Nietzsche procedeu a um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel
da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. Explicação interpretação Conferir sentidos é, também, conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a partir de determinada escala de valores que se quer promover ou ocultar. O problema do conhecimento não se relaciona mais nem à razão e nem à sensação, más a valores. A tarefa da filosofia é interpretar “a escrita de camadas sobrepostas das expressões e gestos humanos” O trabalho interpretativo volta-se em primeiro lugar para o exame do conjunto do texto metafísico, a fim de desmascarar o modo pelo qual a linguagem passou do nomear as coisas concretas para o sistematizar verdades eternas. Como método de decifração, Nietzsche propõe a genealogia, que coloca em relevo os diferentes processos de instituição de um texto, mostrando as lacunas, os espaços em branco mais significativos, o que não foi dito ou foi reprimido e que permitiu erigir (construir) determinados conceitos em verdades absolutas e eternas. A genealogia, portanto, visa a resgatar o conhecimento primeiro e que foi transformado em verdade metafísica, estável e intemporal. Mas a vida é um devir – esta sempre em movimento – e, portanto, não é possível reduzi-la a conceitos abstratos, a significados estáveis e definitivos. Conceito etimológico de genealogia. Do grego génos, “origem”, “nascimento”, “descendência”, e logos, “estudo”, “razão”. Em Nietzsche, genealogia significa o questionamento da origem dos valores. Para Nietzsche, o conhecimento resulta de uma luta, de um compromisso entre instintos. Pelo procedimento genealógico, ao compreender a avaliação que foi feita desses instintos, descobre que o único critério que se impõe é a vida. O critério da verdade, portanto, deixa de ser um valor racional para adquirir um valor de existência. O que Nietzsche quer dizer com “critério de vida”? Ao fazer o exame genealógico, pergunta-se que sentidos atribuídos às coisas fortalecem nosso “quere-viver” e quais o degeneram. Enfim, a interpretação genealógica questiona os valores para saber o que nos fortalece vitalmente e o que nos enfraquece. A filosofia nietzscheana A genealogia da moral: a moral de escravos e a moral de senhores Sabendo que os nossos valores não existiam desde sempre, más que foram criados, Nietzsche busca descobrir sua origem. Nessa busca, ele descobre que os instintos vitais se degeneraram, ou seja, os valores comprometidos com um “querer-viver” aqui na terra, foram substituídos por um “querer-viver” em uma outra realidade ( mundo das ideias de Platão/ o céu do Cristianismo). Denuncia então a falsa moral; a moral dos escravos: moral herdeira do pensamento socrático-platônico e da tradição judaico-cristã baseada na tentativa de subjugação dos instintos pela razão A moral de escravos estabelece um sistema de juízos que considera o bem e o mal valores metafísicos transcendentes, isto é, independentes da situação concreta vivida. A moral de escravos nega os valores vitais e resulta na passividade, na procura da paz e do repouso. O indivíduo se enfraquece e tem diminuída sua potência. O ideal ascético nega a alegria da vida e coloca a mortificação como meio para alcançar a outra vida num mundo superior, do além. As práticas de altruísmo ( amor desinteressado ao próximo) destroem o amor de si, domesticando os instintos e produzindo gerações de fracos. A moral de senhores
A moral “de senhores” é a moral positiva que visa à conservação da vida e
dos seus instintos fundamentais. É positiva porque baseada no sim à vida e configura-se sob o signo da plenitude, do acréscimo. Funda-se na capacidade de criação, de invenção, cujo resultado é a alegria, consequência da afirmação da potência. O indivíduo que consegue se superar é o que atingiu o além-homem. O sujeito além-homem é aquele que consegue reavaliar os valores, desprezar os que diminuem e criar outros que estejam comprometidos com a vida. Nietzsche critica o pensamento socrático e platônico e a tradição da religião judaico-cristã por terem desenvolvido uma razão e uma moral que subjugaram forças instintivas e vitais do ser humano, a ponto de domesticar a vontade de potência do homem e de transformá-lo em um ser fraco e doentio. Ao criticar a moral tradicional racionalista, considerada hipócrita e decadente, Nietzsche propõe uma moral não-repressiva, que permite o livre curso dos instintos, de modo que o homem forte possa, ao mesmo tempo, acompanhar e superar o movimento contraditório e antagônico da vida. A dificuldade está em saber se o que devemos criticar e abandonar é a razão ou a racionalidade repressora e violenta, inventada por nossa sociedade, que precisa ser destruída por uma nova sociedade e uma nova racionalidade.