homem (WEBER, 2004).
Acesso em 01/05/2010.
14
Geografia - Estado Política e Sociedade
A centralização do poder político foi definida por Max Weber como “o monopólio da força DICA
legítima”. Na prática, tal definição resume o fato muito conhecido dos estudiosos de que o Esta- A PAZ DE VESTFÁLIA
do se afirma como ente soberano e único detentor do poder. Cria e mantém exércitos, diferente Trata-se de uma série
das situações anteriores em que bandos armados ofereciam segurança às comunidades. Impor- de tratados assinados
tante lembrar que Maquiavel dedica muita atenção ao fato de que existiam exércitos mercená- em meados do século
rios (que lutavam em troca de pagamento) que ele considerava como exércitos muito perigosos XVII, colocando fim na
Guerra dos Trinta Anos.
e não confiáveis aos Príncipes. Com tais tratados, inau-
A análise da formação dos Estados territoriais modernos pode ser feita a partir de uma con- gurou-se o moderno
traposição bastante comum na Ciência Política: a liberdade dos antigos e a liberdade dos mo- Sistema Internacional
dernos. Bobbio (1998) retoma Benjamin Constant para afirmar que tal dicotomia é fundante na das relações diplomá-
noção de Estado liberal moderno. Para Bobbio, a participação direta nas decisões coletivas, como ticas entre os Estados-
nação modernos. Os
preconizava a liberdade dos antigos, acaba por limitar os indivíduos nas liberdades privadas. princípios de soberania
Vejamos o que diz Constant sobre a contraposição: estatal e o de Esta-
do-nação foram acata-
Não podemos mais usufruir da liberdade dos antigos, que era constituída pela dos consensualmente.
participação ativa e constante no poder coletivo. A nossa liberdade deve, ao Surge com eles a ideia
contrário, ser constituída pela fruição pacífica da independência privada. de que a paz duradoura
O objetivo dos antigos era a distribuição do poder político entre todos os cida- resulta do equilíbrio do
dãos de uma mesma pátria: era isso que eles chamavam de liberdade. O objeti- poder.
vo dos modernos é a segurança nas fruições privadas: eles chamam de liberda-
de às garantias acordadas pelas instituições para aquelas funções (CONSTANT,
1965 apud BOBBIO, 1998, p. 8).
1.4 Os elementos
constitutivos do
estado moderno
O Estado constitui-se de um conjunto de ele-
mentos, a saber:
• Elementos materiais – população e território;
• Elementos formais – governo soberano e or-
denamento jurídico;
• Elemento final (objetivo) – ordem social.
15
UAB/Unimontes - 3º Período
1.4.1 População/Povo
1.4.2 Território
Não se pode falar de um Estado independente sem um território. O território é a base física
imprescindível para a existência do próprio Estado e compõe-se das seguintes partes:
O Estado é senhor de sua ordem jurídica, pois é ele que, por meio de seus órgãos, cria, exe-
cuta e aplica seu ordenamento jurídico, visando a uma determinada ordem social. O poder para
assim atuar perante a sociedade denomina-se soberania, entendida como forma suprema de po-
der que tem o Estado.
O conceito de soberania vem sendo tratado historicamente de forma muito variada. Inicial-
mente, nas sociedades antigas, o conceito era vago, dado que o poder dos reis era partilhado
com os senhores feudais. Posteriormente, o rei foi firmando seu poderio e submetendo todos
que existiam em seus países ao seu poder supremo de justiça e de polícia.
Na Idade Moderna, com a formação dos Estados territoriais, o conceito de soberania foi em-
pregado para designar um poder soberano absoluto. Na atualidade, o conceito sofreu redefini-
ções, sendo definido como o poder que tem o Estado de organizar-se juridicamente e de fazer
valer dentro de seu território a universalidade das decisões nos limites dos fins éticos de convi-
vência, ou seja, o poder de submeter todos os indivíduos e grupos existentes ao poder do Estado
(REALE, 1980).
16
Geografia - Estado Política e Sociedade
O ordenamento jurídico não deve ser confundido com uma só norma, como a Constituição,
por exemplo; trata-se de todo um conjunto de normas abrangentes. Para Bobbio (2000), as nor-
mas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com rela-
ções particulares entre si. Esse contexto de normas costuma ser chamado de ordenamento.
Ordenamento jurídico pode ser então definido como: conjunto das normas constitutivas e
comportamentais criadas pelo Estado, mediante processo adequado, e por meio de órgãos aos
quais a Constituição confere poderes. Normas constitutivas são aquelas que constituem o Esta-
do, sua forma de governo e a relação entre os poderes; normas comportamentais são aquelas
que determinam os comportamentos, determinam o que é permitido ou proibido fazer.
O Brasil é definido pela Constituição de 1988 como uma República Federativa e Democrá-
tica – norma constitutiva porque define o Estado brasileiro. No Brasil, como em todos os demais
países, é proibido matar, roubar e quem cometer tais crimes será punido de acordo com a lei –
norma comportamental.
O liberalismo apresenta como finalidade do Estado o bem comum. Esse Estado não pode
ter um fim em si mesmo, mas deve buscar o bem-estar da população. Aqui preferimos apresen-
tar como finalidade do Estado a realização de uma determinada ordem social. Entendemos que
todo e qualquer agrupamento humano deseja uma determinada ordem social, independente-
mente dos valores políticos que orientam o grupo.
A ordem social desejável em todo Estado precisa ser definida com mais clareza a partir das
orientações culturais, políticas e ideológicas de seus dirigentes. Se estes forem religiosos, deseja-
rão uma ordem social baseada nos valores da religião predominante; se forem capitalistas, dese-
jarão uma ordem social baseada na propriedade privada e na exploração do trabalho; se forem
socialistas, desejarão uma ordem social baseada na igualdade, na ausência da propriedade priva-
da dos meios de produção, no fim da exploração do trabalho e da divisão de classes.
A nacionalidade no Brasil é definida pela Constituição de 1988 (Artigo 12). É um bom exem-
plo para entendermos como se definem os princípios dos estados nacionais. É importante ter-
mos em mente que se trata de um fenômeno de ordem global a definição critérios de nacionali-
dade e que isso permeia todas as relações entre diferentes grupos sociais e étnicos na atualidade.
São cidadãos brasileiros natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que
estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles
esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir
na República Federativa do Brasil e optem, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.
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UAB/Unimontes - 3º Período
ATIVIDADE O parágrafo 1o determina que aos portugueses é facultada situação especial para naturali-
Diversas são as contro- zação, desde que haja reciprocidade aos brasileiros no Estado português. Bastando a residência
vérsias a respeito dos permanente no Brasil, serão atribuídos aos portugueses os direitos inerentes aos brasileiros.
murais de Rivera em A Constituição afirma não estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, sal-
Detroit. Confecciona- vo nos casos previstos, mas, na verdade, estabelece restrição. De acordo com a Constituição de
dos como um tributo 1988, são privativos de brasileiros natos os cargos: de Presidente e Vice-presidente da República,
à cidade, para críticos
radicais contemporiza de Presidente da Câmara dos Deputados, de Presidentes do Senado Federal, de Ministros do STF,
e enaltece industriali- da carreira Diplomática, de oficial das forças armadas e de Ministro da Defesa.
zação em Detroit; para Ressaltamos que, na unidade seguinte, vamos analisar as diferentes formas de Estado surgi-
outros é uma propa- das a partir da Modernidade. O ponto de partida é seguramente o Estado liberal, surgido na luta
ganda marxista. E você, contra o absolutismo que marcou os primeiros séculos da modernidade, chegando ao Estado so-
ao ler Marx, o que pen-
sa sobre o que Rivera cial, ou Estado de bem-estar social contemporâneo, sua crise e o advento do neoliberalismo e
quis retratar? Poste no seus problemas.
fórum suas reflexões .
18
Geografia - Estado Política e Sociedade
Para Marx (1978) o Estado é como uma estrutura que tem por função a manutenção da uni-
dade de uma formação social e das condições de reprodução dela, instrumento de dominação
de classe, mantendo a coesão da formação social, na medida em que limita as lutas que se de-
senvolvem em seu interior. Sua função é eminentemente política – embora exerça funções espe-
cíficas no campo econômico, jurídico e ideológico.
Outro elemento importante na abordagem marxista sobre o Estado é o diagnóstico de sua
função. Se o Estado é um instrumento da classe dominante, a qualquer tempo, o Estado burguês
busca assegurar a continuidade da divisão da sociedade em classes e representar os interesses
da classe dominante. A função apresentada ao povo é a da representação dos interesses gerais,
seja de uma etnia, da vontade de Deus, seja dos interesses do povo-nação. Mas, nessa concep-
ção, enquanto o poder for ocupado pelas classes dominantes são seus interesses que estão em
primeiro lugar.
◄ Figura 7: Mulher
trabalhando em mina
de carvão, gravura, s.d..
Autor: Copyright NSDK.
Fonte:Disponível em
http://www.nsdk.org.uk/
Acesso em 26/05/2014.
Fonte:(Extraído de um relatório parlamentar inglês, 1842. Em: ValéryZangheilini, direção, Connaissancedu Monde
Contemporain, p. 110).
19
UAB/Unimontes - 3º Período
Ao contrário do idealismo de Hegel, para Marx a matéria é o dado primário, a fonte da cons-
ciência, e esta é um dado secundário, derivado, pois é reflexo da matéria. É preciso distinguir,
no entanto, o materialismo marxista, que é dialético, do materialismo anterior a ele, conhecido
como materialismo mecanicista ou “vulgar”:
Marx não dedicou uma obra exclusiva para criticar somente o Estado. O seu exame sobre
este está por toda a sua obra, numa relação direta sobre a condição da classe operária e o domí-
nio do capital sobre os meios de produção. A dialética de Marx e Engels desvenda o real caráter
do Estado burguês.
20
Geografia - Estado Política e Sociedade
Portanto, dentro desse ponto de vista, verificamos que o Estado não é um ente natural, que GLOSSÁRIO
emana do desejo humano por um bem comum e que, assim materializado, pairaria sobre as so- Materialismo: No
ciedades como o objetivo final do mais elevado do Espírito humano. Ao contrário, o materialis- marxismo, doutrina
mo histórico coloca em xeque as teorias antecessoras que justificavam assim a existência do Es- que afirma o caráter
tado. Podemos assim dizer que o método dialético marxista desemboca na desnaturalização das fundamental das
instituições e das suas atividades, de modo a aprofundar ainda mais, pois calcado no senso ma- necessidades materiais
humanas (alimentação,
terialista da realidade, a crítica de Kant sobre a responsabilidade do homem por sua existência. vestimenta, abrigo,
No marxismo clássico, o destino do homem é de sua única e inteira responsabilidade. etc.) e do trabalho para
satisfazê-las, organi-
BOX 4 – Prefácio à contribuição à crítica da economia política zado em estruturas
econômicas capazes
Karl Marx de determinar toda a
“Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as relações jurídicas, bem organização social.
como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas e nem pela dita evolução
geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições mate-
riais de existência, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do sé-
culo XVIII, compreendia sob o nome de ‘sociedade civil’. Cheguei também à conclusão de que
a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política. (…) O resultado
geral a que cheguei, e que uma vez obtido serviu-me de guia para meus estudos, pode ser
formulado resumidamente assim: na produção social da própria existência, os homens esta-
belecem relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações
de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças pro-
dutivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica
da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida ma-
terial condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos ho-
mens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade en-
tram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua
expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvol-
vido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações conver-
tem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social. A transformação que se
produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colos-
sal superestrutura. Quando se consideram tais transformações, convém distinguir sempre a
transformação material das condições econômicas de produção — que podem ser verificadas
fielmente com ajuda das ciências físicas e naturais — e as formas jurídicas, políticas, religiosas,
artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem
consciência desse conflito e o levam até o fim. Do mesmo modo que não se julga o indivíduo
pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações
pela consciência que ela tem de si mesma.
É preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo
conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma socieda-
de jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa
conter, e as relações de produção novas e superiores não tomam jamais seu lugar antes que
as condições materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas no próprio seio
da velha sociedade. Eis porque a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que
ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só
se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de exis-
tir. Em grandes traços, podem ser os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês
moderno designados como outras tantas épocas progressivas da formação da sociedade eco-
nômica. As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo de
produção social, antagônica não no sentido de um antagonismo individual, mas de um an-
tagonismo que nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as forças produtivas
que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições
materiais para resolver esse antagonismo. Com essa formação social termina, pois, a pré-his-
tória da sociedade humana”.
Fonte: MARX, Karl. Trecho do prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: 1977.
21
UAB/Unimontes - 3º Período
Referências
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Moderna, 2012.
_____. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e ter-
ra, 1988.
CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Revista de Filoso-
fia Política, n. 2. Porto Alegre: L&PM, 1985.
HABERMAS, Jurgen. A nova intransparência. Novos Estudos Cebrap. n. 18. São Paulo, Setembro,
1987.
___________. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
351 p.
PASQUINO, Gianfranco. Modernização In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Políti-
ca. 5. ed. Brasília: UnB/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. São Paulo: Cortez Editora, 1995.
SCHIERA, Pierangelo. Estado moderno. In: BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUC-
CI, Nicola. Dicionário de Política. 5. ed. Brasília: UnB/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2000 (Vol. I).
WEBER, Max. A Política como vocação.In: ______. Ciência e Política: duas vocações. Trad. Leôni-
das Hegenberg e Octany Silveira da Mota. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
22
Geografia - Estado Política e Sociedade
uNIDADE 2
As diversas formas de estado na
era do capital
2.1 Introdução
Nesta Unidade estudaremos a relação entre o Estado e a Cidadania, no tocante aos contor-
nos da cidadania plena que busca desnaturalizar privilégios e lutar pela conquista de direitos e
a manutenção daqueles que, quando não acabados, estão ameaçados de extinção. Assim, nos-
sa reflexão nesta unidade propõe uma revolução interna em nossas subjetividades, no nosso
modo de agir e pensar. Buscamos com isso nos impulsionar ao exercício da ação no nível político,
comprometidos com a construção de um projeto de democracia em seu sentido mais amplo. E
ainda uma convocação para que nossas práticas sejam reelaboradas e ressignificadas. Pretende-
mos que a educação, mais do que um espaço privilegiado para a construção de sujeitos políticos
e participativos, seja também garantida como um direito de cidadania e não se transforme em
mercadoria como querem as orientações neoliberais. Visamos assim delinear os contornos para
uma compreensão das políticas públicas sociais implementadas por um governo que sustenta
ações e programas de intervenção. Assim buscaremos ressemantizar o conceito de cidadania e
sociedade civil para construir um novo exercício político.
◄ Figura 9: Charge
representando
a pirâmide do
Estado capitalista
contemporâneo, s.d..
Fonte: Disponível em
http://anticap.word-
press.com/Acesso em
26/05/2014
Estudaremos agora os diferentes modelos de Estado e alguns fatos cruciais de suas histórias.
As formas assumidas pelos Estados-nação mostram o real lugar do cidadão. Por mais que as teo-
rias sociais criem modelos perfeitos para a realidade vivida pelas populações, a concretização de
seus direitos e sua participação como cidadão na vida nacional colocam em xeque programas de
governo e paradigmas teóricos que, de um jeito ou de outro, limitam a participação cidadã.
23
UAB/Unimontes - 3º Período
Fonte: MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros textos. (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
24
Geografia - Estado Política e Sociedade
25
UAB/Unimontes - 3º Período
aquele no qual cada indivíduo possa gozar da mais ilimitada liberdade de desenvolver a si mes-
mo” (HUMBOLDT, 1961, p. 62 apud BOBBIO, 1998, p. 24).
Com afirmações dessa ordem, queriam os liberais demonstrar que o Estado não pode inter-
ferir na esfera dos negócios privados dos cidadãos. Se o Estado tem uma finalidade, esta seria a
de elevar os cidadãos ao ponto de eles poderem perseguir espontaneamente seus objetivos. A
finalidade do Estado na concepção liberal é apenas a de garantir a segurança interna e externa
de um povo e a preservação da liberdade no âmbito da lei (BOBBIO, 1998).
BOX 6 – As grandes cidades
Londres, década de 1840:
“Uma cidade como Londres, onde podemos andar horas a fio sem sequer chegar ao prin-
cípio do fim, ou descobrir o menor indício que assinale a proximidade do campo, é de fato um
caso singular. Esta enorme centralização, este amontoado de 2,5 milhões de seres humanos
num único sítio, centuplicou o poder destes 2,5 milhões de homens. Ela elevou Londres às
alturas de capital comercial do mundo, criou docas gigantescas e reuniu milhares de navios,
que cobrem continuamente o Tamisa. Não conheço nada mais imponente que o espetáculo
oferecido pelo Tamisa, quando subimos o rio desde o mar até a ponte de Londres. A massa de
casas, os estaleiros navais de cada lado, sobretudo acima de Woolwich, os numerosos navios
dispostos ao longo das duas margens, apertando-se cada vez mais cerradamente uns contra
os outros, a ponto de, por fim, não deixarem senão um estreito canal a meio do rio, sobre o
qual se cruzam a toda a velocidade uma centena de barcos a vapor — tudo isto e tão gracio-
so, tão enorme, que nos sentimos atordoados e ficamos estupefatos com a grandeza da Ingla-
terra ainda antes de pôr o pé em terra (…)
Todas as grandes cidades, possuem um ou vários “bairros de má reputação” — onde se
concentra a classe operária. (...) Estes “bairros de má reputação” são organizados em toda a
Inglaterra mais ou menos da mesma maneira, as piores casas na parte mais feia da cidade;
a maior parte das vezes são construções de dois andares ou de um só, de tijolos, alinhadas
em longas filas, se possível com caves habitadas e quase sempre irregularmente construídas.
Estas pequenas casas de três ou quatro divisões e uma cozinha chamam-se cottages e consti-
tuem vulgarmente em toda a Inglaterra, exceto nalguns bairros de Londres, as habitações da
classe operária. Habitualmente as ruas não são planas nem pavimentadas; são sujas, cheias de
detritos vegetais e animais, sem esgotos nem canais de escoamento, semeadas de charcos es-
tagnados e mal cheirosos. Para além disso, o arejamento torna-se difícil devido à má e confusa
construção de todo o bairro, e como aqui vivem muitas pessoas num pequeno espaço, é fácil
imaginar o ar que se respira nestes bairros operários. De resto, quando há bom tempo, as ruas
servem de secadouro; estendem-se cordas de uma casa à casa da frente, onde se pendura a
roupa branca e úmida. (...)
Neste gigantesco labirinto de ruas, existem centenas de milhares de ruas e ruelas es-
treitas, cujas casas são demasiado miseráveis para quem quer que possa ainda consagrar
uma certa quantia a uma habitação humana e, muitas vezes, e mesmo ao pé das luxuosas
casas dos ricos que se encontram estes refúgios da mais atroz miséria. (...)
Mas no fim de contas, os que possuem um teto, seja ele qual for, ainda são felizes ao
pé daqueles que nem isso tem. Em Londres levantam-se todas as manhas 50.000 pessoas
sem saberem onde repousarão a cabeça na noite seguinte. Os mais felizes dentre eles são
os que conseguem conservar 1 ou 2 pences [centavos] até a noite e ir para os “dormitórios
públicos” (Lodging-house) que existem em grande número em todas as grandes cidades
e onde lhes é dado asilo em troca do seu dinheiro. Mas que asilo! A casa está cheia de
camas de alto a baixo, 4, 5, 6 camas numa sala, tantas quantas lá possam caber. Em cada
cama, empilham-se 4, 5, 6 pessoas, também tantas quantas lá caibam, doentes e de boa
saúde, velhos e jovens, homens e mulheres, bêbados e pessoas sóbrias, tal é o quadro,
com todos misturados”.
Fonte: ENGELS, Friedrich. As Grandes Cidades. In A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. 1845.
26
Geografia - Estado Política e Sociedade
Desde então, Marx e Engels, principalmente Marx, passou a ser visto como o criador da teo-
ria do socialismo científico e como um dos autores mais lidos de todos os tempos. Foi o grande
influenciador de todo o movimento socialista nos quatro cantos do mundo, influenciou artistas,
poetas, dramaturgos, cineastas e tornou-se a grande referência para pensamento de esquerda
mundial, inclusive no Brasil.
Por volta de 1850 o socialismo já era entendido como uma fase que completaria a revolução
iniciada pela burguesia e pretendia tomar o poder da burguesia, assim como esta havia toma-
do o poder político da nobreza. Inicialmente, devia se tomar o “poder social” e, posteriormen-
te, tomar o poder político. Como o princípio da democracia já se fazia presente nas instituições
políticas, os socialistas pretendiam utilizar os meios democráticos para alcançar o socialismo. O
projeto era construir uma sociedade dentro da sociedade – isto é, sociedades de trabalhadores
dentro da sociedade civil, uma comunidade de produtores imediatos associados em fábricas e
oficinas administrando suas próprias atividades com independência frente ao mundo burguês
(PRZEWORSKI, 1989).
De acordo com os socialistas, os trabalhadores precisavam tomar consciência de sua con-
dição de produtores da riqueza, porém excluídos dela. Segundo essa concepção, os trabalhado-
res em geral, mas principalmente os operários da indústria, perceberiam que trabalhavam para
produzir a riqueza do mundo, mas continuavam pobres, por isso acabariam se organizando e
lutando para tomar o poder político da burguesia controladora do Estado. O socialismo partia
de uma crítica radical ao capitalismo e ao Estado. Para os socialistas, o Estado burguês era um co-
mitê executivo para representar os interesses da classe burguesa, qualquer Estado representava
os interesses da classe dominante; isso é denominado por Bobbio (1979) como uma concepção
negativa do Estado. O Estado não era visto como uma instituição voltada para a realização das
potencialidades humanas, mas para assegurar a dominação de uma parte da sociedade sobre a
outra parte.
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UAB/Unimontes - 3º Período
O projeto original do socialismo não era a criação de um outro Estado, mas a tomada do
poder político das mãos da burguesia. Ao tomar o poder político, os socialistas pretendiam utili-
zar o Estado, transformando, num primeiro momento, toda a propriedade privada dos meios de
produção (fábricas, minas extrativistas, oficinas, grandes comércios e grandes propriedades de
terras) em propriedade estatal.
A concepção negativa do Estado, da qual fala Bobbio, levou Lênin (2007) a afirmar que, tão
logo deixasse de existir a divisão da sociedade em classes, deveria o proletariado ir minando as
funções do Estado até liquidá-lo por completo. Na teoria marxista, o Estado está destinado a de-
saparecer, pois, com o fim da exploração do homem pelo homem, ele não será mais necessário.
Aquelas propriedades, antes privadas e estatizadas, deveriam ser repassadas para associações de
produtores diretos, de trabalhadores.
O marxismo pregava a formação dos operários em classe e depois em partido operário, em
oposição às outras classes. A tarefa da emancipação humana, afirmava Karl Marx, era da classe
operária – pois era ela que trabalhava e moldava a vida em sociedade. Por ser a classe diretamen-
te explorada, seria também a classe que faria a revolução dada a sua consciência da condição de
uma classe explorada e espoliada do direito de existir. Os partidos socialistas buscaram sua base
de apoio, inicialmente, exclusivamente no proletariado.
A construção de uma socieda-
de dentro da sociedade passou a não
bastar, e a luta passou a ser pelo poder
político e, em seguida, pelo estabele-
cimento de uma sociedade socialista
Figura 13: Propaganda ► e pela emancipação social. Apesar de
de guerra soviética, todas as dúvidas quanto à viabilidade
1941, Segunda Guerra.
da participação política em instituições
Diz o cartaz: “Não
converse! A conversa criadas pela burguesia, os socialistas,
trai”, em virtude da em vários países, passaram a participar
espionagem o governo das eleições, do sistema parlamentar.
soviético determinava Em muitos casos, prometendo gover-
não se comunicar.
nar de acordo com as regras democrá-
Fonte: Disponível em
http://www.allworldwars.
ticas. Nesse caso, havia a suposição de
com/Russian .Acesso em que a revolução poderia ser necessária
08/05/2014. . para assegurar a vitória adquirida pelo
voto. De todo modo, a participação nas
eleições tinha, em grande medida, um
papel de propaganda e divulgação das
ideias socialistas (PRZEWORSKI, 1989).
Mas a realidade é que os países que
realizaram revoluções socialistas, tais
como a Rússia, a China e Cuba, assim
como os países que passaram a adotar
o socialismo e tornaram-se aliados da
URSS (União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas), realizaram a estatização,
mas nunca transferiram os meios de produção para a comunidade de produtores associados. Por
outro lado, nos países europeus em que os partidos socialistas ganharam eleições e chegaram ao
poder, tais como: a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Inglaterra, entre outros, nunca se chegou
à estatização ou à nacionalização das grandes propriedades privadas. Nesses países, muitas em-
presas foram estatizadas, mas mantiveram a lógica capitalista de contar com trabalhadores assa-
lariados. Esse contexto é o da social democracia, do qual vamos falar no texto seguinte.
É importante ressaltar que um Estado integralmente socialista seria uma contradição às con-
cepções originais do socialismo, pois, como já dito, o Estado deve ser superado. Portanto jamais
houve um Estado socialista e, nos casos em que o aparato estatal esteve sob comando de verten-
tes socialistas, estas jamais se consolidaram integralmente como tais. O socialismo seria uma eta-
pa da evolução social e cultural da humanidade, não um conjunto de acordos para instaurar uma
maquinaria burocrática para administrar os interesses de uma única classe. Entretanto, foi justa-
mente sob a bandeira do socialismo, que Estados nacionais edificaram os aparelhos estatais mais
eficazes para a consolidação dos seus objetivos finais dos estados modernos: a consolidação de
grandes territórios e o controle amplo da população e de sua participação.
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Geografia - Estado Política e Sociedade
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UAB/Unimontes - 3º Período
uma mudança, os socialistas passaram a buscar apoio em outras classes além dos operários, pas-
sando a representar outras classes e tendo de expressar os interesses dessas outras classes. Os
partidos socialistas operários passaram a oscilar entre os interesses da classe operária e das de-
mais classes (camadas médias), não podendo mais ser apenas partidos operários e não podendo
deixar de ser partidos operários.
O dilema descrito acima está na base do desenvolvimento da social democracia nos séculos
XIX e XX. Partidos socialistas ou comunistas, de origem operária e sindical, com uma ideologia
socialista revolucionária, passaram a disputar eleições e com grandes possibilidades de vitória.
A questão deixada no ar era se esses partidos poderiam realizar as transformações radicais pre-
vistas no programa socialista. A história tratou de demonstrar que isso não era possível. Na prá-
tica, tal desenvolvimento originou a social democracia, em que governos de partidos socialistas
passaram a conviver com uma economia de mercado capitalista, apenas conquistando melhores
condições de vida para os trabalhadores e demais camadas médias da sociedade.
A nova situação dos partidos social de-
mocratas impôs a adoção de um programa de
reformas que visava emancipar a humanidade
Figura 15: Propaganda ► pela criação de uma sociedade de cooperação,
de guerra norte
americana, 1943, abolindo as injustiças sociais para o livre de-
Segunda Guerra. senvolvimento da personalidade. O programa
Similarmente aos visava a um conjunto de melhorias imediatas,
soviéticos, o governo afastando-se dos fins idealizados anterior-
americano determina mente. O marxismo original passava pelo que
a não comunicação.
Diz o cartaz: “Conto muitos estudiosos designaram de revisionis-
com você! Não discuta: mo, ajustando-se à nova situação. As reformas
movimentos de tropas, imediatas constituiriam etapas para se chegar
cruzeiros de navios, à completa transformação da sociedade. Na
equipamentos guerra”. concepção dos social democratas reforma e re-
Fonte: Disponível em
http://www.usmm.org/
volução não era uma questão de escolha, mas
Acesso em 08/05/2014. um caminho a seguir. Pelas reformas, de forma
cumulativa, se chegaria a uma transformação: a
revolução social (PRZEWORSKI, 1989).
A revolução social antevista pelos social
democratas era necessária para pôr fim à pro-
priedade privada dos meios de produção, cau-
sa de todos os males, desigualdade e injustiça.
A conquista do poder deveria ser seguida pela
socialização ou nacionalização dos meios de
produção. Os movimentos de ocupação de fábricas levaram à criação de comitês de socialização
e a questão foi chegando aos parlamentos. Embora os social democratas tenham chegado aos
governos ou tenham parte deles, a socialização dos meios de produção nunca ocorreu de fato.
Na impossibilidade de realizar a socialização ou a nacionalização dos meios de produção,
os social democratas passaram a promover melhorias nas condições de vida dos trabalhadores,
programas habitacionais, salário mínimo, proteção contra desemprego, tributação sobre renda e
herança, pensão para idosos, etc. Essa realidade configurou o Estado de bem-estar social (o Wel-
fare State) em quase toda a Europa Ocidental.
Na falta de uma teoria econômica própria, os social democratas acabaram aceitando os
pressupostos da teoria de John Maynard Keynes, pois era uma teoria que conferia um caráter
universalista aos interesses dos trabalhadores. O keynesianismo possibilitou aos social democra-
tas a instituição do Estado de bem-estar. O novo projeto implicava um compromisso de classes:
os trabalhadores e os partidos social democratas abriram mão de lutar pelo fim da propriedade
privada dos meios de produção, aceitando manter a sociedade capitalista fundada na exploração
do trabalho e no lucro; e os empresários aceitaram conviver com a tributação, proteção do traba-
lho e intervenção do Estado para realizar distribuição de renda. Eis aqui a pedra fundamental da
orientação social democrata: a forte intervenção do Estado na sociedade, nas decisões políticas e
principalmente econômicas.
O compromisso ou pacto de classes que permitiu o desenvolvimento da social democracia
pode ser assim caracterizado: (1) o Estado se responsabilizava pelas atividades não lucrativas,
mas necessárias para a economia; (2) o governo regulava o funcionamento do setor privado; (3)
o Estado, aplicando os princípios do bem-estar, atenuava os efeitos distributivos do funciona-
mento do mercado e efetuava uma redistribuição de renda através de políticas sociais.
30
Geografia - Estado Política e Sociedade
Os social democratas tiveram de consentir com os lucros dos capitalistas para preservar os ATIVIDADE
investimentos e o aumento da produção, seguindo as leis do capitalismo. Ainda que em oposi- Tento em vista o prin-
ção às reivindicações históricas dos trabalhadores, a proteção dos lucros era fundamental para cípio de que o Estado é
possibilitar ao Estado de bem-estar social a capacidade tributária de que necessitava para reali- estabelecido pelo uso
zar justiça social através de políticas sociais. da força, faça uma refle-
Em síntese, o Estado de bem-estar social, também conhecido como Estado-providência, é xão entre as semelhan-
ças e diferenças entre
um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção o Estado Socialista e o
social e organizador da economia. Nessa orientação, o Estado é o agente regulador de toda vida Estado Liberal. Poste no
social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas. Cabe ao fórum suas conside-
Estado do bem-estar garantir serviços públicos e proteção à população. O Estado de bem-estar rações.
social desenvolveu-se principalmente na Europa, onde seus princípios foram defendidos pela so-
cial democracia, tendo sido implementado com maior intensidade nos estados Escandinavos (ou
países nórdicos), tais como: a Suécia, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia; e com menor intensi-
dade em países como: a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Espanha, a Holanda e a Bélgica.
Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo indivíduo teria o direito, desde seu nas-
cimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços que deveriam ter seu fornecimento ga-
rantido, seja diretamente através do Estado, seja indiretamente, mediante seu poder de regula-
mentação sobre a sociedade. Esses direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência
médica gratuita, o auxílio aos desempregados, a garantia de uma renda mínima, recursos adicio-
nais para a criação dos filhos, além de programas de habitação e garantia do pleno emprego.
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UAB/Unimontes - 3º Período
O ideário neoliberal não encontrou, nas décadas de 1950 e 1960, condições históricas con-
cretas para sua implementação. Ainda nos anos 1960, um outro ideólogo viria a somar-se ao mo-
vimento iniciado em MontPèlerin. Trata-se do economista norte-americano Milton Friedmann
que, em seu livro Capitalismo e Liberdade, defende uma tese radical, segundo a qual:
A doutrina neoliberal ainda teria que aguardar um pouco mais para ser aplicada de fato.
Em 1973, a crise do modelo econômico do pós-guerra, que fez os países capitalistas avançados
entrarem numa longa e profunda recessão, abria espaço para a implementação das reformas
propostas pelos neoliberais. A solução seria um Estado forte e capaz de controlar os sindicatos,
o dinheiro, os gastos sociais e de quebrar os monopólios estatais, tendo como meta suprema a
estabilidade monetária. A primeira oportunidade surgiu de fato em 1979, na Inglaterra, com a
ascensão de Margareth Thatcher à condição de Primeira Ministra. Em seguida nos EUA, em 1980,
com a eleição de Ronald Reagan para Presidente. E em 1982, com a ascensão de HelmultKhol à
condição de Primeiro Ministro da Alemanha. O modelo entrava em sua fase prática, sendo logo
exportado para todo o mundo (ANDERSON, 1995).
Nas formulações iniciais do ideário neoliberal havia um grande apelo à liberdade, mas esse
apelo passava exclusivamente pela liberdade econômica (BOITO JÚNIOR, 1999). A ideologia neo-
liberal retoma o antigo discurso econômico liberal, adequando-o às condições históricas atuais.
Diferentemente do liberalismo político, que avançou para um liberalismo democrático, o libera-
lismo econômico pode abrir mão da democracia. Nas formulações do neoliberalismo, a democra-
cia aparece primeiro como liberdade política separada da liberdade econômica de mercado; se-
gundo, como um problema a contornar, e não um objetivo a alcançar; e, no terceiro caso, como
uma tentativa de retirar as decisões econômicas da influência dos eleitores. O exemplo mais cla-
ro disso é que o neoliberalismo defende a autonomia dos bancos centrais para que eles não so-
fram interferência de partidos, sindicatos ou dos políticos eleitos.
O conceito de neoliberalismo não está muito claro como doutrina política ou econô-
mica, pois, na realidade, o conceito é um pouco vago. No entanto, a maioria dos estudiosos
admite que se trata de um conjunto de ideias advindas da Escola Austríaca com von Ha-
yek e von Mises, acrescidas de um conjunto de receitas monetaristas, inspiradas em Mil-
ton Friedmann. A ideologia neoliberal, numa definição ampla, deve ser considerada, então,
uma apologia abstrata do mercado que se aplica, de um modo geral, sempre e quando tal
aplicação interessar ao capital financeiro, ao imperialismo e à grande burguesia monopo-
DICA lista, ficando prejudicada toda aplicação que for incompatível com tais interesses (BOITO
JÚNIOR, 1999).
Margaret Thatcher Uma definição simples foi apresentada por Emir Sáder, um estudioso das práticas neoliberais:
foi apelidada como
A Dama de Ferro, em
alusão a sua política [O] essencial é caracterizar o neoliberalismo como modelo hegemônico. Isto é,
austera para recuperar uma forma de dominação de classe adequada às relações econômicas, sociais
a economia britânica. e ideológicas contemporâneas (...) foi construído um corpo doutrinário que de-
Mas isso não evitou semboca num modelo de relações entre classes, em valores ideológicos e num
que o seu legado ruísse determinado modelo de Estado (SÁDER, 1995, p. 146-147).
diante do desequilíbrio Ainda segundo Sáder, o neoliberalismo reinterpreta a correlação de forças e o processo his-
social advindo das tórico de cada país, definindo como vilões do atraso todas as forças sociais que lutam por igual-
ações neoliberais do dade e justiça social. Ao mesmo tempo em que promove os conservadores e a direita à moder-
seu governo. A Inglater- nidade, que se expressa no desmanche do patrimônio público via privatizações e no modelo de
ra passou a sofrer ainda
mais com o crescente Estado mínimo.
empobrecimento da Contudo, há teóricos que defendem o sucesso ideológico do neoliberalismo, como Perry
classe trabalhadora e Anderson (1995). Para ele o neoliberlismo deve ser entendido como resultante de uma mudan-
dos imigrantes. Uma ça na natureza do capitalismo, que envolve a importância crescente dos mercados frente aos
verdadeira contradição, Estados, cujo poder de regular suas economias foi reduzido; e também a importância crescen-
pois essa era justamen-
te a crítica que Thatcher te do mercado frente às empresas, que tiveram seu papel reduzido em função da concorrência
e o seu partido faziam internacional.
aos social democratas Atílio Borón (1995) destaca que, além de ser uma doutrina econômica e uma receita para os
antes de assumirem o governantes, o neoliberalismo é uma ideologia que vem sendo difundida amplamente nas socie-
poder. dades. Nas palavras de Borón:
32
Geografia - Estado Política e Sociedade
Teorias à parte – em sua maioria já datas, dada a dinâmica vertiginosa da economia global
nas duas últimas décadas, com sucessivas e graves crises – na prática a política neoliberal conse-
guiu o seu primeiro grande êxito com Margaret Thatcher – provando que a doutrina neoliberal
era capaz de reavivar as economias em crise.
No entanto, atingidos seus objetivos iniciais, a Dama de Ferro não pode evitar o colapso so-
cial. Por um lado estabilizou a moeda e reduziu a carga tributária, o que dinamizou e aumentou
o fluxo de capitais – assim alcançou o objetivo de gerar e acumular capitais, o que levou ao do-
mínio do Parlamento pelo seu partido, o Partido Conservador; por outro lado, o drama social da
classe trabalhadora dobrou em seu nível de pobreza e triplicou a pobreza infantil – em 1997 a
pobreza infantil britânica era a pior da Europa. O governo Thatcher compreendeu o período en-
tre 1979 e 1990. Mas o Partido Conservador ainda se manteve na dianteira do governo elegendo
como Primeiro-ministro John Major, que governou até 1997, período em que elevou o índice de
desemprego do Reino Unido. Com a insatisfação da população britânica e a sociedade conturba-
da por ondas sucessivas de violência, o Partido Trabalhista assume o poder com Tony Blair e se
inicia uma era em que a assistência social que integra uma agenda positiva de melhorias sociais,
mas em contrapartida acirra-se a política internacional de protecionismo e a ingerência, em par-
ceria com os EUA, em assuntos internos de outras nações. O neoliberalismo, como solução para a
crise social inglesa, cede para o neocolonialismo do século XXI.
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UAB/Unimontes - 3º Período
34
Geografia - Estado Política e Sociedade
Desde então, com a política de privatizações e a série de ajustes realizados, houve um proces-
so de transferência de riquezas do setor público para o setor privado e um fortalecimento dos gran-
des monopólios privados. Esse processo levou à busca pela adoção do Estado mínimo, cujas fun-
ções básicas, inicialmente, seriam manter a educação primária, a saúde e a infraestrutura essencial
ao desenvolvimento econômico. Posteriormente, notamos que nem essas funções básicas ficaram
reservadas ao Estado, pois, mesmo nesses setores, o Estado foi se retirando e permitindo a entrada
do capital privado, fato que denota o peso ideológico intrínseco à política adotada.
A grande imprensa brasileira foi quase unânime em apresentar as vantagens da privatização
e da redução do papel do Estado, tanto no setor produtivo, com a privatização de estatais, como
também na execução dos serviços públicos, como saúde, educação e previdência. Nesses seto-
res, o Estado não se retirou completamente, mas permitiu a operação privada, basta observar
que houve um enorme crescimento da educação privada e dos planos de saúde:
Biondi (1999), outro analista crítico da política neoliberal, afirma que os meios de comuni-
cação prestaram um importante serviço às reformas orientadas para o mercado, apoiando de
modo incondicional as privatizações e desenvolvendo uma “campanha de desmoralização das
estatais”. A grande imprensa, de fato, esforçou-se para apresentar as reformas neoliberais como
um projeto de desenvolvimento nacional e de modernização do país, embora a realidade tenha
demonstrado que o país cresceu “a passos de tartaruga”, como sugerem os críticos.
Por ocasião de um encontro, em 1989 em Washington, nos Estados Unidos, o economis-
ta John Williamson listou uma série de reformas que os países em desenvolvimento deveriam
adotar para entrar em uma trajetória de crescimento autossustentável. Essa lista foi intitulada de
“Consenso de Washington”.
36
Geografia - Estado Política e Sociedade
sulta; os coletivos de defesa dos direitos dos trabalhadores, sindicatos, associações, cooperativas;
a própria família, que, através da constituição de mercados por classes de idade, perde uma parte
do seu controle sobre o consumo.
O programa neoliberal, que extrai a sua força social da força político-econômica daqueles
cujos interesses expressa – acionistas, operadores financeiros, industriais, políticos conservado-
res ou socialdemocratas convertidos à deriva cômoda do laissez-faire, altos executivos das finan-
ças, tanto mais encarniçados em impor uma política que prega o seu próprio ocaso, quanto à
diferença dos técnicos superiores das empresas, não correm o perigo de pagar, eventualmente,
as suas consequências – tende a favorecer globalmente a ruptura entre a economia e as reali-
dades sociais, e a construir deste modo, dentro da realidade, um sistema econômico ajustado à
descrição teórica, quer dizer, uma espécie de máquina lógica, que se apresenta como uma cadeia
de restrições que arrastam os agentes econômicos.
A mundialização dos mercados financeiros, em conjunto com o progresso das tecnolo-
gias de informação, garante uma mobilidade de capitais sem precedentes e proporciona aos
investidores, preocupados com a rentabilidade a curto prazo dos seus investimentos, a possibi-
lidade de comparar de maneira permanente a rentabilidade das maiores empresas e de sancio-
nar, em consequência,os fracassos relativos. As próprias empresas, colocadas sob uma tal ameaça
permanente, devem ajustar-se de forma mais ou menos rápida às exigências dos mercados; isso
sob pena, como alguém disse, de “perder a confiança dos mercados” e, ao mesmo tempo, o apoio
dos acionistas que, ansiosos por uma rentabilidade a curto prazo, são cada vez mais capazes de
impor a sua vontade aos managers, de lhes fixar normas, através das direções financeiras, e de
orientar as suas políticas em matéria de contratação, de emprego e de salários.
Desse modo, instaura-se o reino absoluto da flexibilidade, com os recrutamentos sob con-
tratos temporários ou os substitutos temporários ou os “planos sociais” reiterados, e, no próprio
seio da empresa, a concorrência entre filiais autônomas, entre equipes constrangidas à poliva-
lência e, finalmente, entre indivíduos, através da individualização da relação salarial: fixação de
objetivos individuais; entrevistas individuais de avaliação; avaliação permanente; aumentos in-
dividualizados de salários ou concessão de prêmios em função da competência e do mérito in-
dividuais; carreiras individualizadas; estratégias de “responsabilização”, tendentes a assegurar a
auto exploração de certos técnicos superiores que, meros assalariados sob forte dependência
hierárquica, são ao mesmo tempo considerados responsáveis pelas suas vendas, pelos seus pro-
dutos, pela sua sucursal, pelo seu armazém, etc., como se fossem “independentes”; exigência de
“autocontrole” que estende a “implicação” dos assalariados, segundo as técnicas da “gestão parti-
cipativa”, muito além dos empregos de técnicos superiores. Técnicas todas elas de dominação ra-
cional que, em tudo impondo o superinvestimento no trabalho, contribui para debilitar ou abolir
as referências e as solidariedades coletivas.
A instituição prática de um mundo darwinista de luta de todos contra todos, em todos os
níveis da hierarquia, que encontra as dinâmicas da adesão à tarefa e à empresa na inseguran-
ça, no sofrimento e no stress, não poderia triunfar tão completamente se não contasse com a
cumplicidade das disposições precarizadas que produzem a insegurança e a existência, em to-
dos os níveis da hierarquia, e mesmo nos níveis mais elevados, especialmente entre os técnicos
superiores, de um exército de reserva de mão de obra docilizada pela precarização e pela amea-
ça permanente do desemprego. O fundamento último de toda esta ordem econômica colocada
sob o signo da liberdade é, com efeito, a violência estrutural do desemprego, da precariedade
e da ameaça de despedimento que ela implica: a condição do funcionamento “harmonioso” do
modelo microeconômico individualista é um fenômeno de massas, a existência do exército de
reserva dos desempregados.
Esta violência estrutural pesa também sobre o que chamamos o contrato de trabalho (sa-
biamente racionalizado pela “teoria dos contratos”). O discurso de empresa nunca falou tanto de
confiança, de cooperação, de lealdade e de cultura de empresa como numa época em que se
obtém a adesão de cada instante fazendo desaparecer todas as garantias temporais (três quartas
partes dos contratos são temporários, o emprego precário não cessa de aumentar, o despedi-
mento individual tende a deixar de estar submetido a qualquer restrição).
Vemos assim como a utopia neoliberal tende a encarnar-se na realidade de uma espécie de
máquina infernal, cuja necessidade se impõe aos próprios dominadores. Como o marxismo nou-
tros tempos, com o qual, nesse aspecto, tem muitos pontos em comum, essa utopia suscita uma
formidável crença, a free trade faith (a fé no livre comércio), não só entre os que vivem dela ma-
terialmente, como os financeiros, os patrões das grandes empresas, etc., mas também entre os
que extraem dela a sua razão de existir, como os altos executivos e os políticos, que sacralizam o
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UAB/Unimontes - 3º Período
poder dos mercados em nome da eficácia econômica, a qual exige o levantamento das barreiras
administrativas e políticas suscetíveis de causar constrangimentos aos detentores de capitais, na
sua busca puramente individual da maximização do benefício individual, instituída em modelo
de racionalidade, que querem bancos centrais independentes, que pregam a subordinação dos
Estados nacionais às exigências da liberdade econômica para os amos da economia, com a su-
pressão de todas as regulamentações em todos os mercados, a começar pelo mercado de traba-
lho, a interdição dos défices e da inflação, a privatização generalizada dos serviços públicos e a
redução das despesas públicas e sociais.
Sem partilhar necessariamente os interesses econômicos e sociais dos verdadeiros crentes,
os economistas têm suficientes interesses específicos no campo da ciência econômica para tra-
zerem uma contribuição decisiva – quaisquer que sejam os seus estados de alma a respeito dos
efeitos econômicos e sociais da utopia que vestem de razão matemática – à produção e à re-
produção da crença na utopia neoliberal. Separados por toda a sua existência e, sobretudo, por
toda a sua formação intelectual, quase sempre puramente abstrata, livresca e teórica, do mundo
econômico e social tal como ele é, eles são particularmente inclinados a confundir as coisas da
lógica com a lógica das coisas.
Confiantes em modelos que praticamente nunca tiveram a oportunidade de submeter à
prova da verificação experimental, propensos a olhar de cima os contributos das outras ciências
históricas, nas quais não reconhecem a pureza e a transparência cristalina dos seus jogos mate-
máticos e das quais são quase sempre incapazes de compreender a verdadeira necessidade e a
profunda complexidade, participam e colaboram numa formidável transformação econômica e
social. E mesmo se algumas das consequências dessa transformação lhes causam horror (podem
contribuir para o Partido Socialista e dar conselhos avisados aos seus representantes nas instân-
cias de poder), não pode desagradar-lhes, pois, apesar do risco de alguns falhanços, imputáveis
nomeadamente ao que eles chamam “bolhas especulativas”, tende a dar realidade à utopia ultra
consequente (como certas formas de loucura) à qual consagram a sua vida.
E, contudo, o mundo está aí, com os efeitos imediatamente visíveis da grande utopia neoliberal
trazida à prática: não apenas a miséria de uma fração cada vez maior das sociedades mais avançadas
economicamente, o crescimento extraordinário das diferenças entre os rendimentos, o desapareci-
mento progressivo dos universos autônomos de produção cultural, cinema, edição, etc., pela impo-
sição intrusiva dos valores comerciais, mas também e, sobretudo, a destruição de todas as instâncias
coletivas capazes de contrabalançar os efeitos da máquina infernal, à cabeça das quais o Estado, de-
positário de todos os valores universais associados à ideia de público, e a imposição, generalizada, nas
altas esferas da economia e do Estado, ou no seio das empresas, desta espécie de darwinismo moral
que, com o culto do winner, formado nas matemáticas superiores e no salto elástico, instaura como
norma de todas as práticas a luta de todos contra todos e o cinismo.
Poderemos esperar que a massa extraordinária de sofrimento que semelhante regime polí-
tico-econômico produz esteja um dia na origem de um movimento capaz de parar a corrida para
o abismo? De fato, encontramo-nos perante um extraordinário paradoxo: enquanto os obstácu-
los encontrados no caminho da realização da nova ordem – a do indivíduo só, mas livre – são
hoje considerados como imputáveis a rigidezes e a arcaísmos, e enquanto qualquer intervenção
direta e consciente, pelo menos quando vem do Estado, sob que aspecto for, é desacreditada de
antemão e, portanto, destinada a desaparecer em benefício de um mecanismo puro e anônimo,
o mercado (acerca do qual se esquece com frequência que é também o lugar do exercício de
interesses), é na realidade a permanência ou a sobrevivência das instituições e dos agentes da
antiga ordem em vias de desmantelamento, e o trabalho de todas as categorias de trabalhadores
sociais, e também todas as solidariedades sociais, familiares ou outras, que fazem com que a or-
dem social não se afunde no caos, apesar do volume crescente de população precarizada.
A passagem ao “liberalismo” realiza-se de maneira insensível e, portanto, imperceptível, tal
como a deriva dos continentes, ocultando ao olhar os seus efeitos, os mais terríveis a longo pra-
zo. Efeitos que se encontram também dissimulados, paradoxalmente, pelas resistências que sus-
cita nos que defendem a ordem antiga, bebendo nas fontes que encerrava, nas antigas solidarie-
dades e nas reservas de capital social que protegem parte da presente ordem social da queda
na anomia. (Capital que, se não é renovado, reproduzido, está votado ao perecimento, mas cujo
esgotamento não é para amanhã).
Mas essas mesmas forças de conservação, que é fácil tratar como forças conservadoras, são
também, sob outra perspectiva, forças de resistência contra a instauração da nova ordem, po-
dendo tornar-se forças subversivas. E se podemos manter alguma esperança razoável, é porque
existem ainda, nas instituições estatais e também nas disposições dos agentes (em especial nos
38
Geografia - Estado Política e Sociedade
mais vinculados a essas instituições, como a pequena aristocracia funcionarial), forças que, sob a
aparência de defender simplesmente – como serão imediatamente acusados – uma ordem desa-
parecida e os respectivos “privilégios”, devem de fato, para resistir à provação, empenhar-se para
inventar e construir uma ordem social que não tenha por única lei a busca do interesse egoísta e
a paixão individual do lucro, e que prepare o caminho a coletivos orientados no sentido da busca
racional de fins coletivamente elaborados e aprovados.
Entre estes coletivos, associações, sindicatos, partidos, como não atribuir um lugar especial
ao Estado, Estado nacional ou, melhor ainda, supranacional, quer dizer, europeu (etapa para um
Estado mundial), capaz de controlar e de tributar eficazmente os lucros obtidos nos mercados
financeiros e, sobretudo, de contrabalançar a ação destruidora que estes últimos exercem sobre
o mercado de trabalho, organizando, com a ajuda dos sindicatos, a elaboração e a defesa do in-
teresse público que, quer se queira quer não, não sairá nunca, nem sequer ao preço de algumas
falsidades de escrita matemática, da visão do contabilista (noutra época diríamos do “merceei-
ro”) que a nova crença apresenta como a forma suprema da realização humana.
Referências
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liberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
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Perseu Abramo, 1999.
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Emir; GENTILLI, Pablo. (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São Paulo:
Cortez, 2000.
39
Geografia - Estado Política e Sociedade
UNIDADE 3
Estado e cidadania
3.1 - Introdução
Sustentados nas discussões das unidades
anteriores, em que mostramos as diferentes
concepções teóricas de Estado, faremos nesta
unidade uma reflexão sobre sociedade civil,
cidadania e as reformas que orientaram os
programas e políticas sociais, principalmente a
partir da década de 1990. Tais programas polí-
ticos são aqui compreendidos como expressão
das relações de produção e reprodução social
do capitalismo.
Nossa preocupação também passa pela
compreensão de um projeto de educação, vis-
to como um dos maiores direitos de cidadania,
portanto, constitucional e com status de direi-
to universal. Ocupamo-nos também em per-
ceber que muitas frentes educacionais foram
elaboradas dentro de uma perspectiva huma-
nista, diferentemente das políticas educacio-
nais neoliberais. Veremos redes de políticas e
de propostas existentes que vão em outra di-
reção, que afirmam a cidadania, que afirmam
os sujeitos. Assim, entendendo as novas mo-
▲
dalidades de sociabilidade capitalista, construímos também novas formas de luta e resistência
Figura 20: Logomarca
no enfrentamento dos efeitos discriminatórios das políticas de exclusão promovidas pela lógica recorrente entre as
neoliberal. políticas humanitárias
orientadas pelos
organismos da ONU,
s.d..
A cidadania seria composta pelos direitos civis e políticos – direitos de primeira geração –
e pelos direitos sociais – direitos de segunda geração. Os direitos civis, conquistados no século
XVIII, correspondem aos direitos individuais de liberdade, igualdade, propriedade, direito de ir e
41
UAB/Unimontes - 3º Período
vir e permanecer, de exercer profissão, direito à vida, segurança, etc.. São os direitos de cidadania
que embasam a concepção liberal clássica.
Já os direitos políticos, alcançados no século XIX, dizem respeito à liberdade de associação
e reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral, ao sufrágio uni-
versal, etc. São também chamados direitos individuais exercidos coletivamente e acabaram se
incorporando à tradição liberal.
Os direitos de segunda geração, os direitos sociais, econômicos ou de crédito foram con-
quistados no século XX a partir das lutas do movimento operário e sindical. São os direitos ao tra-
balho, à saúde, à educação, à aposentadoria, ao seguro-desemprego; enfim, a garantia de acesso
aos meios de vida e bem-estar social (VIEIRA, 2001).
No que se refere à relação entre direitos de cidadania e o Estado, existiria uma tensão in-
terna entre os diversos direitos que compõem o conceito de cidadania. Enquanto os direitos de
primeira geração – civis e políticos – exigiriam, para sua plena realização, um Estado mínimo, os
direitos de segunda geração – direitos sociais – demandariam uma presença mais forte do Es-
tado para serem realizados. Assim, a tese de estado mínimo – patrocinada pelo neoliberalismo
– corresponde não a uma discussão meramente quantitativa, mas a estratégias diferenciadas dos
diversos direitos que compõem o conceito de cidadania e dos atores sociais respectivos.
Na segunda metade do século XX, surgiram os chamados “direitos de terceira geração”.
Trata-se dos direitos que têm como titular não o indivíduo, mas grupos humanos como o povo, a
nação, as coletividades étnicas ou a própria humanidade. É o caso do direito à autodeterminação
dos povos, direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, etc. Na perspec-
tiva dos novos movimentos sociais, direitos de terceira geração seriam os relativos aos interesses
difusos, como direito ao meio ambiente e direito do consumidor, além dos direitos das mulheres,
das crianças, das minorias étnicas, dos jovens e dos idosos. Já se fala hoje de “direitos de quarta
geração”, relativos à bioética, para impedir a destruição da vida e regular a criação de novas for-
mas de vida em laboratório pela engenharia genética (VIEIRA, 2002).
A concepção de cidadania de Marshall sofreu inúmeras críticas, desde as que excluíram os
direitos sociais nela contidos, por não serem direitos naturais, e sim históricos, até os que classifi-
caram a cidadania em passiva, a partir “de cima”, via Estado, e ativa, a partir “de baixo”, de institui-
ções locais autônomas. Haveria, assim, uma cidadania conservadora – passiva e privada – e uma
outra revolucionária – ativa e pública (VIEIRA, 2002).
O Estado Liberal surgiu como uma reação ao absolutismo dos monarcas e em defesa dos
direitos naturais inalienáveis, quais sejam: a vida, a liberdade e a propriedade. Os direitos naturais
são considerados princípios universais que escapam à regulamentação do Estado, ou seja, não
cabe ao Estado regulamentar tais direitos. Estes são concebidos como anteriores ao próprio Esta-
do que surgiu apenas e tão somente com o compromisso de assegurá-los
Na modernidade, o Estado passou a constituir seus cidadãos por meio dos critérios de na-
cionalidade. Ao constituir seus cidadãos, o Estado lhes assegura os direitos políticos de partici-
pação no governo, seja diretamente, seja por meio de representantes eleitos mediante o voto.
Somente muito mais tarde foram conquistados os direitos sociais, em duras lutas de segmentos
organizados das sociedades que impuseram tais direitos ao Estado. Assim, os direitos sociais di-
ferem muito dos direitos naturais. Entretanto, o desenvolvimento político posterior, principal-
mente após os horrores da Segunda Guerra Mundial, levou os Estados democráticos a incluir os
direitos sociais no elenco dos direitos humanos, como o fez em 1948 a Organização das Nações
Unidas-ONU.
A definição de cidadania e sua relação com o Estado é uma questão um tanto polêmica. Tan-
to a definição minimalista e evolucionista de Marshall quanto algumas concepções contempo-
râneas orientadas por uma visão jurídica, que incluem os direitos naturais, os diretos sociais e os
direitos civis na definição de cidadania. A questão mais importante a discutir aqui é que, em am-
bos os casos, se concebe o Estado como o ente garantidor da cidadania. Para muitos estudiosos
das Ciências Sociais como, por exemplo, Boaventura de Souza Santos (1996), aí reside um proble-
ma. A noção de cidadania não se restringe à relação do Estado com os indivíduos, mas algo mais
amplo, visto como uma proposta de sociabilidade reguladora das relações sociais. O espaço do
Estado e o espaço da Sociedade são a dupla face da cidadania.
Daí a razão para estudiosos das Ciências Sociais associarem a questão da cidadania à luta
e atuação dos Movimentos Sociais e às formas de participação da Sociedade Civil, capazes de
representar interesses e demandar do Estado a garantia de direitos, mas igualmente capazes de
alargar os direitos sociais e políticos para além daqueles constituídos na relação entre o Estado e
o conjunto dos indivíduos, ou toda a sociedade.
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Geografia - Estado Política e Sociedade
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UAB/Unimontes - 3º Período
Londres, 2011: Dois dias depois do assassinato de um homem negro chamado Mark
Duggan pela polícia, há uma manifestação exigindo informações sobre o que de fato ocorreu.
Da manifestação gerou-se o motim, em Tottenham. Dali dá-se um efeito dominó e os motins
se espalham por toda Londres e em seguida por outras cidades e vilas do Reino Unido. Diver-
sos incidentes, protestos e assassinatos ocorrem simultaneamente, mais uma vez tendo como
pano de fundo violência policial, racismo e reação popular pelas péssimas condições de vida.
O saldo final foi de aproximadamente 3.100 pessoas presas, com mais de 1.000 processadas.
Cinco pessoas morreram e pelo menos 16 pessoas ficaram seriamente feridas. Um valor esti-
mado de 200 milhões de libras esterlinas de danos materiais.
Fonte: Disponível em http://www.theguardian.com/uk/london-riots.A cesso em 02 de junho de 2014.
Na verdade, a escola como um sistema nacional, laico, público, gratuito, universal e obrigatório
é, efetivamente, um fato muito recente, pois, desde a Revolução Francesa percorreu-se um tortuoso
e penoso caminho de lutas sociais, de avanços e retrocessos em que se construíram sistemas nacio-
nais públicos e unificados de educação. Esse desenvolvimento, no bojo do desenvolvimento geral
das forças produtivas, redundou na criação da escola de massas (MACHADO, 1989).
No caso brasileiro, foi apenas com a Constituição de 1934, sob a efervescência dos debates
entre os Pioneiros da Educação Nova e os setores da Igreja Católica, que se registrou pela primei-
44
Geografia - Estado Política e Sociedade
ra vez a educação como direito de todos. Já a Constituição de 1988, no seu artigo 205, ratificou-o
nos seguintes termos: a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovi-
da e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
sua preparação para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Portanto, a educação é vista a partir de um conjunto de ações do Estado. Para a teoria mo-
derna e a cidadania, essas políticas estão voltadas para a diminuição das desigualdades sociais
e a construção de sujeitos preparados para conviver harmonicamente numa sociedade de desi-
guais produzidos pela acumulação capitalista.
Dessa maneira, historicamente, a educação tem refletido as características de seu tempo e
da sociedade em que as instituições educacionais estão inseridas; no entanto, é preciso que haja
uma revolução interna que constitui traço essencial para a existência da cidadania. Essa revolu-
ção interna trata de pensar, sentir e agir no sentido de que a democracia se constrói a todo ins-
tante nas relações sociais e de que fazemos parte. Queremos enfatizar que essa revolução por
uma sociedade melhor passa pela revolução na subjetividade das pessoas. Portanto, a educação
se constitui como lócus privilegiado para que essa revolução aconteça. Certo é que a educação
deve cumprir um papel importante nesse processo de construção da cidadania. Todavia, sua
construção depende também de outras dimensões.
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UAB/Unimontes - 3º Período
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Geografia - Estado Política e Sociedade
Castel (1998), pretende desfazer a articulação democrática entre poder e direito. Ao colocar os di-
reitos sociais no campo de serviços, o Estado deixa de considerá-los com um direito dos cidadãos
e passa a tratá-los como qualquer outro serviço público que pode ser terceirizado ou privatizado.
Apoiando sua análise sobre a crise do Welfare State e a predominância das políticas neoli-
berais em reflexões realizadas por Robert Castel (1998), Frigotto (1999) afirma que, de um lado,
as políticas neoliberais apontam para o fortalecimento do privado, transferindo funções tipica-
mente estatais para o privado, a exemplo da educação e do emprego e, de outro, para o desen-
volvimento produtivo centrado na ciência e tecnologia. A centralidade do conhecimento, como
força de produção, diz o autor, acaba desenhando uma realidade na qual encontramos desesta-
bilização dos trabalhadores estáveis pela intensidade da exploração e pela permanente ameaça
de perda do emprego; pela instalação da precariedade do emprego mediante a flexibilização do
trabalho, trabalho temporário e terceirização; pelo aumento crescente dos “sobrantes”, ou seja,
dos trabalhadores não integrados no mundo da produção (FRIGOTTO, 1999).
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UAB/Unimontes - 3º Período
(...) Botero também disse que, com a série sobre Abu Ghraib, não foi “a primeira vez” que
se preocupou com algo que sentia que deveria expressar. Ele lembrou que já criou dezenas de
obras denunciando os abusos da guerrilha colombiana contra os direitos humanos. (...) Para
Botero, a função do artista é só “fazer arte”, e há uma grande diferença entre “a política ativa e
real, que é a que movimenta as coisas, e a opinião política pessoal”. “Propor soluções ou suge-
rir punições não é meu ofício. Ou seja, não me interessa nem tenho conhecimento de todos
os dados necessários para dar emitir um juízo sobre as coisas. Só expresso minha raiva frente a
algo que é evidente”, afirmou.
Fonte : Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,botero-diz-que-pintou-obras-de-abu-ghraib-
para-liberar-raiva,76361,0.htm .Acesso em 09/05/2014
Referência
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TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: UFMG, 1996.
48
Geografia - Estado Política e Sociedade
UNIDADE 4
Estado, educação e política
4.1 Introdução
A partir da segunda metade dos anos 1990, apresentaram-se como pródigas diversas inicia-
tivas oficiais na esfera educacional, identificando os tempos atuais como um tempo de reformas
com mudanças educacionais que estariam formando a população brasileira em processos cog-
nitivos, dentro dos necessários conteúdos postos pela mundialização do capital, tornando cada
cidadão apto para o trabalho, portanto, competente, empregável e preparado como um novo
cidadão crítico, para o mundo globalizado.
Por esse viés, nosso ponto de partida será o estudo das tensões entre reformas que vêm
sendo adotadas no Brasil para a educação profissional, e as políticas para inserir a economia bra-
sileira no mercado mundial. Enquanto a maioria dos estudos – entre os quais destacamos o de
Paiva (1990), Leite (1995), Hirata (1994), Salm (1993), Frigotto (1995), que examinam os nexos en-
tre atividades produtivas e a qualificação educacional – indicam que a preparação para o mundo
do trabalho vem requerendo um maior equilíbrio entre formação geral e formação técnica, a re-
cente legislação no campo educacional, ao contrário, tem reforçado a dualidade entre elas.
A Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional e o decreto Lei 2208/97 (inspirados em reco-
mendações do Banco Mundial) reconhecem duas redes de ensino: a de educação geral, propedêuti-
ca, que supostamente conduz à universidade, e outra voltada para o ensino técnico-profissional.
A reestruturação produtiva tem servido de justificativa nas políticas governamentais de edu-
cação para a afirmação da dicotomia entre Educação Básica e Educação Profissional. A chamada
democratização do ensino e a proliferação de cursos profissionais voltados para setores menos pri-
vilegiados da sociedade permitem ao Estado fazer o discurso oficial de que está propiciando aos
brasileiros a conquista da cidadania. No entanto, tal discurso apenas mascara o processo de subju-
gação política e econômica brasileira frente às nações desenvolvidas e ao capital internacional.
Nesse sentido, Kuenzer (2002) aponta que a reestruturação produtiva também vai provocar,
mesmo que por contradição, alguns efeitos positivos. São eles:
1. a constatação de que, para uma participação social, política e produtiva, são necessárias
pelos menos onze anos de educação escolar, passando o Ensino Médio a constituir a últi-
ma etapa da educação básica;
2. o reconhecimento de que não é possível a formação profissional sem uma sólida base de
educação geral, concebida como a articulação de diversos elementos, como escolaridade,
acesso a informações, duração e profundidade das experiências vivenciadas, entre outros;
3. a formação profissional passa a repousar sobre conhecimentos e habilidades comporta-
mentais que permitem ao trabalhador chegar ao domínio intelectual da técnica e das for-
mas de organização social para ser capaz de criar soluções para problemas novos.
49
UAB/Unimontes - 3º Período
Todas essas Leis, decretos-leis e outros expedientes jurídico-administrativos nos levam a crer
em larga e profunda mudança na educação brasileira, na direção da construção e fortalecimen-
to da cidadania e do aumento das possibilidades de emprego por meio dos discursos dos refor-
madores ou de seus arautos com grande espaço na mídia, mediante o modelo de competência
e da empregabilidade. Muito convincente se não fosse a conjuntura brasileira com seus traços
acentuados na segunda metade da década de 1990 com a disseminação do novo paradigma de
organização das corporações em nível mundial – com a desnacionalização da economia, a desin-
dustrialização, a transformação da estrutura do mercado de trabalho, a terceirização e a precari-
zação do trabalho, a reforma do Estado e a restrição do público conjugada com a ampliação do
privado, a flexibilização das relações trabalhistas, o enfraquecimento das instituições políticas de
mediação entre a sociedade civil e o Estado, especialmente dos sindicatos e partidos políticos; o
trânsito de sociedade do emprego (trabalho com direitos sociais) para a sociedade do trabalho
(sem direitos sociais conquistados).
Autores como Kuennzer (1997), Frigotto (1988) e Paiva (1991) desenvolveram estudos que
apontam que as reformas implementadas nos últimos vinte anos no Brasil fortaleceram as di-
cotomias entre formação para o trabalho – fundamentada numa visão pragmática, positivista e
mercadológica – e a educação geral. Segundo esses autores, tais reformas não instituíram avan-
ços nas políticas educacionais, mas sim estabeleceram um verdadeiro retrocesso nas expectati-
vas da construção do ser voltado para a cidadania e capaz de desempenhar sua função política
na sociedade brasileira.
50
Geografia - Estado Política e Sociedade
ATIVIDADE
4.3 Reestruturação produtiva e Reflita sobre a seguinte
questão: ao afirmar
51
UAB/Unimontes - 3º Período
modelo de acumulação industrial do país apoiava-se na existência de uma força de trabalho des-
qualificada, barata e descartável. A mudança das dimensões técnica e administrativa do capita-
lismo, que vem se operando em nível mundial desde os anos 1970, chegando ao Brasil por volta
de 1989, produziu grandes modificações em todos os aspectos da sociedade, particularmente no
mundo do trabalho. O trabalhador da indústria foi solicitado a deixar de ser um mero executor
de tarefas parceladas e a participar mais ativamente do conjunto da produção, organizando-se
em “ilhas” de trabalhadores (e tantos outros modos de administração chamados “japoneses”) e
lidando com os resultados da introdução da microeletrônica na atividade fabril.
Ligada a essa nova forma de trabalho, amplamente conhecida como a transição do fordis-
mo ao pós-fordismo, emerge a questão da “centralidade do conhecimento”. Evidentemente, tal
centralidade não está circunscrita à organização industrial, mas se espalha por toda a sociedade,
no mesmo momento em que a informática vai invadindo todos os cantos do planeta e exigindo,
Figura 26: May Day V, cada vez mais, novos conhecimentos para operar os mais variados aparatos que se interpõem à
2006, May Day Series, vida diária de cidadãos e cidadãs.
Andreas Gursky.
Os novos conhecimentos exigidos dos trabalhadores, portanto, dão forma ao que se tem
Fonte : Disponível em
http://nymag.com/.Acesso chamado de “centralidade do conhecimento” na sociedade moderna. Passam a influir na defini-
em 14/05/2014. ção (ou redefinição) dos processos de qualificação profissional e, assim, dos requisitos para a in-
▼ serção dos indivíduos na nova dinâmica da atividade produtiva, calcada no pós-fordismo.
A expansão da educação no século XX
esteve intimamente relacionada à evidente
necessidade de uma mão de obra alfabeti-
zada e disciplinada. Com as mudanças em
direção a uma economia do conhecimento,
a educação ganha cada vez mais impor-
tância. À medida que diminui as oportuni-
dades para os trabalhadores manuais não
profissionalizados, o mercado de trabalho
passa a exigir trabalhadores familiarizados
com as novas tecnologias, com capacidade
para adquirirem novas habilidades e para
trabalharem com criatividade.
A ênfase que é dada pelo governo à
qualificação profissional, como aspecto
integrante da formulação das políticas pú-
blicas de emprego, relaciona-se às carac-
terísticas do processo de reestruturação
produtiva pelo qual passa o Brasil nos anos
1990. A abertura da economia ao mercado
externo e as inovações técnicas e adminis-
trativas, introduzidas no sistema de pro-
dução, se realizam de modo a conferir à
grande parte da economia brasileira uma
conformação de tipo pós-fordista, parti-
cularmente nos setores estratégicos e de
ponta. As inovações advindas desse refe-
rencial de produção afetam, sobremaneira,
o mundo do trabalho, expressando-se na
demanda de um perfil de trabalhador que
apresente capacitações articuladas a um
preparo profissional mais elevado, mais
consistente, especialmente quando com-
parado ao perfil exigido pelo chamado
modelo fordista, que foi hegemônico até os
anos 1980. Além disso, aquelas inovações
de tipo pós-fordista geraram outras mo-
dificações no sistema de profissões então
conhecidos, destruindo algumas delas e
criando novas, provocando mais instabili-
dade nas relações de trabalho e contribuin-
52
Geografia - Estado Política e Sociedade
do para realçar o conhecimento como elemento central para a inserção dos trabalhadores no
mundo produtivo. Essas inovações são também as que dão origem à figura da “empregabilidade”,
tão mencionada nos documentos oficiais que sustentam a importância da qualificação profissio-
nal como estratégia para as políticas públicas de emprego e renda.
O fim dos anos 1960 e o início da década de 1970 marcaram, nos países capitalistas desen-
volvidos, um processo de mudança de um padrão de desenvolvimento industrial denominado
fordismo, baseado na produção em massa, para um novo paradigma produtivo denominado
pós-fordismo. Para a “escola francesa de regulação”, o conceito de fordismo designa o modelo
de desenvolvimento que marca uma determinada fase de desenvolvimento do capitalismo em
países centrais – os anos do vigoroso ciclo expansivo do pós-guerra – cuja estratégia para o au-
mento da produtividade do trabalho é orientada pelo capitalismo de regulação “monopolista” ou
“administrado” (FERREIRA, 1991).
◄ Figura 27:
Manufacturing #17, Deda
Chicken Processing
Plant, Dehui City, Jilin
Province, China, 2005.
Foto, Edward Burtynsky.
Fonte: Disponível em
http://www.edwardbur-
tynsky.com/ Acesso em
14/05/2014.
53
UAB/Unimontes - 3º Período
DICA Em outras palavras, o processo de produção orientado de acordo com a demanda, e não mais
No fordismo ou no pós- com a oferta de produtos e serviços, exigiu modificações rápidas na forma de organizar o trabalho,
fordismo os mesmos de modo a obter respostas ágeis dos trabalhadores na lida com as novas condições de produção. As
problemas persistem. novas tecnologias físicas, de base microeletrônica, passaram a demandar, para sua potenciação, tra-
Aliás, a reestruturação balhadores que pudessem explorar suas várias possibilidades. As novas tecnologias organizacionais,
produtiva tem como baseadas nos critérios de flexibilidade e integração da produção, precisavam de trabalhadores multi-
consequência direta o
agravamento de anti- funcionais, criativos, com capacidade de comunicação e capazes de manter altos níveis de produtivi-
gos problemas. Outro dade, principalmente diante de situações que se modificam rapidamente. As novas condições de rea-
ponto é que não é um lização do trabalho requeriam, portanto, um trabalhador que pudesse se manter produtivo, mesmo
processo uniforme, em condições de trabalho que se alteram com grande frequência.
como se houvesse uma Se no fordismo o aspecto principal da formação profissional relacionava-se ao treinamento
evolução unilinear
em que uma etapa em tarefas repetitivas e rotineiras, no pós-fordismo a formação foi redirecionada, pelas empresas,
superasse a outra, for- para a competência do trabalhador, o qual passa a ser considerado o responsável, no nível pes-
dismo e pós-fordismo soal, pelo seu trabalho.
coexistem estrategica- Compreender o termo competência é tarefa importante no estudo que direciona o para-
mente em diferentes digma que orienta a formação dos trabalhadores nessa nova etapa do capitalismo.Deluiz (2001),
lugares do mundo. No
tocante a questões Ferretti (1997) e Tanguy (1997) mostram que a palavra competência surgiu no contexto da crise
sociológicas, não há do modelo de organização taylorista/fordista, com o processo de mundialização da economia, de
nenhuma “evolução” exacerbação da competição nos mercados e de demandas de melhoria da qualidade dos produ-
na direção da melhoria tos e de flexibilização dos processos de produção e de trabalho. Nesse cenário, as empresas pas-
da qualidade de vida. saram a usar e a adaptar as aquisições individuais da formação, sobretudo a escolar, em função
O advento do pós-for-
dismo não eliminou de suas respectivas exigências. A aprendizagem passou a ser orientada para a ação e a avaliação
as contradições das das competências, baseando-se, assim, em resultados observáveis.
relações de trabalho, Como explica Ferreti (2000), tratado como um conjunto de atributos, o conceito de compe-
tão menos estancou os tência envolve saberes, saber-fazer e saber-ser. A autora esclarece que o uso da noção de com-
equívocos do processo petência pela formação educacional deve-se ao fato de que tal noção seria capaz de promover
de industrialização. A
industrialização é parte o encontro entre trabalho e formação. No plano do trabalho, ocorre o deslocamento do conceito
de um processo muito de qualificação em direção ao conceito de competência. A competência, por sua vez, é defini-
mais complexo do da em relação aos processos de trabalho que os sujeitos deverão ser capazes de compreender
ponto de vista histórico e dominar (FERRETI, 2000). Para a autora, o movimento de definição de um modelo centrado na
e sociológico, qual seja: competência encontra sua expressão inicial no ensino profissionalizante e é resultado do com-
o neocolonialismo.
prometimento mais imediato dessa modalidade de qualificação com os processos de produção,
impondo-lhe a necessidade de justificar a validade de suas ações e de seus resultados.
54
Geografia - Estado Política e Sociedade
55
UAB/Unimontes - 3º Período
BOX 12
A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA
Em duas décadas, segundo sua opinião, os Estados Unidos passaram do tratamento so-
cial da pobreza ao seu tratamento penal. Como o senhor foi levado a examinar esta pista?
Conduzindo uma investigação etnográfica junto ao gueto negro de Chicago, dei-me conta do
quanto a instituição penitenciária banalizou-se, com toda a sua onipresença, na base da estrutura
social dos Estados Unidos. A maior parte dos jovens do bairro pesquisado tinha já experimentado
a detenção. Quando um deles desapareceu, a suposição natural foi a de que estava metido atrás
das grades; este fato, porém, não chocava ninguém! Quando Clinton aboliu a ajuda social em 1996,
substituindo-a por um programa de trabalhos forçados, ficou claro que o desmantelamento da pe-
quena rede de proteção social e o desdobramento concomitante da policial e penal, também pe-
quena, mas numa malha cada vez mais intrincada, respondiam a um mesmo objetivo: criminalizar a
pobreza, a fim de apoiar o novo regime do assalariamento precário e mal pago.
A transição do Estado Providência para o Estado-Penitência não diz respeito, porém, a
todos os americanos: ela se destina aos miseráveis, aos inúteis e aos insubordinados à ordem
econômica e étnica que se segue ao abandono do compromisso fordista-keynesiano e à crise
do gueto. Volta-se para aqueles que compõem o sub-proletariado negro das grandes cidades,
as frações desqualificadas da classe operária, aos que recusam o trabalho mal remunerado e
se voltam para a economia informal da rua, cujo carro-chefe é o tráfico de drogas.
Como a política penal e carcerária dos Estados Unidos evoluiu durante este período?
Logo em seguida aos motins de Ática, há vinte e cinco anos, o debate sobre o sistema
penal dos Estados Unidos irá girar em torno da “descaracterização” e das penas substitutivas.
O número de reclusos havia diminuído; um relatório oficial enviado a Nixon preconizava a
contenção das iniciativas de construção de prisões e a abolição da detenção dos menores de
idade. Dez anos mais tarde, contra todas as expectativas, a população carcerária aumentou de
380.000 para 780.000 detentos, dobrando novamente até atingir 1,5 milhões em 1995. Hoje,
essa marca se aproxima de dois milhões, dos quais um milhão de condenados é por infrações
não-violentas, e ninguém sabe como travar essa máquina infernal de aprisionar.
56
Geografia - Estado Política e Sociedade
Com 700 detentos por 100.000 habitantes - ou seja, seis a doze vezes mais que nos países
europeus - os Estados Unidos ocupam o segundo lugar no número de encarceramentos no
mundo, logo depois da Rússia. É o que se chama de “extensão vertical” do sistema. Trata-se
de algo sem precedente histórico, num período em que a criminalidade não muda de escala.
A isso se acrescenta a “extensão horizontal” do sistema penal, uma vez que populações nas
mãos da justiça extramuros (condenadas a penas com sursis ou sob liberdade condicional)
têm aumentado rapidamente e composto abundantemente os bancos de dados criminais,
tantos deles acessíveis através da internet. No total, atualmente há seis milhões de america-
nos sob tutela penal, ou seja, 5% da população adulta, mas também um homem negro em
dez ou um jovem negro de 18 a 35 anos em cada três. Para desenvolver tal Estado penal su-
perdimensionado, foram necessárias duas vias: a América iria comprimir as despesas públicas
destinadas às questões sanitária, social e educativ, e, paralelamente, inchar a quantidade de
pessoas e de créditos destinada aos sistemas policial e penitenciário. Nos períodos Reagan
e Bush, o item “prisão” aumentaria três vezes mais rápido que o orçamento militar! Quando
Clinton chegou ao poder, a administração penitenciária do país atingiu a marca de terceiro
maior empregador do país com 600.000 assalariados. Entretanto, mesmo fazendo cortes nos
orçamentos de ajuda social, a quadruplicação dos efetivos carcerários, em vinte anos, não te-
ria sido possível sem o surgimento do setor privado: o aprisionamento com fins lucrativos rea-
parecerá a partir de 1983, açambarcando, rapidamente, a décima segunda parte do “mercado”
nacional, ou seja, cerca de 150.000 detentos, três vezes a população penitenciária da França.
Tais empresas, cotadas em bolsa de valores, propalam taxas recordes de crescimento e de lu-
cro. A “nova economia” americana, não é apenas a da internet e a das tecnologias de informa-
ção: é também, a que industrializa o castigo. A título de ilustração, vale lembrar que as prisões
do Estado da Califórnia empregam duas vezes mais pessoas do que a Microsoft...
57
UAB/Unimontes - 3º Período
A seu ver, a oscilação do Estado social em direção ao Estado penal e a teoria da to-
lerância zero se difundem na Europa. Que elementos lhe permitem ser tão afirmativo a
esse respeito?
Quase todos os países da Europa experimentam um forte crescimento da população car-
cerária, saída daquela dominantemente formada por desempregados, carentes e estrangei-
ros, simultaneamente acompanhado de um claro endurecimento das políticas penais, mais
abertamente voltadas para a” defesa social” em detrimento das de reinserção social, e ainda
uma generalização do recurso ao penal com vista a debelar os efeitos da alta da inseguridade
salarial. Não apenas os dispositivos da assistência aos mais desprotegidos se recompõem se-
gundo uma lógica do panóptico e punitiva (por exemplo, a supressão do RMI ou dos abonos
familiares para os pais de crianças delinquentes multi-reincidentes ou a conexão dos fichários
sociais, fiscais e policiais). Por toda a parte, difunde-se um discurso “anticrime”, rígido e sim-
plista de uma outra época, que se nos apresenta flexível e novo apenas pelo fato de que vem
da América, e sobretudo, de Nova York, Meca da religião securitária. Na França, a “segurida-
de” foi promovida à prioridade governamental, mas somente depois de ter sido previamente
rebaixada à seguridade física (ou criminal), arbitrariamente separada da seguridade salarial,
social, medical ou educativa. Mostro no meu livro esta temática como originária diretamente
de institutos neoconservadores americanos que a exportaram para a Grã-Bretanha, posta a
funcionar como um filtro de aclimatação da penalidade neoliberal para os países europeus;
mostro, ainda, o modo pelo qual jornalistas, oficiais e universitários concorrem para espalhá-la
por todo o continente. Paradoxalmente, os governos de esquerda demandam a organização
penal mais que os governos de direita, porque convertidos à visão neoliberal em matéria eco-
nômica e social, acabam se colocando em situação de déficit de legitimidade. Reafirma-se o
direito à “seguridade” com muito mais vigor quando se é incapaz de assegurar o direito ao
trabalho, uma vez que, nesse domínio, pede-se que sejamos resignados diante do “Estado que
não pode fazer tudo.”
58
Geografia - Estado Política e Sociedade
De resto, a violência nos bairros, sobretudo a violência dos jovens, aumentou nes-
ses últimos anos...
É preciso, primeiro, reduzir seriamente hoje o tom dos discursos de pânico ouvidos por aí
sobre esse assunto, colocando-se a questão de saber de onde vem essa violência. Principalmente
porque a mídia, mas também a polícia, a escola, os transportes, etc, estão muito mais atentos a
esses fenômenos, e a delinquência tornou-se, por todas as formas de intervenção, uma merca-
doria que paga. Os jovens de subúrbios em ascensão econômica demandam acesso à cidadania
econômica e social. Diante da incapacidade de atendimento as suas necessidades, os mesmos são
tratados pelo viés policial e penal e criminalizados em suas ações, principalmente, pela perspecti-
va baseada na noção (verdadeira-falsa) de “violências urbanas”, que é um nonsense sociológico e
estatístico, e que guia, entretanto, a retórica e a ação do governo atual... Nem toda a violência tem
um caráter político, mas é claro que o número de atos coletivos exprime a recusa a um poder que
não lhes reconhece legitimidade, porque nada tem a oferecer, senão um horizonte turvo, feito, no
cotidiano de miséria moral e material. A expressão “violências urbanas”, porém, coloca em questão
a autoridade do Estado e pode ser analisada como um signo de democracia: trata-se do signo pelo
qual as pessoas demonstram que não se deixam esmagar pelo Moloch do mercado do emprego
desqualificado. Quando se revoltam contra as brutalidades policiais, os jovens estão enviando uma
mensagem política aos representantes do Estado. Mas esses se apressam em despolitizá-la, pois
não dispõem de outros meios para tratá-los, isto é, não dispõem de uma outra política econômica
- além dessa cacofonia burocrática chamada de “política da cidade”.
59
UAB/Unimontes - 3º Período
Fala-se muito dos “imigrantes da segunda geração” - termo impróprio, uma vez que, até
mesmo por definição, eles não são imigrantes! - mas fala-se bem pouco da segunda geração do
desemprego de massa. Portanto, no que concerne às frações em declínio das classes populares,
no momento, chegou-se apenas a isso. E ainda há quem se espante quando suas crianças não se
entusiasmam com o lançamento do euro ou com as chamas do palácio Brongniart... Permanece-
se estupefato por constatar que hoje a Europa é governada pelos partidos de obediência
socialdemocrata e que ninguém aborde, seriamente, a questão da Europa social. Isso testemunha
bem o grau de colonização mental da elite política europeia pela ideologia neoliberal do
individualismo e da mercantilização. Por outro lado, o mais grave é que estamos num momento
de virada: agora que a integração europeia foi concretizada no plano militar e monetário, torna-
se urgente abrir o canteiro de construção de um Estado Social continental, sem o que a Europa
policial e penitenciária ganhará terreno e se encarregará dos deixados por conta da nova
economia de serviços. Estamos diante de uma verdadeira escolha de rumos de civilização. Nem
só o salário de miséria; a inflação penal e carcerária não é uma fatalidade natural: ela coloca a
relevância da tomada de decisões políticas estar submetida ao debate democrático.
Fonte: Disponível em http://www.uff.br/maishumana/loic1.htm .Acesso em 12 de maio de 2014.
Referências
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discussão MEC/INEP (Brasília), V. 1, nº 2, 1993.
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SALM, Cláudio; FOGAÇA, Azuete, Tecnologia, emprego e qualificação: bases conceituais. Rio
de Janeiro: UFJF/IE, 1990.
60
Geografia - Estado Política e Sociedade
UNIDADE 5
Política de educação em tempos
de globalização
5.1 Introdução
A mudança de paradigma produtivo fordista para o pós-fordista se deu em meio a uma re- GLOSSÁRIO
definição das relações entre Estado e sociedade civil, que representou, entre outros aspectos, o Paradigma: Um exem-
afastamento do Estado das políticas de assistência social. Assim, muitas questões que eram atri- plo que serve como
buídas à competência do Estado, tais como o trabalho, saúde e, principalmente, a educação, pas- modelo; padrão.
saram a ser entregues às “forças do mercado”.
ATIVIDADE
Poste no fórum o que
você entendeu por
fordismo e pós-fordismo
e as implicâncias desses
sistemas na educação.
61
UAB/Unimontes - 3º Período
de educação, saúde, previdência social, assistência social e habitação que, a par das políticas de
salário e emprego, regulam, direta ou indiretamente, o volume, as taxas e os comportamentos
do emprego e do salário da economia, afetando, portanto, o nível de vida da população traba-
lhadora. Concretamente, trata-se de processos que, uma vez transformada a própria estrutura do
Estado, expressam-se na organização e produção de bens e serviços coletivos, na montagem de
esquemas de transferências sociais, na interferência pública sobre a estrutura de oportunidades
de acesso a bens e serviços públicos e privados e, finalmente, na regulação da produção e distri-
buição de bens e serviços sociais privados (DRAIBE, 1999, p. 2).
A partir da segunda metade do século XIX, começou a ganhar corpo nos países europeus
uma tendência que se tornaria quase universal no século XX. Trata-se da presença do Estado
como organizador, produtor, gestor e normalizador dos sistemas de bem-estar social: o interven-
cionismo. O Estado passava a ser visto como representante da nação e a ele era atribuída a tarefa
de promover ativamente o bem-estar do cidadão.
A intervenção estatal na sociedade e na economia, no contexto de crises do capitalismo, no
final do século XIX, é decorrente de fatores como a crescente incapacidade do mercado de regu-
lar as relações econômicas, principalmente aquelas mais carregadas de implicações sociais.
Na Europa, o século XIX foi caracterizado por conflitos sociais. Os processos de industrialização
e urbanização trouxeram o agravamento dos problemas ligados à pobreza, até então relativamente
controlados. As péssimas condições de trabalho vigentes entre a massa proletária que se consti-
tuía, os acidentes, as doenças profissionais e o desemprego, tornavam-se cada vez mais evidentes.
Aliada à crescente organização das classes trabalhadoras, através de sindicatos, a constituição de
partidos políticos de inspiração socialista, no bojo da expansão dos direitos políticos, evidenciaria
para o Estado que a crise não era uma decorrência de mérito ou deméritos pessoais, mas um fenô-
meno ligado a uma relação muito estreita com as condições sociais de vida. Embora nesse período
fossem encontradas normas de proteção ao trabalhador, essas medidas não iam além da pessoa do
trabalhador, não favorecendo sua família como um todo (FALEIROS, 1991).
Com o objetivo de administrar as crises e encontrar estratégias para garantir a acumulação
de capital, o Estado intervém nas relações econômicas e sociais, contrariando as prerrogativas do
Estado liberal clássico, orientadas pela ação da “mão invisível do mercado”, que controlava as cri-
ses do capitalismo e, assim, não era preciso que houvesse leis regulando e controlando as trocas
comerciais, enfim, o mercado. Assim, as questões sociais adquiriam uma dimensão política com a
intervenção estatal.
O estado de bem-estar social, apesar de garantir algumas conquistas sociais, tais como pre-
vidência, saúde, educação, moradia, lazer, não conseguiu resolver os problemas que o desen-
volvimento do capitalismo produziu, por não ser capaz de eliminar a contradição básica desse
modo de produção, que é a relação entre produção e apropriação privada da riqueza produzida
(FERREIRA, 1993).
Para isso, o Estado vê-se impelido a modificar e ajustar-se à nova dinâmica do capital, atra-
vés de projetos políticos capazes de promover as condições necessárias para implantação da
mudança referente ao novo paradigma produtivo, com estratégias vinculadas à suposta eficiên-
cia e produtividade da iniciativa privada em oposição à ineficiência e ao desperdício dos servi-
ços públicos, recuperando, assim, a capacidade de exploração capitalista (FRIGOTTO, 1997). Com
a desregulamentação do Estado e a existência mínima possível de leis que regulem o mercado,
ocorre a restrição dos direitos sociais garantidos no contexto do estado de bem-estar social. A
descentralização das suas responsabilidades e autonomia e a privatização dos setores estratégi-
cos controlados pelo Estado visam deixar o mercado livre para ser o grande regulador das rela-
ções sociais (FRIGOTTO, 1997).
A reforma do Estado, posta nesse momento de crise, é resultado da falência dos estados na-
cionais – crise fiscal e crescente dilapidação do fundo público. A transição do modelo do Estado
fica sob o encalço da desregulamentação, flexibilização, descentralização e privatização que são,
na verdade, políticas oficiais de desmonte da sociedade do emprego e da estratégia de uma so-
ciedade integradora. O custo desse desmonte atinge a sociedade capitalista e, com isso, surge
um tempo de insegurança, desemprego e precarização das relações de trabalho, levando à crise
da sociedade do trabalho (FRIGOTTO, 1997).
Para Frigotto (1997) e Covre (1995), a difusão das ideias neoliberais, desde a crise do Wel-
fareState, desenvolve-se num quadro de importantes transformações do capitalismo mundial.
Emerge com as políticas de liberalização do comércio, privatização da economia, expansão dos
mercados financeiros internacionais e criação de novas modalidades de produção, que se apre-
sentam como base do desenvolvimento capitalista contemporâneo.
62
Geografia - Estado Política e Sociedade
Segundo Ferreti (2000), a ofensiva neoliberal direciona sua ênfase e prioridades com os
pressupostos condizentes com a regulação flexível. Seus principais referenciais de ação dizem
respeito à privatização, descentralização, localização e programas sociais de urgência. Um Estado
que não concorre com o mercado nem impede a concorrência, permitindo o exercício da liber-
dade que o capitalismo apregoa, traz como consequência o seu afastamento das garantias dos
direitos de cidadania conquistados, retratado nas palavras de Atílio Borón, como a “morte públi-
ca” do Estado, revertendo o quadro do keynesianismo, o qual nas últimas décadas passou a ser
apontado pelos neoliberais como foco de uma era de desperdícios, de altos impostos inibidores
do investimento, de desestímulo ao trabalho e outras mazelas (FERRETI 2000).
A configuração do Estado capitalista no interior de todo esse complexo processo, aqui mini-
mamente citado, nos mostra a dimensão do afastamento do Estado das questões sociais. Muitas
questões, segundo Telles (1996), passam a ser entregues às “forças de mercado” que, de acordo
com seus ditames, a obtenção e manutenção do emprego, passam a ser mérito e responsabilida-
de individual, configurando-se uma nova política estatal, direcionando e reforçando a educação
como meio privilegiado para a empregabilidade da força de trabalho.
Conforme argumenta Telles (1996), as conquistas sociais alcançadas no período keynesiano
estão sendo devastadas pela avalanche neoliberal no mundo inteiro. Para a autora, a destituição
dos direitos significa a erosão das mediações políticas entre o mundo do trabalho e as esferas
públicas. Nessa lógica neoliberal, ocorre a apologia das virtudes práticas do mercado livre e o
lugar dos serviços públicos é preconizado pela política de privatização.
De acordo com Aguilar (2000), à medida que o Estado é reduzido, reduzidos também se tor-
nam o espaço público e o avanço das garantias dos direitos de cidadania conquistados. A não in-
tervenção estatal que emerge com o Estado neoliberal enfraquece o dever do Estado para fazer
valer o direito ao trabalho na sua dimensão pública.
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educação multicultural, qual seja, não confundir diferenças com desigualdades e permitir a edu-
cação de qualidade para todos.
Em países como o Brasil, isso se torna mais conflitivo e desafiante, uma vez que nossa construção
cultural é fruto de várias matrizes étnicas e historicamente puncionadas entre classe dominante (eu-
ropeu) e classes subservientes (negros, índios). Assim, essas diferenciações lidas a partir das oportuni-
dades de acesso à educação não podem ser vistas como vencedores e perdedores.
Para Bourdieu (1997), a escola é um espaço de reprodução de estruturas sociais e de trans-
ferência de capitais de uma geração para outra. É nela que o legado econômico da família trans-
forma-se em capital cultural. E este, segundo o sociólogo, está diretamente relacionado ao desem-
penho dos alunos na sala de aula. Eles tendem a ser julgados pela quantidade e pela qualidade
do conhecimento que já trazem de casa, além de várias “heranças”, como a postura corporal e a
habilidade de falar em público. Os próprios estudantes mais pobres acabam encarando a trajetória
dos bem-sucedidos como resultante de um esforço recompensado. Uma mostra dos mecanismos
de perpetuação da desigualdade está no fato, facilmente verificável, de que a frustração com o fra-
casso escolar leva muitos alunos e suas famílias a investir menos esforços no aprendizado formal,
desenhando um círculo que se auto alimenta. Nos primeiros livros que escreveu, Bourdieu previa a
possibilidade de superar essa situação se as escolas deixassem de supor a bagagem cultural que os
alunos trazem de casa e partissem do zero. Mas, com o passar do tempo, o pessimismo foi crescen-
do na obra do sociólogo: a competição escolar passou a ser vista como incontornável.
Para esse sociólogo, uma compreensão do conjunto de relações sociais que fundam as si-
tuações de violência que legitimam a exclusão dos não privilegiados, convencendo-os a se sub-
meterem à dominação, sem que percebam o que fazem, está nos discursos e práticas escolares.
De modo geral, a exclusão é imputada à falta de habilidades e capacidades, ao mau desempe-
nho e outros. Dessa forma, a escola cumpre, simultaneamente, sua função de reprodução cultu-
ral e social, qual seja, a de reproduzir as relações sociais de produção da sociedade capitalista.
Suas reflexões nos permitem repensar a educação como um espaço de construção cidadã,
como direito de todos. Nessa direção, uma rápida volta aos estudos de Bourdieu se faz necessá-
ria, pois eles apontam e despertam nossa curiosidade e a necessidade de uma análise que nor-
teie as ações educativas no interior das escolas, na tentativa de superar tal realidade e contribuir
para a melhoria do sistema educacional brasileiro.
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falar em igualdade, sem incluir as questões relativas à diferença, nem se pode abordar temas re-
lativos às políticas de identidade dissociadas da afirmação da igualdade.
Uma frase de Santos (2001) sintetiza de maneira especialmente oportuna esta tensão: “As
pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito
a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”. E acrescenta: “Este é, consabidamente, um
imperativo muito difícil de se atingir e manter” (SANTOS, 2001, p.10).
Não se deve contrapor igualdade à diferença. De fato, a igualdade não está oposta à dife-
rença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõe à igualdade, e sim à padronização, à produ-
ção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à “mesmice” (CANDAU, 2002). O que estamos
querendo declarar, apoiados nessa estudiosa, é, ao mesmo tempo, negar a padronização e tam-
bém lutar contra todas as formas de desigualdade e discriminação presentes na nossa sociedade.
Nem padronização nem desigualdade.
Por fim, a educação multicultural fundamenta-se em promover uma educação para o reco-
nhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma edu-
cação para a negociação cultural. Uma educação capaz de favorecer a construção de um proje-
to comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva multicultural
está orientada para a construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule
políticas de igualdade com políticas de identidade (SANTOS, 2001).
A UNESCO, ao promover os quatro pilares da educação para o século XXI, em torno de qua-
tro formas de aprendizagem – conhecer, fazer, viver junto e ser – estava certamente imbuída da
ideia de que a humanidade, a Terra-Pátria, não pode ser concebida como um meio de obter lu-
cros e vantagens para poucos, mas como um fim a ser construído por todos e para todos. Na
verdade, trata-se de um aprendizado complexo, a ser exercitado não apenas nas escolas, mas na
vida em geral. Um amplo processo participativo, restaurador do homem genérico, que envolve
princípios, valores, utopias e, certamente, um contrato planetário, social e natural, no qual ani-
mais e homens, natureza e cultura não se separem mais, tendo como ponto de partida a religa-
ção dos saberes.
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Geografia - Estado Política e Sociedade
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Referências
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Geografia - Estado Política e Sociedade
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Geografia - Estado Política e Sociedade
Resumo
Unidade I - O Estado na sociedade capitalista: fundamentos e consolidação
A primeira unidade foi dedicada à apresentação do surgimento do Estado moderno. Foi na
Idade Moderna, ou na modernidade, que o Estado se consolidou como entidade soberana desti-
nada a organizar a vida em sociedade. Assim, analisamos a formação do Estado na modernidade,
o Estado Moderno, buscando entender como ele realmente se consolidou, seus elementos cons-
titutivos e sua finalidade. A relação entre o Estado e os cidadãos de um determinado território
que o Estado constitui como seus cidadãos, são analisados, bem como sua aplicação. Na exposi-
ção do conceito e dos elementos constitutivos do Estado, são analisadas as instituições políticas
e jurídicas que formam o governo soberano sobre o território e a própria noção de território com
base na Convenção das Nações Unidas e na legislação. Ainda, foram apresentados os critérios de
nacionalidade e a formação do território brasileiro na atualidade.
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Geografia - Estado Política e Sociedade
Referências
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Geografia - Estado Política e Sociedade
Germinal
Direção: Claude Berri
Gênero: Drama
Duração: 158 minutos
Numa mina de carvão, o chefe de uma família de trabalhadores, que vive em condições de
miséria, começa a preparar uma greve de operários. A diminuição dos salários e o pouco caso
dos patrões com a segurança e a saúde dos trabalhadores, paralelamente à burguesia e ao seu
cotidiano de grandes refeições, luxuosas residências e total descaso com o mundo além dos seus
portões, são destacados.
Leia, também, o livro Germinal, de Émile Zola.
O Jardineiro fiel
Direção: Fernando Meirelles
Gênero: Drama
Duração: 129 minutos
Uma ativista de direitos humanos é assassinada no Quênia. Justin Quayle parte para desco-
brir o que aconteceu. Numa viagem por três continentes, ele descobre que sua esposa fora assas-
sinada por determinação de uma multinacional de remédios, ao descobrir que a indústria usava
mulheres pobres africanas para testes de seus produtos e muitas acabavam morrendo.
Terra e liberdade
Direção: Ken Loach
Gênero: Drama
Duração: 109 minutos
David Carr vai lutar por seus ideais na Guerra Civil Espanhola. A guerra ocorreu entre 1936 e
1939, quando um golpe militar, apoiado pela direita, pretendia eliminar a República, responsável
por reformas que desagradaram aos conservadores. O conflito teve, de um lado, os republicanos
apoiados pela esquerda – comunistas e anarquistas – e, de outro, os fascistas e os setores mais
conservadores da Espanha.
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Geografia - Estado Política e Sociedade
Atividades de
Aprendizagem- AA
1) Apresente o conceito de Estado e o papel do capital para o seu desenvolvimento.
3) Descreva a principal característica do Estado moderno e a sua diferença para os regimes ante-
riores.
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