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A FILOSOFIA DO DIREITO NA ANTIGUIDADE

A HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO

A pesquisa histórica de nossa disciplina revela conhecimentos que serviram de


base para desenvolvimentos ulteriores e outros que, ainda hoje, conservam
atualidade plena. O presente estudo se limitará àqueles conhecimentos, pois as
simples opiniões não devem ter acesso aos compêndios.
A investigação história favorece a compreensão da cultura contemporânea,
pois o grande livro da sabedoria foi escrito ao longo dos séculos, cujas primeiras
páginas antecederam livro ao pensamento helênico. A sua importância nas disciplinas
filosóficas é notória, pois, como anota Del Vecchio, “(...) o presente, sem o passado,
carece de sentido; e o passado revive no presente”. A sabedoria humana foi
alcançada pela soma de experiências de sucessivas gerações. Em algumas épocas o
processo se fez mais veloz, por intermédio de notáveis sábios, enquanto em outras
registrou-se lentidão, seja em decorrência da falta de cientistas de expressão, seja
pelas condições adversas do momento histórico, que ocorrem, por exemplo, em
períodos de guerra e quando o regime político cerceia a liberdade em suas diversas
formas de manifestação.
Sendo a Filosofia do Direito uma reflexão sobre um objeto flexível, uma vez
que a realidade a que se refere modifica-se continuamente com adaptação às
condições de cada povo e cada época, seria útil à sua pesquisa histórica? O conjunto
de informações teria algo a oferecer na atualidade? Se o homo juridicus adota um
positivismo radical, por certo responderá negativamente. Os autores que seguem
orientação espiritualista tendem a responder de modo afirmativo, pois o Direito
embora seja móvel, possui elementos invariáveis, comuns aos povos na diversidade
do tempo e do espaço. É que nem tudo é convencional no Direito. Há certos princípios
e normas que necessariamente devem ser consagrados pelo Estado, de vez que
refletem a própria dignidade do ser humano. Há valores básicos que foram cultivados
pelos cidadãos atenienses e romanos e que hoje são preservados tanto em nosso meio
como em regiões estranhas, justamente porque se referem à parte estável do homem,
à sua natureza.
1 FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA
Nessa fase, o pensamento grego estava restrito basicamente a especulações
naturalistas. A filosofia cosmológica surgiu quando os mitos já não eram suficientes
para explicar a realidade.
A filosofia desenvolvida pelos Jônios 1 foi de natureza cosmológica
(cosmovisão), e seu ponto de contato com a nossa disciplina operou-se ao conceber o
Direito como fenômeno natural2. Um de seus integrantes, Anaximandro de Mileto,
identificou a noção de justiça com o Universo.
Com a Escola Eleática (séc. VI a V a. C.), a filosofia grega não alterou o rumo de
suas investigações, mantendo-se ainda no período cosmológico. Entretanto, os
eleatas, com Parmênides, Xenofontes, Zenão de Eleia e Meliso de Samos foram mais
profundos em suas reflexões, passando a um plano metafísico ao sustentarem que o
ser verdadeiro é uno, imutável e eterno. Para os membros da Escola, o ser não pode
surgir do não ser. O Direito seria o fator de imutabilidade do ser, pois tudo no
universo se achava subordinado à justiça, e esta não permitia que algo nascesse ou
fosse destruído.
Nesse período (582 – 500 a. C.) surgiu a Escola Pitagórica, ou Itálica, a que
desenvolveu noções mais atinentes à nossa disciplina. Fundada por Pitágoras de
Samos. Cultivou uma rigorosa filosofia moral. Objetivando a academia o preparo e
formação de dirigentes, aqueles pensadores promoveram uma aproximação, em seus
estudos, da Filosofia com a Política.
A doutrina da Escola Pitagórica pode ser definida como um sistema filosófico
fundado em números, considerados a essência de todas as coisas. Tal concepção foi
aplicada aos domínios da Filosofia do Direito, pois definiram a justiça como igualdade
entre o fato e a conduta correspondente: um crime, uma penalidade, uma tarefa,
uma retribuição.
O valor de justiça foi simbolizado pela figura geométrica do quadrado, em
razão da absoluta igualdade de seus lados.
Quanto ao Direito, este foi definido por Pitágoras como o igual múltiplo de si
mesmo, concepção essa que não logrou senão vagas interpretações, entendendo
Pontes de Miranda que aquele sábio desejou, possivelmente, “expressar o imutável
que há na sucessão das formas e a despeito delas”.

1
Povo indo-europeu que migrou para Grécia por volta de 2.000 a. C. e participaram ativamente da
expansão grega e colaboraram para seu desenvolvimento cultural, principalmente da ciência e do
racionalismo.
2
O Direito Natural seria aquele estabelecido pela divindade, ou a partir da natureza das coisas, pois
haveria uma ordem natural no mundo, cabendo ao legislador captá-la e positiva-la. (Ex: regras criadas a
partir de cada gênero humano)
1.1 OS SOFISTAS

Com o aparecimento dos sofistas, houve um giro copernicano na filosofia grega,


que abandonou as investigações cosmológicas em prol de indagações centralizadas
no homem, iniciando-se a fase antropológica da Filosofia. O aparecimento da
Sofística, no século V a. C., que teve em Protágoras, Górgias, Hípias, Trasímaco, os
seus corifeus, não se registrou por acaso, mas em decorrência do fato histórico da
democratização de Atenas que, à época de Péricles, renunciará ao regime
aristocrático3.
Os sofistas eram cidadãos cultos, bons oradores, que desejavam ensinar a arte
e a técnica política e por isso dedicavam especial atenção à Retórica, visando ao
preparo de novo dirigentes.
Não chegaram a formar uma escola, pois não adotaram uma linha única de
pensamento, sendo-lhes comum a divergência ou contradição de ideias, embora
convergissem seu estudo para idêntico alvo: o homem e seus problemas psicológicos,
morais e sociais. Entre os autores, são classificados como individualistas e
subjetivistas, além de negadores da ciência, pois inviabilizaria qualquer ciência, pois
nenhuma delas pode constituir-se por meras opiniões isoladas.
Em decorrência dessa premissa, admitiram apenas o caráter relativo da justiça
e do Direito, que seriam contingentes e de expressão convencional.
Colocando em análise a indagação se a justiça se fundava na ordem natural(?),
de um modo geral negaram, sob o argumento de que “se existisse um justo natural,
todas as leis seriam iguais”. Sua grande quantidade, surgida pelo regime democrático
(criado pelas massas populares e pelos diversos partidos políticos surgidos)
demonstram a contingência e fraqueza humana. Ou seja, se as mudanças legislativas
podem ocorrer a qualquer tempo, pela vontade dos cidadãos, não podem ser
consideradas absolutas.
Coube a um sofista – Protágoras – a proclamação de que “o homem é a
medida de todas as coisas”, ideia essa que fortalece a tese em torno da existência de
um direito que reúne princípios eternos, imutáveis e universais, pois fundado no
homem, em sua natureza.

3
Nesse regime, os nobres eram proprietários do solo e tinham consigo os poderes políticos e judiciários.
2 FILOSOFIA DO DIREITO NA ANTIGUIDADE

2.1 PENSAMENTO SOCRÁTICO

O período ático da filosofia grega iniciou-se com Sócrates (470 ou


469 a 399 a. C.) e foi completar-se com o pensamento de Platão e seu
discípulo Aristóteles.
Socrátes atraía ouvintes, com eles se reunindo em praça pública,
mas diferentemente dos Sofistas, não recebia nada em troca. Seu
pensamento acha-se consignado nas obras Apologia e Memoráveis,
de Xenofontes e nos Diálogos de Platão.
Particularmente notável, foi o método empregado pelo filósofo na sua busca
pelo saber. Interessado em refletir sobre determinado tema, dirigia pergunta ao seu
interlocutor e, de cada resposta, formulava outra indagação, provocando embaraços
crescentes para o interrogando. Essa fase do método é denominada ironia. Após seu
interlocutor reconhecer o equívoco das respostas, Sócrates demonstrava o que era
certo, ocorrendo assim a maiêutica, sujo vocábulo deriva de maia, parto de ideia.
Reconheceu sua humildade no saber, representada pela frase: “A única coisa
que eu sei é precisamente que nada sei”. Por essa expressão quis apenas mostrar que
o homem da ciência deve adotar postura de humildade diante do universo do saber.
O pensador não se interessava pela Cosmologia e nem pelas questões
políticas, não formulou um sistema sobre o Direito, deixando considerações esparsas
sobre o problema da lei e da justiça. Indagado por Hípias quanto à noção de justiça,
respondera-lhe ser desnecessário dizer com palavra o que revelava com o exemplo
da sua conduta.
Identificou a justiça com a lei: “Eu digo que o que é legal é justo”, “quem
obedece às leis do estado obra justamente, quem as desobedece, injustamente”.
Sócrates orientava no sentido da plena obediência à lei, proclamando ser um ato de
injustiça sua violação, pois a mesma seria uma decorrência de um consentimento dos
cidadãos, implicando o desrespeito em quebra de um pacto. Nessa ideia, Guido Fassó
vislumbra uma concepção contratualista, demonstrando uma afinidade com a
doutrina positivista, que somente viria a surgir muitos séculos após.
Na riqueza das ideias socráticas encontram-se também manifestações de
natureza jusnaturalista, no diálogo com Hípias, o sábio aborda sobre Ieis não escritas
de caráter universal e que seriam de origem divina. Não apenas no pensamento do
filósofo, mas também pelo último exemplo de vida, nota-se uma valorização dos
princípios de segurança jurídica. Ao ser condenado injustamente a beber a sicuta, sob
alegação de que corrompia a juventude com alusão a novos deuses, Sócrates negou a
sua fuga aos amigos, dizendo-lhes que “era preciso que os homens bons cumprissem
as leis más, para que os homens maus respeitassem as leis sábias”. Com seu gesto,
Sócrates, no conflito entre os valores justiça e segurança, optou por este último.
2.2 FILOSOFIA JURÍDICA DE PLATÃO

Assimilando de Sócrates, seu grande mestre, o método


de reflexão por diálogos, o ateniense Platão (427 – 347 a. C)
produziu numerosos escritos filosóficos, notáveis pela
profundidade e força lógica de suas ideias e ainda pela
elegância do estilo.
Dos vinte e seis diálogos conhecidos, A República, que
mais propriamente deveria denominar-se “O Estado”, é a
obra mais citada, pois nela se acham reunidas as ideias dos filósofos nos domínios da
Ética, Estética, Psicologia, Teologia e Metafísica. Voltadas ao interesse de nossa
disciplina estão as obras O Político e em As Leis.
Enquanto no pensamento socrático a ética possui conotação utilitária, pois
identificara o bem como o útil e agradável para o homem, em Platão aquela noção se
apresenta desprovida de condicionamento, pois o bem teria valor em si mesmo.
Muitos séculos após, Emmanuel Kant ( 1724- 1804) desenvolveria igual linha de
pensamento. De capital importância em seu sistema filosófico é a noção de ideia, a
qual não se confunde como o sentido comum do vocábulo, com objeto do pensamento
humano. É algo exterior, que existe no mundo da realidade objetiva e que se vê. A
ideia se identifica com o universal, pois é essência depurada de individualidade.
Marcado pela condenação de Sócrates, Platão teria se preocupado em
conceber o Estado perfeito, que seria governado pelos mais sábios, onde a justiça
prevaleceria. Comparou o Estado com o homem em grande dimensão, pois seria
dotado de organismos completo e de perfeita unidade.
A análise sobre o Estado revela que a preocupação do filósofo não era com o
Estado em si, pois esse é mostrado apenas como instrumento de realização da mais
completa justiça. Este valor, portanto, é alvo principal de todo o sistema imaginado. A
justificativa para a existência do Estado revela que o filósofo o concebeu como
processo de adaptação criado pelo homem para suprir as suas deficiências, pois
surgiria como decorrência da impossibilidade de cada pessoa, diretamente, prover as
suas mais variadas necessidades.
Os laços de harmonia que devem imperar na sociedade apenas seriam
possíveis em um Estado organizado racionalmente. Considerando que a propriedade
e a família eram dois fatores de instabilidade social, pois provocavam divisões entre
os homens e confronto de interesse geral com o particular, preconizou a extinção das
duas instituições. Ao Estado seria confiada a tarefa de criar e educar os jovens,
prática que induziria maior respeito entre os membros da comunidade e a extinção
dos privilégios de parentesco. As uniões, por seu lado, não seriam livres, competindo
aos magistrados a sua disposição. O poder do Estado seria ilimitado e, em face dele,
os cidadãos não possuíam algum direito. Os indivíduos, em verdade, pertenciam ao
Estado.
Sociedade do Estado ideal: artesãos, guerreiros e magistrados. Aqueles por ser
laboriosos, esses pela sua força e estes pela racionalidade. Entre essas classes haveria
uma hierarquia, pois os artesãos e guerreiros deveriam subordinar-se aos
magistrados, que seriam governantes e representados pelos filósofos.
A justiça somente seria alcançada na medida em que as pessoas
desempenhassem na sociedade um papel compatível com suas aptidões: ao nascer,
deus colocaria ouro nos que iriam governar, prata, na formação dos guerreiros, ferro e
bronze nos agricultores e artífices. Conforme destaca Felice Battaglia, não há de se
inscrever o nome de Platão entre os precursores do comunismo, já que as suas
considerações foram de ordem ética e política, não se estendendo ao setor
econômico.
Em sua obra As Leis, produzida na velhice, Platão alterou vários princípios que
adotara em A República. Em lugar de três classes sociais, reconheceu uma quarta, cujo
critério de distinção se basearia na renda individual. Aceitou o casamento
monogâmico em todas as classes e também o direito de propriedade sobre a terra,
embora com várias restrições.
Platão, que concebera o estado sem lei, modelo esse que confiava aos juízes a
solução justa das questões, embora convencido de seu acerto, reconheceu que o
mesmo seria inexequível naquela época, pois não havia magistrados assim habilitados
em número suficiente.
Em relação à lei, entendera o filósofo que os textos
deveriam ser acompanhados de exposição relativa à
finalidade do ato normativo.
2.3 PENSAMENTO ARISTOTÉLICO

Com Aristóteles (384 -322 a. C.) encera-se o chamado


período ático da filosofia grega, iniciado com Sócrates e
continuado com Platão. Essa idade foi considerada como
idade de ouro da cultura humana. De todos os filósofos da
Antiguidade, foi quem desenvolveu mais extensamente os
temas ligados à Filosofia Jurídica. Para ele o Estado constituía a expressão mais feliz
da comunidade humana e seu vínculo com o homem era de natureza orgânica, pois
“assim como não é possível conceber a mão viva separada do corpo, assim também
não se pode conceber o indivíduo sem o estado”.
Do ponto de vista social o homem foi chamado de animal político, no sentido
de que possuía instintos de vida gregária. Fora da sociedade, o homem seria um
bruto ou um deus. Para que o homem vivesse isoladamente seria necessário, portanto,
que não se situasse dentro dos padrões da normalidade. Século mais tarde, Tomás de
Aquino, seu grande seguidor na Idade Média, enumerou três hipóteses para a vida
extras social: mala fortuna, excellentia naturae e corruptio naturae.
Diferentemente de seu mestre, que situava as questões filosóficas em um
plano de produção abstração, Aristóteles procurava ligar-se mais aos fatos empíricos,
na contemplação dos fenômenos sociais. Apesar de desenvolver amplamente a
reflexão sobre a justiça, considerou legítimo o regime da escravidão, pois a vida ao
mesmo tempo em que requeria a atividade intelectual da classe dirigente, necessitava
de mão de obra dos agricultores e artífices.
Os filósofos que o antecederam não chegaram a abordar o tema da justiça
dentro de uma perspectiva jurídica, mas como valor relacionado à generalidade das
relações interindividuais ou coletivas. Em sua obra Ética a Nicômaco, formulou a
teorização da justiça e equidade, considerando-as sob o prisma da lei e do Direito.
Tão bem elaborado o seu estudo que se pode afirmar, sem receio de erro, que muito
pouco se acrescentou, até nossos dias, àquele pensamento original.
O filósofo considera justo o homem respeitador da lei e o injusto o sem lei.
Com essa passagem, não pretendeu expressar uma profissão de fé cega na lei, pois a
sua atenção não se achava concentrada em lei de qualquer conteúdo, mas naquelas
que comungam com o seu sentido virtual, conforme se pode concluir da seguinte
passagem de sua obra: “(...) nas disposições que tomam sobre todos assuntos, as leis
têm em mira a vantagem comum, quer de todos, quer dos melhores ou daqueles que
detêm o poder ou algo nesse gênero; de modo que, em certo sentido, chamamos
justos àqueles atos que tendem a produzir e a preservar a sociedade política e
felicidade e os elementos que a compõem.”
Sobre Justiça, assimilou dos pitagóricos a medida igualdade e
proporcionalidade. A justiça não implicaria apenas igualdade, tomada esta como
proporção aritmética, mas também proporcionalidade, que “é uma igualdade de
razões”. Classificou a justiça em duas espécies básicas: distributiva, que denominou
proporcional, se configuraria com a distribuição, proporcional ao mérito de cada
pessoa, de bens, recompensas, honras; e comutativa, por ele chamada de
retificadora ou corretiva, ocorreria nas relações de troca, consistindo na igualdade
entre o quinhão que se dá e o que se recebe. Ela poderia ser voluntária, como nos
contratos, e involuntária, como nos delitos. Na última hipótese caberia ao juiz “igualar
as coisas mediante penas”, aspecto esse que levou Del Vecchio a trata-la por justiça
judicial.
A equidade foi exposta por Aristóteles como “uma correção da lei quando ela
é deficiente em razão de sua universalidade”. O filósofo apresenta a equidade como
critério de preenchimento de lacunas: “(...) quando a lei se expressa universalmente
e surge um caso que não é abrangido pela declaração universal, é justo, uma vez que
o legislador falou e errou por excesso de simplicidade em corrigir a omissão”
Foi original, ainda, ao preconizar a célebre divisão dos três poderes do Estado,
teoria essa, muitos séculos depois, amplamente estudada por Montesquieu.
3 A FILOSOFIA DO DIREITO NA IDADE MÉDIA
3.1 O CRISTIANISMO
No plano do pensamento a época medieval foi dominada pelo cristianismo,
doutrina surgida no início de nossa era com Jesus de Nazaré que, em seus três anos de
apostolado, pregou a fraternidade entre os homens e condenou a hipocrisia e a
cobiça. As ideias que semeou foram desenvolvidas, mais tarde, por seus sucessores,
principalmente por Paulo de Tarso, que exaltou o poder da fé e negou valor à lei
terrena para a salvação dos homens.
Após muitas perseguições oficiais aos cristãos, o governo romano, com a
promulgação de vários decretos, reconheceu o cristianismo como a única religião legal
do império.
Embora se encontrem alusões à justiça nas palavras do grande fundador, em
sua formação original o cristianismo não se ocupou com a ideia do Direito nem da
organização da sociedade, de vez que, apoiado no Novo Testamento, surgiu para
atuar no âmbito da consciência humana, infundindo-lhe princípios morais.
Com o pensamento voltado para o reino de Deus, os primeiros adeptos do
cristianismo não se preocupavam com o Estado e seu Direito, mas o encontro com
este, todavia, seria forçoso, pois os membros daquela religião fatalmente teriam de
estruturar a sociedade cristã e a Igreja. Tarefa que os levaria, obrigatoriamente, à
criação de regras de convivência.
Conforme análise de Guido Fasso, a indiferença inicial do cristão para com o
Estado e o Deito foi substituída pelo conflito da Igreja e sua ideia de Direito em face
do Estado e seu ordenamento jurídico concreto.
A filosofia do Direito, como as demais emanações do espirito, foi dominada
pelo pensamento religioso dos cristãos, que divulgavam a
sua crença na origem divina do Direito. A Igreja seria
superior ao Estado, pois enquanto este ordenava
interesses mundanos, aquela se ocupava da vida eterna.
3.2 SANTO AGOSTINHO
Ao longo da Idade Média o pensamento cristão foi
dominado, sucessivamente, pela patrística e a escolástica.
Em As Confissões hino de louvor a Deus e autorretrato espiritual, Agostinho considera
que a verdadeira justiça interior não adota o costume como parâmetro, mas a lei
divina, que seria a fonte legítima do costume. Essa seria universal e imutável, não
obstante a variação de latitudes e épocas.
O texto agostiniano sugere uma contradição, pois ao mesmo tempo em que
preconiza a mutabilidade do costume em razão do tempo e lugar, retrata a lei-fonte
como imutável. Na realidade a contradição estaria apenas na aparência, pois a lei
divina, consubstanciando-se em princípio, pode oferecer um leque de modelos que
se diversificam de acordo com a policromia social.
As reflexões sobre Direito e o Estado acham-se fundamentalmente na obra De
Civitate Dei, onde Agostinho revela que a sociedade humana, antes do pecado
original, passara por uma fase de esplendor com o pleno acatamento do Direito
Natural, quando todos os homens eram iguais, puros, imortais e viviam como irmãos
– a cidade de Deus. Com a queda do homem surgiu a Cidade Terrena e com ela a
miséria, a morte, a paixão. Em decorrência da nova condição humana, em um
processo de adaptação foram criados o Estado, o Direito e suas instituições.
O papel do Estado seria o de prover a paz. Agostinho subordinava o Estado à
Igreja e pensava que a lei terrena fosse condicionada pela lex aeterna, e quando
houvesse conflito entre ambas seria forçoso que esta prevalecesse, porque
hierarquicamente superior.
Na doutrina de Santo Agostinho, Deus seria o princípio de todas as coisas. O
Direito Positivo se fundamentaria, em último grau, na lei eterna, que a lei de Deus.
Referindo-se à justiça como elemento essencial ao Direito: “Onde não há
verdadeira justiça, não há verdadeiro Direito”. Criticando a opinião daqueles que
afirmam ser Direito o que é útil ao mais forte concluiu declarando que não pode haver
povo sem justiça, e como a república é coisa do povo, “segue-se que onde não há
justiça, não há república”.
Sobre os estudos da lei, o filósofo buscou inspiração em fontes estoicas e
ainda em São Paulo. A lex aeterna¸ todavia, foi concebida diferentemente dos
estoicos. Enquanto para estes ela seria a própria ordem do universo, para Agostinho,
consistia na determinação divina para a conservação da ordem natural e o
consequente impedimento de sua violação. A prescrição emanava da razão ou
vontade divina sem qualquer embaraço, por que razão e vontade seriam homogêneas,
de vez que tudo em Deus seria perfeição. A lei eterna seria universal e imutável, além
de inacessível diretamente ao conhecimento humano, exceto por intermédio da lei
natural, que seria o seu reflexo. A lei natural, a exemplo o pensamento pauliano,
estaria inscrita no coração dos homens. A lei humana ou terrena seria a própria lei
eterna adaptada pelo legislador à realidade concreta. Ela seria uma tarefa da lei
eterna por intermédio da lei natural.
3.3 SANTO TOMÁS DE AQUINO

Com Santo Tomás de Aquino, a escolástica conciliou a filosofia aristotélica com os


dogmas religiosos. A época em que o Doutor Angélico viveu e elaborou a sua
prodigiosa obra foi marcada por novas inclinações no pensamento filosófico, com a
doutrina agostiniana perdendo o seu poder de influência para a de Aristóteles.
Sobre a lei estabeleceu quatro distinções de espécies: a eterna, a natural, a
divina e a humana. A lex aeterna era a própria razão divina no governo do universo, e
como Deus nada concebia temporariamente, a lei seria eterna, daí o seu nome.
Examinando a questão se toda lei deriva da eterna(?), após citar Agostinho, que
respondera negativamente a indagação sob o fundamento de que a lei escrita permite
conduta proibida pela Providência, revelou ser indispensável que todas as leis
humanas derivem da eterna. A lei humana, todavia, teria natureza de lei apenas
quando se conformasse à reta razão e, quando se afastasse, lei não seria, mas
violência.
A lei natural, na filosofia otimista, é a participação da criatura racional na lei
eterna. É um reflexo parcial da razão divina, que permite aos homens conhecer
princípios da lei eterna. O preceito básico do Direito Natural é o que manda observar
o bem e evitar a prática do mal. Ao bem corresponderiam as inclinações naturais da
criatura humana. Estariam de acordo com a lei natural: a) a conservação da vida; b) a
união dos seres para a formação da prole; c) a busca da verdade; d) a participação na
vida social.
A lex divina¸ reunião de preceitos oriundos de Deus e orientadores da conduta
terrena, constante nas Sagradas Escrituras, Velho e Novo Testamento, seria a
complementação aos preceitos gerais e abstratos da lei natural.
A lex humana, foi definida como “ordenamento da razão visando o bem
comum, promulgado pelo chefe da comunidade”. Para que se obtenha a disciplina no
meio social, pensava o filósofo, é imperioso que se estabeleça um mecanismo que
coíba o mal pela força e pelo medo. A lei não seria necessária para os jovens
inclinados para a virtude por dom divino, pois lhes bastava a disciplina paterna, mas
seria para aqueles que possuem tendência para os vícios.
Analisando a conveniência de a lei ser abrangente e tudo regular(?),
impedindo o arbítrio dos juízes, concordou com a proposição sob tríplice
fundamento: a) porque seria mais simples localizar poucos homens importantes que
fizessem leis sábias do que encontrar muitos homens que julgassem sabiamente; b) o
fato de o legislador refletir sobre muitas hipóteses favoreceria mais o acerto no
critério do que a situação do magistrado, que apenas examina um caso; c) a condição
do legislador seria a de imparcialidade, pois estabelece normas para o futuro,
enquanto os juízes decidem sobre fatos concretos e muitas vezes movidos por paixão.
Para ele, somente seria lei o preceito substancialmente justo e justo seria
sempre que acorde com a razão. Como esta se apoia na natureza, toda lei criada
pelos homens teria natureza de lei se em consonância com a lei natural. Em resumo, a
lei seria justa se não contrariasse a natureza. As leis injustas seriam corruptas.
Sobre justiça, sua contribuição foi pouca, pois acompanhou quase
integralmente a doutrina aristotélica, não superada até hoje. Definição: hábito pelo
qual, com perpétua e constante vontade, se dá a cada um o que é seu.
Sua classificação de justiça em distributiva e corretiva, subdividida esta em
comutativa e judicial. O Aquiense suprimiu esta última e desconsiderou a corretiva,
porquanto não representaria mais do que uma espécie. Acrescentou à classificação, a
denominada justiça geral ou legal. A distributiva presidiria a repartição, pela
coletividade, de honras e encargos aos indivíduos, observando o critério de
proporcionalidade em função, respectivamente, da virtude e da capacidade. A
comutativa seria a justiça entre os particulares que, envolvendo os indivíduos,
implicava a igualdade estrita entre o quinhão entregue e o recebido. A geral se
consubstanciaria na participação dos indivíduos na obra do bem comum e por
expressar a lei.

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