Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2
Ø Sendo assim, vê-se que esta definição formal, pela sua insuficiência, logo
convoca a necessidade de uma definição material.
o i.e., do preenchimento desta definição formal com os conteúdos
materiais.
o O mesmo se pode dizer sobre a expressão DP, uma vez que as sanções
penais podem ser penas ou medidas de segurança, faltando assim, esta
última, sendo que toma étimo apenas 1 das modalidades das reações
criminais que são descritas.
§ Ambas as definições são demasiado estreitas para designar a
realidade em que este ramo de Direito se consubstancia.
3
Do ponto de vista formal deve optar-se pelo designativo de Direito Penal, por 2
razões que Figueiredo Dias aponta:
o Chama-se Código Penal ao diploma legislativo em que se verte o direito
deste ramo;
o E também, porque é a designação da cadeira em que nos vemos
envolvidos.
«(…) embora deva reconhecer-se (…) que completamente exato seria só o designativo
“Direito das penas e medidas de segurança criminais”.» - J. Figueiredo Dias.
Ø Por outro lado, ainda na base da definição formal do DP, facilmente se depara
com um aspeto que importa esclarecer desde já:
o A definição formal tem a VIRTUALIDADE de esclarecer o seguinte:
§ Ao contrário do que se sucedia no séc. passado, sobretudo por
influência do CP francês, o cód. Napoleónico de 1810, no âmbito
das infrações penais, distinguiam-se 3 modalidades:
• Crime (infrações mais graves);
• Delito (crimes de média gravidade);
• Contravenções (“bagatelas penais”, infrações penais às
quais correspondiam sanções penais, mas que tinham
diminuta gravidade).
o Por outro lado, e como o nosso dto, mesmo o passado, nunca consagrou
a classificação tripartida, mas apenas a bipartida: crimes e contravenções,
daí resulta que:
§ Em Portugal, as expressões crime e delito são sinonimas,
utilizadas para designar a infração penal, por ser uma distinção
apenas quantitativa.
Ø Finalmente, ainda deste quadro da definição formal de DP, aponta-se uma última
virtualidade:
o Viu-se que a definição formal é insuficiente e que logo pede um
preenchimento material, saber o que é um crime e o que o distingue das
outras condutas e dos outros ilícitos dos outros ramos do dto.
§ Por outro lado, sabe-se quais as finalidades que estão subjacentes
à sanção penal, as diferenças entre a pena e a medida de
segurança e as modalidades de pena e medida de segurança.
5
Assim sendo, como mera curiosidade, vemos que a autonomização do conceito material
de crime seria uma necessidade sentida desde há muito tempo (desde os tempos de
Beccaria).
Ø Seguindo o método clássico e mais simples, que é o mais adequado a uma
cadeira de introdução ao direito, assim, a generalidade dos tratados refere que o
crime se traduz na lesão dos bens jurídicos essenciais à livre realização da
pessoa e à convivência comunitária, i.e., na conduta humana violadora de uma
norma de determinação essencial à livre realização da pessoa e à convivência
comunitária. à Perspetiva teleológico-funcional e racional.
Ex.: a vida, a propriedade, a integridade física, a liberdade, etc.
Denomina-se teleológico-funcional, uma vez que se deu conta de que
o conceito material de crime não podia ser deduzido, sem mais, tinha
de se verificar no «horizonte de compreensão» imposto ou permitido
pela própria função que ao direito penal se circunscreve.
Racional à uma vez que o conceito material resulta da função do dto
penal de tutela de última ratio de bens jurídicos dotados de dignidade
penal.
6
socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como
valioso.”.
§ O bem jurídico corresponde ao objeto ou situação social dotado
de valor social e por isso mesmo merece a tutela do DP.
§ O bem jurídico, em si, atendendo à sua natureza intrínseca, pode
traduzir-se num:
• Objeto pela existência física.
Ex.: a vida humana, uma vez que tem que haver um corpo
biologicamente vivo; propriedade.
• Algo imaterial que se reporta a um objeto individual.
Ex.: honra, bom nome.
• Numa relação entre pessoas ou num sistema de relação
entre pessoas.
Ex.: crimes contra a família à o que está a ser tutelado é
o conjunto de relações familiares.
Relação entre a pessoa e um bem à se alguém furtar o
meu telemóvel, o bem afetado não é o telemóvel, mas sim
a relação de utilidade que esse mesmo bem dá ao seu
legitimo titular.
§ O bem jurídico pode assumir:
• Natureza individual à quando respeita a interesses de
uma concreta pessoa;
o Há uma identificação tendencial da noção de bem
jurídico com dtos subjetivos fundamentais da
pessoa individual, que Feuerbach já havia falado.
7
o Conclui-se, por isso, que são estes os objetos de tutela do DP: os BENS
JURÍDICOS.
§ Têm que ser os bens jurídicos mais IMPORTANTES, os
considerados essenciais à convivência comunitária.
Ex.: a vida, a integridade física, a propriedade, o património, a
liberdade.
Bens jurídicos supra-individuais: sistema monetário; a
segurança interna e externa do Estado; etc.
o O autor que apelou, pela primeira vez, para a noção de bens jurídicos foi
Birnbaum, visando abranger um conjunto de substratos, com caracter
liberal, que oferecessem base suficiente à punibilidade dos
comportamentos que os ofendessem.
8
§ Quer isto dizer, a CRP é a lei fundamental à contem as traves-
mestras da organização da sociedade e do Estado e, nessa
medida, já reflete um consenso comunitário.
§ Desta feita, a CRP apenas lhe confere uma maior precisão,
porque a lei fundamental está já vazada em modos de validade
jurídica, em normas, e que, nessa medida, permitem, de uma
forma mais precisa/determinada, fixar/definir essa área de
consenso comunitário que é integrada pelos tais bens jurídicos
essenciais à convivência comunitária.
Como diz, Figueiredo Dias: «Não é função do direito penal, nem primária, nem
secundaria, tutelar a virtude ou a moral: quer se trate da moral estadualmente
importa, da moral dominante, ou da moral especifica de um qualquer grupo
social.»
9
o Sendo assim, o que está aqui em causa é proteger a liberdade dos
cidadãos, garantir o dto à diferença e, apenas restringir essa liberdade e
esse direito, na medida em que seja necessário e imprescindível para a
convivência comunitária.
§ Portanto, é uma perspetiva de mínimo de intervenção, aquela
deve nortear o legislador ordinário quando está a definir os
crimes e, por isso, a eleger quais os bens jurídicos dignos de
tutela penal.
§ Isto corroborou consagração expressa ao nível da CRP e, mais
concretamente, no ART. 18º nº2 CRP (princípio da
proporcionalidade, em sentido amplo).
• Grosso modo, o artigo refere-se a que os dtos
fundamentais só podem ser objeto de restrição quando tal
se mostre NECESSÁRIA à preservação de outros dtos
fundamentais também constitucionalmente tutelados.
o Embora o ART. 18º nº2 não se restrinja ao DP, uma vez que é um
princípio elementar no ordenamento jurídico, aplica-se e tem aplicação
direta no DP e traduz a ideia de que a intervenção do DP deve ser restrita
ao nível indispensável à convivência comunitária.
10
rebeldes que salvaguardem esse bem jurídico, devendo só
socorrer-se do DP em última instância.
11
Ø Quer isto dizer, o crime está sujeito a uma condicionalidade histórica, no espaço
e no tempo, basta folhear um livro de história para se ver crimes que foram
outrora considerados crimes e que agora não o são.
Ex.: vender cães e gatos; determinadas classes sociais vestirem-se com trajes
próprios das classes superiores; adultério.
o Descriminalização à conduta que antes era crime e, fruto da evolução
social, deixa de ser considerada crime.
§ Pode conhecer 2 formas à Ser uma descriminalização em:
• Sentido estrito à quando a conduta tinha relevância penal
e passa a ser licita
• Sentido impróprio à é o mesmo que despenalização –
conduta deixa de ter relevância penal, mas passa a ter de
outra forma, p.e., contraordenacional.
13
§ Quer isto dizer, o que o Dto Privado pretende é definir
os dtos e os deveres, aquilo a que cada um tem direito
na vida social.
14
o Resumindo, os ramos de dto que se encontram nesta função,
visam a tal repartição de bens, dos riscos, benefícios e encargos
da existência coletiva. No fim de contas, a definição da esfera
da ação, da liberdade de cada um, a esfera jurídica (dtos, ónus e
deveres).
ü PROTEÇÃO ou GARANTIA
o Cumpre-se através do estabelecimento de NORMAS de
CONDUTA ou DETERMINAÇÃO.
§ São normas que pretendem comandar/impor o
comportamento futuro das pessoas.
§ Tem uma estrutura de imperativos, de deveres.
Ex.: não mates; não furtes; não roubes.
o No fim de contas, são normas que têm como objeto de proteção
a própria ordem de justiça distributiva, i.e., os bens jurídicos
definidos nessa função de ordenação ou conformação.
§ Justifica-se que assim seja, uma vez que se uma pessoa
arriscasse seria perder aquilo com que indevidamente se
locupletou, aquilo que indevidamente retirou a outrem,
então valeria a pena tentar.
§ Quer isto dizer, se não existissem sanções a única coisa
que perderia seria aquilo que indevidamente se
locupletou.
15
o As normas de determinação têm uma função PREVENTIVA,
ou seja, visam a que no futuro não se pratiquem crimes, i.e., se
lesem bens jurídicos.
o Esta norma de determinação tem como destinatários exclusivos
as pessoas humanas, uma vez que só faz sentido impor
determinadas condutas em relação a destinatários que têm a
liberdade de obedecer ou desobedecer.
§ Precisamente por isso, o núcleo do ilícito, nos ramos
jurídicos que se incluem nesta função, residem na
negação da própria norma, da desobediência à norma.
§ Por isso, o núcleo jurídico está no desvalor da ação.
16
o É por isso que no DP a tentativa releva.
§ A tentativa traduz-se na prática de atos que são idóneos
para produzir a consumação de um crime, mas que, por
motivo estranho à vontade do agente, não atingem essa
mesma consumação.
Ex.: A tenta assassinar B, mas por um motivo estranho à sua
vontade, falha. O ato visava consumar o homicídio.
o No âmbito do Dto Privado, ou no âmbito dos ramos jurídicos
que se incluem na função de conformação ou ordenação, na
medida em que não produziu nenhum dano, não afetou a
esfera jurídica de ninguém e, dessa forma, não alterou a
ordem de justiça distributiva, esta é uma conduta indiferente.
§ Já para o DP, a conduta releva porque o que está em
causa não é a tutela dos bens jurídicos concretos, mas
sim a tutela da própria vigência da norma.
17
traduz na desobediência a esta norma, independentemente do
desvalor no resultado.
ü Concluindo:
o Assim, percebe-se o porquê de num processo o arguido ser
simultaneamente responsabilizado a título do dto civil e no
campo penal.
Nota:
Deve ter-se em conta que podem surgir lesões dos bens jurídicos por
acontecimentos produzidos pela própria natureza, sendo que nenhum
desses acontecimentos releva para o dto.
O problema dos fins das reações criminais
ü Teorias absolutas
18
o São as teorias ético-retributivas, i.e., que vêm a pena como
um fim em si mesmo, como uma exigência de justiça em si e
por si.
§ A sanção não é um meio de defesa social, não é um
instrumento em si, mas sim um meio de justiça.
§ Kant dizia que era um imperativo categórico, mesmo
que a pena não tivesse nenhuma utilidade, deveria ser
aplicada em homenagem ao imperativo categórico da
justiça.
• “quando a justiça desaparece, não tem mais
valor que os homens vivam na terra”.
19
§ Medida, porque a sanção deve ser proporcional à
prática do crime. Uma proporção que não na espécie,
uma vez que não se aplicam penas, como p.e., aquele
que matou era morto.
§ Deve ser recusada pelo facto de, nos dias de hoje, nos
integrarmos no âmbito de um Estado de Dto, pelo que
se deve limitar a proteger bens jurídicos, sendo que
20
não se pode servir de uma pena conscientemente
dissociada de fins, como esta doutrina advoga.
• Assim como pelo facto de ser uma «doutrina
puramente social-negativa», i.e., acaba por se
revelar como que “inimiga” da socialização do
delinquente e de restauração da paz jurídica da
comunidade afetada pelo crime.
• Como diz o Dr. Figueiredo Dias: “inimiga, em
suma, de qualquer atuação preventiva e, assim,
da pretensão de controlo e domínio do
fenómeno da criminalidade.”
v Prevenção geral
o Consiste no facto de os autores verem a pena como
meio de defesa social, mas dizem que essa defesa
social opera atuam sobre a GENERALIDADE dos
cidadãos, sobre os potenciais delinquentes.
o Autores, como Feuerbach – “o pai do dto penal
moderno”, que elaborou a Teoria da Coação
Psicológica, entendendo que o Homem age por
sentimentos de dor e de prazer, assim, se se quer
afastar o homem da prática do crime tem de se aplicar
uma pena que provoque um desprazer maior, isto é,
contra motivações derivadas do conhecimento do mal
da pena.
21
§ Para esta doutrina, a pena seria um meio de defesa
social que atuava sobre todos os potenciais
delinquentes. Isto fazia que com que o crime
continuasse a ser pressuposto, mas já não medida da
sanção.
v Prevenção especial
o A pena continua a ser um meio de defesa social contra
o crime, simplesmente devia operar sobre o concreto
delinquente. i.e., sobre a pessoa que, porque já
praticou o crime, por isso mostrou ser capaz de no
futuro voltar a praticar crimes, deixava antever a
necessidade de se atuar sobre ele para evitar que
pratique futuros crimes.
22
Ex: pedofilia, retirar-lhe o poder paternal, impedir
de ser professor de casas de menores, etc.
O que se pretende não é converter os valores do
criminoso, mas apenas retirar-lhe a possibilidade fática
de voltar a praticar crimes. à Prevenção especial
negativa (intimidação individual ou incapacitação).
23
natural, apenas mais complexa, mas o princípio subjacente era o
mesmo.
Deste modo, negavam a liberdade humana e, assim, a culpa,
falando então em PERIGOSIDADE.
Consideravam que haviam pessoas condenada a praticar o crime,
o homo delinquente e que era necessário através de meios
científicos descobrir quais eram essas pessoas e Lombroso (“Pai”
da Escola Positiva Italiana) apontava algumas configurações
físicas, associadas a comportamentos que considerava identificar
potenciais delinquentes.
Posto isto, pretendia-se atuar antes da prática do crime para
proteger a comunidade e as sanções teriam uma natureza médica,
que acompanhariam a evolução do delinquente e só quando está
curado cessava, havendo assim uma indeterminação temporal.
Desta forma, no julgamento deveriam intervir não apenas juristas,
mas também peritos das ciências sociais, médicos, criminólogos,
biólogos, etc.
Esta é uma orientação extrema e sem expressão. É uma
caricatura do que conduz ao extremo uma prevenção especial – o
crime já nem é pressuposto nem medida, porque o ideal até era
atuar antes do crime. à Pena indeterminada – medidas em
função da perigosidade à Faz um juízo incerto.
24
• A liberdade humana é um pressuposto cientificamente
indemonstrável, pelo que as doutrinas ético-retributivas
tomam por base esta ideia indemonstrável, não sendo uma
base segura para a construção do DP.
Do ponto de vista do Prof. Dr. Almeida Costa não é uma crítica procedente,
porque o problema da liberdade humana não é um problema de prova
científica.
O problema liberdade é um problema de adesão, tendo que ver com a
mundividência e a compreensão última do homem e da sociedade.
25
§ As doutrinas ético-retributivas têm deficiências no plano
prático.
• Para as doutrinas ético-retributivas o crime é pressuposto
e medida da sanção.
o Isto significa que a sanção deve conter um
quantum sofrimento proporcional
axiologicamente.
26
o No fim de contas sanções criminais que visam
defender a sociedade, em face da perigosidade do
delinquente.
27
o A Prevenção geral pretende criar o horror ao crime
à unir sociedade conformista contra o desviante
do criminoso.
28
Com efeito, o falsificador, para fazer uma nota igual
às notas verdadeiras tinha de copiar essa frase – e não
há pena mais grave do que a pena de morte. Todavia,
o falsificador continuava a copiar, porque as
instâncias de controlo funcionavam mal e havia uma
forte probabilidade de não ser apanhado.
29
- É mais perigoso / insidioso do que o “DP de - Passa aos olhos de todos, há ainda
terror” da Prevenção Geral. a possibilidade de reação da
opinião pública: reação do público
- Passa-se dentro de instituto psiquiátrico, ou na vs a brutalidade das penas.
ala de um Hospital Psiquiátrico – onde estão
internados os criminosos perigosos à passando
FORA do controlo da OPINIÃO PÚBLICA.
30
• A sanção é determinada na execução.
o Os órgãos da execução da sanção é que vão
adequando a sanção à evolução do concreto
delinquente – ligação com a medicina.
31
perigosidade e que, portanto, na sua logica pura, apontaria
para que os delinquentes ocasionais não fossem punidos.
o Em nome desta necessidade de correção da
solução em relação aos delinquentes ocasionais
alterou a sua doutrina.
32
• Por isso, admite que se deve em 1ª linha tomar em
consideração a intimidação geral da sociedade (prevenção
geral).
Porém, aquilo que é adequado à prevenção geral não se
traduz numa medida aritmética exata.
o Em função da prevenção geral, as medidas
adequam-se para os objetivos aquele caso.
o Conceção de Liszt
§ Aqui, parte-se da Prevenção Especial.
33
• A pena é definida, em 1ª linha, de acordo com as
exigências da prevenção especial, ou seja, na base da
perigosidade demonstrada pelo agente.
34
o Daí, de novo, um ecletismo nas finalidades das reações criminais.
§ Variam de autores para autores as combinações dos vários fins
das penas.
35
• No mesmo passo que o Homem interage com o meio
ambiente e com os seus semelhantes à ele vai ganhado
HÁBITOS, TENDÊNCIAS que não vai combatendo
hábitos ou tendências.
36
§ No entanto, uma coisa é termos isto como explicação filosófica
da liberdade humana.
• Outra coisa é querer transformar isto numa categoria
dogmática.
o Será impossível demonstrar num processo que o
agente tem culpa pelo hábito, que não lutou
suficientemente contra ele, etc.
o Não será por acaso que os adeptos das doutrinas ético-retributivas, que
ainda se mantêm hoje, admitem a fraqueza desta via, e pretendem
chamar em seu auxílio o pensamento da prevenção especial, a aplicação
de medidas de segurança.
37
o O reforço da vigência da norma violada pelo
crime.
Ou
o A restauração da confiança da comunidade no dto,
de que falava Beleza dos Santos.
38
• Integra de novo o respeito da norma nas conceções da
própria comunidade.
39
§ A desimplicação de sentido, o desenvolvimento do sentido que
está implicado na 1ª afirmação à leva a que esta doutrina acabe
por COMBINAR, de forma congruente, TODOS os FINS das
PENAS.
• E, desta feita, CONDUZIR a SOLUÇÕES que dão uma
RESPOSTA CABAL aos PROBLEMAS da
DELINQUÊNCIA.
40
dando-lhe as condições para que possa
viver em liberdade, sem praticar crimes.
41
§ ART. 40º/3 à a este propósito é importante esclarecer, no
âmbito das medidas de segurança, o seguinte: quase sempre se
têm em vista que a pena tem, ainda que com finalidades
exclusivamente preventivas, uma relação com a culpa.
• A medida de segurança deve-se somente a razões de
prevenção especial, à perigosidade do individuo, não
estando em causa a culpa do agente.
o Fica a dever-se sobretudo a razoes de Prevenção
Especial e pretende colmatar a necessidade de
defesa social, em face da perigosidade de certos
delinquentes.
42
que verificados os pressupostos, também
estabelecidos na Lei.
o Verdadeiramente não era preciso enunciar este
princípio, pois todo o DP está subordinado a
este princípio da legalidade – sendo quase
pleonástico – e não só as medidas de
segurança.
§ No entanto, no passado, havia uma
orientação na doutrina que entendia,
Por isso, dizia-se que as medidas de
sobretudo sob influencia da teoria
segurança eram sanções penais por
estarem no CP e estão relacionadas ético-retributiva, que as medidas de
com a prática de ilícitos penais, mas segurança só formalmente eram
na sua substância são sanções reações penais, pois materialmente
administrativas. eram medidas administrativas, medidas
de carácter puramente profilático, uma
Daí que houvesse a necessidade de
vez que não se relacionavam com a
reputar as medidas de segurança o
culpa e não tinham aquela dimensão
princípio da legalidade. à Hoje em
dia isto não é assim. ética tão importante para as doutrinas
ético-retributivas.
Princípio da proporcionalidade
Perante um arguido que é inimputável 43
como se estabelece a perigosidade do
agente?
As mais modernas investigações
o Diz que a gravidade da medida de segurança,
em termos de restrição da esfera jurídica do
cidadão, deve ser proporcional à gravidade dos
crimes que se pensa que ele pode praticar.
o Aqui tem-se uma proporcionalidade em termos
prospetivos, uma vez que a finalidade das
medidas de segurança é exclusivamente
defender a sociedade, em face da perigosidade
manifestada pelo concreto arguido.
44
espécie, ou seja, contra o património e
não sobre outro crime qualquer como o
homicídio.
Princípio da judicialidade:
o Era dispensável referir, mas foi necessário para afastar
a ideia das medidas de segurança como medidas
administrativas.
§ Só formalmente eram penais porque estavam
relacionadas com ilícitos penais e previstas no
CP.
§ Sentiu-se a necessidade de dizer que essas
medidas de segurança tinham de ser aplicadas,
em 1ª linha, pelos Tribunais.
45
Nota:
o O juízo de inimputabilidade não é um juízo global sobre a
personalidade, mas sim um juízo sobre uma faceta.
Ex.: um pirómano é considerado inimputável para crimes de fogo posto,
mas não para o resto dos crimes que cometa/ possa vir a cometer.
o Os monistas consideram que apenas se pode aplicar um tipo de sanção.
§ Penas para imputáveis,
§ Medidas de segurança para inimputáveis.
o Entre nós vigora como doutrina maioritária, e até com contradições por
parte dos autores, a solução monista.
Há 2 razões históricas – uma geral e outra especifica do caso português:
§ A 1ª, de carácter geral, prende-se com o facto de no passado o
Dto das medidas de segurança não estar subordinado aos limites,
aqueles princípios enunciados anteriormente.
• Sendo assim era o domínio da total indeterminação das
sanções – as medidas de segurança podiam vigorar a todo
o tempo; as administrações penitenciárias tinham um
poder quase absoluto e ilimitado sobre o delinquente.
As doutrinas da Prevenção especial extrema – Escola
Positiva Italiana e Escola Moderna Alemã – que
apontavam para a total indeterminação das sanções e,
sobretudo, para a possibilidade dessas mesmas sanções
serem perpetuas (enquanto se mantivesse a perigosidade,
mantinha-se a aplicação das mesmas).
• Esta razão levou a muitos autores a procurarem limitar ao
máximo o recurso às medidas de segurança.
o Só excecionalmente, quando de todo em todo, não
fosse possível resolver os problemas da defesa
social com penas é que deveria recorrer-se às
medidas de segurança.
46
o O exemplo paradigmático disso mesmo é a
construção do Dr. Eduardo Correia, que na base
do ponto de partida ético-retributivo, pretendia
resolver todas as questões da perigosidade do
agente, através do tal recurso à culpa na formação
da personalidade, conseguindo resolver o
problema dos imputáveis perigosos apenas com o
recurso a penas.
Equivalente a pena de prisão, no plano das São, p.e., interdições de dtos, e de certas
medidas de segurança; à regulado no ART. funções, etc.
47
91º CP. Neste artigo parece, à primeira vista, Em relação a estas últimas, reguladas no
que o legislador, de facto, restringiu as ART. 100º e ss CP, que se mostra claro
medidas de segurança detentivas só aos o sistema dualista.
inimputáveis.
• No entanto, trata-se de uma análise de
1ª aproximação à é uma questão de
técnica legislativa – o legislador
admite a aplicação cumulativa, só que
regulou a aplicação de medidas de
segurança detentivas de imputáveis,
no contexto de uma outra técnica
legislativa.
Ø Em jeito de conclusão:
48
o Há uma congruência entre os pontos de vista defendidos.
o Se se partir, quanto à ideia material de crime, que consiste numa conduta
humana, violadora de uma norma de determinação, que tem por objeto a
tutela de bens jurídicos essenciais, e que encontra, por isso, o seu núcleo
no desvalor da ação.
§ A pena, como resposta ao crime, só pode ser a que é da
Prevenção Geral Positiva ou de Integração, que é o reforço da
vigência da norma, o crime atenta contra a vigência da norma -
sanção como resposta do ordenamento procura restaurar a
confiança da comunidade no dto, naquela norma violada –
reafirmação contra fáctica da norma.
49
Caracterização do Direito Penal dentro das ciências sociais
Ø O Direito Penal substantivo é o que define quais são os crimes e as respetivas
sanções e estabelece os pressupostos das sanções.
o Só que quando o crime é praticado é necessário que seja provado que foi
praticado, quais as regras que devem proceder à investigação, quais os
órgãos competentes, quais as regras de valoração da prova, quais as
provas admitidas e quais não, quais as regras do julgamentos, quais os
direitos de defesa, etc. e é o Direito Processual Penal/Direito Penal
adjetivo que o estabelece.
§ O Direito Processual Penal estabelece que as questões civis e
penais podem ser julgadas no mesmo processo, é o processo de
adesão, no processo penal é exortado um processo autónomo, do
Direito Civil.
§ Todas estas regras compõem o Direito Processual Penal, o
Direito adjetivo, é ele que leva à prática os critérios e valoração
do Direito Penal substantivo, visando estabelecer o caminho para
se provar se os factos correspondem ou não aos crimes previstos
no Direito Penal substantivo.
§ O Direito Processual Penal assume um papel instrumental, mas
tem também uma autonomia, porque é ao nível da investigação
criminal que se abrem possibilidades de invasão da esfera alheia,
da intimidade das pessoas.
Ex.: escutas telefónicas, buscas de correspondência, etc.
• Tudo isso pode ser lesado ou violado numa investigação
criminal e há, assim, problemas autónomos que têm a ver
com a preservação da esfera individual, dos direitos
fundamentais do arguido e tem de se fazer uma
ponderação entre o que é a finalidade da procura da
verdade/prova e a concordância prática pelo respeito dos
direitos fundamentais das partes.
o Há aqui um princípio de proporcionalidade entre
estes 2 planos conflituantes.
50
o Há regras a cumprir, pois pode haver infrações
disciplinares durante a execução e é o Direito de
execução das reações criminais que as regula, bem
como o Direito Penal substantivo, porque fixa as
regras e consequências, mas depois também tem
normas processuais ainda que adstritas à execução
das reações criminais.
Ø Quanto ao Direito Penal substantivo, importa fazer uma outra distinção dentro
deste.
Ambos estão subordinados aos mesmos princípios fundamentais e a distinção
não tem um valor quantitativo, tem antes a ver com uma razão de ordem
qualitativa:
o Direito Penal clássico ou de justiça à O DP deve intervir em todos os
setores da vida social, sempre que estiver em causa um bem jurídico
essencial – critério da dignidade penal – e, mesmo aí, uma lesão grave
desse bem jurídico.
§ Por outro lado, quando para alem disso, o bem jurídico em causa
só possa ser acautelado através do recurso às sanções penais –
critério da necessidade.
§ Só que ao intervir em todos esses setores de atividade – há
setores dotados de uma particular mobilidade (em que as coisas
estão sempre em mutação) -, noutros casos há domínios que estão
dependentes da evolução técnica e científica (ex.: domínio penal
do ambiente) à este é o domínio do DP secundário.
§ O DP clássico reporta-se aos crimes dotados de mais constância
histórica, dotados de estabilidade jurídica à como p.e., furto,
homicídio, violação.
• Na sua materialidade o desenho desses crimes já vem da
Idade Média e, em alguns casos, do Dto Romano.
51
o Direito Penal secundário ou judicial à O Direito Penal é fragmentário
e não pretende regular toda a realidade, mas projeta-se em todos os
campos da atividade social, contudo, há campos especializados e
técnicos que não são apreendidos por todas as pessoas.
§ A violação desta lei não constitui um crime dotado de axiologia
comunitária, portanto, se as pessoas não tiverem conhecimento
dela é necessário ensiná-la.
§ Deste modo, nas áreas mais tecnicizadas, o caráter atentatório não
resulta do senso comum, o homem comum não pode apreendê-lo,
não resultam naturalmente do processo de socialização.
• Há domínios sociais que estão em permanente mutação,
há uma contante evolução e as formas de compreensão
lesiva sociais e a legislação está sempre a tentar
acompanhar a evolução, nunca se chegando a estabilizar,
na comunidade em geral, quais os comportamentos
lesivos.
• Contudo, isto não associa um caráter menos gravoso. São
incriminações relacionadas com setores tecnicizados ou
em permanente evolução e a legislação não chega ao
senso comum, pois tende a estar permanentemente a
evoluir.
52
§ O Objeto da nossa disciplina será o DP Clássico.
53
§ Tanto atendendo à natureza dos interesses dos bens jurídicos
tutelados, como atendendo à estrutura da relação jurídica, que é
assimétrica, em que o Estado tem ius imperium e detém o
monopólio do ius puniendi, ao passo que o particular esta numa
posição de total sujeição, o Direito Penal é um ramo do Direito
Público.
54
• Este último é tão-só o referente – como lei fundamental
que é – e o limite do Direito Penal, mas não apaga a sua
autonomia.
55
Ex.: crime de dano à alguém danifica a propriedade de outrem –
estará obrigado a reparar esse dano (plano do Dto Privado - civil),
ao lado desta sanção vai ser responsabilizado com uma pena,
estando aqui em causa a punição do agente atendendo à sua culpa
e em ordem a finalidades de prevenção.
56
Mais difícil será a contraposição do DP aos ramos de dto que se inscrevem na
função de proteção ou garantia, tendo uma função não reparadora, mas uma
função punitiva e também preventiva. Neste particular inscrevem-se nesta
função os ss ramos do dto:
o Direito disciplinar à contende com as normas que devem reger a
atividade do funcionário publico no exercício dos seus cargos.
§ Num Estado de Dto social, com a vertente da solidariedade, o
intervencionismo estatal a partir daí, dando para compreender a
importância da AP e do bom desempenho das suas funções.
• Precisamente por isso tem de existir regras que garantam
um bom funcionamento da AP, que contendam com
valores de hierarquia, de competência, de disciplina
dentro da AP, em ordem à boa prossecução das
finalidades sociais, que estão atribuídas a essa mesma AP.
57
própria AP, que convém que seja eficiente, pois o seu o
mau funcionamento é grave e tem relevância social
o Porque são valores internos da própria
Administração (AP) são menos valiosos e por isso
as sanções têm que ser menos graves.
§ Com isto, não se quer dizer que as sanções
disciplinares não sejam graves à a sanção
mais grave é a demissão da função publica.
58
lacunas, aplica-se subsidiariamente as normas do
Direito Penal e/ou do Direito Processual Penal.
§ Em tudo que não esteja previsto na lei
disciplinar e não a contrarie os pp da lei
disciplinar.
59
§ Contravenções (“bagatelas penais”,
infrações penais às quais correspondiam
sanções penais, mas que tinham diminuta
gravidade).
60
outubro, – é a lei-quadro à lei que rege o regime geral
das contraordenações.
o Este DL nunca teve vigência e entrou em vigor
com o CP de 82.
o Ora, tudo que era contravenções ou tinham
dignidade penal e foram convertidas a crimes ou
não tinham e foram convertidas em
contraordenações.
61
§ Todos os bens jurídicos são projeções da
ideia da dignidade humana.
62
das infrações, na apreciação do decisor do caso
concreto.
§ Previsão do princípio da legalidade, logo
no ART. 1º do DL é referido.
• Ao nível do processo:
o Em matéria de processo, ocorre em 1ª instância
perante a autoridade administrativa (ART. 33º DL
nº 433/82), com isto prossegue-se um objetivo de
maior celeridade e de retirar aos tribunais matéria
que verdadeiramente não tem dignidade penal,
expurgando as “bagatelas penais” que
sobrecarregavam o sistema judicial.
§ i.e., em 1ª linha, quem aprecia e aplica as
sanções é a autoridade administrativa, mas
tem de haver controlo jurisdicional e há
sempre a possibilidade de impugnação para
os tribunais comuns (ART. 61º).
Nota:
o A sanção mais grave em DP admitida são 30 milhões de euros
a pessoas coletivas.
o Há legislação avulsa contraordenacional que prevê
contraordenações de 1870 milhões.
63
§ A sanção designa-se coima (ART. 17º e seg.) tendo, em
princípio, natureza pecuniária.
• No entanto, a lei prevê outras espécies de reações
criminais: as são sanções acessórias.
• A sanção principal é aquela que se aplica em 1ª linha ao
crime, em contrapartida, a sanção acessória nunca se pode
aplicar autonomamente, mas sempre conjuntamente com
uma lei principal.
o Como sanção principal surge a coima pecuniária,
todavia, não está afastada a hipótese de uma lei
qualquer, desde que provindo da AR ou autorizada
do Governo, possa alterar, neste ponto, o regime
da lei-quadro e estabelecer como tipo de sanção
principal outra.
o A principal é a que, por norma, se aplica, mas não
esta excluída a possibilidade de em diploma
avulso do legislador estabelecer uma coima de
natureza não pecuniária, no entanto, a coima
jamais pode consistir em privação de liberdade,
isto é, em prisão.
64
o Esta terceira parte respeita ao processo penal, daí que ao Direito Penal
substantivo, no âmbito do princípio da legalidade interessem
essencialmente as duas primeiras preposições:
§ Princípio da legalidade do crime, princípio da legalidade da pena
e o princípio da legalidade das medidas de segurança.
Ø Este princípio diz que ninguém pode ser punido por um crime, a não ser que a
sua conduta seja prevista e qualificada como tal em lei; e ninguém pode ser
objeto de uma pena ou medida de segurança a não ser que os pressupostos dessa
pena ou medida de segurança estejam previstos em lei anterior.
o O princípio da legalidade prossegue, por isso, os objetivos da segurança
dos particulares, perante os arbítrios do poder público e da certeza da
aplicação do Direito.
§ O seu fundamento é de natureza extrapenal que resulta dos
próprios pressupostos do Estado de Direito.
65
• Isto surgiu em virtude dos crimes praticados no regime
nazi, no conflito da Bósnia ou no Ruanda (crimes contra a
paz e a humanidade - genocídio, rapto e terrorismo).
§ Muitos destes crimes não eram previstos na lei por parte destes
regimes totalitários, e, portanto, não havendo lei estrita, escrita,
certa e prévia pareciam não ser crime – PROBLEMA
SUSCITADO NO TRIBUNAL DE NUREMBERGA.
ü Nota:
o Como se sabe Direito Internacional regulamente aprovado é
Direito Interno, nos termos do ART. 8.º CRP.
66
• Não estaríamos neste sentido a violar o princípio da
legalidade penal – o dever de a lei ser estrita, escrita?
o Não, na medida em que é o legislador,
constitucionalmente competente, que remete essas
matérias.
Ø No entanto, viu-se que o princípio da legalidade exige que seja uma lei prévia,
escrita, estrita e certa:
o Este terceiro plano indica o que é uma lei certa – que defina de modo
preciso o seu conteúdo de previsão –, em nome da segurança dos
particulares, da certeza na aplicação do Direito e na decorrente proteção
contra possíveis arbítrios do poder legislativo.
§ É a exigência da determinalidade da lei, sendo que esta deve ser o
mais precisa possível.
67
§ É neste sentido que o legislador, em vez de recorrer a descrições
taxativas, muito recorre a conceitos indeterminados.
• Contudo, o conceito indeterminado tem de ser
determinável, no sentido de ser objetivável à garantindo
a certeza na aplicação do Direito e a defesa da segurança
do particular contra possíveis arbítrios.
68
de fundamentação da responsabilidade, de agravação da responsabilidade ou
agravação do regime das medidas de segurança.
o Inversamente, em tudo o que for favorável o arguido – exclusão da
responsabilidade, exclusão da ilicitude da culpa ou da pena –, já se
admite por inteiro o recurso à analogia.
70
o Aqui, vigora o princípio da não retroatividade da lei penal/
irretroatividade da lei penal à a lei aplicável é a que está em vigor no
momento da prática do crime.
§ Portanto, podemos dizer que este princípio da não retroatividade
da lei é um corolário lógico do princípio da legalidade – ART.
2.º/1 CP «Aplicação no tempo» + ART. 29.º CRP.
71
o Se a uma nova e, em princípio, melhor consideração das coisas, o
legislador entendeu que a defesa dos bens jurídicos em causa pode ser
acautelada através de uma sanção mais leve, não faz sentido que se
continue a aplicar a sanção mais pesada da lei vigente na prática do facto.
§ Por outro lado, isto cabe ainda dentro do princípio da legalidade –
pretende-se evitar que o arguido venha a sofrer a pressão do
poder legislativo ou do poder judicial.
Ø Quanto a este princípio da lei penal retroativa, que é uma exceção ao regime
geral, temos de distinguir duas situações:
o Lei nova comportar a descriminalização da conduta à a lei vigente
no momento da prática da conduta foi substituída por outra que eliminou
a infração penal
o Lei nova comporta a despenalização da conduta à a lei nova
continua a qualificar a conduta como um crime, mas estabelece uma
sanção concretamente mais favorável.
Estas duas situações têm um regime diverso na nossa lei:
o A este propósito importa referenciar os nºs 2 e 4 do ART. 2º CP.
§ No caso do nº 2, quando há uma descriminalização total, deixa de
se aplicar sanção.
• E justifica-se se a conduta deixou de ser qualificada como
crime deixa de fazer sentido aplicar-se pena.
o Mesmo que tenha havido sentença transitada em
julgado, e mesmo que o agente esteja a cumprir
pena, cessa imediatamente esse mesmo
cumprimento da pena.
Nota:
72
o Concretamente mais favorável e não em abstrato, porque pode
a lei nova em abstrato até estabelecer uma sanção mais grave
e implicar uma pena concretamente mais favorável.
Ex.: a lei do momento da prática do facto contemplava prisão de 2
a 4 anos; a lei estabelece de 4 a 6 – em princípio a lei nova é mais
desfavorável.
Mas suponha-se que a lei nova contempla uma causa de exclusão
da pena que não estava na lei antiga e que é aplicável ao caso – a
lei nova apesar de ter uma pena abstrata mais grave acaba por ser
em concreto menos grave e, portanto, tem de aplicar-se
retroativamente
o O que significa, portanto, que perante estas situações o juiz tem de fazer
dois julgamentos do caso:
§ Aplicar a lei antiga, aplicar todos os mecanismos da lei antiga ao
caso e ver a sanção a que se chega;
§ E, posteriormente, aplicar a lei nova ao caso, aplicar todos os
mecanismos da lei nova e ver a sanção a que chega.
73
• Nesse sentido, não havendo novo julgamento do caso, a
pena do agente cessa logo que se atinja o máximo de pena
estabelecido na lei nova.
Ex.: no momento da prática do facto, o crime X tinha uma pena
de 4 a 6 anos de prisão e aquele concreto agente foi condenado a
5 anos de prisão. Entretanto, enquanto cumpre a pena sai uma
nova lei que estabelece para aquele crime uma pena de 2 a 4 anos
de prisão.
§ De acordo com a parte final do ART. 2º/4 CP, logo que ele tiver
cumprido os 4 anos será liberto.
74
o O que o legislador quis dizer não foi dizer que a conduta passou a ser
licita para a ordem jurídica, o que quis foi substituir um regime
sancionatório criminal (mais pesado) por um regime contraordenacional.
§ Assim, conclui-se que o regime n.º 2 apenas se aplica às
descriminalizações puras e simples à aquelas que se traduzem
em converter uma conduta que era crime para uma conduta lícita
em todo o ordenamento jurídico.
Ex.: interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas.
o Estas são as únicas situações contempladas no n.º 2. Já as outras estão
contempladas no n.º 4, o que significa que o legislador substituiu o
regime penal por um regime não penal (que deve ser o aplicado).
o Se se voltar a ler o ART. 2º/4 CP, voltamos a ter a questão «em leis
posteriores» - que nos remete para QUALQUER lei posterior.
75
§ Assim, as leis intermédias relevam ainda para efeitos da
determinação da lei penal concretamente mais favorável.
76
o Sintetizando:
§ Com este ART. 2º/3 CP, o legislador quis estabelecer uma
radical separação entre as leis comuns e as leis de emergência.
• O crime praticado no quadro de vigência de uma lei
comum jamais poderá ser punido à luz de uma lei de
emergência e um facto praticado na vigência de uma lei
de emergência jamais poderá ser punido à luz de uma lei
comum.
77
§ Pois bem, perante esta alteração legislativa não faltaram pessoas
que disseram que houve um vazio de punição à houve uma
descriminalização seguida de uma neocriminalização.
§ Verificou-se um fenómeno idêntico numa outra situação, mas aí
as pessoas não tiveram a “frieza” de argumentar da mesma
maneira.
• Até 1995, o crime de violação e outros crimes sexuais
eram concebidos como crimes contra os bons costumes (o
bem jurídico era a moral sexual).
• Não obstante, a partir dessa data os crimes sexuais
tiveram-se como crimes que violavam a liberdade da
autodeterminação sexual.
Ø Importa referir um último ponto: recorde-se que, quanto à aplicação da lei penal
no tempo, a lei aplicável é a lei do momento da prática do facto. Posto isto, viu-
se que para determinar o momento da prática do facto (entre o momento da
conduta ou o momento do resultado), o ART. 3º CP nos dava a resposta.
o Todavia, há crimes cuja EXECUÇÃO SE PROTELA NO TEMPO.
Ex.: cárcere privado – sequestro.
Suponha-se que alguém foi sequestrado durante uma semana e que durante essa
semana houve uma sucessão de leis no tempo, que lei aplicamos – a do momento
do início ou do término do sequestro?
78
o São os chamados crimes de execução permanente/ duradoura à não de
efeitos permanentes, uma vez que de efeitos permanentes são quase
todos.
§ Assim, a cada fração mínima de tempo que decorre o crime está a
executar-se e a consumar-se, simultaneamente.
§ Logo, em face do tal critério do momento da conduta do ART.
3.º CP, temos de perguntar verdadeiramente quando é que o
crime foi executado e qual a lei aplicável – a lei do início ou a lei
do fim?
• Se a lei nova estabelece uma pena mais leve –
concretamente mais favorável – isso não levanta problema
e aplica-se a regra da aplicação retroativa mais favorável.
• O problema é se a lei nova é concretamente mais
desfavorável.
Doutrinas:
o Há autores que defendem a aplicação da nova lei, como se o delinquente
adquirisse um direito - a partir do momento em que começou a praticar o
sequestro mais favorável, pois, então, tem direito a ficar com ela.
o Com a preocupação da garantia dos particulares, diz-se que nestes casos
há que partir o crime de sequestro em dois – até à entrada em vigor da lei
nova nós tínhamos um sequestro regido nos quadros da lei velha; do
momento em diante em que entrou em vigor a lei nova temos um
segundo crime de sequestro punido mais gravemente à luz da lei nova
§ Esta é falsamente garantística, porque vai aplicar aos casos um
regime mais desfavorável, uma vez que esta doutrina traduz um
crime só num concurso de crimes de sequestro.
• O concurso de crimes é sempre punido mais severamente
do que a unidade criminosa.
Ø Sintetizando:
o Relativamente aos crimes permanentes, sempre que se verifique a
sucessão de leis no tempo durante a execução do crime permanente, o
professor entende que se aplica sempre a lei mais recente, seja ela mais
favorável ou não.
79
o Por outro lado: ao regime dos crimes permanentes a nossa lei
EQUIPARA o crime continuado, que se traduz numa situação de
concurso de crimes, só que, desde que preenchidos certos requisitos
(ART. 30.º CP), a nossa lei manda tratar essa situação de concurso de
crimes como um só crime continuado à funde essas várias infrações na
figura do crime continuado.
§ Portanto, a nossa doutrina, em relação ao crime continuado,
manda aplicar o mesmo regime que se aplica aos crimes
permanentes – neste domínio verificam-se as mesmas
possibilidades de solução que para os crimes permanentes.
80
convivência comunitária NAQUELE CONCRETO ESTADO à o que é
praticado fora do seu território é, em princípio, irrelevante.
§ Daí que, na base destas duas razões, mas sobretudo com base na
última, o princípio da territorialidade se tenha imposto como o
princípio basilar da aplicação da lei penal.
§ Portanto, a lei penal portuguesa é aplicada a todos os factos
praticados em território nacional, independentemente da
nacionalidade do agente ou da vítima – ART. 4º CP.
• Por território português – al. a) – entende-se o território
terrestre, o território fluvial e o território marítimo, e
ainda o espaço atmosférico que recobre estes territórios
anteriormente referidos.
o Assim, este é o limite do exercício do ius puniendi
penal português.
81
o Assim, de acordo com o ART. 4.º CP, o princípio basilar da aplicação da
lei penal no tempo é o da territorialidade à integrado com o critério do
pavilhão e com as designadas extensões do DL.
82
Ex.: sai uma carga de droga pelo porto americano em
direção a um porto da Holanda. Contudo, está combinado
que um dos agentes da rede de tráfico em Portugal vai
ligar ao condutor a indicar o melhor porto para
desembarcar os estupefacientes.
83
Ex.: vem um senhor de mota com droga da Holanda, com o
objetivo de a descarregar em Portugal. Contudo, é apanhado pela
Guarda Civil espanhola. Neste sentido, consegue fugir, mas é
apanhado pelas autoridades de segurança portuguesas – a lei
penal portuguesa é competente para julgar este caso à luz do
princípio da territorialidade, porque estamos perante um caso de
tentativa em que a consumação projetada era para ocorrer em
território português.
• Sendo assim, o conteúdo do princípio basilar da aplicação
da lei penal no espaço e as suas consequências quanto à
determinação do lugar do delito – tudo isto contemplado
no ARTs. 4.º + 7.º do CP – Direito Penal Internacional.
84
o «Salvo tratado ou convenção internacional em contrário», porque pode
o Estado português celebrar uma convenção em que acorda regras
diferentes das que estão aqui.
§ Mas, portanto, salvaguardada a existência de uma convenção
internacional que distribua de outro modo a competência
territorial da lei penal portuguesa, vale o regime que vamos
passar a analisar.
85
como o lugar da mulher, nesse país é “em casa”, tranca-a no quarto,
obrigando-a a usar uma burka, ficando a esposa, enquanto está nesse
país, encontra-se sequestrada.
o É como se o crime tivesse sido praticado em Portugal e, por isso, não se
exige a dupla incriminação à não se exige, como vamos ver, na
consagração da nacionalidade da alínea e), que a conduta seja
considerada crime no país do lugar da prática do facto e na legislação
portuguesa – basta que seja crime perante a lei portuguesa.
ü Nota: quase só por acidente a conduta foi praticada no estrangeiro e,
por isso, a lei penal portuguesa considera-se competente, mesmo
quando a conduta não é considerada crime no estrangeiro.
86
Nota: está aqui a diferença em relação à alínea b), onde não é
necessária a dupla incriminação.
o Salvo se no lugar em causa não se exercer poder punitivo à
espaço internacional; mar alto; ou territórios onde nenhum
estado exerce a soberania (p.e., Antártida).
87
§ Ora, há outras limitações respeitantes ao processo, sabe-se que
um Estado de Dto o processo tem de ser um processo de
garantias: onde haja a garantia dos Direitos Fundamentais de
todos os participantes na lide, e em particular, do próprio arguido.
• O facto de o Estado que pede a extradição não cumprir
certo tipo de requisitos é também fundamento da recusa
da extradição.
88
o Tradicionalmente, tinha a ver com os crimes contra a paz e a
humanidade.
Ex.: genocídio, rapto, terrorismo – crimes que contendiam e
ofendiam valores que eram património de toda a humanidade.
§ Dizia-se que, onde quer que o crime fosse praticado, toda a
humanidade era atingida e, por isso, qualquer Estado, na base
deste princípio, teria legitimidade para punir o criminoso,
independentemente do lugar da prática do crime.
89
forma mais lata possível; e que esteve, então subjacente a este pp
da aplicação supletiva da justiça penal.
Ex.: o assalto a um comboio correio no Reino Unido – o grande cérebro
(alemão) desse assalto refugiou-se no Brasil.
O Reino Unido pediu extradição, mas o Brasil não a concedeu, uma vez que
não havia tratado de extradição entre estes.
Contudo, depois, o Brasil também não o podia punir:
Não se aplicava o princípio da territorialidade – porque a prática do
crime não sucedeu lá;
Não se aplicava o princípio da defesa dos interesses nacionais, porque
nenhum interesse do Brasil estaria em causa;
Não se aplicava o princípio da nacionalidade, porque o nem o agente,
nem a vítima em causa não eram brasileiros;
E, além do mais, não se aplicava o princípio da universalidade, porque a
conduta não tinha que ver com os tais crimes universais.
Ø A alínea g) tem que ver com a responsabilidade penal dos entes coletivos à é o
equivalente ao princípio da nacionalidade para as pessoas singulares.
o Cá está o princípio da nacionalidade ativa e da nacionalidade passiva
aplicada às pessoas coletivas.
90
o Por outro lado, se o crime imputado à pessoa coletiva lese os interesses
nacionais, a lei penal portuguesa vai-se aplicar na base do princípio da
defesa dos interesses nacionais da alínea a).
§ Se se verificar o caso especial da nacionalidade ativa e da
nacionalidade passiva da alínea b), na medida em que a pessoa
coletiva detenha a sua sede em Portugal, aplica-se a lei penal
portuguesa, nos termos da alínea b).
91
Ø Até aqui, analisaram-se os princípios gerais que regem a aplicação da lei penal
no espaço e definiu-se o locus delicti – o critério bilateral amplíssimo do ART.
7.º CP –, mas toda a preocupação de evitar os conflitos negativos de
competência – os vazios de punição – pode conduzir a conflitos positivos de
competência.
o Mais do que uma ordem jurídica, mais do que uma legislação penal
estadual considerar-se competente para julgar o caso à isto também tem
consequências/ inconvenientes.
Ex.: suponha-se que alguém cometeu um crime, segundo o qual quer a
legislação espanhola como a portuguesa se consideravam competentes. É
julgado em Portugal e cumpre pena, mas um dia vai a Espanha e as
autoridades voltam a detê-lo, a julgá-lo e a puni-lo pelo mesmo crime.
É uma solução injusta à Princípio «ne bis in idem» – ninguém pode ser
sentenciado mais do que uma vez pela prática de um crime.
Ø Recordar:
o Nesta matéria a lei penal alarga ao máximo o âmbito espacial de
aplicação da lei penal portuguesa, em ordem a evitar os conflitos
negativos de competência e vazios de punição.
§ Por isso, há possibilidade de sobreposições destes princípios,
importando ter uma hierarquização decrescente dos mesmos, para
que depois se possam identificar o pp que na realidade tem
aplicação ao caso.
92
o A preocupação de alargar ao máximo o âmbito de aplicação espacial da
lei penal portuguesa, sendo que esta não é uma característica somente do
nosso ordenamento jurídico, mas sim transversal em ordem a evitar esses
vazios de punição, pode levar ao efeito oposto – conflitos positivos de
competência.
§ Para isso, o efeito encontrado é o chamado efeitos negativos das
sentenças estrangeiras:
• Pp do ne bis in idem;
• Pp do desconto.
93
• No entanto, eram efeitos positivos em que as sentenças se
avaliam como mero pressuposto de facto para o
desencadeamento de efeitos de direito interno.
• Quanto aos efeitos negativos reconhecem-se dois:
Princípio do ne bis in idem Princípio do desconto
(ART. 6º do CP) (ART. 82º do CP)
- Ninguém pode ser punido mais do que – Este princípio funcionava
uma vez pela prática de um crime e, subsidiariamente me relação ao princípio
portanto, a partir do momento em que o ne bis in idem.
agente já tinha sido condenado no
estrangeiro e cumprido pena não poderia - Aplica-se quando alguém, tendo sido
voltar a ser julgado noutro Estado; condenado a uma pena no estrangeiro, se
tivesse furtado ao cumprimento total ou
parcial dessa mesma pena.
. Neste caso, poderia voltar a ser
julgado, só que a parte da pena que ele
tinha cumprido no estrangeiro ia ser
descontada na pena aplicada por um
Tribunal.
94
• i.e., um processo penal iniciava-se num Estado, mas a
dada altura, ou porque a matéria de prova estava noutro
Estado, ou porque os arguidos moravam noutro Estado,
admitiu-se a transferência desse processo para esse
Estado, que reconhecia os atos processuais anteriores e,
depois, conduziria a ação até ao final.
o O que nos interessa nesta matéria são os efeitos negativos das sentenças
estrangeiras, que logo forma reconhecidos na convenção de 1959 e que
estão, hoje, consagrados no CP – ART. 6º/1 + ART. 32º.
§ E, é na base destes efeitos negativos da sentença estrangeira que
se evitam os inconvenientes dos conflitos positivos de
competência.
• ART. 6º/1 CP à o princípio do ne bis in idem impede
que o agente volte a ser julgado, se já foi julgado e
condenado no país de origem e cumpriu toda a pena.
o Se ele se evadiu logo após a sentença; ou se se
evadiu estando a cumprir a pena, o principio do ne
bis in idem já não se aplica, aplicando-se sim o
principio do desconto (ART. 82º do CP).
95
o O ART. 6º CP contempla também a possibilidade de um caso praticado
no estrangeiro poder vir a ser julgado de acordo com a lei estrangeira,
pelos Tribunais portugueses.
§ Isto surgiu pela 1ª vez, i.e., foi uma possibilidade no CP suíço de
1930 e, depois, por estranho que pareça, surgiu contemplado CP
Etiópio, na Abissínia, de 1950 e, hoje, é uma possibilidade
comtemplada na generalidade das legislações europeias.
• A razão pela qual passou para a Abissínia, deve-se ao
facto de Neros (imperador da Abissínia) decidiu em 1950
decidiu introduzir um código penal novo, encomendando
essa feitura a um grande jurista suíço, transplantando essa
possibilidade.
96
seguindo a comparação entre os dois, para aplicar
a mais favorável.
97
A aplicação penal quanto às pessoas
Entre nós vigora o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e, também, perante
a lei penal – ART. 13º CRP.
Ø Dai que pareça, numa primeira aproximação, um absurdo falar-se da aplicação
da lei penal quanto às pessoas.
o Na idade média, a lei penal tratava de forma diferente as pessoas
consoante a classe a que pertenciam – sociedade estratificada.
Ø No direito português, todos os cidadãos são iguais perante a lei (ART.13º CRP),
apenas existem alguns espaços de imunidade, mas espaços limitados:
Contudo, isto não afeta o princípio da igualdade.
o As imunidades dos membros do corpo diplomático e consular, em nome
do respeito recíproco entre os Estados.
§ Isto já nos termos da própria convenção de genebra 1968,
segundo os quais um Estado não condena um membro do corpo
diplomático ou consular estrangeiro por crimes praticados no
exercício das suas funções, uma vez que isso significaria
condenar o próprio Estado estrangeiro – “sentar o próprio Estado
estrangeiro no banco dos réus”.
• Entende-se que, no sentido do mútuo respeito entre os
Estados, nenhum tem uma soberania acima do outro, não
tendo competência para condenar outro.
98
Ex.: o processo pode ficar à espera de que a pessoa em causa termine
o mandato, mas uma vez terminado o mandato ele será subordinado
ao processo e à lei em termos iguais aos de qualquer cidadão.
§ PR à ART. 130º CRP;
• Responde, pela dignidade do cargo, perante o STJ,
podendo recorrer, sendo que o STJ funciona em secções,
pelo que da decisão da secção pode haver recurso para o
pleno de todas as secções jurídico-criminais da decisão
proferida, em 1ª instância.
• Nº 2 à i.e., a iniciativa do processo é do MP – é quem
abre o inquérito do processo.
o Aqui percebe-se que, dada a importância do cargo,
com repercussões no próprio prestígio do Estado,
seja a AR, como depositaria da soberania do povo,
que tenha a iniciativa do processo, ainda que por
maioria qualificada de 2/3.
Ø Dentro dessa parte geral, não se estudará tudo, estudar-se-á a Teoria do crime
que, como vimos na definição formal de crime de que partimos, há dois polos
essenciais:
o A infração penal e a reação criminal à penas e medidas de segurança.
100
perante uma situação violadora de uma conduta humana
violadora de uma norma de determinação, destinada a
proteger bens jurídicos essenciais.
101
§ Basta ter uma ação ilícita típica?
A culpa é um juízo de • É necessária ainda que seja culposa, que haja culpa.
censura pessoal subjetiva. • A culpa respeita à censura respeitante ao concreto agente
que podendo respeitar a norma, violou-a.
Enquanto na ilicitude se
avalia o valor objetivo do ato;
na culpa, valia-se o valor
subjetivo do ato, conteúdo o Por isso, existem atos ilícitos que não são
de censurabilidade desse culposos.
ato aquele concreto agente. Ex.: no caso dos inimputáveis à pratica ilícitos
típicos, mas não configuram crimes, uma vez que
precisamos do elemento da culpa.
102
• Ate para efeitos de recurso: o tribunal de recurso, para
avaliar da justeza ou falta dela, da decisão recorrida, terá
de percorrer o mesmo percurso que a decisão percorreu.
Ø Sistema finalista.
o De Hans Welzel.
Estes foram os 3 sistemas basilares que marcaram uma acesa luta de escolas, durante
os primeiros 60 ou 70 anos do século XX.
Ø A poeira acabou por poisar depois desta luta de escolas.
Ø Nesta sequência: sistema naturalista/ positivista, em 1º lugar, que não teve
expressão entre nós; tudo isto são sistemas de origem da doutrina alemã;
o Depois, o segundo sistema, o sistema normativista ou neoclássico foi
o sistema em cuja a formatação a dogmática alemã entrou aqui.
§ Beleza dos Santos que não estudou diretamente a dogmática
alemã, mas que foi discípulo de Eduardo Correia, que por sua
vez, foi influenciado pela dogmática alemã.
Ø Sistema Clássico
o Predominante até aos anos 1920/1925.
103
o Para compreender este sistema importa tomar e consideração os
pressupostos meta jurídicos subjacentes à sua construção.
o Podemos encontrar duas ideias que contribuíram para a
caracterização do sistema clássico, tal qual ele se afirmou:
§ 1. Por um lado, há uma vertente do positivismo naturalista: no
fim de contas, o monismo autoepistemológico, sabendo que
negava a autonomia do universo social e humano à partindo
do monismo ontológico, o fenómeno humano era explicável
nos mesmos termos dos fenómenos naturais.
• Negava-se a liberdade humana e afirmava-se a
causalidade;
104
o De forma sumária:
§ A todos os sistemas decompõe analiticamente a ideia de crime e
os seus elementos constitutivos.
• Os elementos constitutivos que avançam de género para
espécie à cada conceito que se segue ao anterior, é uma
espécie (restringe).
105
à Por outro lado, nesta ação, uma vez que era ação do mundo
exterior, não caberia a omissão.
o Para termos um crime não bastava ter uma ação, era preciso que fosse
típica, ou seja, que esteja prevista na lei à só que a ação típica era
entendida nos mesmos termos objetivos e axiologicamente neutrais.
§ O tipo limitava a descrever, entre todas as ações humanas
entendidas como ações causais possíveis, aquelas que
importavam para o dto penal.
106
o A conduta ser típica não significava que fosse ilícita, era preciso que não
existissem causas de justificação.
§ Só aqui é que interviriam elementos valorativos.
§ Só aqui, se procuraria saber se a conduta que tinha sido
subsumida ao tipo violava ou não a ordem jurídica no seu todo.
à isto era uma afirmação formal; na realidade acabam por não
intervir quaisquer elementos quantitativos.
§ O sentido da conduta é o sentido da violação de uma norma de
determinação.
• Se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia de
crime, o sistema deve corporizar as valorações do dto
criminal.
107
§ A consideração subjetivista do agente apenas intervém ao nível
da culpa – conceito psicológico de culpa.
§ A culpa era o nexo psicológico que ligava o agente ao seu facto
à um conceito axiologicamente neutral e que não reflete o
conceito de culpa em DP.
• Há 2 formas de negligência:
o A negligência consciente à quando represento o
perigo, mas acredito que não se vai produzir o
resultado perigoso;
o A negligência inconsciente à sem querer, não
representa o perigo da conduta.
o Com base nesta conceção, também não se podia
explicar a negligência inconsciente.
§ Se o conceito psicológico se esgota no
nexo psicológico que liga o agente ao
facto, onde está na negligência
inconsciente?
108
Para colmatar as deficiências do sistema clássico surge o segundo grande sistema da
dogmática alemã: o sistema neoclássico ou normativista inspirado nos pressupostos
filosóficos e metodológicos do neokantismo de Baden.
Ø Sistema neoclássico ou normativista
o Este sistema marcou um corte definitivo com os postulados do
positivismo naturalista e procurou, embora de forma não inteiramente
conseguida, refletir no sistema a específica perspetiva terminológico-
valorativa do dto penal.
§ A esta importância acresce, para os portugueses acresce uma
outra: a dogmática alemã entrou em Portugal na formatação deste
sistema.
§ Na história da dogmática penal portuguesa não encontramos
autores que tivessem aderido ao sistema clássico.
• A história da dogmática portuguesa, influenciada pela
dogmática alemã, começa com o sistema neoclássico.
o Dr. Cavaleiro Ferreira;
o Dr. Eduardo correia;
§ Estes 2 foram discípulos de, em Munique
de Medsger, um papa, um dos grandes
nomes do sistema neoclássico.
109
o A este universo opunha-se o universo da realidade social e humana, o
universo da razão pratica, o universo de símbolos de representações e
valorações.
§ Um universo de liberdade.
§ É a este universo que se reporta o dto penal e que se reportam
todas as ciências da cultura.
• Era esta a diferença essencial subjacente do neokantismo
que, por sua vez, também estava subjacente a este sistema
neoclássico.
o Ciências da cultura
§ Teriam o método ideográfico-teleológico.
• O que estava em causa não era descrever a natureza, mas
sim valorar, pelo que os conceitos/ a elaboração
conceitual atinha-se menos à conceção externa ou objetiva
dos factos de que o seu sentido valorativo.
o O conceito abarcava realidades que podiam ter
considerações externo objetivas muito diversas à
a ação e a omissão – é o “há” e o “Não há”.
110
o Posto isto, o sistema neoclássico surge como um corte com as
perspetivas causalistas.
§ O método de construção conceitual não tem a ver com a
descrição externa ou objetiva de realidades e das situações.
• Tem que ver com a valoração dessas mesmas situações, à
luz da específica perspetiva do dto penal.
111
• Determinar o que seriam os bens jurídico-penalmente
relevante, seria a tarefa do estrato dogmático.
o Os autores centravam no na ilicitude.
o Seria no momento da ilicitude que o legislador
definiria, de entre todos os valores/ bens jurídicos
que pudessem ser afetados pela conduta humana,
quais aqueles que relevavam para o DP.
112
§ O ilícito esgota-se no desvalor do resultado à é a lesão ou a
colocação em perigo do bem jurídico, o que coloca desde logo
algumas dificuldades.
Ex.: O senhor A dá um empurrão ao senhor B. Mas o que é isto?
É um empurrão. Mas o que é isso em termos práticos? Depende.
Se o empurrão foi dado com o objetivo de o agente aplicar uma
tareia valente, então teremos uma TENTATIVA DE OFENSAS
À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA.
Se foi com intenção de depois matar temos TENTATIVA DE
HOMICÍDIO.
Se foi com o objeto de subtrair bens teremos uma TENTATIVA
DE ROUBO.
o Quer isto dizer, e é esta uma critica dirigível a todas as conceções
estritamente objetivista do ilícito. à O próprio significado objetivo do
ato só se poder determinar se se considerar o projeto do agente (a
intencionalidade do próprio agente).
§ Isto porque a conduta humana não é objetiva, é uma unidade
subjetiva-objetiva (é a objetivação de uma subjetividade).
• Só considerando esta unidade subjetiva-objetiva é que se
vai considerar/ determinar o sentido objetivo do próprio
ato.
Ex.: senhor A empurrou o senhor B com o objetivo de o matar-
teríamos o ilícito do homicídio.
Imaginemos que o senhor A era inimputável, que não sabia o que
estava a fazer, não tinha as características endógenas necessárias
para que o DP dirigisse sobre ele um juízo de censura à teríamos
um facto ilícito, que não era culposo, já que a distinção entre
ilícito e culpa tem a ver, não com o substrato da valoração (se
considerar os aspetos objetivo-exteriores, com a intenção com
projeto do agente), mas com a perspetiva da valoração – tanto no
plano do ilícito, como no da culpa, o substrato da valoração é o
mesmo; o que varia é o critério da valoração.
Neste caso, estar-se-ia, no plano do ilícito, a valorar o empurrão
dado, com aquela particular intenção e que, consubstancia, na
base desta ponderação subjetiva-objetiva, uma tentativa de
homicídio, p. ex., praticado por qualquer pessoa, pelo homem
medio.
Ao passo que no plano da culpa, estar-se-ia a valorar essa mesma
unidade subjetiva-objetiva, mas como ato do concreto agente à
estar-se-á a valora-lo à luz das capacidades, das características,
das qualidades do concreto agente – o que leva a que muitas
113
situações, que são consideradas ilícitas, deixem de ser
consideradas culposas, atendendo às qualidades do agente.
Não há qualquer confusão possível entre o ilícito ou culpa.
• No plano do ilícito estar-se-á a tentar avaliar o desvalor
objetivo da situação – o desvalor da situação como se
tivesse sido provocado por QUALQUER pessoa.
• Ao passo que na culpa, estar-se-á a tentar procurar o
sentido da situação como ato daquele concreto agente, no
conteúdo de censurabilidade ou não censurabilidade,
daquele concreto agente.
114
o Em última análise, esta teoria do ilícito objetivo contraia os postulados
da teoria central do dto penal.
§ Isto prende-se com o dito anteriormente, aquando da distinção
das 2 funções da ordem jurídica e se disse que o DP intervinha no
contexto de função de proteção ou garantia à as suas normas
eram normas de determinação/ comandos, que tinham como
destinatários exclusivos, pessoas humanas – portanto, que o
núcleo do ilícito estava no desvalor da ação, na violação da
norma.
• Essa violação da norma, o desvalor da ação, verifica-se
independentemente do resultado, assim o núcleo do ilícito
não pode estar no resultado, como pretendiam os adeptos
da teoria clássico, e continuavam a entender os adeptos da
teoria neoclássica à o núcleo está no desvalor da ação, o
que logo, no plano do ilicito, nos permite distinguir entre:
Atos dolosos Atos negligentes
- Isto, porque a conduta humana não é objetiva; é uma unidade
subjetiva- objetiva.
115
nexos psicológicos à são graus de culpa
(hierarquização).
o Dolo à o agente realiza o crime de forma
voluntaria e consciente – revela uma atitude de
contrariedade frontal, a um dever ser formal.
o Negligencia à só o pratica por descuido,
leviandade. – é censurável, mas é menos
censurável do que no dolo.
O sistema neoclássico foi muito importante, e foi na sua formatação que a influencia da
doutrina alemã entrou em Portugal (EC, Cavaleiro Ferreira e Beleza dos Santos). Foi
muito importante, porque no plano teórico representou um CORTE com a
MUNDIVIDÊNCIA POSITIVISTAS.
Todavia, ficou aquém daquilo que prometia, porque este sistema limitou-se a receber as
categorias do sistema clássico, passando sobre somente o manto diáfano da valoração
jurídica à a ação deixou de ser a modificação do mundo exterior; era a negação de
valores, mas era um processo causal da modificação de valores, mas era um processo
causal de negação de valores, estritamente objetivo. O conteúdo do tipo era a negação
de valores jurídico-criminais, mas era esgotava-se no desvalor do resultado,
continuando a ser reconduzível a um processo causal de produção de um dano.
o A verdadeira oposição entre o momento do ilícito e da culpa tem a ver
não com o substrato da valoração (com aquilo que se valora, que é
sempre uma unidade subjetiva-objetiva), mas o critério dessa valoração.
§ No ilícito estamos a pretender determinar o desvalor do ato como
ato humano em geral (praticável por qualquer ser humano em
geral), ao passo que na culpa estamos a avaliar o desvalor pessoal
subjetivo (como sendo um ato daquele concreto agente).
116
Ø Sistema Finalista
o Quanto à construção finalista, importa distinguir duas coisas:
É que, numa 1ª fase, Welzel desenvolveu, Todavia, veio a ser muito criticado,
em toda a sua pureza, os seus pontos de porque, no plano do fundamento, Welzel
vista. estava muito próximo do
ORDINALISMO CONCRETO.
. Por sua vez, este ordinalismo
concreto foi o correspondente ao
institucionalismo francês de Maurice
Hauriou, que dizia que o direito formal
legislado era uma mera consequência dos
valores sentidos na comunidade.
o Isto levou Welzel, por referência ao tal ponto de partida, à tal 1ª fase da
sua obra, a estreitar e formalizar em demasia a sua construção e veio a
apresentar a doutrina finalista em moldes inaceitáveis.
§ Porém, mesmo em relação a esta última formulação, a
configuração do sistema finalista, tal como consta da
generalidade dos manuais, sempre que a doutrina a refere,
corresponde a esse espaço intermedio, em que ele formalizou e
apertou a sua doutrina, tendo dado aso a várias críticas.
117
• No final da sua vida, a partir de 1972, tentou emendar a
mão, mas foi tarde demais.
118
o Compreendidas as coisas no quadro de uma ideia, que era também a de
Welzel, de que o crime era a negação de uma norma de determinação -
era a desobediência de uma pessoa a um comando legal -, o conteúdo
dessa desobediência teria de passar por uma ponderação cumulativa dos
aspetos objetivos e subjetivos do ato, dessa intencionalidade de sentido.
§ Esta expressão de “intencionalidade de sentido” implica quer o
comportamento doloso, quer o comportamento negligente, quer a
omissão dolosa, quer a omissão negligente.
• Como resulta do exemplo anteriormente dado, toda e
qualquer destas possibilidades consubstanciam as
expressões das intencionalidades de sentido.
• Desta forma, se Welzel se tivesse mantido fiel a este
ponto de partida, o sistema desenvolver-se-ia claramente:
o A ação à seria a tal exteriorização de uma
intencionalidade de sentido;
o O ilícito típico à seria a descrição, de entre todas
as intencionalidades de sentido possíveis, daquelas
que relevavam para o DP.
§ Seriam só aquelas condutas que se
traduzissem ou na lesão ou na colação em
perigo de bens jurídicos.
119
o Desta feita, tudo permaneceria coerente.
§ Depois, viria a culpa, um conceito normativo de culpa, que se
traduziria na censura dirigida ao concreto agente.
• Aqui o substrato da valoração era o mesmo – mesma
unidade subjetiva-objetiva (dolosa ou negligente), - mas o
critério de valoração já não era o do homem médio (já não
seria a procura do sentido geral da conduta como ato
humano em geral), mas sim do sentido do ato, atendendo
às características do concreto agente.
o Podendo haver situações ilícitas, mas que não
eram culposas (o agente era inimputável ou estava
em situação de não exigibilidade). à
circunstâncias que excluíam a censura daquele
concreto agente.
120
supradeterminação final, pela vontade do processo causal
à o elemento da finalidade: o dolo.
o Todavia, deixava de fora a negligencia
inconsciente, porque no âmbito da negligencia
inconsciente não há qualquer nexo psicológico
entre o agente e o seu facto.
§ Ele não representa sequer o caracter
perigoso da sua conduta.
o Se virmos bem, esta ação final resultava de uma síntese entre o conceito
de ação causal do sistema clássico e o conceito psicológico de culpa. à
Incluía no conceito de ação final o processo causal exterior (do conceito
de ação causal) e o conteúdo do tal nexo psicológico liga o agente ao seu
facto (conteúdo da culpa psicológica).
o No entanto, Welzel avançou na sua teoria dizendo que a ação final não
seria suficiente para se estar perante um crime à tinha de ser típica – a
vinculação a elemento gramatical, sendo um tipo indiciador, meramente
descritivo, havendo quem o defina como a ratio cognoscendi da ilicitude
121
(quer dizer que não contemplava o juízo da ilicitude à era pura
definição da matéria de proibição).
Aqui vemos o formalismo, Welzel não põe o ilícito à frente da
tipicidade, havendo uma preocupação da descrição na lei.
o A diferença face ao sistema clássico é que ele metia já aqui os
elementos subjetivos.
§ Se a ação era supradeterminação final pela vontade de
um processo causal; o tipo era a descrição de uma
ação como supradeterminação final pela vontade de
um processo causal.
122
juízo de valor. àaquilo a que ele chamava TIPOS
CARENTES DE COMPLEMENTAÇÃO.
o Com isto voltamos à ideia que o tipo era
descritivo, que deveria contemplar de forma
esgotante a descrição de cada conduta criminosa.
§ Sempre que o legislador se abstém de
desrever uma conduta e apelasse para
critérios de valor, delegando no juiz a
concretização desses conceitos
indeterminados e dessas clausulas gerais,
teríamos uma norma sem tipo
criminal/legal – uma norma de ilícito.
o Seja como for, esta questão dos tipos e da ilicitude tem uma grande
diferença em relação à conceção de ilicitude subjacente tanto no sistema
clássico como ao neoclássico.
§ Para além de todas as contradições, o que é facto é que Welzel
distinguia entre ilícito doloso e ilícito negligente – era a tese do
ilícito pessoal, reportando a uma unidade subjetiva.
• Isto harmonizava-se com a ideia base que estava prévia à
construção do sistema.
123
o Esta ideia, ao nível da construção do sistema, tem de se traduzir na
conceção do ilícito pessoal à o sistema é uma desimplificaçao de
sentido de um conceito material de crime pressuposto; estas categorias
da ação, tipo e ilícito e culpa, não tem existência corpórea.
§ Se o conceito material de crime pressuposto, de acordo com a
inclusão do DP na tal função de proteção ou garantia, reside na
desobediência, na negação de uma norma de determinação e ir
contra o seu núcleo, o seu conteúdo nuclear no desvalor da ação,
isto terá que se traduzir ao nível do sistema e, concretamente, no
ilícito à O núcleo do ilícito tem de estar no desvalor da ação.
• Por isso, logo no plano do ilícito, na análise objetiva do
crime, podemos distinguir dois desvalores pessoais da
ação:
o O dolo e a negligencia;
124
• Na base desta distinção, se compreendem o fundamento
da punição da tentativa, o fundamento da teoria do
domínio do facto como critério da autoria, em DP, e da
sua contraposição à cumplicidade.
• É decerto a pedra angular da dogmática penal
contemporânea, para além das contradições subjacentes.
Depois da luta de escolas, instalou-se um sistema comum a toda a doutrina que foi
buscar elementos a cada um deles.
Ø Por exemplo, do sistema clássico foi se buscar a ideia da decomposição analítica
do conceito material de crime e que avançava do critério menos exigente para o
mais exigente, e mesmo as próprias designações do conceito: ação, tipo, ilícito e
culpa.
o A construção geral do delito ter uma estrutura piramidal:
§ Arranca de um conceito + amplo de ação;
§ Depois, nem toda a ação tem que ser típica que releva;
• Nem toda a ação típica tem que ser ilícita.
125
ato: independentemente da consideração do concreto (da culpa
do) agente, na sua objetividade, considerado como ato humano
em geral, o ilícito doloso tem logo uma estrutura e um desvalor
diverso do ilícito negligente.
• O atentado consciente e voluntario contra bens jurídicos
que é característico do dolo, imprime aquela conduta,
como ato humano em geral, um sentido e desvalor diverso
daquela outra em que a lesão do bem jurídico decorre,
tão-só, do descuido ou leviandade.
o Numa palavra, vamos estudar a teoria geral dos crimes de ação dolosos,
a teoria geral dos crimes de ação negligente e, por fim, os crimes de
omissão e centrar nos crimes dolosos e negligentes.
Ø Este sistema resultante da luta de escolas impôs-se nos finais dos anos 60, mas
implantou-se, sobretudo, nos anos 70.
o Por referência a este sistema que se impôs como communis opinio,
seguiu-se, todavia, uma nova proposta dogmática, de Roxin: sistema
teleológico-racional. Não podemos pôr no mesmo plano em que
analisamos os outros três este sistema.
§ O sistema teleológico-racional resume-se ao facto de receber na
íntegra o sistema que resultou da luta de escolas apenas
126
limitando-se a introjetar, nas categorias do sistema, a dimensão
da necessidade de pena.
• O sistema é a decomposição analítica do conceito material
de crime de que partimos logo nas primeiras aulas.
o O conceito material de crime resultava da
ponderação cumulativa das vertentes da
necessidade penal e da dignidade de penal.
o i.e., mesmo que estejam em causa lesões de bens
jurídicos essenciais, que tenham dignidade penal,
o DP não deve intervir, o legislador não deve
qualificar a conduta como crime, se sanções de
outros ramos do dto, menos graves, menos
evasivas da esfera jurídica do particular, forem
suficientes para tutelar o interesse causa à
vertente da necessidade de pena.
127
Ø Klaus Roxin – podemos considera-lo como o “Pai” desta ideia do sistema
teleológico-racional. Roxin fazia isto da seguinte forma:
o Até ao momento do ilícito, mantem intacto o tal sistema que herdou da
luta escolas: temos a ação, depois o ilícito típico e uma conceção do
ilícito pessoal.
o Alteração verifica-se no estado da culpa: de acordo com uma conceção
preventiva do dto penal e à luz da subsidiariedade do dto penal, não basta
termos um facto culposo para haver pena, é preciso que seja necessário
à o relevante é a responsabilidade jurídica penalmente relevante.
§ Só temos uma responsabilização jurídico relevante quando, para
além da culpa, for necessária a punição.
§ E, por isso, Roxin substitui a categoria da culpa pela categoria da
responsabilidade.
• Esta responsabilidade seria uma categoria mista cuja
avaliação dependeria de dois momentos:
1º momento 2º momento
- Primeiro seria a averiguação da culpa - Segundo momento, o momento da
“tout court”, nos termos tradicionais. necessidade de pena:
. haveriam situações, em que não
- Se terminasse neste momento pela obstante a conduta sendo culposa, não era
conclusão de que haveria culpa, então necessária a punição penal, seja à luz de
haveria que saltar para um 2º momento. considerações de prevenção geral, seja à
luz de considerações de prevenção
especial.
Ex.: caso da dispensa de pena em que há culpa e, todavia, não se aplica a pena- ART.
74º do CP;
- no estado de necessidade subjetivo e desculpante à ainda há uma culpa, mas que
essa culpa não merece pena, por não haver necessidade de pena;
128
o Esta orientação de Roxin foi seguida por ele e por alguns discípulos mais
próximos, mas não corresponde à orientação maioritária entre os adeptos
do sistema teológico-racional, que seguiram um caminho diverso, entre
eles o Dr. Figueiredo Dias.
Ø Orientação maioritária
o Mantiveram tudo intocado até ao nível da culpa, do tal sistema que
resultou da luta de escolas, apenas juntam ao sistema a categoria da
punibilidade, onde interviriam as considerações de necessidade de pena.
§ Está em causa a reação contra certas orientações funcionalistas,
nomeadamente de uma orientação do DP húngaro que dizia que,
no final de contas, a culpa, era um derivado da própria prevenção.
• Esta é uma orientação perigosa, porque leva a uma
funcionalização do conceito de culpa à o mesmo é dizer,
a apagar a função que a culpa tem e o pp da culpa tem,
como limite ao ius puniendi penal.
129
dignidade penal, considerações valorativas sobre o valor
objetivo do ato.
Ø Para efeitos de curso vamos adotar a segunda orientação que é também aquela é
definida pelo Dr. Figueiredo Dias.
130
o Aqui vamos atender-nos à conceção que tem maior adesão que faz
intervir a categoria de necessidade de pena num novo escalão ao nível da
pena.
§ Aqui temos ação, ilícito, culpa e punibilidade (aqui se faz intervir
as considerações de prevenção ao nível do sistema).
131
o O primeiro requisito decorre da própria compreensão do crime como
negação de uma norma de determinação à um imperativo que tem como
destinatários as pessoas humanas – só pode ser violada por condutas
humanas. Este requisito é um requisito de ação: uma ação humana.
o Perante esta dificuldade, não faltaram autores que vieram dizer que o
conceito de ação é um conceito pré-jurídico, e que o que interessa é a
ação típica.
§ É o caso do Dr. Figueiredo Dias, pretendendo eliminar a
categoria da ação, partindo logo para a ação típica.
• O Prof. Dr. Almeida Costa parte de outro pressuposto,
aderindo, numa linha de parte significativa da doutrina
contemporânea, ao chamado conceito pessoal ou
personalista da ação.
o A ação é a expressão de um sentido; uma
exteriorização da personalidade.
o Roxin diz que “homem como centro anímico-
espiritual da ação”.
§ É uma formulação complicada.
132
Várias reações são possíveis: há a reação daquele que se
levanta e ajuda; há a reação daquele que olha indiferente;
há a reação daquele que está distraído e nem sequer se
apercebe.
Tudo isto são ações humanas, uma vez que a ação humana
é um ato de comunicação e, por isso, quem intervém,
quem se mostra indiferente, quem nem sequer repara.
o Deste modo, nesta definição de ação pessoal como exteriorização de uma
atitude de sentido cabem, tanto a ação dolosa como a ação negligente,
como a omissão dolosa e negligente, porque todas elas exprimem uma
atitude perante o dever ser jurídico penal.
É este conceito de ação subjacente ao nosso sistema, cumprindo duas
funções:
§ Uma função positiva, porque ao dizermos que o primeiro e
essencial requisito para termos um crime é termos uma ação
humana, estamos a vincar logo na base do sistema a ideia de que
um crime consiste na violação de uma norma de determinação.
• O núcleo do crime está no desvalor da ação – todos os
outros elementos são predicações da ação.
o Essa é a função positiva que marca a perspetiva
teleológica subjacente à elaboração do sistema.
133
Ø Problema da responsabilidade penal dos entes públicos
o Neste escalão da ação costuma-se discutir a questão da responsabilidade
penal dos entes coletivos. A sociedade, os entes coletivos não podem
delinquir, uma vez que o ente coletivo em si mesmo seria incapaz da
ação.
§ Por outro lado, em relação ao ente coletivo não se justificaria
nenhum dos fins das penas.
• Este foi um dogma do DP continental até há bem pouco
tempo.
Ø O Prof. Dr. Almeida Costa considera que era possível delimitar áreas de
responsabilidade, determinar pessoas individuais responsáveis por essa área e
imputar os crimes praticados na base da atividade social da empresa a pessoas
individuais em termos de crime de omissão.
134
o Ou seja, aquele que estivesse responsável por determinada área deveria
fiscalizar a atividade daquela área, bem como a atividade dos seus
funcionários em ordem em que não fossem cometidos crimes.
§ Considera que esta questão levanta graves problemas no âmbito
do princípio da culpa, uma vez que leva implicada o
estabelecimento de verdadeira responsabilidade objetiva em
matéria penal.
• Isto, para além do aspeto de que há sempre um interesse
do Estado de arrecadar valores pecuniários através do Dto
Penal.
135
o Neste contexto, ao invés do conceito clássico, parte-se do ilícito pessoal.
§ O ilícito pessoal traduz-se na negação de uma norma de
determinação, que é valorada como ato humano em geral.
• Ainda não se esteja a tomar em consideração as
particulares características do particular agente.
o Porém, deve-se precisar o conceito de tipo, uma vez que se está a falar do
tipo em sentido dogmático/ sistemático.
§ Há outros sentidos de tipo de que se fala muitas vezes
nomeadamente o tipo garantia. à coincide com o princípio da
legalidade.
• Fala-se de pp de legalidade e desta aceção de tipo de
garantia ou de pp da tipicidade, no sentido em que todos
os pressupostos da punição têm de estar previstos na lei.
o Isto, quer nos pressupostos que digam respeito ao
ilícito, quer os que digam respeito à exclusão do
ilícito, quer os que digam respeito à culpa ou
exclusão da culpa; ou às próprias condições de
punibilidade.
136
• É uma distinção que comporta uma falsificação das
coisas, visa a clareza pedagógica, já que o ilícito tipo
ilícito é uno à É um unidade subjetivo-objetivo:
o Se faltar um elemento objetivo não temos o
preenchimento do tipo, e vice-versa.
137
§ Seja como for, a verificação em concreto de saber se uma
situação é ou não ilícita, dependerá da ponderação cumulativa
dos tipos incriminadores e dos tipos justificadores.
• Diz se a este propósito que os tipos incriminadores e tipos
justificadores estão numa relação de mútua
complementaridade, com vista à definição do concreto
ilícito típico das várias situações.
o Para termos um ilícito é necessário que a conduta
preencha os requisitos dos tipos incriminadores e
não preencha os requisitos do tipo justificador.
Ø Tipos incriminadores
o Dentro deste tipo de ilícito incriminador, o legislador define os
elementos, que de forma concreta e positiva, de cuja verificação depende
a relevância jurídico penal da conduta. Na definição deste tipo
incriminador e conforme à perspetiva do ilícito pessoal, intervêm tanto
elementos objetivos e elementos subjetivos (verdadeiramente não temos
autonomamente um tipo objetivo ou um tipo subjetivo – temos um tipo
subjetivo-objetivo à o ilícito doloso é uma unidade de sentido subjetivo-
objetiva, sendo que isso se reflete também na estrutura dos tipos que
expressem esse conteúdo de ilícito doloso).
§ Tipo objetivo à ou seja, elementos de natureza objetiva que
intervêm na definição do tipo incriminador. A este propósito fala-
se de três elementos estruturantes, na qual o legislador joga na
definição dos concretos tipos ilícitos incriminadores:
• Agente; Consoante a forma como o legislador joga
• Conduta; com estes elementos vamos ter diferentes
• Bem jurídico. formas de incriminação autónomas.
Agente
§ Na generalidade dos crimes pode ser punido qualquer pessoa. à
São os chamados crimes comuns.
• É a ideia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a
lei penal.
138
parentesco ou de vínculo laboral com a vítima; ou
no facto de determinado agente desempenhar
certas funções profissionais.
o Regra geral estes crimes prendem-se com o facto
de a relação de parentesco ou relação profissional,
conferir ao ato um particular desvalor ou essa
mesma relação exigir especial cuidados de
prevenção tendentes a agravar a sanção por
referência aos crimes.
139
Os elementos estruturantes do tipo incriminador são os seguintes: o agente, a conduta e
o bem jurídico.
o No que concerne à conduta, faz-se a distinção entre 2 tipos de tipicidade:
§ Começa-se por falar de crimes de execução livre ou não
vinculada;
• Por norma, os crimes são de execução não vinculada. O
legislador, na esmagadora maioria dos casos, proíbe
condutas que possam atentar contra determinado bem
jurídico.
Ex.: o homicídio pode ser cometido por facadas, pistolas,
enforcamento, etc. à desde que a conduta seja idónea e
conduza ao resultado, preenche o tipo legal.
140
Ex.: para termos um homicídio consumado, não basta
a conduta homicida à é necessário que a esta conduta
se siga, como sua consequência, o resultado morte,
que um resultado espacio-temporalmente autónomo
em relação à conduta.
141
certas condutas, como regra geral, a criação de um
perigo.
142
§ Ou seja, desde que o arguido provasse que, apesar de ter
preenchido em abstrato o tipo legal do crime de perigo abstrato,
na situação em concreto não houve qualquer perigo para o bem
jurídico, ele não seria punido.
Ø As críticas a esta posição afirmavam que ela envolvia uma inversão do ónus da
prova à em processo penal vigora a presunção de inocência, sendo que uma das
suas manifestações é a de que quem tem o ónus da prova é quem acusa – in
dúbio pro reo.
o Assim, estes princípios seriam violados com a regra subjacente à
consagração do crime de perigo abstrato-concreto, pois fazia-se entender
sobre o arguido a prova.
143
o Os crimes de dano: que são a maioria, o crime só está perfeito quando se
verifique o dano, a lesão efetiva do bem jurídico subjacente aquela
concreta figura de delito.
144
§ Crimes materiais que tem como nota distintiva a circunstância da
respetiva consumação não se bastar com a mera conduta do
agente, sendo necessário a produção de um resultado que, embora
sendo consequência dessa conduta, é espácio-temporalmente
autónomo em relação à conduta.
• Nessas circunstâncias torna-se, por vezes, difícil
determinar se aquele resultado é efetivamente o resultado
que foi produzido por aquela conduta.
o Podemos determinar se aquele resultado foi
produzido por aquela conduta, pela imputação do
resultado à conduta.
o É assim que o problema da imputação objetiva é
colocado hoje na doutrina maioritária.
§ Não foi assim no passado, nem é a
perspetiva do Prof. Dr. Almeida Costa.
145
à era o método hipotético que apontava para o critério da
condição sem a qual (sine qua non).
• A conduta seria causa daquele resultando quando, nesse
juízo hipotético, se o juiz procedesse à subtração mental
daquela conduta e chegasse à conclusão de que não se
tinha verificado o resultado.
146
§ A determinação da condição conforme às leis naturais apontaria
que só se imputasse o resultado quando, de acordo com regras
conhecidas, pacificamente aceites, determina-se o nexo de
imputação.
Ex.: crimes ambientais, erros médicos.
• Porém, mesmo com esta correção permanece a crítica
inicial.
Ø Teoria da adequação
o A teoria da adequação diz que de entre todos os processos causais só
podem revelar para o DP, aqueles que no momento da prática do facto,
atendendo à normalidade do acontecer, às regras da experiência e aos
conhecimentos gerais do agente na situação concreta, o resultado se
apresente como uma consequência possível, ou pelo menos não
impossível da conduta.
§ A teoria da adequação aponta para o juízo de prognose póstuma,
i.e., defende que não basta que haja um nexo causal naturalístico,
entre a conduta e o resultado, tal qual resulta da teoria da
equivalência das condições.
• É necessário que, de todos esses nexos causais, só valore
aqueles que de acordo com a regra da experiência,
atendendo aos conhecimentos gerais e específicos do
agente esse resultado se afigure como uma consequência
previsível ou pelo menos não impossível da conduta.
147
o Os autores preferem, hoje, falar de uma
consequência não impossível.
148
o Está-se a circunscrever, de entre todos os
processos causais naturalísticos possíveis, aqueles
que relevam para o dto penal.
o E, só relevam aqueles que deixem antever no juízo
de prognose póstuma, a verificação do resultado
como consequência da conduta ou pelo menos não
imprevisível.
Ø Assim viveu a doutrina durante muito tempo. Até que, em finais do século XX,
surgiu a Teoria da Conexão do Risco, que é a teoria maioritária hoje em dia,
mas que o Prof. Dr. Almeida Costa discorda.
o É a teoria que a doutrina moderna veio introduzir e que conta com o
apoio maioritário da doutrina, em particular Dr. Figueiredo Dias.
§ O grande autor que introduziu esta teoria foi Klaus Roxin.
o Esta teoria vem dizer que existem ainda muitas situações em que, à luz,
seja da teoria da equivalência das condições e, depois, do corretor da
teoria da adequação, o resultado se deve imputar e, todavia, essa
imputação não corresponde ao sentido das valorações jurídicas, sendo
necessário introduzir + limites valorativos, que excluem imputação do
resultado à conduta, em relação a casos que, da atuação conjugada da
teoria da equivalência das condições e da teoria da adequação resultaria a
imputação.
149
acontecimentos específicos do agente, o resultado se apresente
como consequência previsível, ou pelo menos não impossível.
• No entanto, os autores diziam que há muitos casos em que
o resultado se deve imputar tendo em conta essas duas
teorias e, mesmo assim, afigura se injusto responsabilizar
o agente.
o Deste modo entra-se no terceiro escalão.
150
alguma distancia, o que vai atras vê uma pedra que
se desprendeu e que vai atingir o amigo
magoando-o gravemente; e por qualquer meio o
amigo de trás consegue desviar a pedra, magoando
não a cabeça, mas a omoplata, destruindo-a.
§ De acordo com os critérios da teoria da
adequação e da teoria da equivalência das
condições, este é um efeito previsível e
teríamos que imputar ao amigo a ofensa à
integridade física consistente da fratura da
omoplata.
• Todavia é consequência injusto e
gritante – o que a teoria da
diminuição do risco vem dizer é
que não se imputa o resultado
quando a produção desse resultado
foi meio para evitar um dano mais
grave.
151
• Neste caso não se imputa o
resultado, sendo que a conduta
continuando a ser ilícita, o agente é
punido apenas nos termos da
tentativa.
o A tentativa só é punível a
título de dolo, o que
significa que, quando o
agente atuasse com dolo,
seria punido apenas por
tentativa.
o A tentativa não é punível a
título de negligencia, por
isso o corretor do
comportamento lícito
alternativo implica a
impunidade do agente.
152
no cruzamento, teve um resultado
que a norma pretendia evitar e o
resultado é lhe imputado.
• O âmbito de proteção da norma
respeita sim a evitar perigos de
acidente, sendo que o agente
apenas será punido por excesso de
velocidade.
153
requisitos que deve revestir o nexo que liga o agente
ao facto criminoso, para que ele lhe possa ser
imputado, isto independentemente de o crime
praticado ser um crime formal ou um crime material.
154
para a teoria da conexão do risco) não exprime o
desvalor do crime doloso.
§ O critério da imputação objetiva do crime
doloso tem de ser no domínio do facto, que
tem importa também um juízo de prognose
póstuma, mas que é diferente.
• Também aqui o juiz vai “viajar no
tempo”, no entanto fará uma
pergunta diferente: “não se era
previsível que a esta conduta viesse
a suceder-se a prática do ato?”;
perguntará ainda: “se atendendo às
circunstâncias do caso aquela
conduta dava ao agente o efetivo
controlo o se, o quando e o como,
dele dependia ou não a prática do
crime.”.
155
Por outras palavras, é dizer que esta conduta, quando
praticada nestas circunstâncias, não é ilícita.
156
respeito dele que constitui a concretização de uma
decisão da vontade do agente.
157
• E, por isso, imputa-se ao agente o ato de diminuição do
risco, mas diz-se que esta conduta, com este resultado não
preenche o tipo.
o E, considerações análogas poderíamos fazer para o
comportamento lícito alternativo.
o São, no fim de cotas, estes tipos corretores do risco são, não critérios de
imputação objetiva, mas causas de exclusão da ilicitude.
§ Quando se verificam, não há sequer o desvalor da conduta para
ser subsumível a um tipo incriminador em causa à a sua
verificação é, por isso, uma causa de exclusão da tipicidade do
facto.
Ø Causalidade cumulativa
158
Ex: o senhor A e o senhor B querem matar o senhor C e escolhem o veneno, e
cada um aplica a sua dose. Só que cada uma das doses, isoladamente
considerada, não era apta para produzir a morte. Se tivesse só um aplicado, o
senhor A não morreria. No entanto, as duas doses juntas vêm a produzir o
resultado.
- Como resolver estes casos de causalidade cumulativa?
. DEPENDE, existem três sub-hipóteses:
o Se o senhor A e o senhor B não sabem do projeto criminoso um do outro
à aqui no se pode imputar o resultado, porque as condutas serão
adequadas ou aptas a dar o domínio do facto, mas não produzem
efetivamente o resultado, pelo que os dois serão punidos a título de
tentativa (tentativa inidónea ou impossível, nos termos do ART.23º/3
CP).
o O senhor A aplica o veneno sem saber que o senhor B fez o mesmo, mas
o senhor B viu o senhor A a aplicar a dose de veneno e sabe que a dose
do senhor A é insuficiente e, então, aplica-lhe aquele bocadinho de
veneno que lhe falta, para que a conduta seja eficiente para produzir a
morte.
§ É evidente que cada uma das doses continua aqui, por si só, a ser
insuficiente, mas a situação muda, porque o senhor B aplicou
uma dose que isoladamente era insuficiente, mas ele sabia que a
não a estava a aplicar isoladamente, mas estava a aplica-la apenas
para acrescentar o que faltava para dar ao veneno o carater letal
que pretendia.
• Aqui, a consequência será diferente:
o O senhor A, que não sabia do senhor B, continua a
ser punido por tentativa inidónea ou impossível.
o Já o senhor B será punido a título de consumação,
quer à luz da teoria da adequação, que está
subjacente à teoria da conexão do risco, porque ela
é adequada a produzir o resultado em função das
circunstâncias do caso.
§ O mesmo se diga no quadro da doutrina do
prof. Almeida Costa, na doutrina do facto –
o senhor B ao aplicar a parte de veneno
que lhe faltava, ele passa a ter domínio
sobre a produção do resultado morte.
159
Ex: o senhor A e o senhor B são sobrinhos de um tio rico e, para
herdar rapidamente e tornar o seu projeto menos visível,
combinaram entre si ir envenenando-o aos poucos.
- Neste caso, eles vão ser responsabilizados pelo crime na sua
globalidade, como se o tivessem praticado isoladamente.
160
o E, por isso, na base desta fundamentação, falta
aqui o fundamento da aplicação da figura da
tentativa, pelo que os agentes devem ser os dois
punidos pelo crime consumado.
Ø Tipo subjetivo (do ilícito doloso): refere os elementos de natureza subjetiva que
interferem naquele ilícito.
o O tipo subjetivo incriminador doloso é constituído, por definição, pelo
próprio dolo.
§ E, o dolo é entendido como o conhecimento e vontade de realizar
o tipo ilícito, por oposição à negligencia.
• Na negligencia o agente não quer praticar o ilícito típico,
mas por descuido ou leviandade, sem querer lesa ou põe
em perigo o bem jurídico.
161
- A sua conduta será, porventura, censurável, mas não a
título de dolo, talvez tenha havido negligencia, mas falta o
elemento intelectual (o dolo).
§ Elemento volitivo: o agente quer praticar esse crime.
§ Elemento emocional (acrescentado pelo prof.): seria um elemento
da culpa doloso e que se traduziria na tal expressão de uma
atitude de contrariedade ou de indiferença perante o “dever ser”
jurídico-penal.
162
o No caso do furto o agente tem de ter a noção que a coisa que ele se está a
apropriar é alheia.
§ Se ele julga por equívoco que é sua ele não está a praticar um
furto.
• Falta o elemento subjetivo que, neste caso, é o dolo.
163
§ Beleza dos Santos (prof. prefere esta perspetiva) dizia que em
relação aos conceitos normativos de índole técnico jurídica se
existia tão-só que o agente tivesse consciência dos efeitos
práticos que se ligam a esses conceitos.
• O homem comum não conceptualiza - quando se fala de
propriedade ligamos aos efeitos práticos de se ser
proprietário de qualquer coisa.
o Portanto, quanto a estes conceitos normativos de
índole técnico jurídico de que o legislador lança
mão, devemos apenas exigir para se afirmar o
elemento intelectual do dolo que o agente
represente na situação, na formulação de Beleza
dos Santos, que o agente atualize os efeitos
práticos da conduta.
164
E quando falta o elemento intelectual?
o Temos o chamado erro sob a factualidade típica, que na nossa lei vem
designado como erro sob as circunstâncias de facto à ART. 16º/1 CP.
§ O nº1 é um preceito longo que abrange duas coisas – vamos ater-
nos a um desenho do erro sobre a factualidade típica.
• Diz que o erro sobre elementos de facto (elementos
descritivos) ou de direito (elementos normativos de índole
técnico jurídica, cujo conhecimento exigido é o
conhecimento à esfera do leigo) de um tipo de crime, ou
sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente
indispensável para que o agente possa tomar consciência
da ilicitude do facto, exclui o dolo.
o Se falta o elemento intelectual, falta o dolo.
165
vida, a manter o grau de atenção, o grau de tensão
psicológica necessária para antecipar as consequências
dos nossos atos e para nos abstermos das ações que
podem lesar bens jurídicos.
o Aí radica o fundamento e a expressão do desvalor
da ação característico do delito negligente, que o
opõe e o distingue do crime doloso.
§ Na negligência há apenas um descuido,
uma leviandade, censurável, mas menos
censurável que o dolo (não exprime a tal
contrariedade aos valores jurídico-
criminais) e só punível a título excecional.
166
• A doutrina, neste tipo de situações, sugere duas grandes
posições:
Ambas partem de uma ideia o Solução da tentativa;
que as torna indefensáveis: o Solução da consumação.
- Partem da assunção do
dolo do tipo como um dolo
natural, ou seja, um dolo que
se esgota no conhecimento e
vontade de realização
daquela concreta
factualidade.
167
o Deste modo, nestes casos, sempre que o crime não
fosse punível a título de negligência, a regra de
concurso já não poderia ser punida.
§ Apesar de te produzido a lesão do bem
jurídico, o agente só seria punido por
tentativa.
168
- ele pode morrer por afogamento;
- pode morrer por embate nos pilares;
- pode morrer por um barco atropelado;
- poder nem morrer.
Tudo isto são consequências previsíveis do crime típico, inerente à
consumação.
§ A teoria da consumação dizia que, ainda que através de um
processo causal diferente do que foi projetado pelo agente, o
resultado se viesse a verificar, ainda que de acordo com o
processo causal que constituísse a concretização do perigo tipo da
conduta, o erro não relevava à o agente seria responsabilizado
dentro dos quadros da unidade criminosa, i.e., pelo crime doloso
em causa.
Ex.: No nosso exemplo o agente seria punido na mesma, a morte
foi produzida por um agente causal que é concretização pelo
perigo típico da conduta à O agente seria condenado por
homicídio doloso.
• Só assim não sucederia, se não se tratasse de um perigo
típico.
Ex.: Imaginemos que a vítima chega água vivo e tenta
nadar para a margem, e aparece um tubarão que o comeu -
o aparecimento de um tubarão, por exemplo, nas águas
quentes do Porto não cabe nas consequências previsíveis
da conduta.
- Neste caso, ele seria apenas punido por tentativa, já que o
resultado provém de uma causa que não era antecipável.
. O ataque do tubarão não é uma consequência adequada
da conduta. à É uma consequência política-
criminalmente aceitável.
§ Embora esta doutrina conduza a resultados aceitáveis, ela é
insustentável no plano dogmático, já que estes autores partem da
conceção do dolo do tipo como um dolo natural.
• O dolo é conhecimento e vontade daquele concreto
resultado, com aquele processo causal concreto que foi
pensado pelo agente.
o Eles admitem que o processo causal não é
conhecido pormenorizadamente.
Ex.: Aquele que envenena não sabe quais são os
processos biológicos que se passam dentro da
vítima.
169
§ Conhece os efeitos gerais do ato e o
sentido global do ato.
170
o A este propósito podemos falar do dolo alternativo do homem médio:
quando alguém representa que a sua conduta pode preencher um crime
ou outro ainda.
§ Diz-se que, independente do crime que ele antecipou como
consequência possível da conduta, este crime consumado é-lhe
imputável.
• É este dolo do homem médio que caracteriza o elemento
subjetivo dos crimes dolosos.
171
• O sentido objetivo do ato é aquele.
A solução a que o prof. Almeida Costa chega para o erro sobre o processo causal vai ser
a mesma para uma figura que está próxima, embora a generalidade da doutrina não a
trate como tal: o erro na execução.
Ø No erro sob o processo causal o agente ofende o mesmo objeto, só que através
de um processo causal diferente daquele que projetou.
o No erro da execução o agente, devido a uma execução defeituosa, atinge
um objeto diverso.
Ex.: A quer matar B, dispara sob B e acerta em C àhá um desvio sob o
processo causal só que atinge um objeto diverso.
172
Que diferença tem esta situação em relação àquela em que o erro
de 40 cm faz com que a bala não atinja B, mas sim C.
- O homem médio não representaria a possibilidade de atingir C?
à tinha de representar.
No quadro do dolo do homem médio ele tinha de representar
várias hipóteses: acertar um órgão vital; não acertar um órgão
vital; falhar o tiro; acertar na pessoa ao lado, etc.
. O desvalor do ato é o mesmo. O sentido do ato é o mesmo.
- Deste modo, a situação do erro na execução, em que o agente
atinge um objeto diferente do inicialmente projetado, devam ter a
mesma solução das situações de erro sobre processo causal.
. A figura do erro do processo causal, do ponto de vista do
regente da cadeira, abrange também as situações de erro na
execução ou as situações que são autonomizadas como de erro na
execução.
. O facto de o agente atingir o mesmo objeto ou outro objeto
não atinge o sentido da antinormatividade da conduta – também
aqui o problema será o recurso ao critério do dolo do homem
medio (“que sentido é que o homem medio daria a esta conduta?
Que consequências associaria a esta conduta?” à se na base da
situação fosse de prever, à luz do critério do homem medio, que o
tiro tanto poderia ter a consequência de acertar no A de diferentes
formas, como no B, a solução deve ser a mesma que
Casos especiais de erro intelectual à não estão regulados expressamente na lei,
mas cuja solução resulta dos pp gerais:
o Erro sobre o processo causal
o Erro sobre a execução;
o Erro sobre a pessoa ou sobre o objeto.
173
coisa furtada. Pelo que o fruto da caixa de ouro integra um furto
qualificado.
Como resolver estes casos?
§ Há aqui que distinguir consoante o crime projetado e o crime
consumado sejam subsumíveis ao mesmo tipo legal de crime ou,
pelo contrário, não se verifique identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado.
• Afirmamos identidade típica sempre que o crime
projetado seja subsumível ao mesmo tipo legal do crime
consumado, que era diferente daquele que o agente
desejava realizar.
o Não há identidade típica quando o crime projetado
e o crime consumado não cabem no mesmo tipo
legal.
§ O que está aqui em causa é a questão de
saber se o crime projetado e o crime
consumado cabem no mesmo tipo
incriminador.
174
Ex.: A queria matar B, mas matou C à isso não releva para o
desvalor da própria conduta – ele matou uma pessoa.
- Quando há identidade típica entre os crimes projetados e crimes
consumados, a doutrina é unânime em punir o agente.
Como punir nestes casos em que o agente realiza um crime que não cabe
no mesmo tipo legal que ele projetou?
Existem várias posições:
§ Em primeiro lugar, a doutrina portuguesa começou a tratar estes
casos no quadro da unidade criminosa.
• O Dr. Cavaleiro Ferreira dizia que o agente deveria ser
punido pelo crime consumado a título de dolo.
o Uma solução que parece contrariar os
pressupostos do DP da culpa.
Ex.: O agente quer furtar uma caixa de latão, quer realizar um
furto simples e vem a realizar um furto qualificado.
- Vamos imputar-lhe a título de dolo algo que ele não quis
realizar.
Estamos a responsabilizar a título de dolo o agente algo que não
representou e não quis à e, por isso, estamos a violar os
pressupostos da culpa.
§ Já o Dr. Eduardo Correia dizia que sempre que não houvesse
identidade típica entre o crime projetado e o crime consumado à
o agente devia ser punido pelo agente projetado, como se tivesse
sido consumado.
• Esta posição viola o princípio do DP do facto, dado que
estamos a imputar ao agente um facto que na verdade não
se verificou.
Ex.: vamos supor que A quer furtar uma caixa de metal,
achando que ela é de ouro, mas afinal ela não é – É de latão.
O agente quer realizar o furto da caixa de ouro, mas, todavia,
consuma um furto simples.
175
- Para o Dr. Eduardo Correia ele iria ser punido pelo crime
projetado, ou seja, pelo furto qualificado.
Estas duas posições foram abandonadas.
o Atualmente, a doutrina, seguindo a doutrina maioritária na Alemanha,
consagrou a chamada SOLUÇÃO CONCURSAL.
§ No seguimento de Dr. Figueiredo Dias, a doutrina maioritária
portuguesa diz que nestes casos de erro sobre a pessoa e o objeto,
em que não se verifique a identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado à o agente deve ser punido pelo
concurso da tentativa do crime projetado – a título de dolo – em
concurso com o crime consumado – a título de negligência.
• Verdadeiramente esta doutrina, ao partir o crime numa
situação de concurso, desde logo perverte o sentido/
unidade da situação e o sentido do ilícito do caso e leva a
dificuldades práticas à vazios de punição.
o A punição da tentativa é excecional e a punição da
negligência também é excecional, o que significa
que se o crime projetado não for punido a título de
tentativa e o crime consumado não for punido a
título de negligência, haverá vazio de punição.
176
humano em geral. Não avaliamos ainda o desvalor do ato daquele
concreto agente.
- Avaliamos o sentido daquele ato como ato humano em geral à critério
do sentido do ato como se ele tivesse sido praticado pelo homem médio.
Ele quer furtar uma caixa de latão, mas afinal ela é de outro. Perante esta
situação, se fosse o homem médio a atuar será que ele também erraria?
Ele também veria uma caixa de latão ou uma caixa de ouro?
- Se de facto o homem médio, perante aquela situação, representasse
erroneamente que a caixa era de latão, então o sentido de
antinormatividade aos olhos de todas as pessoas seria um furto simples.
Se as generalidades das pessoas caíssem aqui no erro temos aqui um
crime de furto simples.
- Na hipótese inversa se o homem médio visse que era uma caixa de
ouro, então aí temos o ilícito típico do furto qualificado, não importando
se o agente era inimputável ou estava numa situação de não
exigibilidade, uma vez que isso se mede ao nível da culpa.
Ex.: Imaginemos que ele não quer furtar uma caixa de latão, mas sim
uma caixa de ouro, mas aquilo que ele julga que é ouro é latão.
- Se o homem médio achasse que era latão, aí temos furto simples porque
o sentido social é um furto simples à No plano do ilícito aquilo que
temos é um furto simples.
- Se o homem médio também errasse, i.e., a generalidade das pessoas
olhando para aquela caixa ficaria convencido que era de ouro.
. Não se verificando o resultado, porque de facto o agente apenas furtou
erradamente uma caixa de latão, ele seria punido por uma tentativa de
furto qualificado.
. Havia o desvalor da ação, porque ele queria praticar um furto
qualificado, mas não há desvalor do resultado, pelo que seria apenas
punido por uma tentativa de furto qualificado.
Ë Sintetizando: na conceção do Dr. Almeida Costa, perante as situações de erro
sobre a pessoa ou objeto em que não há identidade típica aquilo que temos que
fazer é questionar qual o sentido do ato se praticado pelo homem médio e
atribuímos ao ato o significado que teria na conceção do homem médio.
o Com uma única exceção: se a representação do homem médio não tenha
correspondência com o resultado (e aqui ele será punido pela tentativa do
crime projetado).
§ Se houver identidade típica entre o crime projetado e o crime
consumado, aí o erro não releva, sendo ele punido pelo crime
consumado pelo título de dolo.
• Se não houver identidade típica devemos questionar se o
homem médio com esta representação teria errado ou não
177
teria errado, em função do resultado qualificar o caso
como se fosse praticado pelo homem médio.
Depois do erro sobre pessoa e objeto importará estudar outra figura, que é talvez a que
suscita mais duvidas na dogmática à Dolus generalis.
Ø Dolus generalis.
o A generalidade da doutrina avança várias posições. à A doutrina em
relação a nenhuma delas fica satisfeita.
§ O prof avança com uma posição que também não o satisfaz
plenamente, apenas se julga que será um “mal menor” em relação
às demais soluções avançadas.
178
§ Outros autores vêm dizer que o encobrimento pode ser previsível
ou não, tendo de fazer depender isto do facto do agente já ter
projetado ou não o ato de encobrimento.
• Se já projetou, podemos considerar no seu todo o
processo criminoso (atos de execução e o ato de
encobrimento) e ver se na sua globalidade este processo
era adequado ou não a produzir o resultado.
180
conhecimento não é dado através dos processos de
integração social normal).
Ex.: devido a investigações científicas demonstra-se que
há uma nova partícula com uma influência terrível no
buraco de ozono e em virtude disso o legislador impõe a
utilização de um novo filtro adicional nos escapes dos
automóveis, punindo criminalmente quem não aplicar esse
filtro adicional.
- Suponha-se que A, fiel ao Direito, não conhece essa
proibição e entra no seu automóvel, que não tem esse
filtro. É evidente que ele atuou com o conhecimento
correto da situação, o que ele ignora é o caráter proibido
de andar com o automóvel sem o tal filtro adicional no
escape.
Esta situação é muito diferente, embora tenha em comum
o conhecimento da realidade fáctica e a ignorância da lei,
do erro da ilicitude em que o agente ignorava ilícitos há
muito interiorizadas na consciência axiológica comunitária
(dotados de grande constância histórica).
o Ora, é esta a situação do erro sobre as proibições.
181
§ Ao contrário do erro da ilicitude que se reporta às tais proibições
dotadas de consciência comunitária e que exprimem uma atitude
de contrariedade ou indiferença punível a título de dolo, nos
termos do ART. 17.º CP.
§ O erro sobre as proibições está regulado no ART. 16.º/ 1,
segunda parte. Na primeira parte vimos que estava regulada a
situação mais simples do erro sobre as circunstâncias de facto,
mas depois desta parte vem o erro sobre as proibições «O erro
(…) sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente
indispensável para que o agente possa tomar consciência da
ilicitude do facto, exclui o dolo.».
• Exclui o dolo, porque o dolo envolve a expressão de uma
atitude de contrariedade ou de indiferença perante um
dever ser penal, repita-se.
o Assim, neste caso, não existe essa atitude, apenas
sendo censurável o descuido/ leviandade – numa
palavra, ele apenas poderá ser punido a TÍTULO
DE NEGLIGÊNCIA. E isso mesmo diz o ART.
16º/3 CP.
182
Ø É que, para a doutrina tradicional, que assimilava o dolo do tipo ao dolo natural,
nestas situações de erro sobre as proibições havia um dolo natural à esgota-se
no conhecimento e vontade da factualidade típica e o que é facto é que ele
conhece os factos integradores do tipo objetivo da infração em causa.
o Por isso, os autores diziam que nestas situações de erro sobre as
proibições temos um ilícito doloso, só que depois, no plano da culpa, o
agente só seria punido por culpa negligente.
§ Esta posição foi seguida por vários autores, nomeadamente por
Figueiredo Dias, que a divulgou em Portugal.
o Deve dizer-se que esta posição ignorou que 24 anos depois o seu próprio
fundador veio dar ‘o dito pelo não dito’. Todavia, ninguém ouviu isto e,
seja como for, esta é uma solução anacrónica.
§ No quadro do Direito Penal do facto, a culpa é sempre a culpa
por um determinado facto ilícito, pelo que não faz sentido falar
numa culpa negligente por um ilícito doloso (posição que o
fundador desta tese reivindicou os tais 24 anos mais tarde).
184
§ Quando, em primeira linha, o agente não quer praticar um ato
ilícito (quer realizar outra finalidade), simplesmente o crime
surge como um efeito necessário ou muito provável dessa mesma
conduta.
• Aqui fala-se de um dolo necessário, uma vez que o crime
não é uma finalidade primeira, mas sim uma consequência
dessa mesma conduta.
o fala-se em consequência, quer dizer que é
consequência da realização do fim primeiro, que
até pode ser lícito ou indiferente para o Direito –
NÃO É MEIO.
Ex.: alguém que mata o polícia que está à frente do banco
para depois assaltar – dolo direto.
• O dolo necessário é um efeito necessário/lateral do fim
prosseguido pelo agente.
o Dolo eventual
§ Aqui o crime surge, igualmente, como um efeito lateral ou
secundário, mas que ao invés do dolo necessário, no dolo
eventual há uma diferente probabilidade.
• Vimos que no dolo necessário temos um efeito inevitável/
necessário ou muito provável, ao passo que no dolo
eventual é tão só um efeito possível dessa mesma
conduta.
Ex.: o senhor A detesta o senhor B, que tem uma casa de
campo que visita às vezes nas férias. O senhor A decidiu
incendiar a casa de B.
- Sucede que o senhor B tem lá o vizinho a guardar o seu
automóvel, e o senhor A sabe disso. Além do mais, o senhor
B tem lá uma empregada de limpeza que vai lá de vez em
quando e em alturas que não são certas.
Neste contexto, A QUER DESTRUIR A CASA de B à fá-lo
pelo fogo.
- Temos aqui DOLO DIRETO em relação à casa;
- Quanto ao automóvel do vizinho temos um DOLO
NECESSÁRIO à ele não quer queimar o automóvel,
contudo o ódio por B fá-lo prosseguir o incendio na casa.
. Quer dizer, embora não seja a finalidade da sua conduta
destruir o caso do vizinho, é uma consequência necessária
(muito provável) da conduta de lançar fogo à casa de B;
185
- Mas além disso, se, por mero caso, estava lá a empregada,
que falece em virtude do incendio à DOLO EVENTUAL,
uma vez que temos uma consequência tão só possível
186
o Em ambos os casos o agente representa o crime como uma consequência
tão-só possível da conduta; a diferença está num ELEMENTO
SUBJETIVO: «mas atuar sem se conformar com essa realização».
§ Nem sempre assim foi no passado – havia quem pretendesse estas
situações de dolo eventual e situações de negligencia consciência
com base num critério objetivo – terroriza da verosimilhança (Dr.
Figueiredo Dias chama teoria da probabilidade). à foi uma
teoria que foi abandona por não dar um critério preciso para a
distinção.
187
§ Diferente é a negligência consciente. Aqui o agente representa o
resultado da mesma forma como possível, todavia, ele atua
porque está convencido de que, naquela situação, e apesar de
tudo, tudo irá correr bem.
• i.e., o agente representa na mesma o crime como uma
consequência possível da conduta, mas só atua porque
está convencido de que naquele caso o resultado não se
vai consumar, isto é, não se conforma com a produção do
resultado.
o Nesta medida, a doutrina diz que o agente não
revela a tal atitude de contrariedade ou de
indiferença perante o dever ser penal; revela tão só
uma atitude de descuido ou leviandade, que é
caraterística da NEGLIGÊNCIA.
§ Portanto, nesta diferença radicaria a linha
de fronteira, de acordo com a teoria da
conformação, entre dolo eventual e
negligência consciente.
Contudo, isto leva-nos a levantar a questão: mas e se o agente não toma posição?
o É que para a teoria da conformação as coisas são muito claras no sentido
de que o agente toma uma posição expressa, mas muitas vezes nas
situações da vida as pessoas não chegam a tomar posição.
Então o que devemos fazer?
§ Houve na doutrina várias tentativas: houve quem o tentasse
explicar através da fórmula de Frank, ainda que um pouco
deturpada.
• Segundo esta fórmula, nestes casos em que o agente não
toma posição haveria que fazer uma ficção e perguntar o
que é que o agente teria decidido se, em vez de
representar o resultado tão só como possível, o tivesse
representado como uma consequência necessária e
inevitável do seu comportamento.
o Quer dizer que se vai ficcionar que naquele caso
se estava perante uma situação de dolo necessário
e não de dolo eventual.
o E se, em face das características e da
personalidade do agente, se chegasse à conclusão
de que, se ele tivesse visto que era um efeito
inevitável da conduta, não teria avançado então
estaríamos perante uma negligência consciente.
o Se, pelo contrário, na mesma situação, atendendo
às caraterísticas da personalidade do agente,
concluíssemos que este teria na mesma avançado
seria, então, dolo eventual.
188
• Esta posição é afastada, porque contraria o Direito Penal
do facto, uma vez que estaríamos verdadeiramente a punir
o agente, não por aquilo que ele fez, mas por aquilo que
ele é, isto é, em função de uma personalidade.
o É por isso que, em relação a estes casos intermédios em que o agente não
toma posição, é de seguir a fórmula da dupla negativa do Doutor
Eduardo Correia, que diz que quando o agente, representando o resultado
como possível, só atua porque confia que o resultado não se vai verificar,
estaria a atuar, segundo uma negligência consciente, dado que este não se
conforma com o resultado – ELE SÓ VAI ADIANTE COM A
CONDUTA PORQUE ACREDITA QUE O RESULTADO NÃO SE
VAI VERIFICAR.
§ Ora, se isto é negligência então o dolo tem de ser o contrário e
abranger tudo aquilo que não está compreendido na negligência.
• Daí que o Doutor Eduardo Correia venha dizer que no
dolo temos abrangidas tanto as situações em que ele toma
posição e se conforma, como as situações em que ele não
toma posição.
o Isto, porque o Direito Penal se contende com
lesões de bens jurídico essenciais, ou seja, com
lesões graves de bens jurídicos essenciais, pelo
que o não tomar posição é já expressar uma atitude
de contrariedade ou de indiferença perante um
dever ser penal, que é caraterística típica do dolo.
o Vamos ver que desde logo esta distinção ab initio é uma distinção que
tem que se por logo no âmbito do ilícito típico.
E essa era uma dificuldade que os autores do ilícito pessoal, que aderiam
ao ilícito doloso, mas que reconduziam o dolo ao dolo natural NÃO
PODIAM ULTRAPASSAR.
§ Repare-se que o dolo natural é conhecimento e vontade de
realização de um tipo, o elemento intelectual e o elemento
189
volitivo acabam por ser os mesmos no dolo eventual e na
negligência consciente.
• Em ambos os casos o agente conhece a conduta e conhece
que possivelmente ela pode conduzir à realização de um
crime, mas quer a conduta à o que significaria que para a
doutrina do ilícito pessoal que reconduz o dolo do tipo ao
dolo natural não distinguia no plano do ilícito entre o dolo
eventual e a negligencia consciente (era uma distinção só
no plano da culpa).
o Encontramos, por isso, aqui a contradição que
encontrávamos no caso do erro sobre as
proibições: nos casos de negligência consciente
estar-se-ia a punir a título de culpa negligente a
prática de um tipo doloso.
o É claro que esta situação está prevista na lei, pelo que, nos termos do
princípio da legalidade temos que obedecer a esta teoria, porém há fortes
críticas, porque quer queiramos quer não, na distinção entre dolo
eventual e negligência consciente o que nós estamos a fazer é punir
diferentes modos de ser.
§ Em ambos os casos o agente representa o crime como uma
consequência possível e quer realizar essa conduta – a
conformação ou não tem depois que ver com o modo de ser, com
o caráter da personalidade (‘é o otimista inveterado ou o
pessimista doentio’).
- Será isto suficiente no quadro do Direito Penal do facto para se admitir uma
distinção?
- E depois, no ponto de vista político-criminal questiona-se: o que é que é mais
perigoso do ponto de vista social?
o O sujeito que naquele caso atuou e se conformou com o resultado, dado
que é o tal pessimista doentio
§ Ou aquele outro que é um otimista inveterado, para o qual nunca
há problemas e ‘para a frente é que é o caminho’.
Ë Nota: isto não é mais do que uma proposta que tem duas vozes a favor, mas para
já nós temos uma lei e o princípio da legalidade criminal tem de ser respeitado,
pelo que continuamos a ter de distinguir no âmbito do dolo as três modalidades
(direto, necessário e eventual) e a ter de contrapor o dolo eventual à negligência
consciente na base da teoria da conformação.
o Na interpretação da teoria da conformação deve ser mantida a fórmula da
dupla conformação do Doutor Eduardo Correia para distinguir entre dolo
eventual e negligência consciente.
Quanto ao elemento volitivo é ainda necessário que se fale noutras figuras e noutras
situações, desde logo na figura do dolus alternativus: uma conduta pode levar a um
crime ou a outro e o agente conforma-se com qualquer deles; a figura do dolus
antecedens e a do dolus subsequens.
191
Como punir o agente neste caso?
o Terá de ser punido a título de dolo, uma vez que para todos os efeitos o
agente conhece e quer como consequência da sua conduta, ainda que em
termos alternativos, a produção de um resultado ou de outro.
192
• Deve ser punido por aquela que melhor exprimir e se
ajustar ao desvalor jurídico-criminal da concreta situação
(do ato em causa).
193
- neste último caso não podemos imputar o crime a título de dolo à o que
verdadeiramente há aqui é um ato negligente, uma vez que o dolo é conhecimento e
vontade da realização do tipo legal.
. o projeto do agente era tão-só disparar e atingir o agente depois dele consumar o
furto, depois da subtração do património. Ele acaba por realizar o ato em momento
anterior e de forma não intencional, não dolosa, pelo que, necessariamente, o dolus
antecedens não releva, nestes casos.
Ex.: no furto não basta que o agente queira subtrair coisa movel alheia –
é necessário que o faça com intenção de apropriação, com intenção de a
fazer sua.
- na burla não basta o dolo de produzir o dano no património da vítima à
ele produz esse dano com intenção de enriquecer propriamente ou
alheiamente.
- nos crimes sexuais não basta a prática de ações pudicas à é necessário
que lhes presida uma intenção libidinosa.
Ø Qual é a diferença entre elementos subjetivos e o dolo?
o O dolo encontra correspondência no tipo objetivo à nos crimes doloso,
via de regra, há correspondência ou simetria entre tipo objetivo e o tipo
subjetivo.
§ Aquele que o agente projeta e quer é aquilo que realiza no plano
exterior.
o Portanto, o dolo é conhecimento e vontade de realização do tipo
objetivo:
195
elementos da subjetividade, por serem conceitos
imprecisos, põem em causa a certeza e segurança na
aplicação do dto penal.
o Por outro lado, no plano substancial poe em causa
o modelo do dto penal do facto, uma vez que
parece que se está a punir um modo de ser, certas
tendências, certos aspetos da interioridade do
agente que não deveriam ser considerados no
quadro do dto penal do facto.
§ Assim, esses autores defendem a sua
abolição.
o Importará reter que, por via de regra, o tipo subjetivo dos crimes dolosos
esgota-se no dolo do tipo e, portanto, no dolo tal qual como o
caracterizamos e cujo regime já foi analisado.
§ No entanto, excecionalmente, o legislador, a propósito de certos
crimes, pode exigir elementos subjetivos especiais à especiais
intenções, especiais motivos (ex.: homicídio qualificado – matar
por razões económicas ou por odio racial), e características da
atitude interior (certo modo de ser, a crueldade, brutalidade, total
insensibilidade), que interferem na modelação do tipo subjetivo
do ilícito doloso.
• Sempre que o legislador exigir esses elementos
subjetivos, sempre que faltar 1 deles, não temos um crime
em causa.
o A distinção entre tipo objetivo e subjetivo, no
quadro de uma doutrina do ilícito pessoal, é uma
distinção artificial, uma vez que assim como o
ilícito doloso é uma unidade subjetivo-objetivo, à
também o tipo incriminador doloso, enquanto
expressão desse ilícito objetivo, é também uma
unidade subjetivo-objetivo.
196
Os tipos justificadores – causas de exclusão da ilicitude/ilícito
A matéria dos tipos justificadores está relacionada com certas figuras que representam
contratipos. Isto é, uma determinada conduta preencheu um tipo incriminador, contudo,
existem circunstâncias adicionais que retiram a circunstância criminal e a conduta deixa
de ser considerada ilícita.
Ex: Furtar é proibido, mas alguém pode furtar em estado de necessidade. Matar é
proibido, mas se for em legitima defesa é permitido, desde que preenchidos os necessários
pressupostos previstos na lei.
Neste seguimento iremos falar da Teoria Geral dos Tipos Justificadores, analisando os
princípios comuns a todos os tipos incriminadores. Todavia, é necessário recuar e fazer
uma revisão do que demos anteriormente.
Revisão…
O conceito material de crime é reconduzível, de acordo com as duas funções do direito
(função de conformação/ordenação e função de proteção/garantia), às normas de
determinação dirigidas a impor um comportamento futuro dos cidadãos. O núcleo do
crime radica, portanto, no desvalor da ação, na contrariedade da conduta à norma de
determinação. Isto não significa que o desvalor do resultado não releva, mas assume um
papel secundário.
Neste sentido, todo o crime tem de ser uma conduta humana violadora de uma norma de
determinação, sendo que a doutrina autonomiza como expressões do desvalor da ação 4
espécies de crimes: crimes dolosos e crimes negligentes e crimes por ação e crimes por
omissão. Esta ideia de crime levou à autonomização das dogmáticas dos crimes
anteriormente citados. Desta forma, a construção geral do crime surge dividida em, pelo
menos, três grandes capítulos: teoria geral do crime doloso, a teoria geral do crime
negligente e a teoria geral do crime por omissão.
Esta teoria geral do delito trata-se de uma decomposição analítica do conceito material de
crime. Já falamos da teoria geral do crime doloso, mas não a terminamos. De facto,
começamos por decompor a ideia de ação dolosa, que se traduz num crime onde se
verifica uma convergência entre o lado subjetivo (dolo – aquilo que o agente projeta
realizar) e o lado objetivo do crime. Esta unidade objetiva-subjetiva vai ser decomposta
nos seus elementos constitutivos. Neste contexto, vimos que a as várias categorias do
sistema vão avançando do menos exigente para o mais exigente, sendo que em 1º lugar
temos de ter uma ação humana, isto é, tem de existir uma intencionalidade de uma
manifestação do agente (neste sentido, os atos reflexos, os sonambulismos não contam
para a verificação de uma ação humana).
Contudo, verificamos que a ação humana não é suficiente para determinar o crime, é
necessário que a ação seja ilícita típica. Neste sentido, o tipo mais não é do que os juízos
de valor subjacentes à lei. Já o ilícito típico corresponde ao ilícito típico pessoal, em que
interfere a subjetividade do agente. O ilícito pessoal distingue entre ilícito doloso e o
ilícito negligente.
No ilícito estamos a determinar o ato humano em geral (objetivo). Na culpa estamos a
avaliar o sentido pessoal-subjetivo enquanto ato daquela concreta pessoa. Devido a
197
caraterísticas pessoais do agente, um certo comportamento ilícito pode não ser culposo.
Ex: o Sr. A dispara sobre um órgão vital do Sr. B. Ora, trata-se de um ato de homicídio
doloso (ato humano em geral – sentido objetivo). Mas, suponhamos que aquele Sr. A era
inimputável – temos um ilícito doloso, mas não temos uma culpa dolosa, pois este ato
integra uma das causas de exclusão da culpa. O que varia do juízo de ilicitude e culpa é o
critério de valoração.
Voltando ao conceito de ilícito típico não separamos o ilícito do típico, tendo, neste
sentido, sempre um ilícito típico (doloso).
Ora, nos tipos incriminadores, de que já falamos, o legislador descreve essa unidade
objetiva-subjetiva em que consistem os vários ilícitos típicos dolosos.
Assim, o tipo é composto de elementos objetivos e subjetivos e, ao nível do tipo
incriminador estudamos primeiro o tipo objetivo e depois o tipo subjetivo. Mas,
salvaguardamos que esta distinção é artificial, apenas se justificando em termos
pedagógicos, porque na verdade o tipo é uno, na medida em que é uma unidade objetivo-
subjetivo.
Por fim, acabamos a matéria do 1º semestre analisando os casos especiais do tipo
subjetivo.
199
deve ser entendido não como uma unidade de sobreposição, mas como uma
unidade de congruência entre o ilícito penal e o ilícito de outros ramos do direito,
tal como existe essa congruência nas funções do direito.
A doutrina monista apontava para a doutrina que viria a ser a doutrina dominante
– princípio da prevalência de interesses/principio da ponderação de interesses –
toda a conduta que apesar de preencher o tipo incriminador, lesa-se um bem
jurídico menos valioso para salvaguardar um BJ mais valioso seria licita. Depois,
havia outra teoria dentro desta doutrina que se designava de teoria do fim ou da
maior vantagem do que o prejuízo em que, ainda que a conduta preenchesse um
tipo incriminador deixava de ser ilícita sempre que configurasse em concreto a
configuração de um fim justo. Contudo, esta teoria apresenta falhas, na medida
em que é imprecisa e apresenta uma fórmula vaga que não é operatória num plano
dogmático. Contudo, é através do princípio da ponderação dos bens e prevalência
do BJ mais valioso perante o menos valioso que assenta o fundamento para os
monistas
201
Nestas situações, a doutrina dizia que estava admitida a justificação do ilícito, pelo que o
agente sairia impune. Contudo, esta solução é absurda porque o sentido da conduta era o
da produção de um dano, pelo que o agente devia ser punido. Se o núcleo do ilícito esta
no desvalor da ação (ilícito), para sabermos se a conduta estava ou não justificada, temos
de atender aos elementos subjetivos do agente, isto é, à culpa. Ora, a generalidade dos
tratados modernos reconhece que a todas as causas de justificação tem de existir um
fundamento comum: o agente saber e quer realizar aquela conduta justificativa, isto é, o
conhecimento do agente de que está a atuar a coberto de uma causa de justificação, que
desempenha ao nível do tipo justificado a mesma função que o dolo representa no tipo
incriminador.
Devemos distinguir nas causas de justificação entre tipo objetivo (elemento comum a
todos eles) e o tipo subjetivo (definição da realidade subjetiva de cada tipo justificador).
Por exemplo, desde que o agente conheça a situação e estiverem preenchidos os seus
pressupostos, a legitima defesa está preenchida. Assim, é de restringir o elemento objetivo
de todas as causas de justificação ao facto de o agente saber que está a agir em legitima
defesa. O princípio da justificação não pode ser apenas atinente ao desvalor do resultado
– princípio da inexigibilidade objetiva. Neste sentido, se faltar o elemento subjetivo
(conhecimento do elemento de justificação), não existe justificação do ilícito.
Existe depois a ideia de que também os tipos justificadores comportam um elemento
objetivo (descrição da situação fáctica de cada tipo justificador) e um elemento subjetivo
(o conhecimento da situação de justificação. Quanto ao tratamento dos casos em que falte
o elemento subjetivo não há unanimidade. Assim, no art.38º/nº4 do CP, que se reporta
apenas ao consentimento do ofendido, a doutrina maioritária diz que este nº4 é um
princípio geral que se aplica a todos os tipos justificadores, pois, se ele não sabe que está
a atuar ao abrigo de um tipo justificador vai ser punido por uma situação análoga à
tentativa. Ora, o agente não conhece que está a atuar a coberto de um tipo justificador
pelo que não há tentativa, mas há uma situação análoga à tentativa, na medida em que há
um desvalor da ação, mas a que não se segue o desvalor do resultado, pois no plano
objetivo aquele dano foi um dano necessário para preservar um BJ mais valioso.
O que sucede quando há o desconhecimento da justificação? A conduta é ilícita porque
não temos tipo justificador. Mas, o agente vai ser punido e, em que termos? Como vimos,
a doutrina maioritária diz que esta situação é análoga à tentativa, pelo que o agente deve
ser punido a título de tentativa. Embora não se trate de uma situação de tentativa, é
análoga à tentativa porque houve um desvalor da ação, mas não um desvalor do resultado.
O FD diz que de facto é análoga à tentativa, pelo que é de aplicar o regime da tentativa,
ou seja, quando se trata de um crime que não e punível a título d tentativa, o agente deve
sair ileso.
Sempre que faltar o elemento comum de todos os tipos justificadores, o agente será
punido a título de tentativa. Todavia, o prof discorda porque entende que sempre que
faltar o elemento subjetivo o agente deve ser punido a título de consumação.
Ex: O Sr. A tem um inimigo (sr. B) e sabe que ele vai todos os dias a um café e faz-lhe
uma espera para o matar. Efetivamente mata-o, mas vem a provar-se à posteriori que o
sr. B também estaria preparado para o matar, mas que ele foi mais lento a disparar. De
acordo com a doutrina tradicional, esta situação levaria a que o agente, sem saber, estaria
202
a atuar sobre legitima defesa, pelo que o agente seria punido apenas por tentativa. Mas,
esta solução é absurda porque há um desvalor de intenção, há um desvalor de ação e há
um desvalor do resultado. Assim, no quadro do ilícito pessoal estamos a avaliar o desvalor
da ação naquela concreta situação. O que valoramos é o sentido do ato e, neste caso temos
desvalor do crime doloso consumado, pelo que ele deve ser punido a título de consumação
(opinião do prof.). E, o que vem previsto na letra da lei no art.38º/nº4 do CP, não vale? E
o princípio da legalidade?
Ex: Um senhor muito abastado e solteirão, que apenas tinha como descendentes os seus
sobrinhos, possuía moedas valiosas e, pediu ao seu mordomo que as entregasse a um dos
seus sobrinhos favoritos. Contudo, esse sobrinho, numa situação de aperto económico e
sem saber da intensão do seu tio de lhe doar as moedas, assalta a casa e rouba as moedas,
sendo apanhado. O ato do tio dizer ao mordomo que aquilo é para o sobrinho já implica
a renuncia ao seu património sobre as moedas. Trata-se de consentimento, pelo que aqui
não há desvalor do resultado, dado que o tio já repudiou esse património. Ora, o que temos
é um desvalor da ação a que não se segue um desvalor do resultado, pelo que a solução
do art.38º/nº4 do CP apenas se justifica no consentimento do ofendido, mas já não se
justifica na legitima defesa, por exemplo. No consentimento não há desvalor do resultado,
mas nas outras situações de causa de justificação existe desvalor de resultado. Assim,
exceto nestas situações de consentimento que devem ser punidas a título de tentativa, as
restantes situações devem ser punidas a titulo de consumação dolosa (opinião do prof.).
Neste sentido, no âmbito da teoria da culpa limitada, devemos distinguir, nos tipos
justificadores, duas situações: o erro sobre as circunstâncias de facto (art.16º/nº2 e nº3
do CP) e o erro sobre a ilicitude (art.17º do CP)
O erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação trata-se da situação inversa à
falta do elemento objetivo. No erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação, o
agente julga que está a atuar numa situação de justificação, mas não está.
Ex: no Carnaval há uma pessoa que tem o hábito de passear depois do jantar e um seu
amigo quer lhe fazer uma partida. O amigo disfarça-se de bandido com uma pistola falsa,
mas o homem dispara convencido de que estava a ser agredido e de que estaria a agir
sobre legitima defesa. Ora, trata-se de um erro sobre os pressupostos de justificação. E,
nestes casos, a maioria da doutrina distingue entre erro intelectual e erro de
valoração/sobre a ilicitude/moral, ou seja, distingue entre erro sobre as circunstancias de
facto previsto no art.16º/nº2 do CP ( “erro sobre um estado de coisas” - esse estado de
coisas são os pressupostos fácticos de uma causa de justificação) em que o agente apenas
pode ser punido por negligencia, nos termos do art.16º/nº3 do CP, desde que se verifiquem
os requisitos formal (art.13º do CP - o crime admitir a negligencia) e o requisito material
( art.15º do CP - o erro dever-se a ausência do dever objetivo de cuidado).
Depois temos o erro sobre a ilicitude previsto no art.17º. Nestes casos trata-se de um erro
sobre os contornos da ilicitude, sobre os limites da causa de justificação.
Ex: O Sr. A é imigrante e veio para Portugal de férias para construir uma casa no seu país
de origem (Portugal). O Sr. A contrata o mestre de obras, que lhe diz que precisa de um
adiantamento para as despesas de construção e o sr. A paga e volta para o pais onde é
imigrante. Quando no ano seguinte volta a Portugal, deparasse com a ausência das obras.
203
Na pretensão de resolver o seu problema, o Sr. A vai a casa do mestre de obras e este não
está, mas ele vê um quadro valioso que se encontra na sua casa e leva-o, convencido que
estaria a agir em legitima defesa do seu património, e convencido que a legitima defesa
recobre esta situação. Mas, a legitima defesa não cobre estas situações, dado que os
direitos de crédito não se podem exercer por legitima defesa. O Sr. A erra sobre a ilicitude,
e não sobre as circunstancias de facto, pelo que o ato se for censurável é punível a titulo
de dolo. Aqui o agente tem um concreto conhecimento dos factos, mas erra sobre os
contornos da ilicitude.
204
entra em casa é que o cão intervém. A atualidade existe porque é perante
uma agressão.
2. Hipóteses de legitima defesa preventiva: Ex.: Imaginemos uma estância
de ski. Num restaurante, duas pessoas combinam um assalto às casas na
estância. O dono do restaurante apercebe se e para evitar a lesão do BJ
(não há possibilidade de recorrer à força publica porque há um forte nevão
que impossibilita a circulação de carros) mete um comprimido na bebida
dos assaltantes e estes adormecem só acordando no dia seguinte. Há
possibilidade da legitima defesa. O Dr. FD coloca algumas restrições, na
medida em que as hipóteses de legítima defesa em DP são excecionais. O
prof não concorda. Considera que neste caso não é colocado em causa o
requisito da atualidade. Se o dono do restaurante não consegue em tempo
útil recorrer à força publica e evitar a lesão do BJ em causa, o prof admite
a possibilidade da legítima defesa preventiva (com base numa
interpretação restritiva).
Nota: Quanto ao termo da agressão entende se alguns problemas ao nível patrimonial:
quanto ao furto- o furto consuma se com a subtração da coisa e ter como objetivo fazer
sua a coisa. Quando o assaltante coloca as joias na mochila ele já consumou o furto? O
dono não pode atuar? Pode sim atuar em legítima defesa. Para efeito de LD a infração só
esta consumado quando o agente já esta a retirar da coisa furtada as utilidades normais
que o proprietário retiraria. Assim mesmo que ele tenha já as joias na mochila o dono da
ourivesaria pode intervir. Mesmo que ele tenha corrido até sua casa, o dono da ourivesaria
pode intervir com base na legítima defesa.
Requisitos da defesa:
v Requisito subjetivo geral (comum a todos as causa de exclusão) o agente tem
de saber que esta a atuar coberto pela legitima defesa. Se o agente não sabe falta
o requisito subjetivo. O ato é ilícito. Não há legítima defesa. Aplicação
analogicamente do art. 38º/4 do CP: o agente será punido tão só pela tentativa: há
um desvalor da ação a que não se segue o desvalor do resultado. assim só há
desvalor da ação juridicamente relevante. O prof discorda. Defende que há
desvalor da ação, desvalor do resultado e desvalor da intenção.
v Requisito da necessidade do meio: diz se que de entre todos os meios disponíveis
ao agente ele deve recorrer ao estritamente necessário; aquele que for menos
gravoso. A LD não é o dto à vingança, mas sim um dto vinculado a uma finalidade
específica: evitar a lesão do BJ. Este requisito deve ser valorado perante as
situações concretas. O legislador e a doutrina dizem que necessária à defesa será
o meio que naquela concreta situação atendendo a todas as circunstâncias se
mostre adequado, de acordo com o padrão do homem médio. A doutrina sublinha
que entre os meios de defesa a ponderar pelo defendente não deve intervir a
possibilidade de fuga. Que ideia está aqui em causa? Fundamento material de LD:
a inexigibilidade objetiva: não é exigível a uma pessoa que está no gozo dos seus
dtos que tenha de ceder a uma agressão ilícita. Reconhece se o dto de perante
205
aquela agressão possa responder e não tenha de recuar. Dentro da LD há que
procurar de acordo com este requisito da necessidade do meio a forma menos
gravosa para proteger o BJ da agressão, sendo que não se deve contar com a
possibilidade de fuga. Quando falta a necessidade do meio (ou seja, se o agente
vai para além do necessário), não há LD e o comportamento é ilícito- “excesso
intensivo de LD”.
Na terminologia mais antiga distinguia se:
o excesso extensivo (erro sobre os pressupostos de facto do tipo justificador-
art. 16º/2 do CP- o agente só poderá ser punido a título de negligência
(com os requisitos preenchidos devidamente);
o excesso intensivo – verifica se sempre que o agente vai para além do
estritamente necessário para a defesa- aqui há que distinguir entre duas
hipóteses de excesso intensivo:
1. Excesso intensivo de natureza asténica: tem que ver com estados
asténicos: medo, pavor, susto. Assim o defendente perde a noção das
medidas das coisas indo para além do necessário à defesa;
2. Excesso intensivo de natureza esténica (estados de afeto esténicos-
raiva, furor, vingança- vão para além do necessário com o intuito de
fazer justiça pelas próprias mãos.
Esta classificação logrou consagração no CP- art. 33º - está regulado o excesso
intensivo. No art. 33º/2 o legislador reporta se ao excesso intensivo asténico.
Mas a todo o excesso asténico? Parece que não. O medo e o susto são
censuráveis? Podem sim. Pensemos no caso das pessoas que receberam
preparação especial para lidar com situações de crise (caso do nadador-salvador;
bombeiro…). Há pessoas que tiveram preparações especiais em que lhes é
exigível mais do que é exigido ao homem comum. É esta possibilidade de censura
a que se reporta no nº2 do art. 33º. Aqui teremos de medir a censurabilidade em
função das características da posição sociocultural do agente. O nº2 fala apenas
então do excesso intensivo asténico não censurável. E se for censurável? Onde
está regulado? Está no nº1 do art. 33º- regime geral do excesso intensivo seja ele
esténico, ou asténico (remete para os arts. 73º e 74º do CP). Sempre que
estivermos perante o excesso intensivo de natureza esténico ou asténico
censurável aplicamos o nr. 1 do art. 33º. No nr. 2 do art. 33º está apenas o excesso
intensivo asténico não censurável. A própria lei diz que o agente fica impune. A
doutrina diz que está em causa uma ideia de inexigibilidade: a doutrina enuncia
como causa de exclusão da culpa. A exclusão da culpa fica a dever se ao
circunstancialismo exterior. A exclusão da culpa pode ficar a dever se a fatores
endógenos internos ou fatores endógenos externos (que leva à exclusão total da
culpa ou então para atenuação da culpa). A doutrina tradicional que diz isto cai
numa contradição. Quando é censurável e não censurável? Quando cai no critério
do homem médio. Aquilo que a doutrina diz que exclui a culpa não exclui a culpa-
exclui sim a própria ilicitude- apela para a inexigibilidade objetiva que é causa
de exclusão da ilicitude. Assim este art. 33º na parte que se considera que
intervém critérios do homem médio (homem fiel, leal ao Direito) temos uma
causa supralegal de exclusão da ilicitude. A nossa lei fala de exclusão da culpa,
ou seja, esta a falar de inexigibilidade subjetiva, só que antes desse juízo, temos
de verificar se aquela situação à luz do homem medio é censurável ou não. Se
206
chegamos à conclusão de que a luz do homem médio o medo era aceitável então
exclui se a ilicitude.
Esta posição da legitima defesa conduzia a soluções insuportáveis à luz do senso
comum, logo a doutrina estabeleceu limitações.
Exemplo: um velho tem um pomar de macieiras perto de uma escola e as crianças furtam
uma maçã, e ele ralha. Certo dia decide disparar sobre uma criança quando lhe rouba uma
maçã - estão aqui preenchidos os requisitos da legitima defesa? Contraria o sentimento
de justiça e para evitar isto a doutrina introduziu como limite, a teoria do abuso do
direito. Os direitos são atribuídos com um sentido, como realização de justiça, logo a
legitima defesa não podia cobrir uma situação injusta como a do exemplo. A legitima
defesa passou a ter a clausula de segurança que é o abuso de direito. É uma clausula geral
que não se adequa à certeza e segurança do direito penal. A doutrina evolui para a teoria
dos limites éticos sociais à LD. Tanto a teoria dos limites ético sociais como a teoria do
abuso de direito eram limites exteriores. Foi isso que mudou da teoria dos limites éticos-
sociais para a teoria atual. A teoria atual importou a teoria dos limites éticos sociais
para dentro, considerando-a limites intrínsecos. Acrescentou-se um terceiro
requisito à legitima defesa que é a necessidade de defesa/justiça da defesa.
v Requisito da admissibilidade normativa ou justiça da própria defesa: o
conteúdo deste terceiro requisito concretiza se nas mesmas situações tipo no
quadro da teoria dos limites éticos sociais. Este terceiro requisito é designado
pelos alemães e por Figueiredo Dias de necessidade da defesa.
Situações que já estavam enunciadas na teoria dos limites éticos
sociais: quando a agressão é não culposa: pensemos na agressão de um
inimputável- pensa se que deve haver da generalidade das pessoas uma
maior tolerância. Embora não se negue o recurso à LD estabelecem-se
limites, ou seja, quando o defensor não poder furtar-se ao confronto. Por
exemplo quando o inimputável se dirige a agredir verbalmente alguém-
neste caso deve se restringir e negar se a possibilidade de recorrer à LD
sempre que o agente poderá furtar se ao confronto. Podemos ainda ir mais
longe e falar- se dos casos da negligência. A punição da negligência é
excecional. Nas situações da negligência ele não tem consciência que está
a praticar um caso ilícito. O agente só poderá recorrer à LD se a pessoa
não puder furtar se ao confronto;
Posições especiais: entre o agressor e defendente existe uma relação
própria: nestes casos deve haver restrições. Não se nega o recurso à LD.
Deve haver uma limitação. A mesma que enunciamos para aqueles casos
em que a agressão não é culposa. Assim só admitimos ao recurso à LD
quando o agente não possa furtar-se ao confronto.
Agressões provocadas: alguém provoca outrem e em função da agressão
o outro agride-o.
A doutrina nestes casos distingue duas hipóteses: provocação pré-
ordenada: tem como objetivo gerar uma agressão e depois agir a coberto
da LD. Aqui a doutrina é unânime e nega a possibilidade de LD. A defesa
do agente não será então no quadro da LD, mas sim no quadro do estado
de necessidade defensivos (estudaremos mais adiante- reter que esta figura
207
tem requisitos mais apertados); provocações que não foram pré-
ordenadas: por exemplo, chamar nomes ao Presidente do clube rival- aqui
há uma provocação simples. O agente não pretende desencadear uma
situação de LD. Esta situação afeta a LD? A doutrina aqui é unânime e
entende que para se legitimar o recurso à LD é necessário o preenchimento
de dois requisitos: a conduta tem que caber num tipo incriminador
(injurias, difamações, calúnias) - ou seja a provocação tem que revestir um
comportamento penalmente relevante; a resposta do provocado tem que
ser próxima com a provocação para se poder dizer que é uma resposta
próxima da provocação- só ai a provocação exclui a LD. Mais uma vez o
agente só poderá defende se no quadro do estado de necessidade
defensivo.
Quando se verifica uma crassa desproporção entre o valor do BJ
ameaçado e aquele que é sacrificado para salvaguardá-lo: a LD não
assenta no pp da ponderação de interesses, mas há limites. Quando essa
desproporção é abissal, é evidente- não cabe na cabeça de ninguém admitir
o sacrifício da vida humana para salvaguardar um BJ de diminuta
importância (caso do idoso e do seu pomar). Os dtos do proprietário serão
acautelados, mas isso será problema do DC. Da perspetiva penal nega se
a LD.
Suscitado pelo art. 2º/2 da convenção europeia dos dtos do homem:
parece que veio pôr em causa a possibilidade de se lesar BJ mais valiosos
para se proteger BJ menos valiosos. Este art.2º/2 apenas funciona em casos
de LD em auxílio de terceiro exercido por força da ordem. Em relação a
estes não pode haver sacrifício do valor da vida para salvaguardar
interesses patrimoniais
Artigo 32.º
Legítima defesa
Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
Confirma todos os elementos a propósito da legítima defesa: prevê a LD exercida para
defesa de interesses próprios ou de terceiro; requisito da agressão- comportamento
humano atual e ilícito e quanto à defesa a mesma tem que ser um meio necessário
Estado de necessidade
Traduz-se na situação de alguém se deparar com uma situação de bem jurídico em perigo,
próprio ou de 3º, p afastar esse perigo, na impossibilidade de recorrer a outro meio
(nomeadamente, à força pública) a reage/ salvaguarda o bem jurídico à custa da esfera
jurídica de terceiro (que nada teve a ver/ contribuiu com a situação de perigo). Este 3º
está na livre fruição dos seus dtos.
Com isto estamos a circunscrever a parte inicial da configuração do Prof. à configuração
tradicional do estado de necessidade. É o chamado, hoje, estado de necessidade ofensivo.
208
Este estado de necessidade ofensivo, que era o desenho tradicional do Estado de
Necessidade – tradicionalmente, o estado de necessidade era definido nos manuais de
autores como Cavaleiro Ferreira e Eduardo Correia, restringido a esta situação de estado
de necessidade ofensivo. Ofensivo porque, como foi referido, se traduzia precisamente
na salvaguarda de um bem jurídico próprio ou alheio que está em perigo à custa/ através
da ofensa da esfera jurídica de 3º que nada tem a ver com a situação.
No entanto, p/ a doutrina moderna o estado de necessidade hoje não se restringe ao estado
de necessidade ofensivo – fala-se no estado de necessidade defensivo, que foi uma figura
introduzida na Alemanha e, depois, acolhida entre nós p/ resolver um problema de uma
lacuna resultante, não do regime do estado de necessidade, mas do regime da própria
legitima defesa.
Estado de necessidade ofensivo
Aquele que até há algumas décadas esgotava a figura do estado de necessidade.
Verdadeiramente é uma causa de exclusão da ilicitude/ tipo justificador ou tão-só uma
causa de exclusão da culpa? De início (séc. XIX – Feuerbach) compreendiam o estado de
necessidade tão-só como uma causa de exclusão da culpa. Referia-se a este propósito, um
exemplo de escola, a Tábua de Carnéades.
Ex.: tínhamos 2 náufragos e um deles estava agarrado a uma tabua de madeira que apenas
suportava o peso de uma pessoa.
O outro naufrago, p/ se salvar tirava a tabua de esse outro colega, sendo que com isto
estava a salvar a sua via, e no mesmo passo a lesar a vida de outrem, que morreria afogado.
A doutrina entendia este caso como um caso que envolvia ilicitude: o ato do agente ia
implicar a morte, a lesão do bem jurídico vida do outro.
Todavia, excluía-se a culpa com base numa ideia de coação psicológica, i.e., ele estaria
numa situação em que, devido ao circunstancialismo exógeno não era exigível outro
comportamento, da parte do DP, ao concreto agente.
Por isso estas situações de estado de necessidade, entendia-se, que excluíam apenas a
culpa. É a chamada Teoria Subjetiva do Estado de Necessidade.
Pelos meios do séc. a escola penalista Egliana, inspirada pela filosofia de Eagle, vem,
todavia, pôr em causa esta ideia dizendo que ao menos em algumas situações, quando
estivesse em causa a salvaguarda da vida ou da integridade física, portanto, de bens
jurídicos pessoas à custa de bens jurídicos patrimoniais, o estado de necessidade retirava
o valor objetivo do ato, excluindo a própria ilicitude do ato (Teoria Objetiva do Estado
de necessidade)
Nesta luta de escolas (Teoria objetiva vs. Teoria Subjetiva) viria a resultar, nos finais do
séc. XIX, aquela que ainda hoje é a doutrina maioritária – Teoria Diferenciada do
Estado de Necessidade.
209
Esta teoria vem dizer que o estado de necessidade, nem é só uma causa de exclusão da
culpa, nem só causa de exclusão da ilicitude, pode ser uma coisa ou outra, consoante as
circunstâncias do caso.
Para distinguir estas duas situações recorre ao pp da ponderação de interesses.
Diz que: numa situação de conflito de bens de estado de necessidade, o agente
salvaguardar o bem jurídico mais valioso à custa do menos valioso, o estado de
necessidade EXCLUI a ilicitude e, nesse caso, estar-se-á perante o estado de necessidade
objetivo, justificante (causa de exclusão da ilicitude).
É também designado na nossa lei, no ART. 34º CP, de Dto de Necessidade, i.e., porque
as causas de justificação dao um verdadeiro dto a agir.
Ao invés, sempre que na situação de estado de necessidade o agente salvaguardar um bem
jurídico menos valioso ou tão valioso quanto aquele que sacrificava, o estado de
necessidade só poderia excluir a culpa e, nesse caso, estar-se-ia perante um estado de
necessidade subjetivo ou desculpante (ART. 35º CP).
Nota: Percebe-se a logica: o DP tem por objetivo a tutela de bens jurídicos, portanto,
sempre que:
o O bem jurídico protegido for mais valioso, traduz-se numa situação conforme às
valorações criminais, querida pelo legislador penal.
o O bem jurídico protegido, que pode ser um bem jurídico 3º, tão valioso ou menos
valioso que o que se está a sacrificar, a situação será sempre ilícita, quando muito
poderá excluir-se a culpa se não for exigível outro comportamento ao agente.
Diz-se neste sentido que o estado de necessidade subjetivo é uma concretização
da ideia de não exigibilidade como causa de exclusão da culpa.
Para nós, nesta matéria, só nos interessa o estado de necessidade objetivo/ justificante ou
dto de necessidade, por só esse constituir um tipo justificador.
Quanto à fundamentação deste estado de necessidade objetivo justificador concorrem 2
ideias:
- O pp da ponderação de interesses ou de bens e da prevalência do interesse mais
valioso sobre o menos valioso.
- Por outro lado, está associado a esta ideia uma ideia de solidariedade humana e social.
No fim de contas, o que traduz no estado de necessidade é que alguém (o tal 3º) está na
paz jurídica a gozar dos seus dtos vai ter de suportar a lesão de um interesse seu, em
favor de um interesse de 3º. (Isto numa situação em que ele em nada contribuiu p/ a lesão
do bem jurídico).
É também atendendo a esta ideia de solidariedade humana que irão funcionar algumas
limitações ao estado de necessidade, uma vez que esta solidariedade tem limites.
210
Isto por estarmos no campo de DP onde se estabelecem as exigências mínimas à
convivência em comunidade e, portanto, só é exigível ao 3º que o suporte ate determinado
limite.
Uma outra ideia a sublinhar é que o facto de se afirmar que o pp que de forma imediata
subjaz ao estado de necessidade objetivo justificante é o pp da ponderação de interesses
ou de bens e da prevalência do interesse mais valioso sobre o menos valioso. É o pp
da inexigibilidade objetiva
À luz dos critérios de justiça social e, sobretudo, do critério de justiça e das opções
jurídico-criminais subjacentes ao sistema, o legislador entendeu que não é exigível a
ninguém que, perante uma situação de perigo p/ um bem jurídico mais valioso se deixe
de o salvaguardar à custa de um menos valioso (ainda que esse bem jurídico seja de 3º).
O que significa que, neste caso, o 3º vai ter que suportar essa lesão do seu bem jurídico,
embora depois possa (e deva) ser indemnizado pelos danos sofridos.
Estado de necessidade ofensivo no CP – ART. 34º:
o Desde logo, tem de haver uma situação de perigo p/ interesses juridicamente
protegidos do agente ou de 3º. Terá que se considerar o valor do concreto bem
jurídico, naquela concreta situação, atendendo não apenas à dignidade do bem
jurídico em abstrato, mas sobretudo à gravidade da lesão p/ o concreto bem
jurídico.
Nota: interesses juridicamente protegidos podem não consistir com interesses
juridicamente tutelados – podem estar em causa interesses que não tenham tutela
penal e que apenas sejam protegidos por outro ramo de dto à também a sua tutela
está recoberta pelo estado de necessidade.
o Esse interesse jurídico tem, então, que estar em perigo – é um perigo atual. Só
quando não for possível o recurso à força publica. Essa atualidade é aqui entendida
num sentido mais lato que a atualidade na legitima defesa. Admitem-se, aqui, os
chamados perigos duradouros. Ex.: pense-se num prédio que a ameaçar ruir –
existe um perigo de vir a cair. Estes perigos duradouros são designados na
doutrina como perigos relevantes p/ efeitos de estado de necessidade.
o A conduta tem de ser adequada a evitar o perigo – é obvio que só será legitima
pelo estado de necessidade, uma conduta que se mostre, na situação, atendendo às
circunstâncias da situação se revele adequada/ idónea a suster esse mesmo perigo.
o O agente pode atuar: na prossecução da defesa de um interesse próprio ou de
um interesse de 3º
o Requisito subjetivo geral de todas as causas de justificação: o agente tem de
atualizar/ representar, naquele momento, que estão preenchidos na situação, todos
os requisitos do estado de necessidade. Se faltar este requisito subjetivo, falta o
estado de necessidade e, consequentemente, a justificação e a conduta é ilícita. A
dúvida surge, tão-só, quanto ao modo como se deve punir o agente. A doutrina
maioritária entre nos aplica, analogicamente, o ART. 38º/4, que é um artigo
relativo apenas ao consentimento do ofendido, a todas as causas de justificação.
partir daí entende que nas situações em que o agente atua acoberto de uma causa
de justificação sem o saber (é o caso) será punido apenas com a pena
211
correspondente à tentativa, por haver um desvalor de ação a que não sucede, por
motivo estranho ao agente, um desvalor de resultado.
Dr. AC discorda da doutrina afirmando que este artigo apenas se aplica ao
consentimento, pelo que, concordando com a velha ideia de Welzel, em relação a
todas as outras causas de justificação, quando falte o elemento subjetivo (o
conhecimento por parte do agente da situação de justificação), o agente deverá ser
punido pelo crime consumado.
Como a própria lei o diz o artigo vem enunciar requisitos adicionais:
o Al. a) à «criar voluntariamente» - o que é isto? A doutrina e a jurisprudência,
unanimemente, interpretam restritivamente a palavra voluntariamente,
reconduzindo-a à ideia de PREORDENAÇÃO. Dizem que esta alínea apenas
exclui do estado de necessidade os casos em que a situação de perigo foi
preordenadamente criada pelo agente. Pelo contrário, já entendem que o perigo
pode ter sido criado voluntariamente, desde que não haja preordenação, esse
perigo não exclui o estado necessidade
Ex.: o sr. que vive junto a um troço de estrada com muitas curvas e gosta de fazer
competições consigo próprio de provar que consegue fazer o trajeto em pouco
tempo.
A doutrina entende que se deve admitir, neste caso estado de necessidade, tanto
mais porque aqui está em causa a tutela de bens jurídicos essenciais e de bens
jurídicos mais valioso do que os que tem que destruir.
Na parte final desta alínea estabelece-se uma restrição, admitindo-se, mesmo nas
situações de preordenação o recurso ao estado de necessidade. Quais são esses
casos? Pode suceder que o agente preordenamente crie uma situação de perigo,
não em relação a um bem jurídico próprio, mas em relação a um bem jurídico de
3º.
Ex.: suponha-se que alguém lança fogo a um jardim de uma casa que não lhe
pertence, para depois poder ir à casa do vizinho, a pretexto da situação de perigo,
rebentar-lhe a porta/ causar-lhe danos p/ ir buscar uma mangueira.
Houve preordenação, mas nestes casos, entendeu o legislador, na esteira alias do
que já entendia a doutrina portuguesa, de que nestes casos se deve continuar a
reconhecer o recurso ao estado de necessidade.
O agente será julgado pela colocação em perigo de bem jurídico e afins, mas
reconhece-se, de facto, o dto de necessidade de ir buscar os meios necessários p/
preservar o bem jurídico de 3º em causa.
o Al. b) – é a consagração em letra de forma da própria teoria diferenciada do estado
de necessidade e do seu critério basilar que é o da ponderação de interesses. Para
se reconhecer o estado de necessidade como causa de justificação é necessário
que o bem protegido seja «sensivelmente/ manifestamente mais valioso».
Deverá, aqui, atender-se às valorações gerais de todo o ordenamento – à
dignidade/ importância dos bens jurídicos em confronto, atendendo aos critérios
de justiça subjacentes ao DP, mas também a toda a ordem jurídica e,
nomeadamente, ao Dto Constitucional.
A doutrina defende ainda que deve atender-se à importância em abstrato dos bens
jurídicos em conflito, devendo-se atender à gravidade da lesão que resultará em
concreto p/ e outro bem jurídico, sendo certo que o que interessa é uma
212
ponderação em concreto que resultam da situação. Por isso, pode suceder que,
em concreto, um bem jurídico que abstrato será incomparavelmente mais valioso,
possa ser sacrificado p/ proteger outro menos valioso.
Ex.: suponha-se que num museu há uma importantíssima uns mosaicos romanos
com um valor cultural insubstituível – têm valor patrimonial enormíssimo, mas
também um valor cultural irrecuperável.
Suponha-se que certo dia rebentou um cano e o conservador do museu p/ evitar
que agua fosse p/ esse setor onde estão os mosaicos romanos, teve de fechar de
modo estanque uma ala do museu durante 2h p/ que os técnicos reparassem a tal
fuga de água. Só que ao fechar a ala, privou a liberdade de uma excursão de
turistas que estava a visitar o museu – no fim de contas, realiza o ilícito de
sequestro. Ninguém duvida que o valor da liberdade, como bem jurídico pessoal
essencial, é superior ao valor patrimonial em abstrato. Todavia, em concreto,
temos que atender à concreta lesão: o que estamos a dizer não é que vamos privar
a liberdade em detrimento de bens patrimoniais. Vamos privar a liberdade
somente durante 2h p/ evitar uma perda irreparável no plano cultural e uma perda
astronómica no plano patrimonial. Teríamos de afirmar que o conservador atuou
acoberto do estado de necessidade. É possível lesar bens jurídicos pessoais, p/
salvaguardar bens jurídicos patrimoniais, ao contrário do que resulta do dto civil.
o Al. c) - “c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção
à natureza ou ao valor do interesse ameaçado”. As ideias subjacentes ao regime
do estado necessidade são, então: a ponderação de interesses e a ideia da
solidariedade humana. Esta solidariedade humana tem limites. Pode suceder que
estejam preenchidos todos os requisitos expostos até agora e, todavia, não é justo
exigir ao terceiro, que nada tem que ver com a situação, que suporte essa mesma
lesão - admissibilidade normativa ou justiça na defesa.
Ex: há um paciente que precisa urgentemente de um transplante de um rim, mas
o paciente pertence a um grupo imunológico muito restrito e, ainda não foi
possível encontrar um dador compatível.
Contudo, o medico que o está a tratar sabe que o diretor do Hospital possui um
sistema imunológico compatível com o paciente.
Esquecendo a ilicitude desta situação, imaginemos que o medico pede ao diretor
o rim e ele nega.
Porém, o medico não fica por aí e, aproveitando um momento em que encontra o
direito sozinho, anestesia-o e procede à retirada do órgão. A ninguém parece
admissível a solução, uma vez que o comportamento do medico consubstancia
uma intromissão/ invasão inadmissível à integridade da pessoa, violando o valor
da autonomia pessoal.
213
- «my body is my castle». Na base desta ideia, proibia-se, inclusivamente, a colheita de
sangue.
Esta situação (recolha de sangue/ medula óssea) é diferente, dado que o sangue é
renovável e, se o sangue foi colheito com todas as condições de higiene e medicamente
exigidas, trata-se de uma invasão insignificante.
Neste sentido, o critério é de que deverá atender-se ao carater insignificante, à ausência
de sequelas para o terceiro (vítima da agressão), e, nesses casos admite-se o Estado de
Necessidade e como sacrifício exigível à concreta vítima.
A agressão do terceiro tem de ser insignificante e, têm de ser respeitadas todas as
condições exigíveis (no caso do sangue – higiene, recolha feita por um profissional, etc.).
Estado de Necessidade defensivo - que foi uma 2ª modalidade que a doutrina introduziu,
que visou colmatar uma lacuna resultante do regime da legitima defesa.
Para que fiquemos com noção global desta matéria e da teoria diferenciada consagrada
no CP, devemos ler o ART. 35º/1 CP:
«Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo atual, e não
removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade
do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias
do caso, comportamento diferente.»
O nº1 restringe o estado de necessidade subjetivo ou desculpante, restringe o efeito de
exclusão da culpa (no nº2 ver-se-á que é diferente) a bens jurídicos de caracter pessoal,
quando se verifique uma situação de perigo p/ um determinado bem jurídico.
Retirando as especificidades quanto ao bem jurídico, a situação do estado de necessidade
subjetivo ou desculpante é a mesmíssima, são os mesmos requisitos do ART. 34º CP.
A diferença está no bem jurídico, ou melhor, na relação/ na ponderação dos bens jurídicos,
dos interesses em confronto.
No ART. 34º é «sensivelmente superior»; ao passo que no 35º tem que se verificar 1 de
3 hipóteses:
1) Ou o bem jurídico protegido é menos valioso;
2) O interesse protegido é tão valioso quanto o sacrificado;
3) Ou, mesmo que o bem jurídico protegido seja mais valioso não é sensivelmente
mais valioso do que o sacrificado.
Por isso, não se verifica o pressuposto da al. b) do ART. 34º, que é a tal consagração em
letra de forma da teoria diferenciada do estado de necessidade.
Nota: o primeiro problema que se deve tratar na hipótese concreta é saber se o bem
jurídico (e não é o bem jurídico em abstrato), é a concreta lesão do bem jurídico protegida
é, ou não, sensivelmente mais valiosa.
Pode bem dar-se o caso em que o bem jurídico protegido tem uma destas naturezas do
35º/1 e sendo uma lesão mais valiosa não se poderá utilizar o 35º à terá que se usar o
214
34º que se aplica independentemente da natureza dos bens jurídicos em confronto
(pode ser o sacrifício de um bem jurídico matrimonial para a salvaguarda de um pessoal;
pode ser a inversa, etc).
O 34º, ao contrário do artigo que regula o estado de necessidade no CC, não estabelece
limitações quanto á natureza do bem jurídico, o funcionamento do estado de necessidade
como tipo justificador assenta tão-só num critério quantitativo, que é a exigência de que
o bem jurídico protegido seja sensivelmente mais valioso do que os sacrificado.
Isto compreende-se porque o 34º exclui a ilicitude e o 35º exclui a culpa. Só colocamos
os problemas de a culpa na eventualidade do comportamento ser ilícito.
Se houver exclusão da ilicitude ou se puder faze-lo, o problema do 35º nem sequer se põe.
O ART. 35º suscita outra questão: costuma ser enunciado como causa de exclusão da
culpa e, como a próprio texto diz «quando não for exigível outro comportamento».
Os autores veem no 35º uma concretização da ideia da inexigibilidade subjetiva, que
tradicionalmente é apontada como causa de exclusão da culpa.
A exclusão da culpa pode ficar-se a dever essencialmente a 2 ordens de fatores:
Ø A fatores de ordem endógena/ interna: prendem-se com as qualidades do próprio
agente (é a inimputabilidade)
Ø A circunstancialismos situacionais/exteriores: que retiram ao DP a possibilidade
de censurar a conduta, porque à luz dos critérios do DP, esse circunstancialismo
exterior de crise torna não exigível aquele concreto agente que atue de forma
conforme ao dto.
É nesta aceção, como concretização desta ideia da não exigibilidade subjetiva que a
doutrina fala do estado de necessidade do ART. 35º como uma causa de exclusão da
culpa.
Todavia, contrariamente a este ponto de partida, se analisarmos a generalidade da
doutrina quando escreve sobre este último artigo, a doutrina pretende enunciar um critério
preciso p/ se avaliar se é exigível ou não, responde quase sempre que:
- Considera-se exigível aquilo que se considera ao exigível ao homem honesto e fiel ao
dto, que é o homem medio.
- Isto é uma contradição por referência à qualificação da inexigibilidade da causa da
exclusão da culpa, uma vez que o que está em causa na culpa é saber se é exigível aquele
concreto agente, em função das suas concretas características, qualidades e capacidades.
215
ilícito pessoal. É na base desta ideia, e à semelhança do já falado excesso intensivo de
legitima defesa do 33º CP, que o regente diz que aqui se deve falar de um estado de
necessidade justificante supralegal. Estado de necessidade justificante supralegal, que
embora moldado sobre o desenho fáctico do 35º, respeita a situações em que ao homem
medio, nesse caso concreto, não fosse exigível comportamento diverso, i.e., assente no
critério da inexigibilidade objetiva.
Com isto, o regente da cadeira vem dizer que no nosso dto existem 3 estados de
necessidade:
o Estado de necessidade objetivo justificante, consagrado no ART. 34º;
o Depois existe um estado de necessidade objetivo justificante, moldado sob o
desenho fáctico do ART. 35º, mas aferido à luz da inexigibilidade objetiva;
o Depois existe o estado de necessidade desculpante, expressamente previsto no
ART. 35º.
Para percebermos esta figura devemos voltar à LD: a LD é um contra-ataque contra o
agressor. O titular do bem jurídico ou quando estejam em causa bens jurídicos de terceiro,
aquele que está a atuar em auxílio de terceiro. Vendo o bem em perigo, iminente ou em
execução, p/ o preservar, na impossibilidade de recorrer à força publica, reage contra o
próprio agressor, contra a própria fonte de perigo.
A agressão pressuposta na LD, diz a lei e a doutrina, tem que ser uma agressão ilícita.
Como é que se vai caracterizar esta ilicitude?
Antigamente caracterizava-se esta ilicitude da agressão, como pressupostos da LD, nos
quadros do ilícito objetivo: era o dano ou o perigo do dano e não interessava se esse
perigo resultava do comportamento humano ou de comportamentos de animais.
Mais tarde restringiu-se que só pode ser uma agressão derivada de um comportamento
humano e tem de ser uma ação humana p/ efeitos jurídico-criminais (atos reflexos,
descargas nervosas, etc, não relevam p/ estes efeitos).
Perante isto esta restrição do âmbito da LD, resultante de uma alteração do conceito de
ilicitude como requisito da LD, trouxe vazios de punição, melhor trouxe insuficiências
do regime de LD p/ os casos concretos.
Ex.: suponhamos que alguém está para ser atropelado e a única forma de evitar o
atropelamento é disparar para uma das rodas. Com isto, altera a trajetória do automóvel,
evita ser atropelado, mas o carro vai contra uma arvore e o condutor sofre lesões à sua
integridade física.
Se o condutor ia de facto para atropelar temos então uma agressão ilícita pelo que não
haveria problema de aplicar a LD.
Suponhamos agora que o automóvel vai contra o agente, não por o querer atropelar, mas
porque apanhou uma mancha de óleo na estrada. i.e., o tal atropelamento não resultava
de uma atuação voluntaria do condutor, mas resultava da situação de óleo na estrada.
216
Neste caso o condutor estava dentro do risco permitido e esta conduta seria licita. Logo,
a agressão em causa era uma agressão licita. Assim o ato do peão disparar contra as rodas
já não poderia ser justificado com base na legítima defesa.
Todavia, todos compreenderão que não havia justificação p/ as duas hipóteses:
è Perante a situação concreta, o peão não tem como distinguir se o agressor age
intencionalmente ou não. Vê-se perante a iminência de ser atropelado e então
dispara (tem a mesmíssima reação nos dois casos). Qual a razão para
considerarmos a conduta justificada numa situação e noutra não?
è Foi esta insuficiência que levou os autores a introduzirem a figura do estado de
necessidade defensivo. Portanto, o estado de necessidade defensivo recobriria
todas aquelas situações em que o agente protege o bem jurídico, não à custa de
terceiro (como era o caso de estado de necessidade ofensivo), mas protege o bem
jurídico, próprio ou de terceiro, à custa da esfera jurídica do agressor.
A única diferença entre as situações de estado de necessidade defensivo e as
situações de LD está na natureza da agressão:
ð Num caso a agressão é ilícita em termos de LD;
ð Noutros casos a agressão é licita e temos estado de necessidade defensivo.
O que significa que hoje em dia, perante um caso concreto, para saber se se trata
de uma situação de Estado de necessidade ou LD temos que nos questionar:
À custa de quem é que o agente protege o bem jurídico?
a) Se for à custa de um terceiro que nada teve que ver com a situação, trata se de EN
ofensivo;
b) Se o agente defende o bem jurídico à custa da esfera jurídica do agressor temos
que nos questionar se a conduta é licita ou ilícita.
i) Se for ilícita estamos perante uma situação coberta pela LD;
ii) Se for lícita estamos perante uma situação coberta pelo EN defensivo.
Quanto à compreensão do estado de necessidade defensivo existem, todavia, 2
entendimentos:
Na Alemanha o EN defensivo foi introduzido por uma causa de justificação supralegal,
com requisitos próprios, construído pela jurisprudência e doutrina.
Entre nós houve autores que pretenderam/ pretendem consagrar no ordenamento jurídico
português o EN defensivo nessa veste de causa de justificação supralegal, apontando-lhe
requisitos próprios (nomeadamente quanto à ponderação de bens), i.e., procuram uma
posição intermedia entre o EN do 34º CP e LD. Viu-se na al. b) do 34º o EN exige que
o bem jurídico protegido seja sensivelmente superior (o oposto da LD).
O regente entende que, a admitir-se a figura do EN defensivo, deveremos seguir a
posição do Dr. Figueiredo Dias, dizendo que deve ficar sujeito ao regime do EN
ofensivo.
Em relação ao EN defensivo deve continuar a valer a teoria diferenciada, nos
mesmíssimos moldes estabelecidos no 34º e 35º; i.e., também o estado de necessidade
defensivo pode funcionar ou como tipo justificador (causa de exclusão da ilicitude) ou
217
como causa de exclusão da culpa, sendo que a diferença reside na exigência da al. b) do
34º.
Também p/ excluir a ilicitude no EN defensivo o bem jurídico protegido tem de ser
sensivelmente/ manifestamente mais valioso.
Esse admitir-se ou não esta figura depende menos do regime do próprio estado de
necessidade do que do regime da LD.
O regente considera que a introdução desta figura surgiu p/ colmatar a deficiência de
regime, resultante de uma deficiente interpretação do requisito da ilicitude da agressão da
LD. O regente, partidário do ilícito pessoal, crê que a ilicitude deve ser entendida de outro
modo: p/ medir o desvalor do comportamento do agente e não p/ medir o desvalor da
agressão, do pressuposto do comportamento do agente. Crê que uma adequada
conformação do regime da LD torna desnecessário a existência desta figura do EN
defensivo.
Conflito de deveres
O agente está vinculado a dois deveres, mas só pode cumprir um deles. O que
significa que se cumpre um, viola o outro, ou se cumpre o outro, viola o 1º. Durante
muito tempo pensou se que esta situação se reconduzia à situação de estado de
necessidade. Ex.: o medico tem dois doentes, mas só tem remedio para um deles.
218
Os deveres não valem por si. Devemos questionar-nos quais dos BJ subjacentes aos
deveres em confronto é o mais valioso e o menos valiosos. Assim quando o BJ subjacente
ao dever que o médico prosseguiu fosse sensivelmente mais valioso, excluía se a ilicitude.
Na base deste raciocino dizia se que o conflito de deveres não tinha autonomia já que era
reconduzível ao Estado de necessidade e mais concretamente à teoria diferenciada do EN.
Esta logica que em parte é verdadeira falha num ponto: esta situação é diferente do EN e
isso reflete se no estabelecimento de uma diferente teoria diferenciada. No EN o agente
é livre de atuar ou não atuar. Ele não é obrigado a atuar. A OJ só lhe dá o dto de atuar
quando o BJ protegido é sensivelmente mais valioso. No conflito de deveres ele não é
livre de atuar ou não atuar. Ele tem o dever de intervir e se não intervier é punido. No EN
se ele não intervier, simplesmente sofre o dano
Ex.: Suponhamos que dois acidentados precisam da intervenção do medico para
sobreviver. Já que o agente não é livre de atuar, a equação da teoria diferenciada é outra
e por isso deve se excluir a ilicitude sempre que o bem protegido é mais valioso que o
bem sacrificado ou se os valores em causa têm o mesmo valor. Isto mesmo nos diz o art
36º/1 (Não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres
jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual
ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar). Assim é um tipo justificador. Exclui a
ilicitude quando o dever prosseguido é mais valioso mas também quando tem igual valor
ao dever não cumprido/sacrificado
219
estado de necessidade pois o que há é o dever concreto de atuar e o dever de respeito
geral.
Ex.: O caso do museu em que os canos vão contaminar as obras - o diretor do museu tem
o dever de atuar para salvar o museu (fechar a ala), mas também tem o dever de não
sequestrar as pessoas. Aqui tem de atuar, é obrigado a fazê-lo. Seguindo a doutrina
tradicional, o professor não aceita a restrição do conflito de deveres aos casos em que os
conflitos de deveres têm um idêntico sinal. Esta posição pode levar a situações difíceis -
exemplo de um hospital que só tem 1 ventilador a que um doente já está ligado e há um
outro doente que chegou e que também precisa. Ambos doentes precisam do ventilador
para sobreviver. O medico pode desligar o ventilador do doente para o ligar ao outro
doente? Perante o dever de salvar o bem jurídico e o dever de não lesar o bem jurídico,
este de não lesar sobrepõe-se sempre.
Consentimento do ofendido
O consentimento do ofendido consiste no facto de o titular do BJ admitir/consentir na
lesão do BJ. Quando se trate de BJ disponíveis, o titular do BJ pode consentir na lesão
desse mesmo BJ. Tradicionalmente, a doutrina encara esta situação como uma causa de
exclusão da ilicitude.
A doutrina entende que, tratando-se de BJ disponíveis, quando o titular consente na sua
lesão, necessariamente deixa de haver um BJ penalmente relevante. Esta ideia fortificou-
se e fala-se hoje que o consentimento é uma concretização da liberdade de disposição
sobre bens que se se sobrepõem ao interesse da OJ global na preservação de BJ, sendo
esta a ideia que subjaz na doutrina maioritária, que tem por base a teoria monista – pp. da
ponderação de BJ ou de interesses (seleção de entre todos os BJ penalmente tutelados dos
que são disponíveis, havendo uma ponderação de interesses: por um lado, o interesse do
Estado na preservação de BJ e por outro lado, a liberdade do particular dispor os seus BJ).
Quanto à natureza atribuída ao consentimento existem várias posições:
o O consentimento seria uma causa de justificação (Eduardo Correia)
o Paradigma dualista (Costa Andrade e Figueiredo Dias) – o consentimento pode,
nuns casos, intervir como causa de justificação, sendo que nestas situações esta
doutrina as denomina de “consentimento”, mas noutros casos intervém como uma
causa de exclusão da tipicidade do facto ao qual a doutrina se denomina de
“acordo”.
Qual o critério para distinguir o consentimento do acordo? O consentimento é feito pelo
titular do bem e, é congruente com o próprio sentido da lei e da tutela do BJ. Ex: Alguém
pede a outrem que lhe parta o relógio.
No acordo o agente realiza o próprio BJ. Ex (1): No caso em que alguém convida outra
para entrar em casa – o BJ em causa é a privacidade. Ora, a sua privacidade faz-se na
relação com o outro e, o consentimento de alguém que convida outro a entrar está a
realizar o próprio BJ. Ex (2): uma cirurgia – os tratamentos médico-cirúrgicos melhoram
a saúde da pessoa, pelo que se trataria de um acordo.
220
Esta doutrina distingue, dentro do consentimento, dois tipos: consentimento propriamente
dito e o consentimento que intervém como uma exclusão do tipo incriminador (o ato
consentido é congruente com o BJ).
o Almeida Costa + Roxin – o consentimento, em qualquer circunstância, é sempre
uma causa de exclusão da própria tipicidade (exclusão da tipicidade do facto).
Estes autores têm por base a conceção personalista dos BJ disponíveis, que são
aqueles que estão à liberdade de disposição pelo seu titular– os BJ disponíveis
valem pelo conteúdo ou titularidade que propicia à pessoa. A partir do momento
em que o legítimo titular prescinde desse BJ, verdadeiramente deixa de existir o
BJ penalmente relevante porque o BJ vale como expressão dessa liberdade de
disponibilidade
O consentimento abrange apenas a conduta ou o resultado? Esta questão coloca-se no
âmbito dos crimes materiais, que são aqueles que apenas se consideram perfeitos quando
se verifica o resultado da conduta. Ora, Almeida Costa e a doutrina maioritária diz que
necessariamente o consentimento abrange todas as consequências que lhe sejam
imputadas, ou seja, abrangendo também o resultado.
Requisitos do consentimento:
Ø Tem de se tratar de BJ disponíveis (art.38º/nº1 do CP), que estejam
compreendidos na liberdade de disposição da pessoa e em relação aos quais a OJ
deu prevalência da disposição do seu titular em detrimento da sua preservação da
OJ global desses BJ. Exclui-se do consentimento, os BJ do Estado e os BJ supra-
individuais (Ex: atentado ao sistema monetário, segurança do Estado, etc.).
Quais os BJ disponíveis? o valor vida (a vida é indisponível em relação a terceiros
– Ex: o suicídio não é punido) e os direitos de personalidade elementares (Ex:
redução à escravatura).
Quanto aos BJ de natureza patrimonial e em relação à integridade física
(art.149º/nº1 do CP) é admitido em geral, o consentimento.
Ø Clausula dos bons costumes (art.38º/nº1 do CP) – exclui a relevância do
consentimento, mesmo quando se trate de BJ disponíveis, quando o ato consentido
se traduza numa lesão grave e irreversível de BJ de carater pessoal, desde que essa
lesão não tenha por objeto salvaguardar interesses de igual ou superior valor
(art.149º/nº2 do CP): pode estar-se perante um ato que contenda apenas com BJ
disponíveis e mesmo assim a nossa legislação excluir a relevância do
consentimento, quando contrariar os bons costumes. No passado os bons costumes
estavam relacionados com a moral comum. Hoje, defende-se que os bons
costumes estão restringidos: mesmo estando em causa BJ disponíveis o
consentimento não releva quando a lesão consistir numa lesão grave e irreversível
de um BJ (Ex: tirar o fígado para ficar mais leve).
Ø O consentimento é uma concretização da liberdade de disposição de bens, que tem
de assentar numa manifestação livre, seria e esclarecida (art.38º/nº2 do CP).
Teoria da direção de vontade – se o consentimento é um ato de liberdade de
disposição do seu titular o que releva é a direção de vontade do próprio titular. O
consentimento tem de ser anterior ao ato consentido. Para alem disso, tem de ser
um ato de vontade sério, livre e esclarecida (tem de ter capacidade para consentir,
mas que capacidade é esta? A doutrina penal entende que o consentimento precisa
221
da capacidade natural – entender o sentido do ato consentido, apenas com o limite
formal dos 16 anos estabelecido na lei – art.38º/nº3 do CP). A vontade não pode
ser coagida (diz-se que só releva a coação jurídico-penalmente relevante – que
caiba no tipo legal de coação ou de ameaça, as restantes não relevam) ou assentar
em erro. Existem duas situações de erro:
• erro que foi provocado pelo beneficiário do consentimento – sempre que
o beneficiário estiver induzido em erro, o consentimento não releva. Mas,
este erro provocado pelo beneficiário só releva se incidir sobre o concreto
BJ;
• erro que não foi produzido pelo beneficiário do consentimento – neste caso
o erro em pp. não exclui a relevância do consentimento. Nós só
entendemos o consentimento através da sua expressão, por exemplo, a
partir de uma declaração expressa. Todavia, se o titular do bem emitir uma
declaração de vontade, mas o agente saber que ele está em erro, pelo que
o consentimento não relevaria e deveria negar-se o consentimento, apesar
de a declaração de vontade apontar nesse sentido – mas a eficácia pratica
desta teoria será pouco relevante porque será difícil prová-lo devido ao pp.
in dubio pro reo.
Ø Requisitos de forma (ausência) – art.38º/nº2 do CP: o consentimento pode ser
prestado por qualquer forma e por qualquer meio que seja adequado a exprimir a
vontade seria, esclarecida e livre– palavras, ações, etc. Não existem requisitos de
forma. Mas, o consentimento pode também resultar de atos concludentes –
consentimento tácito. Pode ser expresso, quando há um ato de vontade, por
palavras orais ou escritas ou por gestos; ou consentimento tácito – expresso
através de atos concludentes.
Ø Requisito comum (requisito subjetivo) – art-38º/nº4 do CP: é necessário que o
agente saiba que esta a atuar numa situação de consentimento. no art.38º/nº4 do
CP – o ato é ilícito, mas será punido a título de tentativa. Esta regra justifica-se na
base da conceção personalista do BJ. De facto, os BJ disponíveis valem não por
si, mas como instrumentos para a realização da pessoa, deixando de haver
desvalor do resultado e somente desvalor da ação. Na doutrina há uma diferença.
FD e AC entendem que esta remissão é em geral para todo o regime da tentativa
porque a situação é análoga a título de tentativa, ou seja, quando o agente não
conhecer a situação de consentimento é lhe aplicável o regime da tentativa e
quando a lei o preveja. Costa Andrade diz que é sempre punido a título de
tentativa. O prof. entende que este art.38º/nº4 do CP apenas se aplica para o
consentimento. A doutrina maioritária entende que este artigo se aplica para todos
os tipos justificadores.
A par do consentimento efetivo ou real/ tout court de que estivemos a falar, em que o
agente seja de que forma for manifesta efetivamente a sua vontade, permitindo o ato que
lesa o BJ. Mas, há situações em que a doutrina identifica o consentimento presumido –
art.39º do CP, para as situações em que o titular do BJ não está em condições para prestar
o seu consentimento, mas o agente, no sentido de o favorecer, presume o seu
consentimento. O agente atua em “Estado de necessidade de decisão”, pois não pode obter
em tempo útil uma declaração expressa do seu consentimento. Assim, diz-se que o
consentimento presumido produz os mesmos efeitos do consentimento real.
222
Qual o critério que o agente deve atender para o consentimento presumido? Critério
daquele homem concreto ou o critério do Homem médio? O consentimento é a expressão
da liberdade do agente, é a liberdade de disposição sobre os bens, pelo que o critério tem
de ser o do Homem concreto.
Impõe-se ao agente que ele refaça/ficcione a vontade do legitimo titular se conhecesse a
situação e pudesse exprimir o seu consentimento. Mas, a nossa lei diz que o
consentimento só produz efeitos quando for razoável supor que o titular teria consentido
(art.39º/nº2 do CP). Ou seja, não se pode exigir ao agente o impossível, ele tem de
respeitar aquela que seria a vontade do agente, mas dentro do que seria razoável, caso não
a saiba de forma expressa ou tácita.
Os requisitos do consentimento presumido são os mesmos do consentimento
real/propriamente ditos, acima citados (art.39º/nº1 do CP).
O art.150º, art.156º e art.157º do CP – consentimento e tratamento médico cirúrgicos
O art.150º do CP afirma que as intervenções no corpo, desde que sejam as indicadas de
acordo com as legis artis e de acordo com os códigos deontológicos, desde que tenham
uma função terapêutica e desde que realizadas por médicos não se consideram ofensas à
integridade física. O art.156º/nº1 do CP tem subjacente a proteção de que BJ? é a
liberdade, porque ninguém pode ser curado à força. Neste caso, quando há consentimento
exclui-se a própria tipicidade, que para o FD é um “acordo”. Este consentimento tem de
preencher os mesmos requisitos do consentimento em geral. O art.156º/nº2 do CP – o
medico pode atuar, no próprio interesse do doente, desde que seja presumível que o
doente consentiria nessa intervenção diferente da que estava planeada.
Ex: uma pessoa tenta o suicídio e vai parar ao hospital, poderia presumir-se que ele
quereria morrer – está provado que na esmagadora maioria dos casos de suicídio, à última
da hora o agente arrepende-se e quer ser salvo. E aqueles que não se arrependeriam? Na
dúvida, como o medico não pode saber qual a posição do suicida, o médico pode sempre
salvar, pois a maioria queria tratamentos. Se ele o deixa morrer, não há retorno.
Falaremos agora de outras figuras que são apontadas pela doutrina como causa de
exclusão da ilicitude, mas que para o prof. são causas de exclusão da tipicidade do
facto.
Obediência hierárquica – caso do superior hierárquico dentro da AP que dá ordem a um
inferior hierárquico e que essa ordem origina a prática de um crime. Havia duas teorias
- Teoria da hierarquia – valores de ordem, disciplina da AP. Defende que o funcionário
era obrigado a obedecer e, nestes casos a obediência hierárquica era uma causa de
exclusão da ilicitude
- Teoria da legalidade – o Homem não é autómato, pelo que sempre que seja ilegal deve
recusar a ordem.
Estas posições antagónicas deram lugar a uma tese maioritária (art.271º/nº2 e nº3 da CRP
+ 36º/nº2 do CP), que distingue entre os casos em que a ordem conduz à prática de uma
ilicitude não penal, que dá origem ao direito de respeitosa representação. Diferentemente
quando a ordem conduzir à prática de um crime/ilícito penal, o agente tem o dever de
desobedecer, de não cumprir a ordem, pois se o fizer será corresponsabilizado juntamente
223
com o superior hierárquico (art.36º/nº2 do CP). Mas, a responsabilidade doo inferior
hierárquico, mesmo nestas situações, pode ser excluída: art.37º do CP – as pessoas têm
formações diferentes e pode acontecer que o inferior hierárquico não saiba que aquela
conduta consubstancia um ilícito penal, para além de que supõe que o superior hierárquico
não o iria mandar cometer um crime. este artigo contempla um caso especial de erro sobre
a ilicitude, cujo regime geral se encontra no art.17º do CP. Assim, exclui-se a culpa e a
pena do concreto funcionário. A outra situação especial: o pp. geral deve ser o de
obediência hierárquica, mas apesar de tudo isso, o futuro do funcionário e a manutenção
do cargo e a consequente subsistência da sua família está em larga medida nas mãos do
superior hierárquico, não sendo exigível ao funcionário à luz do Homem médio que
desobedeça – inexigibilidade objetiva. Mas, trata-se de situações excecionalíssimas e
apenas se aplicam a crimes de diminuta gravidade.
Atuações oficiais
No cumprimento dos seus deveres funcionais os funcionários públicos (policias,
investigadores, etc.) às vezes são obrigados a praticar atos típicos, que seriam ilícitos se
fossem adotados por particulares. Ex: invasão domiciliaria, intromissão nas
comunicações, etc.
O prof. discorda que seja uma causa de exclusão da ilicitude, mas sim exclusão da
tipicidade. Se a conduta não for realizada, a conduta típica seria na mesma ilícita porque
se o oficial não fizer uma busca domiciliária estará a incorrer num crime de corrupção,
p.e. Ou seja, estas atuações nem sequer são subsumíveis a um tipo incriminador, pois
essas condutas são realizadas no cumprimento de um dever funcional.
Autorizações oficiais
São casos que contendem com matérias de risco permitido. São setores de atividades que
comportam utilidade social e comportam também riscos, pelo que a lei estabelece alguns
limites e controlo dessas atividades especialmente perigosas, mas essenciais para a
sociedade.
Estas autorizações oficiais traduzem-se em situações quem a autoridade administrativa
estabelece o risco permitido (Ex: licença de condução).
Nem sequer está a cometer uma conduta ilícita, pelo que não são causas de exclusão da
ilicitude, mas sim de exclusão da tipicidade do facto como o prof. Almeida Costa
defende).
O direito de correção dos pais
O direito de correção respeita ao facto de que a preparação do menor para uma vida adulta
responsável possa passar por restrições de direitos, que seriam subsumíveis a um tipo
legal de crime, mas desde que se trate de restrições moderadas e desde que exercidas em
vantagem do menor, diz-se que se exclui a ilicitude da conduta.
Ou seja, os castigos moderados exercidos com o objetivo de preparar o menor para uma
vida adulta responsável– exerce-se no âmbito da adequação social.
224
Ex: um pai diz que, de castigo, o filho não sai à noite durante uma semana. É sequestro?
NÃO, porque nem sequer preenche o tipo incriminador. Para o prof. trata-se de uma
exclusão da tipicidade do facto e não de exclusão da ilicitude, pois nem constitui um
crime.
Culpa
Quanto à culpa, o sistema que nós temos hoje, é em longa medida contributo dos vários
sistemas que tivemos.
o Um dos contributos do sistema clássico é sem dúvida o conceito normativo de
culpa- conceito psicológico de culpa- nexo psicológico que liga o agente ao seu
bem. Não permitia a distinção entre imputáveis e inimputáveis, nem os atos
praticados em estado de inexigibilidade e exigibilidade, nem sequer abrangia a
negligência inconsciente.
o O sistema normativista/neoclássico ultrapassou esta situação. Introduzindo o
conceito normativo de culpa. A culpa era um juízo de censura dirigido ao agente
que praticou o ilícito típico quando podia não ter praticado. Assim dolo e
negligência mais do que diferentes estruturas psicológicas eram verdadeiros graus
de censura. Este conceito normativo de culpa salvo opiniões minoritárias integra
ainda hoje a conceção dominante quanto ao conceito de culpa.
Houve alterações já que a ciência jurídica vai evoluindo, mas a matriz essencial é esta:
compreensão de culpa como juízo de censura dirigido àquele concreto agente.
Problema essencial: só podemos censurar algo a alguém quando essa pessoa é
responsável por aquilo que realizou. Questão da liberdade humana: voltemos a uma
questão do sec. XIX em opunha se
teoria da vontade- entendia que o homem era livre. Na resposta ao acontecimento
exterior o homem teria liberdade de escolha. A escolha dos motivos dos atos. Na
escolha reside o espaço de liberdade de cada pessoa. É verdade que esta liberdade
esta condicionada. No entanto reconhecia que o homem tinha um espaço de
liberdade em que se decidia sobre si mesmo. Neste espaço de liberdade afirmaria
se a liberdade. O órgão da liberdade seria a vontade;
teoria da representação defendia se o determinismo da conduta humana-as
regras causais que explicavam os fenómenos da natureza entendia em estes
autores que regiam o comportamento humano.
225
O prof. parte da ideia de liberdade como verdade de adesão. A culpa é uma estrutura
essencial para a dogmática penal. O prof adere a um conceito normativo de culpa. Este
conceito normativo de culpa tinha uma dificuldade que perpassou todo o sistema
neoclássico. Sem dúvida que a culpa era censurabilidade, mas qual era o substrato desse
juízo de culpa? A culpa não se resumia ao nexo psicológico volitivo. Era um juízo de
valorização sobre determinadas situações em que se verificava o nexo psicológico. Este
conceito não permita distinguir a negligência consciente e o dolo eventual.
Mais grave do que não explicar esta diferença é que este conceito normativo de culpa,
não explicava a negligencia inconsciente porque aqui não há nenhum nexo psicológico.
Muitos autores do conceito normativo de culpa vieram defender uma de duas coisas:
muitos deles diziam que a negligência inconsciente não é uma forma de culpa e há outros
autores que procuraram um qualquer elemento do dolo na negligencia. Este conceito
normativo de culpa permitiu um salto: salto esse que corresponde à configuração que
ainda se mantém do conceito normativo de culpa- o que se censura é a atitude que o agente
tem, ou melhor que o agente revelou com a prática do facto perante o dever ser jurídico
penal. De todo o modo com esta viragem, deixou de ser pressuposto de culpa a verificação
do nexo psicológico. Esta viragem deu-se nos inícios do séc. XX- falava se da culpa pelo
sentimento e depois impos se a culpa pela atitude e a culpa da personalidade. É evidente
que também existem autores que adotam postura positivista/naturalística/determinística.
No fim de contas todos nós nos pequenos e grandes momentos da vida perante a situação
concreta temos a possibilidade/liberdade/capacidade de decidir a nossa conduta em
concreto. Todos nós somos responsáveis também por aquilo que nos vamos tornando.
Assim nesta ideia radica maioritariamente o conceito normativo de culpa. É evidente que
este conceito normativo de culpa assenta nesta ideia da liberdade, não um livre-arbítrio,
mas tão só uma liberdade condicionada/um determinismo relativo.
Aludindo à teoria de FD que ente a culpa enquanto culpa da pessoa – mas, para o prof.,
esta teoria de FD recobre uma posição determinista. FD afirma que em concreto todos
nós agimos daquela maneira e não poderíamos agir doutra forma, porque é da nossa
natureza. Ou seja, no momento da prática do facto o agente não é livre, mas ele é
responsável pelo seu próprio modo de ser, pois o Homem decide-se a si mesmo por aquilo
que vai ser. Roxin critica FD dizendo que há momentos que nos transformam, mas não
são esses momentos que nos definem. Ou seja, ninguém decide ser de determinada forma.
A teoria de FD acaba por ser uma teoria determinista porque o autor nega a teoria da
vontade, dizendo que não é demonstrável cientificamente. Para o prof. trata-se de uma
engenharia doutrinal jurídica.
226
se pretende proteger os BJ essenciais. A culpa é tão só um limite devido a uma
ideia de humanidade das próprias penas.
ð reforçar de novo os termos que se contrapõe o ilícito e a culpa no quadro de uma
teoria do ilícito pessoal. Enquanto no ilícito doloso procuramos o conteúdo
pessoal implícito ao ato, na culpa procuramos o desvalor pessoal subjetivo do ato.
Assim o juízo de ilicitude pessoal corresponde a um juízo de culpa do homem
médio. Na culpa estamos a fazer um juízo pessoal subjetivo que atende as
especiais características do agente. O prof. considera que o juízo de culpa funciona
pela negativa. As características da culpa funcionam pela negativa. O juízo de
exclusão da culpa é um juízo de negação do ilícito.
No ilícito pessoal determinamos o sentido pessoal objetivo da situação, ao passo
que a culpa procura avaliar o sentido da conduta enquanto ato daquele concreto
agente, o que pode levar a que a afirmação do ilícito não se siga da afirmação da
culpa.
A culpa avalia se pela negativa, dai a dogmática da culpa avaliar se pela negativa.
Destaque para três paradigmas:
o falamos de um paradigma biopsicológico- conceção dos
positivistas/determinista- para esta conceção o homem não é livre. A reposta de
cada um de nós aos estímulos da realidade exterior é uma resposta condicionada
causalmente. A distinção do inimputável seria apenas uma anormalidade, uma
reação diferente. Assim nega se a liberdade e a vontade. A inimputabilidade traduz
se numa doença psíquica que se entedia que tinha substrato biológico, o ADN do
inimputável não seria livre provocando sim uma reação diferente. A
inimputabilidade representava uma doença psíquica com substrato psicológico.
Se não há liberdade de vontade, então a anomalia teria que conter apenas com
aspetos intelectuais. Era uma doença psíquica que afetava as capacidades de
compreensão e/ou de avaliação.
o orientação maioritária: paradigma normativo- parte se da ideia de liberdade
dentro do indeterminismo relativo- a inimputabilidade pode refletir se tanto ao
nível das capacidades de representação como capacidades volitivas. Teria que ver
com uma anomalia psíquica que afetasse ou a capacidade de avaliação do ilícito
ou a capacidade de se determinar de acordo com essa avaliação. Para se falar da
inimputabilidade teria se que se verificar uma qualquer afetação que afetasse as
capacidades intelectuais ou volitivas do agente (anomalia psíquica e essa anomalia
teria que ter consequências no plano normativo. Este elemento normativo traduz
se no facto da sequência da anomalia psíquica o agente fosse incapaz de distinguir
o lícito ou o ilícito ou então que não fosse capaz de se determinar de acordo com
essa avaliação. Esta orientação é a que melhor se adequa ao texto da lei portuguesa
e é esta a perspetiva do curso. A estes dois paradigmas surgiu o paradigma
compreensivo
o Paradigma compreensivo- decorrência direta da compreensão da culpa do Dr.
FD: este paradigma nega que o homem em concreto seja livre. Ele é responsável
sim pela sua natureza, pelo homem como é. Mas se assim é neste plano, não há
diferença entre imputáveis ou inimputáveis. O Dr. FD diz que a inimputabilidade
227
não tem que ver com a existência de liberdade. Dado esse diferente
funcionamento, essa diferente forma do inimputável reagir- a sua conduta não é
compreensível como ato humano em geral. O comportamento do inimputável não
seria compreensível como ato humano. Assim o problema da inimputabilidade é
um obstáculo à culpa, já que o inimputável seria apenas uma espécie de caixa
negra impenetrável pelo juiz. Assim, esta é a natureza da inimputabilidade que
faria com que o juiz mais do que excluir o juízo de culpa não tinha meio de
penetrar na logica do inimputável.
Esta perspetiva é uma decorrência da conceção da culpa do Dr. FD. Mesmo na prática é
pouco verossímil. Um ato de um menor de 16 anos não é compreensível? Claro que é
compreensível. No fim de contas estamos perante um exercício de engenharia jurídica.
Por tudo isto e na base da negação da culpa do FD vamos aderir ao paradigma normativo
e que esta em consonância com o conceito normativo de culpa de que partimos.
Fundamentalmente são três as causa de exclusão da culpa:
Inimputabilidade:
§ inimputabilidade em razão de anomalia psíquica (art 20º do CP)
Art. 20º/1: É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no
momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo
com essa avaliação. Dois elementos do paradigma normativo: tem que haver anomalia
psíquica e esta por si não basta. Só releva a anomalia psíquica que tenha reflexos no
comportamento do agente. Assim para ser inimputável é necessário a anomalia psíquica
e que esta tenha repercussões no comportamento do agente, na sua relação com o
ordenamento jurídico penal. O juízo de inimputabilidade é duplamente concreto.
O Dto Penal é o Dto Penal do facto- ou seja avalia o facto praticado. A par de uma
inimputabilidade permanente há inimputabilidades transitórias. O que o juiz tem de
determinar é se no momento da prática do facto o agente estava ou não em estado de
inimputabilidade. É também um juízo concreto atendendo ao tipo de crime em causa. O
agente é inimputável em relação àquele concreto ilícito típico. A inimputabilidade
respeita a uma particular espécie de crimes (há agentes que são inimputáveis em matéria
de crimes sexuais e já não o são quanto a crimes patrimoniais).
Art 20º/2: Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica
grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado,
tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou
para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída. Existem
situações em que o agente sofre de anomalia psíquica que afeta a sua capacidade de
avaliação e/ou volitiva, mas não a retira totalmente. Não lhe retira a capacidade de atuar
conforme a sua avaliação, mas esta diminuída. São zonas em que o agente ainda é
imputável, mas essa capacidade esta diminuída (Inimputabilidade diminuída). A nossa
lei dá a possibilidade ao juiz mediante as circunstâncias do caso concreto na base do que
for melhor para o delinquente, o juiz pode optar por o considerar imputável ou pelo
contrário aplicar lhe medidas de segurança considerando inimputável.
O Art 20º/3 e 4 levanta problemas de interpretação.
228
Art. 20º/3 - A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas
pode constituir índice da situação prevista no número anterior. Refere-se aqui a
capacidade para ser influenciado ou não influenciado pelas penas como critério de
distinção entre imputável e não imputável. Não há contradição nenhuma se lermos com
atenção. O facto de o agente ser influenciado ou não pelas penas é um mero elemento de
prova a par de outros elementos de prova possíveis. Não basta este critério para
fundamentar a qualificação de alguém como inimputável. O facto de ele ser influenciado
ou não influenciável é apenas um indício. Em segundo lugar, mesmo nesta qualidade de
indício a capacidade para ser influenciado pelas penas é apenas um indício a para
inimputabilidade diminuída. Assim além de ser tão só um indício. é um indício que só
funciona para a inimputabilidade diminuída.
Art. 20º/4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido
provocada pelo agente com intenção de praticar o facto. Diz respeito à figura da ação
que não foi livre no momento em que foi executada, mas livre na causa. É o caso de
alguém que se coloca premeditadamente em situação de inimputabilidade para praticar
um crime e por isso invocar a exclusão da culpa.
Nota: A medida de segurança pode ser renovada. Findo o tempo determinada na sentença
se o agente continuar a revelar perigosidade a medida pode ser prorrogado. O que
significa que haverá possibilidade de prolongamento indeterminado dessa mesma medida
de segurança. Sempre que é possível os advogados procuram puxar os seus clientes para
o domínio da inimputabilidade. Pode suceder que o agente tenha sido perigoso no
momento da prática do facto e no momento do julgamento já não e perigosos, assim não
haverá aplicação da medida de segurança, à luz do pp da necessidade da medida de
segurança. Esta situação da actio libera in causa: o agente no momento da prática do
facto não era livre (porque por exemplo bebeu bebidas alcoólicas, porque consumiu
drogas) mas a verdade é que ele era imputável no momento em que elaborou todo o
projeto criminosos. Assim a ação foi livre na causa. Assim ele será tratado como
plenamente imputável.
Esta situação difere de uma situação do art 295º/1 do CP: Quem, pelo menos por
negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo
de bebida alcoólica ou de substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto ilícito
típico é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
Aqui a situação é próxima da que descrevemos, mas a sanção é diferente. Aqui a pena é
mais branda. A diferença reside no momento da pré ordenação. No art 20º/4 ele coloca se
nessa situação como forma de usufruir da exclusão da culpa. No caso do art 295º agente
tem o dolo em relação ao colocar se na situação de inimputabilidade- p.e o meu clube
ganhou o campeonato por isso vou embriagar-me- dolo/negligência da sua própria
situação de inimputabilidade. Neste caso não houve no entanto preordenação. Este art
consagra um crime de perigo abstrato- que só é punido quando se verifica o dano. O
legislador pune a embriaguez para evitar que se pratique o crime, mas só pune quando se
verifica o dano. O dano é condição objetiva de punibilidade. Há quem diga que esta
condição é uma comprovação a posteriori da situação de perigo. Ou seja, daquela
inimputabilidade perigosa
229
Os autores dizem que há aqui um desvio ao juízo de culpa que deve reportar-se ao
momento da prática do facto e nesse momento é inimputável. Para resolver esta situação
surgiram 2 doutrinas para explicar: a teoria da exceção e a doutrina do delito.
Actio libera em causa - no momento da prática do facto não era livre, era inimputável,
mas foi livre na causa, comandou com toda a liberdade o processo que conduziu à sua
colocação numa situação de inimputabilidade e a coberto desta, à prática de um crime. A
ação livre na causa já causou dificuldades na doutrina: o juízo da culpa deve ser feito em
concreto e reportando-se ao momento da prática do facto, e, portanto, a culpa do agente
deve ser averiguada no momento da prática do facto. Nos casos do 20º/4, no momento da
prática do facto ele não é livre. Assim haveria uma situação de exceção- teoria da
exceção. Aqui há exceção pois faz-se retroagir o momento da censurabilidade ao
momento em que o agente ainda é livre, ainda é imputável. Quanto à teoria do tipo esta
alargava o tipo até ao primeiro ato em que o agente começou a embriagar-se ou a tomar
o estupefaciente.
O prof considera que não há problema nenhum. A solução a que a o prof chega é análoga
à da teoria da exceção, considerando que temos de autonomizar dois problemas: a
demarcação do facto penalmente relevante (não é quando está a beber que está a praticar
o crime de homicídio que planeou praticar), imputação a um concreto agente deste início
de execução da tentativa em que o intercriminis adquire relevância penal (alguém realiza
um crime por intermédio de outrem. Nas situações de autoria mediata, o autor mediato dá
a ordem ou controla o comportamento do outro num momento anterior à própria execução
e não há aqui nenhum problema que exija uma especial construção como a teoria do tipo
ou da exceção. Nem podemos dizer que é uma exceção porque a autoria mediata não são
exceções, são situações contempladas no nosso direito. A demarcação do facto
penalmente relevante surge no âmbito da tentativa que só é punida quando há o começo
da execução, ou seja, quando o agente inicia uma conduta que de forma direta vai
conduzir à consumação do próprio crime. O ato de execução só começa quando o agente
avança imediatamente para a prática do crime - exemplo de movimento que, sem quebras,
vai conduzir ao crime. Nas situações de actio libera em causa, com este argumento
afastamos a teoria do tipo.
230
A montante, temos a lei tutelar educativa (lei 147/1999) estabeleceu um regime para os
menores delinquentes. Esta lei tem dois tipos de medidas: medidas assistenciais (que
respeitam aos menores em risco) e medidas tutelares educativas (para os menores entre
os 12 e 16 anos que pratiquem ilícitos penais). Estas medidas são menos severas do que
as penas, privilegiando a vertente da reintegração social do menor. Todavia apesar de
serem menos severas contemplam um quantum de sofrimento no sentido da sua
responsabilização. Estas medidas tem um carater responsabilização. Estes menores
continuam a ser tratados como inimputáveis.
A jusante: O DL 401/82 contempla o regime aplicável aos chamados jovens adultos, entre
os 16- 21 anos- este DL estabelece um regime menos pesado – um regime que privilegia
tanto em nome do valor da humanidade e também à luz da prevenção especial positiva
deixam antever uma mais fácil reintegração social são medidas sobretudo viradas para a
reintegração social para o jovem delinquente. Claro que isto não invalida que não se
considerem questões de defesa social
Inexigibilidade
Contende com fatores exógenos. A inexigibilidade reporta a situações que devido às
caraterísticas do circunstancialismo exógeno não era exigível àquele concreto agente
atuar de acordo conforme ao direito- trata se de inexigibilidade subjetiva- tem de reportar
se às características pessoais do concreto agente.
Enquanto a inimputabilidade é uma causa de exclusão da culpa que contende com as
características internas do agente, a inexigibilidade contende com as características
exógenas do agente. De acordo com a ideia do mínimo de intervenção do DP entende-se
que em certas situações limite o legislador não pode exigir outro comportamento ao
agente (Ex: náufragos). A inexigibilidade foi introduzida do conceito normativo de culpa,
e entende-se enquanto causa de exclusão da culpa. A inexigibilidade foi sujeita críticas,
mas esta figura permaneceu no DP, sendo admitida pela generalidade da doutrina.
A doutrina alemã contemporânea, embora reconheça a inexigibilidade não a reconhece
como causa de exclusão da culpa. Na Alemanha existem três vertentes:
Uns entendem que a inexigibilidade deve pautar-se segundo a ideia do Homem
médio, sendo uma causa de exclusão da ilicitude, pelo que sempre que à luz do
Homem medio não fosse exigível outro comportamento, deixaríamos de ter um
facto jurídico-penalmente relevante.
A posição maioritária na Alemanha continua a colocar a inexigibilidade em sede
de culpa, mas apenas enquanto causa de desculpa (atenuação da culpa) e não uma
causa de exclusão da culpa – na verdade o agente poderia agir de forma diferente,
não há uma total exclusão da culpa, existindo ainda algo censurável no agente,
mas o facto nestes casos, tem um facto penalmente diminuto, pelo que há uma
desculpa ao agente pela OJ – para alem da exclusão da diminuição da culpa
resultante da coação psicológica decorrente de uma situação de culpa, o
comportamento praticado em EN sacrifica um bem para sacrificar outro bem, pelo
que o sacrifício do bem surge como meio para preservar outro bem – retira-se
gravidade ao próprio ilícito, e consequentemente à culpa. Estamos perante uma
atenuação da ilicitude e atenuação da culpa - desvalor diminuto, pelo que estamos
perante uma causa da desculpa, justificando-se que o legislador se desculpa o ato.
231
Daqui resulta uma consequência: há uma renúncia excecional da OJ à punição do
crime. Assim, a doutrina vem dizer que a inexigibilidade só funcionaria nos casos
expressamente permitidos na lei (lei portuguesa: excesso intensivo, asténico, não
censurável da LD, EN objetivo/desculpa, conflito de deveres subjetivo ou
desculpa, obediência hierárquica desculpante – art.37º do CP – em circunstancias
excecionalíssimas a situação de vida em que se encontra o funcionário ele obedeça
a uma ordem, apesar de ela constituir um crime, p.e, precisa de medicamentos
para a mulher, não podendo de todo perder o seu emprego). Sendo a
inexigibilidade uma causa de desculpa deve atender às características do concreto
agente. Contudo, os alemães não fazem assim: adotam uma perspetiva geral-
objetiva – a inexigibilidade é auferida de acordo com a culpa do Homem médio
(se esquecemos as características do concreto agente e os – estamos a atribuir à
situação um desvalor que teria se praticada pelo homem médio, havendo uma
contradição na doutrina alemã. Este entendimento acaba por se reconduzir à
primeira perspetiva – ao adotar o critério do Homem médio estão a assumir a
inexigibilidade objetiva
Roxin contesta a posição anterior – deve analisar-se a culpa em geral, e depois a
necessidade de pena (o DP visa tão só prevenir a prática de crimes - pode
acontecer que havendo culpa não há um facto penal relevante). Não se trata de
uma causa de exclusão da culpa, mas sim de uma causa de exclusão da
responsabilidade.
Na doutrina portuguesa a inexigibilidade continua a ser entendida como uma causa
geral de exclusão da culpa. Contudo, a doutrina portuguesa ao defender a inexigibilidade
como causa de exclusão da culpa cai numa dupla contradição:
ð Esta doutrina diz que não há uma causa geral da inexigibilidade e que a
inexigibilidade só funciona nos casos expressamente previstos na lei – se a
inexigibilidade só pode funcionar nos casos previstos por lei, não há uma
verdadeira causa de exclusão da culpa (o pp. da culpa entende-se que está
plasmado na própria CRP – sempre que o juiz perante o caso concreto entende
que o agente atuou sem culpa deve excluir a punição ao agente. Assim, seria
inconstitucional que, ainda que em concreto, o juiz entendesse que o agente não
tinha culpa, teria de o punir).
ð Para além disso, a doutrina portuguesa fala de uma inexigibilidade média,
devendo atender-se a um critério pessoal objetivo, isto é, às capacidades e
características do Homem médio. Todavia, a culpa contende com um plano
emocional-psicológico do concerto agente. Aqui parece haver uma confusão entre
os momentos do ilícito e da culpa o que conduz a que os autores, a propósito do
art.33º do CP e do art.35º do CP, na medida em que interpretam estes artigos na
base do Homem medio, estão a admitir, sem se aperceberem, dois tipos
justificadores supralegais: o conteúdo de antinormatividade (crime) deve aferir-se
em função o Homem médio (inexigibilidade objetiva).
Temos de distinguir entre dois tipos de inexigibilidade. A inexigibilidade deve ser
entendida como uma causa geral de exclusão da culpa – há exemplos padrão expressos
no CP que não esgotam os casos em que a inexigibilidade subjetiva pode atuar como
causa de exclusão da culpa. O que está em causa no conceito normativo de culpa é o juízo
de censura, mas o determinante no juízo de culpa não é a possibilidade de ter feito de
232
outra forma, mas sim a amplitude do juízo de censura em que a culpa se traduz num
quadro de um conceito normativo de culpa, pois atendendo aos critérios de justiça, o
legislador entendeu que naquela situação não se justifica e não é legitimo, devido ao
princípio do mínimo de intervenção do DP, dirigir um juízo de culpa ao concerto agente:
§ Inexigibilidade objetiva: o conteúdo da antinormatividade deve aferir-se em
função do Homem médio. Medida na base das capacidades, características e
qualidades do Homem médio
§ Inexigibilidade subjetiva: no âmbito da culpa, só esta é admitida, porque a culpa
é uma concretização das características e capacidades do concreto agente (plano
psicológico-emocional do concreto agente). Só esta pode ser considerada como
causa de exclusão da culpa. Medida na base das capacidades, características e
qualidades do concreto agente.
233
fala que estes erros que condicionam a representação do agente, embora a situação
representada não corresponda à realidade, se houver lugar à censura do agente, o mesmo
seria punido, contudo, a título de negligencia, tendo de se verificar os dois requisitos
formal e material da negligencia.
Destas duas doutrinas surgiu outra (a atualmente adotada): que questiona se a
representação do agente, se fosse verdadeira, era inexigível ou não? se a representação
não fundamentava a inexigibilidade, o agente era censurado – nestes casos apenas por
negligencia, sendo necessária a verificação dos respetivos requisitos formal e material.
Se, por outro lado, a representação do agente, embora não verdadeira, fundamentaria a
inexigibilidade, o agente age de facto convencido que estava a atuar no âmbito de uma
causa de exclusão da culpa, pelo que não há dolo. Contudo, ele pode ser responsável pelo
erro na representação da inexigibilidade. É nestes termos que devemos interpretar o
art.16º/nº2 do CP, pois este inclui não só as causa de justificação como as causas de
exclusão da culpa– “ou a culpa do agente”.
O art.35º do CP restringe o âmbito do EN subjetivo ou desculpante aos casos em que o
BJ em perigo fosse a vida, integridade física, etc, isto é, a BJ estritamente pessoais. Mas,
o art.35º/nº2 do CP expande o âmbito dos BJ em causa, estendendo também a BJ não
pessoais.
§ “Desde que se verifiquem os requisitos do nº anterior” – tem de se verificar os
requisitos até agora mencionados (art.35º/nº1 + corpo do art.34º + art.34º/a)).
§ Há também lugar, em regra, a uma “atenuação especial da pena” (art.72º e 73º do
CP).
§ Mas, excecionalmente o agente pode ser “dispensado da pena”. A redação
originaria de 1982 não era igual à que hoje encontramos no CP (dizia que o agente
podia ser isento de pena). Nesta matéria a doutrina diverge:
Eduardo Correia dizia que a inexigibilidade pode atuar como causa de exclusão da culpa
ou como causa de atenuação da culpa. Nos BJ pessoais do nº1 do art.35º do CP, a coação
psicológica produz sobre o agente uma causa de inexigibilidade capaz de afastar a culpa.
Já nos BJ não pessoais, em regra, nestas situações a inexigibilidade atua como causa de
atenuação da culpa. Mas, EC dizia que excecionalmente, atendendo às circunstâncias do
caso, mesmo não sendo BJ de carater pessoal, a situação em concreto poderia constituir
uma causa de exclusão da culpa.
Figueiredo Dias dizia que a inexigibilidade nunca pode, fora dos casos em que estão em
causa BJ pessoais, excluir a culpa, mas apenas atenuar a culpa, pelo que quando estão em
causa BJ de natureza não pessoal, a inexigibilidade só atenua a culpa, pelo que esta
impunidade (“o agente ser dispensado de pena”) do agente não se fundamenta. Contudo,
Figueiredo Dias entende também que, em determinadas circunstâncias, quando em causa
estejam BJ não pessoais pode haver lugar a dispensa de pena, por razoes de necessidade
da pena.
Almeida Costa concorda com ambas as perspetivas. No âmbito da perspetiva de EC
dizendo que excecionalmente, atendendo as circunstâncias do caso, pode a situação da
inexigibilidade constituir uma causa de exclusão da culpa, mas no âmbito dos BJ pessoais
234
a que se refere o nº1 do art.35º do CP. Por outro lado, também concorda com a perspetiva
de FD, pois está de acordo com o facto de a pena poder ser excluída por questões de
necessidade de pena – dispensa de pena.
A inexigibilidade que está prevista no art.35º/nº1 (“age sem culpa”), é uma
inexigibilidade subjetiva, apesar de a doutrina falar (como acima referimos) da culpa
objetiva do Homem médio – pelo que a doutrina está a criar causas de exclusão da culpa
supralegais. Verdadeiramente temos três EN: EN objetivo/justificante (art.34º) – O BJ é
sensivelmente mais valioso, EN subjetivo/desculpante (art.35º do CP) – O BJ protegido
é ou menos valioso, ou tão valioso, ou mais valioso, mas não sensivelmente mais valioso
do que o sacrificado, EN justificante (inexigibilidade subjetiva) – funciona como
concretização da inexigibilidade subjetiva (não cabe no art.34º nem 35º do CP)
NOTA: Quando o BJ sacrificado é um BJ pessoal não significa que estamos
obrigatoriamente no âmbito do art.35º do CP, pois esta situação do art.35º do CP só
funciona no âmbito de situações ilícitas.
O conflito de deveres subjetivo/desculpante
Pode funcionar tanto como causa de exclusão da culpa como causa da exclusão da
ilicitude (como anteriormente verificamos).
No conflito de deveres o agente não é livre de agir, pois está perante dois deveres
conflituantes que o vinculam. O conflito de deveres funciona como causa de exclusão da
culpa e, no âmbito da inexigibilidade subjetiva quando o dever protegido for superior ao
sacrificado. O art.36º/nº1 do CP apenas fala do conflito de deveres objetivo/justificante e
não o subjetivo/desculpante (que é o que aqui estamos a falar).
Ora, o conflito de deveres subjetivo/desculpante é aplicado por analogia ao regime do
art.35º do CP – é aqui que podemos contemplar as situações excecionalíssimas de
obediência hierárquica. A obediência hierárquica não exclui a ilicitude (art.36º/nº do CP),
mas existem situações excecionais em que o funcionário se pode encontrar numa situação
de inexigibilidade. É de referir que nestas situações a ilicitude tem de ser de diminuta
gravidade. O agente sabe que esta a praticar um ilícito, mas a situação em que se encontra
exclui a culpa do agente.
O excesso de LD intensivo/excesso nos meios– art.33º do CP
A LD exige a necessidade do meio – na impossibilidade de recorrer à força publica, o
agente pode recorrer às suas próprias forças, mas deve ater-se ao estritamente necessário
para evitar a lesão do seu bem.
Art.33º/nº1 do CP – este artigo fala do excesso intensivo de LD que torna o ato ilícito,
mas pode haver uma “atenuação especial da pena” (art.72º e 73º do CP) que se
fundamenta numa ideia de inexigibilidade enquanto atenuação da culpa. Isto porque em
qualquer circunstância, o ato resultou de uma ação ilícita, estando o agente a agir contra
o próprio agressor – há uma atenuação da culpa baseada no pensamento da
inexigibilidade.
Art.33º/nº2 do CP – devemos distinguir, desde logo, entre excesso intensivo de natureza
asténica (pessoas tímidas, não agressivas, mas perante o medo ou susto da agressão
235
perdem noção – medo, susto) e excesso intensivo de natureza esténica (raiva, furor,
cólera, vingança – o excesso deve-se a estados agressivos).
Este nº2 do art.33º do CP diz que quando se trate de um estado intensivo asténico não
censurável (p.e. pessoas que receberam uma preparação especial para agir perante uma
situação de crise, a situação de medo ou susto é censurável – situações de exigibilidade
intensificada), o agente pode ficar impune (consagração da ideia da inexigibilidade
enquanto exclusão da culpa).
No nº1 do art.33º do CP está o regime geral do excesso intensivo (seja asténico ou
esténico). No nº2 do art.33º do CP prevê-se a exceção dos casos de exercício asténico não
censurável (o censurável está no nº1).
Mas, quando é censurável? A doutrina aponta para a ideia do Homem médio. O prof. diz
que isto não pode ser porque se não estaríamos perante uma causa supralegal de exclusão
da culpa, dado que a culpa se afere em relação ao concreto agente (deve-se ponderar o
caso concreto).
236
Só que aqui o que está em causa são proibições cujo conhecimento é indispensável para
que o agente se aperceba da ilicitude do ato – são proibições predominantemente do DP
secundário, que contendem com conhecimentos especializados que escapam ao homem
comum.
Como se disse, não é preciso estudar para saber que matar é proibido, por exemplo – trata-
se de ilícitos que já estão consolidados na história e a sua apreensão por parte dos
indivíduos resulta dos processos de integração sociais normais (estão consolidados na
consciência axiológica comunitária).
O mesmo não sucede em relação a condutas predominantemente do DP secundário (mas
não só), em que estão em causa condutas que violam bens jurídicos essenciais, mas trata-
se de ilícitos que contendem com conhecimentos especializados (que não são dados pelos
processos de integração social normal) e daí que o agente só possa aperceber-se da sua
ilicitude, perante o conhecimento explicito da norma à ou porque viu no DR ou porque
alguém o informou (ex.: norma que obriga à utilização de novos escapes automóveis;
impõe regras novas para o tratamento de resíduos industriais).
É evidente que o homem conformista/ o homem respeitador dos valores jurídico-
criminais, apesar da sua atitude ser uma atitude de respeito pelo DP e pelos seus valores,
ele so se pode aperceber do caracter ilícito da conduta mediante o conhecimento explicito
da norma.
É por isso que, sendo embora um erro diferente, porque o agente tem um conhecimento
correto da factualidade típica, o nosso legislador equiparou o regime do erro sobre as
proibições, ao erro sobre a factualidade típica ou erro sobre as circunstâncias de facto.
É um erro intelectual – este erro não exprime nenhuma atitude de indiferença ou
contrariedade ao dever ser penal, quando muito exprime uma atitude de descuido ou
leviandade perante o dever ser penal.
Numa palavra, exprime a atitude de descuido ou leviandade caraterística da negligencia.
Por isso, logo no plano do ilícito excluímos o dolo, pelo que as situações correspondentes
ao erro sobre as proibições correspondem a um ilícito negligente.
Ao homem medio, no plano do ilícito estamos a valorar a conduta como ato humano em
geral. Como se tivesse sido praticado pelo homem medio e em relação ao homem medio
não é de esperar estes conhecimentos, ele poderá tomar conhecimento deles através do
conhecimento da própria norma.
Por isso, logo se exclui no plano pessoal objetivo do desvalor do ato o dolo e por isso o
agente só pode ser punido a título de negligencia
É no fim de contas esta razão material que levou o legislador na 2ª parte do artigo 16º/1
CP a equiparar o regime do erro sobre as proibições ao regime do erro sobre a factualidade
típica ou circunstâncias de facto.
237
Assim, o agente só poderá ser punido, como se diz no nº3 do artigo 16º, a título de
negligencia, só quando verificados os requisitos gerais da punição da negligencia
(requisito formal + requisito material).
O que de diferente se verifica no erro sobre a ilicitude, que estamos a estudar agora como
causa de excussão da culpa, por referência ao erro sobre as proibições?
A diferença está na própria natureza das proibições – na natureza dos ilícitos em causa.
No âmbito do erro sobre as proibições estamos perante ilícitos sem ressonância ético
social (cujo conhecimento não é dado pelo processo de integração social normal), ao
passo que no erro sobre a ilicitude estamos perante os tais ilícitos já interiorizados ao
nível da consciência axiológico-comunitária.
Precisamente por isso nas situações de erro sobre a ilicitude, no plano do ilícito, temos
um ilícito doloso à situações em que o homem medio tinha as capacidades para se
aperceber do carater ilícito – daí que se necessariamente se não apercebe, revela uma
atitude de oposição frontal aos valores jurídicos criminais, que é a atitude caraterística do
dolo.
Por isso, logo no plano do ilícito, temos um ilícito doloso, ao contrário do que verificamos
no âmbito do erro sobre as proibições de que se trata de um ilícito negligente.
® Portanto, valorada a conduta subjacente ao erro sobre a ilicitude ao nível do
critério do homem médio, nos temos um ilícito doloso.
® Contudo, para termos um crime não é suficiente termos uma conduta ilícita, e
neste caso ilícito doloso, é necessário que seja também culposa.
Pode bem suceder que aquela conduta praticada em erro sobre a ilicitude (aquele ilícito
objetivo) não seja censurável ao agente devido às suas particulares qualidades/
características. i.e., não era exigível àquele concreto agente que, naquela concreta
situação, se apercebesse da ilicitude do ato à temos uma situação de ilícito objetivo a
que não corresponde uma culpa subjetiva.
É esta a situação de erro sobre a ilicitude, que leva à consideração do erro sobre a ilicitude
quando não censurável ao concreto agente como uma causa de exclusão da culpa – artigo
17.º, n.º 1 CP.
Estamos no âmbito do DP da culpa, sem culpa não há crime. Logo, não há culpa e não
haverá punição. Nisto consiste a consagração do erro sobre a ilicitude não censurável
como causa de exclusão da culpa.
E se for censurável? Se for censurável o erro – essa situação do erro sobre a ilicitude
censurável está regulada no artigo 17.º, n.º 2 CP.
Convém, contudo, atender às duas grandes construções nesta matéria:
Teoria do dolo – defendida pelos autores do sistema neoclássico ou normativista
(Eduardo Correia e Mezger): a teoria do dolo dizia que o erro sobre a ilicitude, se não for
238
censurável, não é punível; mas se for censurável só pode ser punido a título de
negligencia.
Isto pela razão de que o sistema neoclássico partia de uma conceção do ilícito objetivo,
onde, em regra, não havia a consideração da subjetividade do agente – tudo o que tivesse
a ver com a subjetividade do agente remetia pela culpa, pelo que o dolo e a negligencia
eram, exclusivamente, espécies e graus de culpa.
O dolo, nesta conceção, abrangia, portanto, não apenas o elemento intelectual e volitivo,
mas também emocional. O que significava que sempre que faltasse a consciência da
ilicitude, i.e., o agente atuasse em erro sobre a ilicitude, excluía-se o dolo – faltava o
elemento emocional, pelo que só poderia ser punido a título de negligencia.
Em suma, para a teoria (estrita/ extrema) do dolo, o erro sobre a ilicitude excluía o dolo,
o que significava que o regime do erro sobre a ilicitude seria idêntico ao regime do erro
sobre a factualidade típica.
Depois, existe a razão de fundo/ critica de fundo desta doutrina: de facto a negligencia
tem o seu fundamento num dever objetivo de cuidado, num descuido/ leviandade e foi
esta a segunda grande critica: o não saber que matar é proibido, que furtar/ roubar é
proibido, etc. é um descuido?
Não, fica-se a dever a uma atitude interior do agente que está em conflito com os valorar
jurídico-criminais. Não revela uma atitude de descuido ou leviandade, mas sim uma
atitude de indiferença aos valores jurídico-criminais.
Circunstância que afasta a negligencia e a punição por responder à negligencia não
exprimam o real desvalor jurídico-criminal destas situações.
Foram estas as duas críticas fundamentais dirigidas à teoria do dolo estrito ou extrema,
tal qual surgiu na doutrina.
239
Como os próprios adeptos se aperceberam da justeza destas críticas, introduziram
algumas limitações ao seu ponto de partida, e com isso nasceu a chamada teoria do dolo
limitada ou mitigada. Em que é que consistiu?
® Mezger dizia que, em princípio, o erro sobre a ilicitude (erro sobre a proibição [no
singular]) exclui o dolo e, portanto, apenas se permitira a punição a título de
negligencia.
Contudo, existem, casos graves referentes àqueles bens jurídicos mais importantes
do DP (dentro dos bens jurídicos essencial que o DP protege, há uns mais
importantes do que outros) e, nesses casos, se o agente não se apercebe da ilicitude
está a revelar, mais do que uma «cegueira», uma verdadeira inimizade pelo
Direito.
Nessas situações, embora se exclua o dolo, ele deve ser punido a título de dolo –
com isto, ultrapassava-se a critica quanto aos sentidos jurídico-criminais do
caracter excecional da punição da negligencia e da negligencia não ser suficiente
para responder ao desvalor jurídico criminal da concreta situação.
® Eduardo Correia chegava ao mesmo resultado, mas procurava não sair tanto dos
quadros da teoria do dolo, o que dizia era o seguinte: sem dúvida que o erro sobre
a ilicitude exclui o dolo, e o agente só podia ser punido a título de negligência.
Todavia em relação a esses casos mais graves de inimizade pelo direito o agente
revelava não era apenas uma culpa negligente pelo facto, ma suma verdadeira
culpa negligente como modalidade da culpa na formação da personalidade.
Quer dizer, o erro sobre a ilicitude revelava que o agente ao longo da sua vida não
se tinha preparado para respeitar aquelas exigências mínimas à convivência
comunitária, que são as exigências que contendem com os valores mínimos
indispensáveis à convivência comunitária.
Nesse sentido, a negligencia que se punia com a que se punia o erro sobre a
ilicitude seria, não a negligência como modalidade do facto, mas sim a negligencia
geral para com o dto, como modalidade de culpa na formação da personalidade.
A partir daqui, EC dizia que esta negligencia geral pelo dto não está subordinada
ao limite do artigo 13º do CP, é punível a propósito de todos os crimes.
Punível como?
Punível com a moldura penal abstrata do crime doloso, ainda que especialmente atenuada.
Com isto, EC, sem sair dos quadros da negligencia, ultrapassava a tal dificuldade politico-
criminal, pelo que a negligência geral pelo dto, seria punida a respeito de todos os crimes,
sem estar subordinada ao artigo 13º e a pena correspondente seria mais grave (uma vez
que seria uma pena determinada dentro da moldura penal abstrata do crime doloso).
Estas duas orientações enfermam empenos inultrapassáveis:
240
þ Na verdade, Mezger pretende punir situações que diz que são de negligência, com
a pena dolosa. Logo aqui a grande dificuldade de encontra no pp da legalidade.
Se Mezger diz que o erro sobre a ilicitude exclui o dolo e só admite a punição a
título de negligencia, na lei alemã existe um artigo semelhante ao artigo 13º, que
restringe a negligência aos casos expressamente previstos na lei. Como é que
Mezger poderia alargar e continuar a dizer que estava a respeitar a lei alemã?
Qual a base legal para a solução?
Desde logo, esta doutrina parecia inadmissível à luz do princípio da legalidade.
þ O mesmo se dirá na teoria de EC que o que se está a punir no erro sobre a ilicitude
não é o erro, não é a negligência como modalidade de culpa do facto, é uma
negligencia geral do dto como modalidade de culpa na formação da personalidade
e que esta não está subordinada ao limite do artigo 13º e que vai ser punida dentro
da moldura dolosa. Onde é que isto está previsto na lei? Como vamos punir a
negligencia a título de dolo?
Estas doutrinas, embora procurassem colmatar o erro da formulação inicial da teoria do
dolo extrema ou estrita, sofriam deste empeno, desde logo, a sua inadmissibilidade à luz
do princípio da legalidade (não havia base legal para as mesmas, contrariavam a
regulamentação expressa tanto da lei alemã como da lei pt) e acresce a isto tudo a critica
fundamental: é que estes autores continuam a incluir estas situações no âmbito da
negligencia quando a negligencia não reproduz o desvalor do facto (atitude de total
divorcio face ao dever ser jurídico criminal).
Foi na base destas críticas que quer a doutrina do dolo estrita, como as doutrinas do dolo
limitadas foram abandonadas pela generalidade da doutrina. Em sua substituição nasceu
a chamada teoria da culpa.
A teoria da culpa surgiu ligada ao sistema finalista, e mais propriamente, a Hans Welzel.
A doutrina finalista, ao contrário da doutrina normativista partia do ilícito pessoal, pelo
que logo ao nível do ilícito típico distinguia o dolo da negligencia – sucedia que o dolo
do ilícito típico, para os finalistas e assim continua a ser para muita doutrina atual, se
resumia ao dolo natural (i.e., conhecimento e vontade de realização do tipo incriminador
[não havia qualquer elemento emocional]).
Portanto, aquele que atuasse com conhecimento e vontade de realizar o tipo incriminador
atuava a título de dolo, mesmo que atuasse numa situação de legitima defesa ou acoberto
de qualquer outra causa de exclusão da ilicitude. A conduta dele era dolosa, por ter
preenchido conscientemente e voluntariamente o tipo incriminador, só que depois poderia
vir a causa de justificação eliminar o desvalor do facto e torná-lo lícito. Ex.: alguém mata
alguém julgando que está a ser vítima de agressão quando não está – legitima defesa
putativa)à O que Welzel dizia e o que a teoria do dolo estrita dizia é que neste caso, ele
praticou uma ação dolosa, e o erro sobre as circunstâncias de facto das duas uma: ou é
censurável ou não, sendo que se o for o agente será punido a título de dolo (mas esta
censurabilidade só se poe em sede de culpa).
Em sede de ilícito, o dolo era o dolo natural, afirmamos o dolo desde que o agente tivesse
conhecimento da factualidade típica e vontade de realizar essa mesma factualidade típica.
241
O problema da falta de consciência da ilicitude não se punha aqui, somente depois em
sede de culpa, o que fazia com que a teoria do dolo extrema ou estrita conduzisse a um
regime demasiado severo e de resto desajustado, em função do desvalor do caso, porque
em função do que foi dito, esta teoria remetia para o erro sobre a ilicitude.
Portanto, para uma punição a título de dolo, todos os casos em que ou o agente não se
apercebesse do ilícito da conduta e, portanto, do sentido subjacente ao tipo incriminador,
como todo o erro sobre o tipo justificador, quer fosse um erro sobre os pressupostos
fácticos, quer fosse um erro sobre a ilicitude/ sentido e alcance do tipo justificador.
Esta solução, nomeadamente quando ao erro sobre os pressupostos fácticos, pareceu
excessivamente severa aos olhos da doutrina. Repare-se na situação de erro sobre a
legitima defesa (legitima defesa putativa): o agente que atua acoberto da legitima defesa
julga, erroneamente, que está a atuar de modo conforme ao Direito, pelo que a sua atitude
não é de contrariedade ou indiferença face aos valores jurídico-criminais (ele quer e julga
estar a praticar um comportamento lícito, apenas avaliou mal a situação), pelo que a única
censura que se lhe poderá dirigir terá que ver com a eventual atitude de descuido ou
leviandade tomada na apreciação do facto (negligência).
Foi isto que veio dizer a teoria da culpa limitada que, por referência à teoria da culpa
estrita/ extrema, que no âmbito do tipo incriminador e do tipo justificador há que
distinguir as várias espécies de erro, assim temos: erro sobre a factualidade típica, que
exclui o dolo e apenas admite a punição a título da negligencia quando censurável e o
erro sobre a ilicitude.
Por outro lado, a mesma distinção se tem que fazer no âmbito do tipo justificador: também
no tipo justificador o agente pode errar sobre os pressupostos fácticos e, nesses casos,
exclui-se o dolo e o agente só será punido se esse erro lhe for censurável a título de
negligencia. Como?
Inversamente, pode verificar-se um erro sobre o sentido da ilicitude e aí estaremos perante
o erro sobre a ilicitude que, se não for censurável, não há culpa e não será punido; se for
censurável, só poderá ser punido a título de culpa dolosa.
Ex.: um emigrante pagar 50.000 euros de adiantamento a um mestre de obras para que
este inicie um projeto de uma casa em Portugal.
O senhor quando chega a Portugal vê que o terreno está exatamente igual e ouve ainda
dizer que o mestre de obras tem dividas e, pega num quadro valioso do mestre de obras,
convencido de estar a atuar em legitima defesa do seu património (a LD não recobre as
situações de defesa de dtos de crédito) – não há um erro sobre as circunstancias de facto,
há um erro sobre o sentido e alcance da causa de justificação da legitima defesa, ou seja,
há um erro sobre a ilicitude da sua própria conduta, pelo que é um erro relativo ao tipo
justificador.
Por isso, verdadeiramente este é o alcance da teoria da culpa limitada. É por isso que,
quando tratamos do erro sobre o tipo justificador, dissemos que a nossa lei consagrava no
fundo a teoria da culpa limitada ou mitigada e que resulta da leitura conjugada dos artigos
16º/2 e 17º CP.
242
þ O artigo 16.º, n.º 2 CP (importa-nos a 1ª parte) – o erro sobre as circunstâncias
de facto do tipo justificador exclui o dolo e só pode ser punido a título de
negligência, nos termos do nº3 do mesmo artigo 16º – A NOSSA LEI AFASTA
A TEORIA DO DOLO ESTRITA.
þ Depois, o nº2 do artigo 17º confirma a consagração na nossa lei da teoria da culpa
limitada ou mitigada à se o erro sobre a ilicitude lhe for censurável, o agente
exprime a tal atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever ser jurídico-
penal, é punido com a pena aplicável a qual pode ser especialmente atenuada: se
o erro sobre a ilicitude for censurável o agente exprime a atitude característica da
culpa dolosa.
Sintetizando:
o Ao contrário da teoria do dolo dos normativistas (defendida por Mezger e por EC)
para a qual nas situações de erro sobre a ilicitude das duas, uma:
o Ou não é censurável – se não há censura, não há culpa, logo fica impune;
o Ou é censurável – neste caso seria punido tão-só a título de negligencia,
com todas as dificuldades que isso significava e que aludimos.
o Diferentemente, na teoria da culpa limitada ou mitigada, das duas, uma:
o O erro sobre a ilicitude não é censurável? – se assim for, não culpa, não
será punido.
o É censurável? – a ser censurável, será punido a título de dolo, uma vez que
a ignorância da ilicitude exprime a atitude de contrariedade ou de
indiferença perante o dever ser jurídico-penal característica da culpa
dolosa.
o O sentido da teoria da culpa limitada no confronto com a teoria da culpa originaria
(a teoria da culpa extrema ou estrita) consiste em afirmar que, tanto no âmbito do
tipo incriminador, como justificador, há que distinguir as várias espécies de erro:
o Por um lado, um erro intelectual/ um erro de conhecimento que contende
com o conhecimento do circunstancialismo fáctico em que o agente atua
– o agente tem um defeituoso conhecimento e que está regulado no artigo
16º, exclui o dolo e o agente a ser punido só o poderá ser a título de
negligencia, desde que verificados os pressupostos gerais.
o Por outro lado, um erro sobre a ilicitude, que é um erro de valoração/
moral, em que o agente evidencia uma desconformidade entre a sua
consciência axiológico individual e a consciência axiológico-comunitária
(ele não interiorizou os valores da comunidade, o mínimo indispensável
que o DP exige e nessa medida traduz a diferença ou contrariedade pelo
dever ser jurídico-penal). E este erro sobre a ilicitude ou não é censurável,
e aí não há culpa; ou a ser censurável terá de ser punido a título de
negligencia.
Esta teoria da culpa limitada está consagrada expressamente na própria lei portuguesa
como resulta da leitura conjugada do artigo 16º/2, 2ª parte, e 17º/2 CP.
Importará agora fazer uma referência para tornar as coisas mais claras:
243
þ Em primeiro lugar, o erro sobre a ilicitude não tem que ver com o conhecimento
da norma em geral/ em abstrato (ex.: saber que matar é proibido, furtar é proibido),
mas sim com o erro sobre o sentido de ilícito concreto – é atendendo aquela
concreta situação com aquelas concretas características que afirmamos o erro
sobre a ilicitude quando o agente não se aperceber em concreta da natureza do
ilícito em causa– ERRO SOBRE O ILICITO.
Ele erra sobre o concreto sentido de ilícito daquele caso concreto – até pode saber
que em abstrato há uma norma que diz que a conduta é proibida, mas não atualiza
na situação concreta esse conteúdo da norma.
Portanto, erra sobre o concreto sentido de ilícito daquela concreta situação.
þ Em segundo lugar, o erro contende com o sentido de ilícito penal – afirmamos
que estamos perante uma situação de erro sobre a ilicitude se o agente em concreto
não representar que aquela situação é um ilícito penal.
Pode pensar que é um ilícito contraordenacional, administrativo, etc, desde que
ele não represente o específico sentido de ilicitude penal daquele caso concreto,
estamos perante o erro sobre a ilicitude a submeter ao regime do artigo 17º CP.
244
Punibilidade
Vamos terminar a teoria geral dos delitos de ação dolosos, falando da última categoria: a
punibilidade.
Há muito que muitos autores que assinalam como último estrato da construção geral do
delito a punibilidade. Simplesmente, a punibilidade, tal como a vemos enunciada em
Belling era uma categoria que envolvia elementos muito heterogéneos: elementos esses
que a doutrina tinha alguma dificuldade em enquadrar, seja no plano do ilícito típico, seja
no plano da culpa.
São elementos heterogéneos que muitas vezes nada tinham que ver com a matéria penal
e, por isso, a doutrina remetia certos elementos que eram pressupostos da punição, mas
que havia dificuldade em incluir no plano do ilícito e da culpa.
A situação alterou-se, todavia, quanto à compreensão desta categoria da punibilidade.
Ora, alterou-se sobretudo no contexto do sistema teleológico-racional.
A estrutura básica do sistema teleológico-racional aproveitou em larga medida aquele
sistema que resultou da luta de escolas e quase que se implantou na década de 60 /70
como uma espécie de communis opinio, mas introduzindo um elemento novo.
Sobretudo por influência de Roxin, entendeu-se que se o conceito material de crime
resultava da ponderação cumulativa de considerações de dignidade penal de ordem
axiológico-jurídica, e, por outro lado, de necessidade de pena atinentes aos objetivos
politico-criminais da prevenção geral e/ou especial, então tanto a vertente da dignidade
penal como da necessidade de pena tinham de se projetar na construção geral do delito.
Portanto, se a construção geral do delito pretende enunciar os elementos constitutivos
desse conceito material de crime que está pressuposto e se na definição desse conceito
material de crime intervêm tanto considerações de dignidade penal como de necessidade
de pena, afigurava-se evidente que ao longo do sistema deveria haver concretizações/
projeções dessas mesmas ideias.
Na modelação de qualquer das categorias não intervinham considerações de necessidade
de pena e é isso que pretende fazer o sistema teleológico racional que surge sobretudo por
influência de Klaus Roxin.
Neste sentido, o sistema teleológico-racional, como disse um discípulo de Roxin,
verdadeiramente traduz-se numa nova metodologia/ num novo modo de construção
conceptual que pretende introjetar no sistema, para alem das considerações de dignidade
penal, as considerações de necessidade de pena.
São estas considerações de necessidade de pena que influem hoje sobretudo na categoria
da punibilidade como último estrato da construção geral do delito.
É esta a categoria geral do sistema teleológico-racional: introjetar considerações de
necessidade de pena. Só que o acordo dos autores começa e acaba aqui: quanto ao modo
como essas considerações de necessidade de pena deviam intervir na construção do
sistema há grandes divergências doutrinais.
245
Começando pela opinião de Roxin, este faz intervir essas considerações substituindo a
categoria da culpa pela categoria da responsabilidade. Roxin mantinha o sistema intacto
até ao plano do ilícito típico: ação, tipo incriminador, tipo justificador. Chegava à culpa
e substituía-a pela da responsabilidade. A averiguação da categoria da responsabilidade
passaria por 2 momentos:
§ Um primeiro momento era a averiguação da culpa nos moldes tradicionais;
§ Então, depois de averiguada a culpa e se chegasse à conclusão de que o agente
tinha atuado com culpa, haveria que passar a um 2º momento: momento da
necessidade de pena. Dizia Roxin que ao DP não interessa a culpa tout court,
apenas interessa uma culpa relativamente à qual haja necessidade de punição e
pode bem suceder que haja culpa e não haja necessidade de pena. Nesse sentido,
a categoria da responsabilidade seria como que concretização dentro do sistema
da conceção unilateral ou unívoca do pp da culpa.
246
Esta construção de Roxin, todavia, não teve grandes adeptos e a esmagadora maioria dos
adeptos do sistema teleológico-racional autonomizaram estas considerações de
necessidade de pena para uma categoria autónoma: punibilidade.
FD, em concordância com a opinião maioritária entre os autores adeptos do sistema
teleológico-racional, mantem o sistema intocado até ao momento do ilícito: ação, ilícito
típico, tipo incriminador, tipo justificador, culpa. Depois junta a categoria da punibilidade
onde interviriam exclusivamente as tais considerações de necessidade de pena atinentes
a pontos de vista de prevenção geral e/ou especial.
Foi para autonomizar as considerações de culpa das considerações de necessidade e, com
isso, manter a função de garantia da culpa em DP, que a generalidade da doutrina adepta
do sistema teleológico-racional, autonomizou as considerações de pena da culpa e com
isso introduziram o tal 5º escalão da construção geral do delito:
ü Ação;
ü Ilícito típico;
ü Tipo incriminador e Tipo justificador;
ü Culpa;
ü Punibilidade.
Dr. Almeida Costa discorda deste ponto de vista. Adere a um modelo que tem como
defensor Walter Zaachs.
Se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia de crime previa (conceito material
de crime) e, na modelação desse conceito material de crime intervêm tanto considerações
de dignidade penal (atinentes ao desvalor do ato, à gravidade do ato tanto no plano
objetivo como no plano subjetivo da censura ao agente) e, por outro lado, intervêm
considerações de necessidade de pena (sejam elas de prevenção geral e especial), então
quer a dignidade penal como a necessidade de pena não podem estar acantonadas apenas
numa categoria/ num estrato do sistema.
Tem que se projetar ao longo de todo o sistema, intervindo na conformação de todas e
cada uma das categorias.
A ideia da necessidade de pena não deve intervir apenas no estrato dogmático nas
condições vistas, mas se que se projeta ao longo de todo o sistema na modelação de todas
e cada uma das categorias, não havendo razão para introduzir uma categoria autónoma.
AC reconhece, e aqui encontra-se de acordo com Roxin, a existência de uma categoria de
punibilidade para abranger algumas situações, a maior parte das vezes, provindas de
natureza extrapenal que são limitações à punição, que fazem com que deixemos de estar
perante um crime e, por isso, não cabem num juízo de ilícito e de culpa. Ex.: intervenções
parlamentares no sentido de que algumas condutas na vida corrente corresponderiam a
ofensas à honra, sejam consideradas adequadas.
247
Teoria geral do delito de ação negligente
Esta autonomização dos delitos de ação dolosos ou negligentes resultou da introdução da
conceção do ilícito pessoal - antes não havia a autonomização, era uma construção
unitária do delito. No quadro de um sistema clássico e neoclássico verdadeiramente a
contraposição do dolo e da negligencia só se verificava na culpa.
Com a introdução do ilícito pessoal, a contraposição do ilícito à culpa alterou-se: o ilícito
pessoal pretende já exprimir o desvalor pessoal objetivo do ato, i.e., o desvalor do ato
como ato humano em geral e isso permite, logo no plano do ilícito, autonomizar o ilícito
doloso do ilícito negligente.
Dito isto, começar-se-á a estudar a teoria geral dos crimes de ação negligentes.
Qual é o fundamento da punição da negligencia? – traduz-se na violação do chamado
dever objetivo de cuidado.
Pelo simples facto de viver em sociedade e de obter todas as vantagens que resultam da
vida em sociedade, o dever objetivo de cuidado manda que todos e cada um de nos em
todos os momentos da nossa vida mantenhamos a tensão psicológica/ o grau de atenção
necessário para prever/ antecipar as consequências dos nossos atos e desta forma
evitarmos os atos que possam vir a lesar ou a colocar em perigo bens jurídicos.
O dever objetivo de cuidado que é definido de acordo com o padrão do homem medio.
O DP rege-se por um pp de subsidiariedade que é o corolário do próprio pp da
proporcionalidade em sentido amplo do artigo 18º/2 CRP. Portanto, o DP exige o mínimo
indispensável à convivência comunitária – é o exigível ao homem medio.
Por outro lado, na base desta violação do dever objetivo de cuidado estamos já a assinalar
o ponto essencial que permite a contraposição do ilícito negligente ao ilícito doloso.
þ No facto doloso o agente tem conhecimento e vontade de praticar o crime,
exprimindo uma atitude de contrariedade ou de indiferença perante o dever ser
penal.
þ Ao passo que na negligencia, em princípio, o agente não quer praticar o crime, só
que por descuido ou leviandade acaba, de forma não voluntaria/ não dolosa, por
lesar ou colocar em perigo um bem jurídico. É também censurável, mas é menos
censurável porque o que ele revela não é uma atitude de contrariedade ou de
indiferença perante o dever ser penal característica do dolo, mas tão-só uma
atitude de leviandade ou descuido.
Isto explica o facto de quando a negligencia é punida, será sensivelmente menos
gravemente do que o dolo. Por outro lado, explica o caracter excecional da punição da
negligência que, de acordo com o artigo 13º CP, só é punível quando o legislador
expressamente o declarar.
Temos ainda a ideia da necessidade de pena, uma vez que se diz que a negligencia na
medida em que não revela a tal atitude de contrariedade ou de indiferença, mas tão-só
uma atitude de descuido ou leviandade perante o dever ser penal muitas vezes a ideia da
preservação dos bens jurídicos não requer uma sanção penal, a simples sanção civil é
bastante para acautelar os interesses em causa. É esta a razão que está subjacente ao
248
caracter excecional da negligencia, mas também subjacente à ideia de que a tentativa não
é punida a título de negligência, como resulta dos artigos 22º e 23º CP.
Duas distinções quanto à negligencia:
Uma primeira de ordem qualitativa, que distingue entre negligencia consciente e
inconsciente.
ü Na negligência inconsciente, devido a descuido/ leviandade o agente não
representa sequer o caracter perigoso do ato (artigo 15º al. b));
ü Depois, a negligencia consciente (artigo 15º al. a)) com o seu problema com a
contraposição ao dolo eventual. Aqui elemento intelectual é igual ao do dolo
eventual: o agente representa o resultado criminoso como tão-só possível, só que
atua confiante que o resultado não se vai produzir. Ao invés do dolo eventual em
que o agente representa o resultando como possível, mas atua não confiando de
que o resultado não se produzirá.
Para a doutrina maioritária qualquer das 2 modalidades da negligência seria concretização
da violação do dever objetivo de cuidado: o descuido ou leviandade levaria num caso a
que o agente nem sequer representasse o caracter criminoso da conduta. Noutro caso
levaria a que o agente, embora representando a possibilidade, ponderou mal as coisas e
confiou, quando não devia, de que o resultado não se ia produzir.
Depois temos uma segunda distinção de ordem quantitativa entre negligência tout court
e a chamada negligencia grosseira ou negligencia qualificada.
ü Esta distinção prende-se com a maior ou menor gravidade da violação do dever
objetivo de cuidado, que é um critério normativo que admite graduações. Nos
casos em que o descuido seja particularmente grave ou censurável fala-se em
negligencia grosseira ou qualificada.
ü Isto tem importância ou para a medida da sanção, porque o legislador muitas vezes
autonomiza a negligencia grosseira para agravar a sanção por referência à sanção
prevista para a negligencia tout court. Outras vezes, de acordo com o caracter
excecional da negligência que resulta do artigo 13º do CP, restringe a punição da
negligencia ao requisito de que seja grosseira.
249
cuidado necessário para antecipar o resultado das condutas e abstém-te daquelas
que possam lesar ou colocar em perigo bens jurídicos.
É esta ideia de crime negligente como conduta humana violadora de uma norma de
determinação, é este conceito material de negligencia que vai ter que estar subjacente à
construção geral do delito negligente.
Também aqui a construção geral do delito tem a mesmíssima função que a construção
geral do delito desempenhou no âmbito dos crimes dolosos:
ü Por um lado, permite aprofundar os vários elementos e aspetos da problemática
do crime negligente e tem a virtualidade pedagógica;
ü Mas o mais importante continua a ser o significado metodológico: caminho que
permite ao juiz averiguar se a situação cabe ou não neste âmbito, mas também
um caminho que potencia os valores de certeza e a segurança na aplicação do
direito (até em sede de recurso).
Decomposição analítica do crime de ação negligente
I. Ação
Aqui não há nada a acrescentar em relação ao dito anteriormente a propósito do conceito
de ação no âmbito da teoria geral dos delitos dolosos – conceito pessoal ou personalista
de ação.
Partimos então do conceito pessoal ou personalista de ação do primeiro Welzel, antes da
ação final: toda a exteriorização de uma intencionalidade de sentido. Ou, na formulação
de Belling: toda a exteriorização da vida consciente do individuo.
Na realidade a ação é isso mesmo: a expressão de um sentido. O eu é provocado por
acontecimentos exteriores e é a reação que comporta elementos cognitivos, mas também
elementos emocionais valorativos que constitui a ação.
Ex.: várias pessoas numa esplanada e alguém a passar cai – várias reações são possíveis:
indiferença, riso, ajuda, etc. Tudo isto são exteriorizações de uma intencionalidade de
sentido.
No plano dogmático cumpre as mesmas funções que cumpria nos crimes dolosos de
afastar logo numa primeira aproximação todas as situações, porque não são ações
humanas não podem integrar a violação de uma norma de determinação.
Nota: a norma de determinação tem como destinatários comportamentos humanos,
pessoas, e, portanto, não é ação: fenómenos naturais, comportamentos de animais, mas
também comportamentos humanos que não são ações para efeitos de DP – atos praticados
em estado de inconsciência (sonambulismo, hipnose, atos reflexos, etc) e atos sob coação
física.
Não basta a ação para termos crime, ela terá que ser:
II. Ilícito típico
Aqui continuamos a partir da conceção do ilícito pessoal que pretende exprimir o sentido
da conduta como ato humano em geral, com o sentido pessoal objetivo, ao invés de
250
relacionar com a culpa que se falará adiante, em que se analisa o ato do concreto agente
e, portanto, no seu sentido pessoal subjetivo (num desvalor que tem como ato daquele
concreto agente, com aquelas concretas capacidades, qualidades ou características).
Também aqui o ilícito típico é uma unidade subjetiva-objetiva que se vai traduzir no tipo,
que mais não é a expressão formal do específico conteúdo de ilicitude de cada delito
negligente.
Tipo objetivo
Também aqui o legislador, na modelação do tipo objetivo, joga/ combina 3 elementos:
® O agente;
® A conduta;
® Bem jurídico.
Quanto a cada um destes elementos podem fazer as distinções já feitas quanto às espécies
de tipicidade:
® Quanto ao agente:
§ Crimes comuns (que podem ser praticados por qualquer pessoa, o
legislador não estabelece qualquer exigência quanto às características do
agente);
§ Crimes específicos ou especiais (em que o legislador restringe o âmbito
dos destinatários daquele tipo a certas pessoas, que tem certas qualidades
profissionais ou institucionais ou têm uma especial relação com a vítima).
• crimes específicos puros ou próprios, quando a qualidade pessoal
do agente é elemento constitutivo da infração;
• crimes específicos impuros ou impróprios, quando a qualidade
especial é tão-só um elemento modificativo, i.e., agravante ou
atenuante do ilícito.
® Quanto ao elemento da conduta: desde logo, regra geral, a maioria dos crimes
são de execução livre ou não vinculada – o legislador basta-se com a prática de
um qualquer ato que se mostre idóneo de conduzir à lesão ou colocação em perigo
do bem jurídico; mas, embora de forma mais rara na negligência, é também
pensável que o legislador vincule o preenchimento do tipo a um determinado
modo de execução (a um modus operandi) – são os crimes de execução vinculada
ou não livre.
Por outro lado, ainda no elemento da conduta, podemos distinguir entre: crimes
formais ou de mera atividade, que se esgotam na prática de uma simples conduta
e crimes materiais ou de resultado, cuja consumação depende da verificação, para
alem da conduta, de um resultado material naturalístico que, sendo embora
consequência da conduta, é espácio-temporalmente autónomo em relação a ele.
® Quanto ao bem jurídico: também aqui há que distinguir crimes de perigo e crimes
de dano e, dentro dos crimes de perigo, os crimes de perigo abstrato, abstrato-
concreto // crimes de aptidão e concreto.
251
As diferenças surgem a propósito do tipo objetivo que é a imputação objetiva do
resultado à conduta. A doutrina hoje maioritária adere à chamada teoria da conexão do
risco e, a propósito dessa teoria da conexão do risco:
§ 1º nível – teoria da equivalência das condições integrada pelo critério conforme
ás leis naturais (problema da determinação do nexo causal);
§ Depois, de entre todos os casos em que se verifique este nexo causal, é preciso
verificar-se o nexo de adequação, diferido nos próprios termos da adequação. Só
se imputa o resultado quando, de acordo com as regras da experiência, da
normalidade do acontecer, a consideração dos conhecimentos gerais, mas também
dos conhecimentos específicos acerca da situação o resultado se apresente como
uma consequência provável, ou melhor dizendo, não impossível.
§ Finalmente, surge um 3º escalão que é um elemento novo que são o chamados
critérios da conexão do risco, no âmbito dos quais, apesar de estarem verificados
os requisitos anteriores (o nexo de causalidade e o nexo de adequação), entende-
se que à luz da valoração criminal não pode haver a imputação do resultado à
conduta. Nesse sentido, por razoes de simplificação adotou-se o enunciado dos 4
corretores da conexão do risco: Falou-se do critério do risco permitido; do
critério da diminuição do risco; do critério do comportamento lícito
alternativo e, finalmente, do critério do fim ou âmbito de proteção da norma.
252
se provar, ninguém duvidará que imputar os danos à integridade física (o resultado)
das pessoas que estão na esplanada causados por aquela conduta a título de dolo.
Todavia, é bem pensável uma outra situação em que esse resultado já não seja imputável
a título de negligencia.
Temos a mesma situação anterior, mas o agente não tem objetivo nenhum de lesar as
pessoas da esplanada, apenas está a travar uma acesa discussão ao telemóvel e
descarregou a sua fúria dando um pontapé no gradeamento e, com isso, produz as tais
vibrações no gradeamento que levam também á queda do vaso.
Neste caso é pensável que este resultado, a quem não tenha intenção de o provocar, não
consubstancie a violação de um dever objetivo de cuidado.
253
se imputa por ser meio para evitar um dano mais grave. Isto não é aplicável na
negligencia.
® Quanto ao corretor do comportamento lícito alternativo, que diz que se o agente
pratica um resultado, mas se vem a provar que mesmo que ele tivesse atuado
licitamente o resultado se teria produzido da mesma forma. No caso do dolo diz-
se não se imputar o resultado, sendo só punido a título de tentativa. No caso de
negligencia, diz-se que a tentativa não é punida a título de negligencia, logo não
é punido. Isto, nada tem que ver com a imputação objetiva, mas sim com a
delimitação geral do âmbito de relevância da negligencia (razões de necessidade
de pena).
É por isto que a teoria da conexão do risco não tem aplicação no âmbito da
negligencia.
Assim, a imputação objetiva no âmbito da negligencia depende, em suma, de 2 coisas:
® Desde logo e em primeiro lugar da violação do dever objetivo de cuidado: é o
critério basilar da imputação objetiva.
® Depois, do nexo causal naturalístico, uma vez que estamos no âmbito do DP do
facto e, portanto, só se pode imputar quando: Para alem da conduta encarnar o
desvalor característico da violação do dever objetivo de cuidado, tiver sido no
plano dos factos a causa efetiva do resultado.
Ora, estamos aqui no plano do ilícito, tem que ver com a determinação do desvalor pessoal
objetivo do ato que se pauta pelo critério do homem médio. O cuidado que seria exigível
naquela concreta situação ao homem médio. Que homem medio é este?
1. Durante muito tempo vigorou o critério do homem medio da posição socio-
existencial do agente. i.e., na sociedade existem estratos muito diferentes, com
graus de cultura, de experiência, formação muito diferentes e em relação aos quais
as exigências do DP têm também que ter critérios diferentes. Por isso, dizia-se que
o homem medio como critério de determinação do âmbito do dever objetivo de
cuidado devia respeitar essas diferenças e, portanto, é diferente o grau de
exigência que prende ao sábio por contraposição ao analfabeto (ex.:o medico
medio, o polícia medio, o juiz medio, o advogado medio.
2. Todavia, alguns autores adotam o critério do homem concreto. Este critério do
homem concreto, verdadeiramente não aponta para o homem concreto na sua
globalidade, sim o homem medio das capacidades instrumentais operatórias do
concreto agente. O que está subjacente a esta ideia é uma ideia de justiça. No fim
de contas, exigir daquele que pode dar mais, mais do que à pessoa comum.
Todavia, esta ideia tem apenas um inconveniente que justificou a introdução de
uma correção por Roxin, com a qual concorda FD:
® Em toda a sua pureza, o critério do momento concreto importaria que se
considerassem as capacidades acima da média, mas também as
capacidades abaixo da média. Por isso Roxin introduziu a correção de se
254
considerarem as capacidades acima da média do homem concreto apenas,
não já as que estão abaixo da média.
Este critério recorre ao chamado critério misto do homem medio: há o
critério residual, em que se recupera o velho critério do homem médio da
posição socio-existencial do agente. Por referência a este critério que é o
homem médio socio existencial, só se considerarão as capacidades acima
da média do homem concreto acima da média. Será através deste critério
misto que devemos definir o homem medio e definir as situações concretas
para a determinação do âmbito do dever objetivo de cuidado.
Isto em geral, mas temos que ver em concreto.
A doutrina juntou mais 2 elementos que intervêm na determinação no dever objetivo
de cuidado e que são 2 situações típicas que se reconduzem:
ü Por um lado, à figura da chamada negligencia na aceitação ou na assunção;
ü Em segundo lugar, ao chamado pp da confiança.
255
Pp da confiança
O pp da confiança vem dizer que o dever de cuidado manda que façamos a previsão dos
perigos que resultam da nossa conduta e apenas dela.
Em pp, o dever de cuidado não abrange o dever de prever perigos resultantes de condutas
de outras pessoas sejam elas dolosas ou negligentes, salvo quando na situação concreta
for evidente que a outra pessoa está a atuar ilicitamente (seja dolosa, seja
negligentemente).
Ex.: pense-se na condução automóvel. Alguém vai a conduzir no respeito pelas normas
do código da estrada, entra num cruzamento com prioridade, só que vem um carro da
esquerda e embate. Será que ele tinha a obrigação de prever esta conduta do condutor da
esquerda? Depende!
Vamos supor que era um cruzamento sem visibilidade – não poderia antecipar a vinda do
carro do lado esquerdo. Neste caso diz o pp da confiança que não se pode imputar o
resultado ao condutor, uma vez que se diz que nessa previsão se deve partir do
pressuposto de que todos os membros da comunidade se comportam conforme ao direito
e, portanto, não vão praticar nem condutas dolosas nem negligentes. O agente deve
confiar que os demais intervenientes na vida social também se comportam conforme ao
direito.
No entanto, temos a clausula de salvaguarda («salvo se for evidente») – suponha-se que
o cruzamento tinha plena visibilidade e que o homem viu que, do lado esquerdo, sem
prioridade, se aproxima o automóvel a uma velocidade tal que era impossível parar e
assim evitar o acidente. Neste caso, verifica-se esta hipótese da clausula de salvaguarda
em que era manifesto que o outro condutor estava a conduzir negligentemente/ contra o
direito, pelo que estando na mão do nosso homem evitar o acidente e este não o fizesse,
então já lhe seria imputado o resultado à seria responsabilizado a título de negligência
pelas eventuais ofensas a bens jurídicos decorrentes do acidente.
Uma última nota que se costuma suscitar a propósito do pp da confiança:
Caso da pessoa que vai a conduzir no pleno respeito pelas regras do código da estrada, só
que vai com uma taxa de alcoolémia superior a 1,2 g/l. E suponhamos até que esta taxa
de alcoolemia foi provocada negligentemente, uma vez que o agente se distraiu. Houve
já quem pretendesse dizer que, na medida em que ele está a praticar um crime negligente
(condução sob efeito de álcool), então não pode beneficiar do pp da confiança, uma vez
que já está a praticar um crime negligente.
Isto é errado. O crime de condução sob efeito do álcool é um crime de perigo abstrato.
Ora, no nosso exemplo o que se verificou foi que o perigo em causa foi o perigo daquele
acidente em concreto.
No âmbito desse crime concreto, o nosso homem apesar de ir com uma taxa de alcoolemia
superior em nada influiu na produção do acidente. Por isso entende FD, nestes casos, na
medida em que o estado de alcoolemia não tinha tido nenhum reflexo no estado do agente
naquele concreto acidente, deve continuar a beneficiar (se for caso disso) do pp da
confiança.
256
O agente apenas será punido pela condução sob efeito de álcool, mas não lhe será
imputado o resultado do acidente na base da violação do dever objetivo de cuidado.
Tipo subjetivo
Houve já quem pretende-se que na negligencia não há tipo subjetivo. É uma conceção
que assenta ainda na ideia da recondução do tipo subjetivo a um qualquer substrato
psicológico/ existência de um qualquer quid psicológico e, nessa medida, é ainda uma
revivescia do velho conceito psicológico.
O que esta doutrina diz é que nos crimes dolosos temos um nexo psicológico-volitivo – o
agente conhece e quer – há este facto psicológico subjacente à prática de qualquer delito
doloso.
Na negligencia consciente, diziam eles, que ainda se viria uma vez que o elemento
intelectual é o mesmo do dolo. Mas na negligencia inconsciente não existe. Portanto,
faltaria aqui um quid psicológico de uma qualquer representação da situação de perigo
para o bem jurídico. Isto é errado, uma vez que não se está aqui a tomar em consideração
a verdadeira função do tipo. O que o tipo subjetivo pretende é descrever a situação
psicológica do crime do agente que se pode traduzir precisamente na ausência de vontade
e de conhecimento.
É o tipo subjetivo da negligência inconsciente que caracteriza a situação psicológica do
agente no crime negligente inconsciente (ausência de representação e ausência de
vontade) e que o distingue dos casos da negligencia consciente (representação do
resultado como possível e ausência de vontade).
Portanto, faz todo o sentido falar do tipo subjetivo dos crimes negligentes, tanto no âmbito
da negligência consciente como na inconsciente.
Aqui também temos posições intermedias como a de Roxin e, entre nos, o Professor
Taipa de Carvalho que diz que: não há tipo subjetivo na negligencia inconsciente, mas
haverá na consciente, que é representação do resultado como possível e ausência da
vontade de realização.
Tipos justificadores
Os tipos justificadores comportam o desenho de certas situações que retiram o ilícito de
uma conduta do agente apesar desta conduta ser subsumível ao tipo incriminador
O problema que se põe é saber se também no âmbito dos delitos negligentes há lugar à
autonomização deste tipo da justificação. NÃO HÁ.
Há uma diferente estrutura do tipo incriminador doloso e negligente. O tipo doloso
descreve um processo exterior de produção de uma situação de perigo ou lesão de bem
jurídico. O que está em causa no âmbito do tipo objetivo incriminador doloso é a lesão
ou colocação em perigo de um BJ. O tipo incriminador negligente também descreve uma
257
situação exterior de lesão ou colocação em perigo de BJ. No entanto é necessário que a
conduta viole o dever objetivo de cuidado. No âmbito do tipo incriminador intervém o
dever objetivo de cuidado- critério delimitador do tipo incriminador negligente.
Este dever objetivo de cuidado tem o limite da inexigibilidade objetiva. É evidente que o
dever objetivo de cuidado manda prever as consequências dos nossos atos mas só
podemos prever até ao limite que nos impõe o dever objetivo de cuidado. Sucede que
sempre que não fosse exigível prever a consequência do ato não há violação do dever
objetivo de cuidado pelo que não há preenchimento do tipo incriminador.
Nós vimos que a posição do prof. AC ao contrário da doutrina maioritária reconduz o
fundamento dos tipos incriminadores ao pp da inexigibilidade objetiva. De acordo com o
que foi dito no âmbito da negligência este princípio da inexigibilidade objetiva vai intervir
logo na delimitação do tipo incriminador.
Assim todas as situações que dão lugar a aplicação dos tipos justificadores, aqui quando
transferidas para o âmbito da negligência levam à própria exclusão da tipicidade. Esta é
a posição do prof AC.
E a posição da maioria da doutrina? Esta é exposta de forma paradigmática por Roxin
(FD aproxima-se desta posição).
Esta doutrina maioritária aceita que na negligência há menos espaço para o
funcionamento dos tipos justificadores.
Todavia em certas situações limites seria necessário recorrer à figura da justificação para
evitar consequências dogmáticas que seriam contrárias à valoração jurídico criminal.
Esta posição assenta num equivoco. Todos os exemplos que dão a titulo excecional para
recorrer à justificação na negligencia são casos de dolo e não de negligencia. Os casos
que eles chamam para legitimar o recurso à negligencia são casos de dolo
Exemplos:
1. Quanto à legítima defesa: briga entre duas pessoas em que o defendente para se
defender do agressor da lhe um murro num braço. Com esse muro em vez de
acertar no braço acerta no queixo provocando uma locomoção cerebral. Diz Roxin
que o agente deveria ser responsabilizado por ofensas à integridade física
negligente. ERRADO. Esta é uma situação de erro sobre o processo causal. Ou
seja, temos uma conduta dolosa. Invocar este caso para dizer que a legítima defesa
aplica se à negligência é errado. Este é um perigo típico da conduta pelo que este
resultado é imputável a titulo de dolo.
2. Quanto ao Estado de Necessidade: Alguém por negligencia bebeu demais e está
com uma taxa de alcoolémia superior a 1,2 gramas de álcool por litro de sangue.
Este homem tem um acidente porque é obrigado a levar o amigo urgentemente ao
hospital. Dizem os autores que neste caso deveria se fazer funcionar o EN para
justificar esta conduta negligente. ERRADO. O agente atuou com dolo,
representando o perigo de ter o acidente devido à taxa de alcoolémia e pondera
esse perigo relacionado com o perigo do amigo que precisava de ir ao hospital.
3. Quanto ao Consentimento do ofendido: Um médico vai na rua e vê alguém que
tem uma síncope e tem que fazer uma intervenção cirúrgica sob pena da pessoa
258
morrer. De acordo com a legis artis o medico não reúne as condições necessárias.
No entanto, o medico intervém e salvou o paciente. Mas devido às condições
precárias, embora o paciente tenha sobrevivido ficou com sequelas para o resto da
vida. Os autores dizem que estamos perante uma situação de ofensas à integridade
física recorrendo ao consentimento presumido. E dizem que estamos perante um
caso que teremos que recorrer ao consentimento para evitar punir o médico por
integridade física negligente. ERRADO. O medico esta a atuar com dolo e
atuando com dolo justifica se invocar o consentimento presumido. Não faz sentido
invocar este exemplo para falar da aplicabilidade dos tipos justificadores à
negligência
4. Suponha se que A é caçador e vê um vulto atrasa do arbusto. Julga que é uma peça
de caça e dispara só que mata uma pessoa porque o vulto era um homem. De
acordo com o erro sobre a factualidade típica exclui se o dolo. Só que este homem
atro do arbusto estava lá para matar o caçador. Com isto, se o agente atuasse com
dolo estaríamos perante uma situação de LD. Ele não atuou com LD porque não
sabia estar a atuar perante uma situação de LD. Dizem os autores que deste modo,
a única forma de evitar a punição do caçador é aplicar a LD a uma situação de
negligência. Assim desde já deve se admitir que o agente deve ser punido a título
de negligência. Mesmo seguindo a logica dos autores que pretendem excluir a
ilicitude esta exclusão deverá ter a ver com uma razão de necessidade de pena
idêntica à que subjaz ao art 13º quanto à punição da negligência a título excecional
e quanto aos arts. 22º e 23º. Seria uma regra que diria qualquer coisa como isto:
“a negligência é uma situação menos grave, pelo que a negligencia não deve ser
punida sempre que a situação análoga de dolo também não seja”. Na base desta
regra poderíamos excluir a punição. No entanto o prof não aceita esta posição. O
agente deve ser punido a título de negligência. A circunstância de os autores
(Roxin e FD) pretenderem funcionar a justificação não faz o mínimo de sentido.
ainda que se admitisse excluir a punição, resultaria ainda da tal consideração
global de desnecessidade de pena que restringe a punição da negligencia em
comparação com os crimes dolosos.
Assim, na ótica do prof, não há lugar para a figura da justificação no âmbito da dogmática
dos crimes dolosos.
III. Culpa
Há também diferenças entre a dogmática dos crimes dolosos e negligentes. Partimos da
perspetiva do ilícito pessoal. No ilícito procuramos o sentido do ato enquanto ato humano
em geral (desvalor pessoal objetivo). Ao invés do que se passa na culpa: atendemos às
particulares qualidades, capacidades do concreto agente e valorá-lo como ato daquele
concreto gabinete e saber se é censurável àquele concreto agente (desvalor pessoal
subjetivo).
Também aqui no plano dogmático a culpa funciona pela negativa. Em pp, o ato ilícito é
também culposo já que a generalidade das pessoas preenche as características do
259
“Homem médio”. Em certos casos especiais verificam-se no agente desvios emocionais
quanto ao “Homem médio”. O “Homem médio” não é inimputável. São as causas de
exclusão da culpa. Vamos estudar a culpa negligente.
Na culpa nós vamos aferir as características pessoais subjetivas do “concerto agente”.
Vamos passar para a análise dogmática do conceito de culpa negligente e vamos estudá-
la no âmbito da exclusão da culpa negligente – situações que marcam uma exceção do
concreto agente com referência ao “Homem médio”, na medida em que o agente fica
aquém do “Homem médio”.
As causas de exclusão da culpa negligente são duas:
• A inimputabilidade (rever a matéria anteriormente lecionada) – contende com
fatores endógenos. Tem dois elementos (elemento biopsicológico – anomalia
psíquica; elemento normativo - impossibilidade de o agente avaliar a ilicitude da
situação ou de se determinar de acordo com essa avaliação).
Inimputabilidade por anomalia psíquica - O art.20º/nº4 do CP – está prevista a
actio liberum in causa – o agente coloca-se na situação de inimputabilidade para
depois criar uma situação para poder cometer um crime com base nessa
imputabilidade. A diferença esta no elemento da pré-ordenação – aqui não há
preordenação ao contrário do que acontece no art.20º/nº4 do CP. Parece que a
actio liberum in causa não pode funcionar na negligencia. na negligencia
inconsciente (não representa sequer o perigo da sua conduta) não se compreende
como alguém se pode pré-ordenadamente se colocar numa situação de
inimputabilidade para depois cometer um crime. considerações análogas podem
tecer-se para a negligencia consciente (confia que o resultado não se vai produzir)
então como se pode confiar que se está a pôr numa situação de inimputabilidade
para depois praticar um crime. Aplica-se sim o art.295º do CC
Inimputabilidade em razão da idade: vigoram por inteiro as considerações que
tecemos em relação ao dolo.
• Não exigibilidade – como causa de exclusão da culpa, a inexigibilidade é uma
inexigibilidade subjetiva – saber se naquela concreta situação, em relação ao
concerto agente, aquela conduta valora ou não, sabendo se se exclui a culpa ou
não, ou até atenuar a culpa.
De acordo com FD e com AC e de acordo com a Teoria da culpa limitada, o problema do
erro sobre a ilicitude não tem a ver com a negligencia - aquele que viola o dever jurídico
penal revela uma verdadeira inimizade e indiferença pelo Dto, pelo que está a agir de
forma dolosa. A problemática do erro sobre a ilicitude nada tem a ver com a matéria da
negligencia.
IV. Punibilidade
Esta categoria tal qual se coloca hoje surge no contexto do sistema teleológico-racional.
Resulta porque para a corrente maioritária dentro dos adeptos do sistema teleológico-
racional, sabemos que Roxin segue uma outra via em vez da culpa fala de uma categoria
da responsabilidade onde concentra tanto as considerações de avaliação de culpa como
as considerações de necessidade de pena. O professor defende uma posição contrária, as
considerações de dignidade penal e de necessidade de pena projetam-se ao logo de todo
o sistema e, portanto ao longo da conformação de todas as categorias. Não há razão para
260
concentra todas as considerações de necessidade de pena numa categoria autónoma no
fim do sistema, mas a opinião maioritária entre os adeptos consagra a punibilidade como
a tal categoria onde interviriam as tais considerações de necessidade de pena. É essa a
orientação maioritária entre nós. Aqui devemos seguir a posição que acharmos mais
adequada, mas talvez seja mais fácil adotar a posição maioritária. A posição de Figueiredo
Dias é de que as categorias do ilícito e da culpa se reportam ao desvalor intrínseco do ato
e, portanto, concretizam prioritariamente considerações de dignidade penal, razões
axiológicas, valorativas atinentes seja ao desvalor objetivo do ato (plano do ilícito típico),
quer seja ao desvalor subjetivo do ato (plano do juízo de culpa). Ao invés interviriam as
considerações de necessidade de pena interviriam apenas neste escalão da punibilidade.
Quais seriam essas considerações? Aqui vale com as necessárias adaptações tudo o que
dissemos a propósito dos crimes dolosos. Eram considerações que tinham que ver com as
considerações objetivas de punibilidade (o crime é um crime de perigo só que esse perigo
só é punido quando se verifica o dano, só que o dano não faz parte do crime porque ele é
de perigo, o dano está ali apenas para comprovar a gravidade do perigo, para comprovar
o conteúdo de ilícito do ato), para os adeptos desta doutrina, esta condição objetiva de
punibilidade seria a concretização de considerações de necessidade de pena. Falamos da
participação em rixa que pode ser um crime praticado a título de dolo ou a titulo de
negligencia, em relação ao qual depois se coloca o problema da condição objetiva de
punibilidade, ou seja, o agente só será punido desde que dessa rixa resulte ou uma lesão
da vida, ou uma lesão grave da integridade física de outra pessoa. Também podemos falar
aqui da embriaguez e intoxicação do artigo 295º, é um crime de perigo que se associa ao
facto de a pessoa estar em caso de inimputabilidade. Todavia, este perigo só é punido
quando em estado de inimputabilidade o agente praticar um outro ilícito típico. Esta figura
das condições objetivas de punibilidade pode funcionar quer nos crimes dolosos quer nos
crimes negligentes. A outra ordem de considerações seria resultante do chamado princípio
da insignificância que aponta para que, à luz do critério de necessidade de pena, não se
punam certos crimes quando a lesão do bem jurídico em causa for de diminuto valor, isto
está de acordo com o caráter subsidiário de ultima ratio de intervenção jurídico penal. Se
isto é válido para os crimes dolosos, por maioria da razão, este pensamento funciona ao
nível da negligência, desde logo quanto a questões do artigo 13º que não nega que nos
casos que não estão previstos na lei continue a haver lesões de bens jurídicos imputáveis
a título de negligência. Só que o legislador diz que a negligência é pouco grave, que se
exige o mínimo de intervenção, portanto não as vamos punir. Essas ações negligentes que
continuam a ser negligentes não relevam para o direito penal. É uma concretização da
ideia, desde princípio da insignificância. O mesmo para a tentativa, é pensável a
construção de uma figura paralela à da tentativa na negligência, a quase tentativa. É
pensável, mas o legislador diz não, a negligência é pouco grave de maneira que aqui só
punimos a negligencia sob forma do crime consumado, não da tentativa. Esta ordem de
modelação concreta dos crimes negligentes já na parte especial leva a que o legislador
prescinda da punição quando o dano no bem jurídico for diminuto ou o grau de perigo
para o bem jurídico for diminuto. Será também aqui uma concretização do princípio da
insignificância como concretização de uma ideia de necessidade de pena. No âmbito da
punibilidade dos crimes negligentes não há lugar para falar da figura da desistência da
tentativa, isto porque a tentativa não tem lugar no crime negligente, não releva a tentativa
no âmbito dos crimes negligentes e se não releva a tentativa também não releva como
consequência a figura da desistência da tentativa. Tirando esta figura do que os autores
261
falam no âmbito da punibilidade relativamente aos crimes dolosos, tudo o resto que
dissemos a propósito da punibilidade no âmbito dos crimes dolosos é também aplicável
aos crimes negligentes. Com isto terminamos a dogmática dos crimes de ação negligentes.
Crime agravado pelo evento
Esta figura contempla uma parte de dolo e uma parte de negligencia. Hoje em dia, esta
figura foi introduzida por influência alemã, no art.18º do CP. Esta figura veio substituir a
figura do preter intencional, que é muito menos abrangente do que agora possuímos no
art.18º do CP. Este é o caso em que temos um crime, isto é, o agente pratica esse crime e
consuma esse crime, só que em consequência vem a produzir-se um resultado adicional,
sendo que a lei atribui à produção desse resultado adicional um efeito agravante ao nível
da sanção aplicável.
Antes da vigência do CP de 1982, esta temática era considerada no âmbito da figura do
crime preter intencional (um crime que ia além do que era intencional).
O que era o crime preter intencional? Quando alguém cometia um crime doloso, mas
dessa conduta resultava uma conduta mais grave da que se pretendia. Ex: ofensas
corporais que daí advinha a posterior morte do agente (esta última não desejada). Ex:
abandono de menores – a mãe, em regra, para esconder filhos fora do casamento, deixava
o recém-nascido, pe., à porta do padre. Ora, ela só queria abandonar a criança, sendo esse
crime o de abandono. Só que durante a noite, o frio ou um animal mata a criança. Portanto,
a morte da criança estava para além da intenção, era um resultado que não tinha sido
querido pelo agente.
De acordo com as regras gerais, esta seria uma situação de concurso de crime: por um
lado, o crime doloso (ofensas corporais e abandono) + crime negligente (resultado mais
grave não querido pelo agente – morte).
FD dizia que este crime e tinha fundamentalmente 4 elementos:
• A prática de um crime fundamental doloso (só podia ser doloso), ou seja, tinha de
haver um primeiro crime praticado a título de dolo;
• A verificação de um evento mais grave, não recoberto pelo dolo do agente (evento
negligente)
• Este crime preter intencional era punido de forma mais grave do que a situação
de concurso e o fundamento dessa agravação estava ligada à particular gravidade
da negligencia, na medida em que se tratava de uma negligência
grosseira/qualificada (de acordo com as práticas da experiência deixava antever
como muito provável se não como necessário o resultado).
• Requisito da legalidade – o crime preter intencional só funcionava nos casos
expressamente previsto na lei. O crime agravado pelo evento tinha que estar
expressamente previsto na lei.
Assim, no crime preter intencional, o resultado agravante era imputável tão só à
negligencia, e tinha de ser grosseira.
O novo CP introduziu a figura do crime agravado pelo evento, que substitui a figura do
crime preter intencional.
262
Art.18º do CP (é uma norma sobre normas) – da leitura deste artigo resulta que esta figura
do crime agravado pelo evento abrange todas as situações de crime preter intencional e
adiciona outras. Quais os requisitos do art.18º do CP?
• Tem que ser um facto, que pode ser doloso- não diz somente doloso. A doutrina
inclui aqui também a possibilidade de se incluir a prática de um facto negligente
consciente. Exclui-se a negligencia inconsciente porque não faz sentido. Ex: se
alguém, em termos de negligencia inconsciente, dá um encontrarão a alguém,
causando-lhe com isso uma ofensa à integridade física e dessa ofensa à integridade
física vem a resultar na morte do ofendido, o agente não vai ser punido por ofensa
à integridade física negligente agravada pelo resultado morte. Ou seja, temos de
averiguar se a conduta não era adequada a conduzir ao resultado morte
• Haver lugar a um resultado agravante
• O evento agravante do crime preter intencional era sempre imputável a título de
negligencia. Aqui admite-se que esse resultado agravante possa ser imputado pelo
menos a título de negligencia, o que se pressupõe que também pode ser imputável
a título de dolo. Mas, isto parece absurdo (então, ele quer bater, mas depois quer
matar. Ele vai ser punido pelo crime de ofensas à integridade física, depois
agravado por um resultado de dolo? NÃO). A doutrina tende a restringir estes
casos de imputação a título de dolo a duas situações excecionais, em que pode ser
imputável a título de dolo:
֎ O evento pode não ter dignidade penal em si mesmo, isto é, isoladamente
considerado, não constitui um crime – Ex (art.177º do CP): alguém viola
com intenção de engravidar a mulher e acaba por engravidar. É punido a
título de dolo. O evento em si não é em si mesmo não é um crime
(gravidez). Ou seja, a gravidez, em si mesma, não é crime, mas quando
resultado de uma violação já é. Ou seja, nestes casos o resultado adicional
(gravidez) que, em si mesmo, não é crime, admitindo-se então que o
resultado agravante seja imputado a título de dolo.
֎ O legislador, muitas vezes, devido ao carater subsidiário da intervenção
do DP não pune todas as formas de dolo, só pune o dolo direito e o dolo
necessário e, já não o dolo eventual. Ou seja, falamos aqui dos casos em
que esse evento agravante é crime, mas individualmente considerada, nos
casos de dolo eventual, não seria o agente punido. O que a doutrina diz é
que se o evento agravante corresponder a um desses crimes em que o
legislador normalmente só pune o dolo direito e necessário, aqui no
contexto do crime agravado pelo evento, passa a imputar-se mesmo nos
casos de dolo eventual.
• Pp. da legalidade – as hipóteses de crime agravado pelo evento têm de estar
expressamente previstas na lei (Ex: art.147º, 177º, 285º do CP)
Assim, verificamos a inutilidade da manutenção da figura do crime preter intencional,
pois esta nova figura recobre todas essas situações e adiciona outras.
É de referir que só podemos aplicar este art.18º do CP desde que preenchidos os seus
requisitos – o art.18º do CP corresponde a uma norma sobre normas e contem os pp´s de
interpretação dos concertos crimes preter intencionais.
263
A TEORIA GERAL DOS CRIMES DE OMISSÃO
A lesão dos BJ pode ocorrer ou através de um comportamento positivo que atenta contra
um BJ que o lesa ou coloca em risco (ação) ou num comportamento negativo (omissão),
isto é, perante uma situação em que o BJ está em perigo, o agente não intervém, nada faz
para preservar esse BJ.
A omissão traduz-se em alguém que viola o dever de intervenção, traduz-se num non
facere, na medida em que o agente não intervém quando o poderia fazer para preservar
um BJ alheio.
O reconhecimento do crime de omissão passou por dificuldades:
Mundividência individualista liberal –no âmbito do Estado de Direito Liberal defendia-
se que o Dto devia proibir condutas que atentem contra a esfera jurídica de outrem.
Contudo, o Dto já não tem legitimidade para exigir um esforço pró-ativo, uma atuação
em sentido altruístico no sentido de preservar interesses jurídicos, BJ de outra pessoa.
Isso ficaria no âmbito da moral e não do Dto. Mas, dizer que alguém aja para defender
interesses alheios seria coisa da moral e não do Dto. Esta ideia esta hoje ultrapassada pelo
Estado de Direito social que assenta numa vertente solidarista – o DP intervém para
defender BJ essenciais e, em certas situações, ainda que não se confundindo com a esfera
da moral, há lugar a incriminação em certos casos da omissão de acordo com uma ideia
de solidariedade. Todavia, é necessário que haja uma delimitação precisa do âmbito da
omissão jurídico-penalmente relevante por exigências da ideia de legalidade, certeza e
segurança jurídica e também do próprio agente (quando é que o agente está ou não
obrigado a intervir), mas também no interesse das outras pessoas (do ponto de vista da
tutela da intimidade da vida privada).
É preciso ainda distinguir entre:
ð Omissões puras/ próprias – correspondem àquelas que estão expressamente
previstas na lei, sendo as que menos problemas levanta. O legislador, ao descrever
um determinado crime, descreve-o como uma omissão. É a própria conduta
omissiva que está descrita na lei. Ex: recusa de medico, omissão de auxílio
(art.200º do CP), desobediência.
Ou seja, a própria descrição do tipo legal na parte especial ou em legislação
extravagante, é a descrição de uma omissão, de um comportamento omissivo.
ð Omissões impuras/impróprias: refere-se a todos os delitos que estão descritos na
parte especial ou em legislação extravagante como comportamentos positivos. Ex:
A generalidade dos crimes como o homicídio, as ofensas à integridade física, o
furto, a burla, etc. Ou seja, o elemento gramatical da norma reporta-se a
comportamentos positivos (a crimes de ação). Todavia, entende-se que em certas
e determinadas circunstâncias, este desvalor da ação é equiparável ao desvalor da
omissão. Reporta-se a crimes que estão descritos na lei como comportamentos
positivos, equiparando o desvalor da omissão à da ação e, portanto, abrindo a
possibilidade desses mesmos crimes poderem ser imputados a título de omissão.
264
Casos ambivalentes/dupla relevância
Situações que suscitam a dúvida de se o crime foi praticado por omissão ou se foi
praticado por ação.
Exemplos:
o Alguém atropela outra pessoa, ele vai ser responsabilizado por ação, por ter
conduzido o carro contra a pessoa; ou vai ser por omissão, por não ter travado a
tempo
o O médico que desliga a máquina a que está ligado o doente, vai ser
responsabilizado por ação de ter desligado a máquina ou por omissão de não ter
continuado o tratamento.
São estes os casos de dupla relevância em que se suscita o problema de encontrar um
critério para saber se nestes casos devemos responsabilizar o agente ou por ação ou por
omissão. A questão é importante porque quando o artigo 10º estabelece alguns requisitos,
restringe a equiparação do valor da omissão à ação.
O âmbito da punição da omissão é menor do que o âmbito da punição da ação. O facto
de qualificarmos a conduta como omissão ou como ação pode significar a diferença entre
a punição e a impunidade.
Foram vários os critérios avançados na doutrina:
• O 1º de Roxin, é um critério causalista que não serve. O problema do direito penal
é um problema de valoração, o que está em causa é saber o sentido da conduta, se
tem o sentido de uma ofensa por ação ao bem jurídico ou por omissão. É um
critério que não é seguido pela generalidade da doutrina;
• Outra doutrina diz que devemos adotar o ponto de conexão relevante para a
responsabilidade. É uma formulação um bocado rebuscada. Estes autores querem
dizer que devemos atender ao sentido global da conduta e verificar se esse sentido
global da conduta à luz da valoração criminal tem um sentido de omissão ou tem
um sentido de ação. Esta doutrina ponta no sentido correto, mas a critica que se
lhe dirige é que é vaga, é imprecisa e não dá um critério dogmático operatório
para a solução dos casos concretos;
• Em terceiro lugar surgiu uma nova doutrina que perante esta dificuldade de
encontrar um critério material se resignou a encontrar um critério prático. Diz que
a responsabilização a título de omissão será a título subsidiário porque a regra é a
responsabilidade por ação e só quando a ação não for recondutível de todo em
todo a um crime de ação é que vamos admitir a omissão. Verdadeiramente esta
doutrina significa prescindir de um critério material para distinguir a ação da
omissão;
• O critério seguido é aquele que reconduz a decisão destes casos de dupla
relevância, de ambiguidade da conduta ao critério basilar da distinção entre ação
e omissão. Diz-se que sempre que o agente criou um perigo por ação ou agravou
o perigo, ele será sempre responsabilizado por ação, a omissão fica para os casos
em que o agente não teve qualquer interferência seja na criação, seja na agravação,
seja nas condições do perigo em causa, por isso só se lhe possa ser censurada uma
não intervenção para realizar a conduta.
265
Ainda dentro destas considerações introdutórias coloca-se o problema levantado por
Roxin: um crime de omissão pode ser praticado por ação?
Em larga medida este problema é suscitado pelo critério de Roxin nos casos ambivalentes.
Para quem siga a perspetiva acima indicada este problema não existe.
Ex.: caso de alguém que se embriaga pelo momento do ato não praticar o ato. Seria uma
espécie de omissio libera in causa. Roxin diria que há um ato positivo de ingerir bebida
alcoólica para depois não intervir. Neste caso temos um perigo de omissão. O guarda da
cancela dos caminhos de ferro que se embriaga para no momento oportuno não fechar a
cancela está a praticar um crime de omissão.
Assim com base no critério da vontade nos casos ambivalentes não faz sentido a figura
do crime de omissão praticado por ação.
266
• Quanto ao agente: crimes comuns e crimes especiais- o agente pode delimitar a
omissão juridicamente relevante a uma certa categoria de pessoas ou impô-la à
generalidade das pessoas. Mais uma vez temos os crimes específicos
puros/próprios ou impuros/impróprios;
• Quanto à conduta, embora seja mais raro, mas é pensável podemos distinguir
entres crime de execução livre ou não vinculada. Regra geral os crimes são tipos
de crimes de execução não vinculada. Na omissão por via de regra apenas se exige
que o agente intervenha de qualquer forma para satisfazer o dever de ação em
causa. Mas em certos deveres por exemplo de instalações técnicas perigosas não
se exclui que o legislador exija que a ação respeite certo modus operandi. A
situação é rara, mas pensável. Ainda quanto à conduta podemos distinguir entres
crimes formas ou materiais. Para a consumação exige se para alem da consumação
a subsequente lesão ou colocação em perigo do BJ- resultado material. Ex.:
invasão de domicílio (art. 190º do CP);
• Quanto ao BJ continua a afirmar-se as mesmas distinções: a omissão pode ser de
perigo (abstrato ou concreto. Também há lugar para falar como espaço intermedio
de delito de aptidão) ou de dano.
Chamar a atenção para não confundir entre crimes formais e materiais com a distinção
entre crimes de perigo e crimes de dano.
Ex.: invasão de domicílio- pode ser praticada por omissão nos casos em que ao agente já
esta em casa de outra pessoa. A dá ordem a B para sair e ele não sai- temos aqui um crime
formal
É agora a este nível que se distingue aquelas duas modalidades de omissão que já
referimos. A omissão pura ou própria é aquela que está descrita no tipo legal de crime
previsto na lei (artigo 284º, 200º, 348º - exemplos), ao descrever o crime, o legislador está
a descrever um crime omissivo. Na omissão imprópria ou impura em que nós na lei
não temos uma descrição do crime em causa como uma omissão, muito pelo contrário, o
sentido imediato do elemento gramatical aponta para o legislador estar a falar de crime
de ação, só que existe uma cláusula geral de equiparação da omissão à ação, prevista no
artigo 10º.
As principais dificuldades colocam-se a propósito da omissão impura ou impróprias-
crimes previstos na lei sobre a forma de crimes de ação. A questão que se coloca é se
esses crimes podem ser praticados por omissão. São crimes cuja redação na lei apontam
para a punição por ação. Será que estes crimes podem ser praticados por omissão. No CP
no art. 10º estabelece-se uma clausula de equiparação da omissão a ação, e onde se
define o limite da omissão impura jurídico penalmente relevante
Nos termos do art. 10º/1 quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado,
o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão da ação adequada
a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.
Logo aqui temos o pp geral da equiparação da omissão à ação. Mas desde logo
estabelecem-se limites.
268
1. Em 1º lugar terá que ser um crime de resultado: Temos aqui várias posições:
§ 1º posição- está-se a limitar esta equiparação aos crimes materiais- o
resultado será o resultado naturalístico da ação- a limitação da omissão
impura aos crimes materiais;
§ 2º posição: Deveria se entender o resultado no sentido material, da lesão
do BJ- aqui resulta da limitação da equiparação da omissão à ação aos
crimes de dano;
§ 3º posição: o aprofundamento das ideias da solidariedade levou a que
alguns autores alargassem o âmbito da equiparação: alargando aos crimes
de perigo concreto – assim por ao este conceito de resultado estão todas as
situações que afetem a tranquilidade do BJ. Assim estão abrangidas tanto
os crimes de dano, que lesam o BJ, como os perigos de perigo concreto
cuja consumação depende da verificação do crime efetivo em relação ao
BJ. A perspetiva do prof encaminha se no sentido da terceira orientação.
Esta referência ao resultado está a circunscrever a equiparação da omissão
à ação aos crimes de dano e aos crimes de perigo em concreto
2. O agente tem que estar na situação em concreto na posição de adotar essa conduta
de salvaguarda do BJ em perigo (possibilidade fáctica de intervir). É ainda
necessário que ele tenha na mão uma conduta que seja adequada a suster o perigo.
3. “Salvo se outra for a intenção da lei”: neste caso a doutrina e o prof. AC
autonomizam duas questões:
§ a impossibilidade normativa: o próprio legislador deixa claro que não quer
equiparar a omissão à ação. Pode suceder que o legislador entenda que não
deve exigir ao cidadão o comportamento ativo no sentido de salvaguardar
interesses alheios;
§ Atendendo à própria estrutura do crime pode não ser admissível fazer essa
equiparação. Ex.: crime de bigamia – pela própria natureza das coisas o
crime não admite a sua prática por omissão
269
Neste sentido para concretizar o dever de garante há duas orientações:
o Teoria clássica/formal que enunciava três fundamentos do dever de garante: lei,
contrato, ingerência.
ü lei: Ex.: a relação de tutela e do curador;
ü contrato: Ex.: contrato do advogado e do cliente que o leva a acautelar os
interesses do cliente;
ü ingerência: prende se com as situações em que alguém cria um perigo para
BJ alheios – estará obrigado a remover esse mesmo perigo
Cedo a doutrina indicou que esta doutrina era estreita demais, que deixava de fora o dever
de solidariedade. Quanto à lei por exemplo fala se do dever de assistência dos cônjuges,
mas também existe dever de assistência em união de facto por exemplo. Também aqui se
geram relações de solidariedade que devem fundamentar um dever de garante, sendo que
sempre que algum deles esteja em perigo isso implica um dever de auxilio.
No contrato também se considera estreito demais. Ex.: caso da baby-sitter e do bebé.
Imaginemos que a baby-sitter vê que o contrato e nulo e abandona a criança. Esta situação
não é admissível. Deste modo a doutrina diz nos que não deve ser o contrato mas as
relações fácticas de confiança. O contrato ser nulo releva apenas para questões de dto
privado
Quanto à ingerência: a doutrina diz nos que há situações em que o agente apesar de não
ser ele a criar o perigo tem o domínio sobre determinados setores. Ex.: o gerente da
empresa que sabe que uma máquina está a dar choques e não avisa o trabalhador
Esta teoria formal não remete para o verdadeiro fundamento material da omissão impura
ou imprópria. Assim segue se uma outra via
o Teoria das fundações: esta teoria tem muitas variantes. Esta teoria material
procura arrumar as situações em que se verifica o dever de garante em dois grande
grupos:
ü para proteger BJ, e neste caso aquele que esta investido do dever de
garante tem de proteger BJ carecidos de tutela;
ü proteger não já aquele BJ, mas fontes de perigo- ou seja proteger que
determinada situação confiada à guarda do agente venha a lesar interesses
de terceiros
Em relação a estes dois grupos surgem 4 situações:
Em relação ao 1º grupo:
1. Relações de comunidade de vida: situações de pessoas que vivem com base de
relações de solidariedade (por exemplo relações entre pais e filhos; pessoas que
vivem debaixo do mesmo teto, que partilham apartamento);
2. Comunidade de perigos ou riscos: estamos na época dos desportos radicais-
sempre que as pessoas se juntam para realizar uma empresa de perigo gera se entre
eles um dever de garante, um dever de solidariedade;
270
3. Solução de guarda e vigilância: são as tais relações fácticas de confiança Ex.:
bebe e baby-sitter- alguém que assume funções de guarda e vigilância. Deste
modo esta obrigado a preservar esse bem e impedir que seja lesado;
4. Situação de monopólio: alguém que não tem relação com o BJ. Ex.: A decide ir
para casa por um caminho que passa pelo meio de um jardim. A vê um bebé num
lago e está se a afogar. A não tem relação com a criança. Todavia ele não tem
nenhuma relação mas basta um pequeno ato para salvar a vida da criança. A maior
parte da doutrina não aceita as situações de monopólio como fundamento do dever
de garante. O Dr. André Leite admite. FD não admite. O prof. AC admite já que
atendendo ao fundamento material da omissão e ao diminuto incomodo que é
salvaguardar um BJ de grande importante deve se admitir a situação de monopólio
atendendo à humanização do DP. Chamar a atenção para um ponto: só devemos
recorrer esta situação quando as hipótese concreta não couber nas restantes
hipóteses. Temos uma hierarquia de pp´s. Os três primeiros têm a mesma força
pelo que só poderemos ir para esta ultima situação desde que a situação não caiba
nas anteriores.
Quanto ao 2º grupo:
1. Velha ingerência que se mantêm: alguém que cria uma situação de perigo deve
impedir que se lesem BJ jurídicos criminais;
2. Situações de senhorio ou domínio: alguém é o dominus de determinado setor e
está obrigado a garantir que o funcionamento desse meio, desse mecanismos não
venha a lesar BJ alheios. Ex.: eu tenho um automóvel e sou obrigada a leva lo às
revisões de modo que não haja danos que possam prejudicar outras pessoas;
3. Situação limite do domínio de controlar condutas de terceiros: De acordo com
o pp da confiança ninguém pode prever condutas dolosas ou negligentes de outras
pessoas. Há casos excecionais em que há esse dever. O exemplo mais claro é
quando estão em causa inimputáveis.
ü Ex 1. O pai leva o filho a visitar o museu. O pai deve ter cuidado para que
a criança não estrague as obras de arte.
ü Ex. 2: Temos um hospital psiquiátrico em que havia um dos doentes que
apresentava comportamentos agressivos e o medico porque foi leviano
passou lhe mais uma licença para saída precária e ele saiu e matou 8
pessoas. Neste processo provou se que havia todos os indícios que ele
podia praticar este crime
4. Situação de monopólio: O Dr. André Lamas Leite não admite. FD admite neste
caso. Taipa de carvalho não aceita. O prof. AC aceita. Ex.: A costuma dar um
passeio à noite e existe uma oficina de pirotecnia. A vê na janela faíscas às 11 da
noite. Será de exigir que ele avise ou não avise? Podemos imputar estas lesões
pessoais a título de omissão impura ou imprópria? A doutrina diverge como foi
dito. O prof. AC crê que sim. Dado que em DP estão em causa lesões graves de
BJ essenciais, neste caso apenas se exige ao agente o incómodo mínimo: ou
atundo ele próprio ou chamando auxilio- bastar-lhe-ia chamar a policia ou os
bombeiros. Assim o prof crê dada a abissal desproporção entre os danos em causa
271
e o diminuto incomodo, deve se reconhecer a situação de monopólio. Só devermos
mais uma vez recorrer a esta hipótese em último caso
Por fim, ao abrigo do Art. 10º/3 a pena pode ser especialmente atenuada. Quanto à
atenuação especial da pena: remissão para os arts. 72º e 73.
O fundamento material é só um: à luz das convicções comunitárias o facto de alguém
atentar positivamente para lesar um BJ é mais grave do que uma omissão dirigida a salvar.
Assim no caso concreto o juiz em funções das circunstâncias do caso pode atenuar a pena
por comparação com a pena que cabia à ação.
Tipo subjetivo
Vamos começar pelo tipo subjetivo da omissão dolosa: o tipo subjetivo comum a todas
as ações dolosas é o dolo do tipo. O conhecimento e vontade de realização do ato, neste
caso, conhecimento e vontade de realização da omissão.
Este dolo comporta
• Um elemento intelectual;
• um elemento volitivo;
• um elemento emocional (ao contrário do que diz a doutrina, porque a omissão
aqui não é um puro dolo natural, não é uma estrutura psicológica, não se esgota
no nexo psicológico-volitivo entre o agente e o facto, neste caso entre o agente e
a omissão).
O juízo de ilicitude é um juízo de culpa sobre o homem médio que vem a determinar o
sentido do ato/omissão, como se tivesse sido praticado pelo homem médio. A prática
intencional, o conhecer e vontade de realizar, expressam, do âmbito e no plano do homem
médio, uma atitude de contrariedade ou de indiferença perante o dever-ser jurídico-penal.
Isto tem reflexos muitos importantes no âmbito do erro, sendo que aqui a propósito do
erro se aplica no essencial tudo o que dissemos para o erro dos crimes dolosos de ação.
Assim sendo, temos que distinguir quanto ao elemento subjetivo comum a todas as
omissões dolosas, um elemento intelectual que tem que se traduzir num conhecimento da
situação objetiva de perigo para o bem jurídico. Quanto a este conhecimento, é o
conhecimento da realidade típica.
O agente tem que atualizar na situação, toda a factualidade típica, todos os elementos
integradores do tipo omissivo em causa.
Aplica-se aqui tudo o que se disse a propósito do elemento intelectual do dolo aplicável
aos crimes de ação. Quando falta o elemento intelectual estamos perante uma situação de
erro sobre as circunstâncias de facto e aqui aplica-se o artigo 16º/2 - se o agente não
representa a situação de perigo em relação a um bem jurídico.
272
Ex.: pai que vai com o filho à praia e o filho leva uns calções de banho vermelho mas as
crianças sujam-se e na mochila leva um calção de banho amarelo, sem que o pai reparasse
a criança trocou o calção vermelho pelo amarelo. O pai de repente vê uma criança em
apuros na água, mas vê que a criança tem um calção amarelo e o calção do filho era
vermelho. Vê que é uma criança, mas não representa que está investido de um dever de
garante, é a tal situação de comunidade devida, é um dos fundamentos do dever de garante
na sua primeira modalidade, o dever de proteger um bem jurídico face a perigos
exteriores. Ele não representa que é o filho e, portanto, não representa que está obrigado
a ir salvar o filho. É um erro sobre a factualidade típica, ou sobre as circunstâncias de
facto. Exclui o dolo e o agente é punido a titulo de negligência se se verificam os
requisitos da negligência:
• formal (tratar-se de um crime que admita a punição a titulo de negligência);
• material (o erro ficar-se a dever à violação do dever objetivo de cuidado que é o
fundamento material da negligência).
Também aqui há lugar para falar dos casos especiais de erro intelectual, de erro sobre
as circunstâncias de facto. Podíamos relembrar situações sobre o erro sobre a pessoa ou
objeto, ou de erro na execução, ou de erro sobre o processo causal. São situações cuja
autonomização não tem grande relevo prático, já que as soluções virão a ser as mesmas e
assim tudo o que dissemos no âmbito dos crimes dolosos de ação é aplicável a estas
situações especiais de erro intelectual de que aqui podemos falar.
Também aqui podemos suscitar o erro sobre as proibições. Vale para ambos os casos
de omissão, contudo coloca-se mais para as omissões puras ou próprias, aqueles casos
previstos na lei e onde porventura se trate de situações que pela sua especificidade
escapem ao conhecimento do homem comum, cuja apreensão não cabe dentro dos
processos de integração social normal e que em relação aos quais o homem comum só
pode tomar conhecimento se dela lhe derem conhecimento explícito.
Por ser um erro intelectual a nossa lei equipara o regime ao erro sobre as circunstâncias
de facto que está previsto na 16º/1 2ª parte, cujo regime se aplica de idêntico modo aos
crimes de omissão.
Por outro lado, temos depois o elemento volitivo. Logo aqui temos que distinguir as
situações:
o dolo direto em que a omissão, o crime é o objetivo central da conduta do agente;
o dolo necessário em que o crime não é o objetivo central, é uma consequência
lateral, mas é inevitável, é necessária ou pelo menos muito provável;
o dolo eventual em que o agente representa o resultado tão só como possível mas
atua conformando-se com esse resultado.
273
• Na negligência o agente só atua porque confia que o resultado não se vai produzir.
• No dolo eventual ele não confia que o resultado não se vai produzir.
É a fórmula da dupla negativa e que o professor adere. A regra é de que as omissões
dolosas, sejam puras ou impuras, ao nível do tipo subjetivo apenas exigem o dolo.
Sempre que o legislador num elemento, na descrição do ilícito típico da omissão, no tipo
subjetivo, para além do dolo exigir especiais intenções, é evidente que a sua verificação
é necessária para que possamos falar do ilícito típico em causa. Se faltar essa intenção o
agente não preenche o tipo e por isso a conduta não é ilícita típica.
Importará agora falar do tipo subjetivo das omissões negligentes. aqui colocam-se os
mesmos problemas: distinção entre negligência consciente e inconsciente.
• Negligência consciente: agente representa o perigo como resultado tão só
possível, mas atua confiando que o resultado não se vai verificar;
• Negligência inconsciente ele não representa sequer a situação de perigo e portanto
não representa a necessidade de intervir para salvar o concreto bem jurídico;
Com base na nossa lei temos o artigo 14º/3 e o artigo 15º/a) CP, que distingue o dolo
eventual da negligência consciente, o que significa que temos apenas uma hierarquização
bipartida do desvalor pessoal das condutas: dolo (necessário, direto, eventual) e
negligência (consciente e inconsciente).
Tipo justificador
Distinguimos omissões dolosas de omissões negligentes:
Omissões dolosas: Alguma doutrina diz que não se levantam problemas do tipo
justificador porque, sobretudo na omissão impura ou imprópria que assenta no dever de
garante, grande parte das situações contempladas nos crimes dolosos de ação no âmbito
dos tipos justificadores estariam já contempladas na definição do próprio dever de
garante. O prof discorda. Sem dúvida que situações de justificação na omissão dolosa são
menos comuns, mas são igualmente pensáveis. Ex: alguém que tem um dever de garante
em relação a outra pessoa, mas essa pessoa decide matá-lo. Numa briga em casa, a pessoa
que o quer matar cai à água mas não sabe nadar, é uma pessoa com força física. Há um
perigo efetivo em relação ao que está investido no dever de garante de que o outro o mate,
logo ele não o salva, deixa-o morrer afogado. É uma situação de legítima defesa. Ainda
que as hipóteses da vida enquadráveis na justificação sejam raras na prática, nas situações
de omissão dolosa, são pensáveis e podem verificar-se.
Aqui, para os tipos justificadores funcionarão, com necessárias adaptações, os requisitos
que falamos para os crimes de ação dolosos:
• Requisito subjetivo comum a todos os crimes dolosos: o agente tem de conhecer
a situação de justificação.
• Tem de se verificar a propósito de cada situação com adaptações, os requisitos da
legítima defesa, estado de necessidade, conflito de deveres…
274
Quanto aos crimes negligentes:
Na ótica do prof continua a aplicar-se tudo o que dissemos a propósito dos crimes
negligentes de ação, ou seja, que o pensamento da justificação não faz sentido. Isto porque
a função que é desempenhada pelos tipos justificadores nos crimes dolosos é
desempenhada já dentro do tipo negligente, seja de ação ou omissão.
No crime de omissão temos a descrição de um procedimento exterior em que há uma não
intervenção do agente que vai resultar na lesão ou colocação em perigo do bem jurídico.
Sempre que apesar de se verificar essa situação exterior, a conduta na sua objetividade à
luz do critério do homem médio, não representar a violação daquele cuidado exigido à
generalidade das pessoas, essa situação não viola o dever objetivo de cuidado e não
preenche o tipo incriminador. Teremos então causas de exclusão da própria tipicidade
do facto. Como vimos nos crimes de ação dolosos, os tipos justificadores são
concretizações de uma ideia/princípio geral: a não Inexigibilidade objetiva. São
concretizações de um juízo de valor assente no homem médio: naquela situação não era
exigível ao comum das pessoas atuar diversamente, não era exigível o respeito pela
norma. Se o preenchimento do tipo incriminador negligente, seja ele de ação ou omissão,
depende da conduta descrita ou omissão referida no tipo, comportar a violação do dever
objetivo de cuidado, sempre que a situação for de não inexigibilidade, não há violação do
dever objetivo de cuidado. A situação descrita não envolve o dever objetivo de cuidado
e, portanto, exclui-se o próprio tipo incriminador.
275
não conseguiam inserir nas categorias tradicionais, nomeadamente na contraposição do
ilícito à culpa estas figuras.
No caso da tentativa por exemplo, esta pode ser uma ofensa à integridade física simples
ou uma tentativa de homicídio, e para determinarmos o verdadeiro sentido de ilícito da
conduta, tínhamos que atender à subjetividade do agente, o que era inadmissível no
quadro destes sistemas. No caso dos concursos de crimes, por exemplo 7 facadas- 7
crimes ou um crime só? A resposta era: “depende da resolução do agente- se ele tomou a
resolução de agredir temos um só crime, mas se ele tomou uma resolução de dar X
facadas, depois para e volta a ter agredir- dois crimes”- a demarcação do ilícito depende
da subjetividade do agente e na comparticipação suscita-se o mesmo problema.
Isto significava que estes autores faziam depender o ilícito da subjetividade do agente que
para eles só podia ser considerada no plano da culpa, o que equivalia dentro dos quadros
do sistema clássico e neoclássico a fazer da culpa um pressuposto de ilícito, pulverizando-
se o sistema geral da construção do delito-estávamos perante formas especiais do crime
porque a propósito delas a dogmática era verdadeiramente diferente, misturando-se os
elementos objetivos e subjetivos, e fazia-se não do ilícito um pressuposto da culpa, mas
sim da culpa um pressuposto do ilícito. Isto quer dizer que tratar-se-iam de figuras a
propósito das quais a própria construção dogmática divergia da teoria geral do delito era
válida para a generalidade. Não é assim no quadro da doutrina do ilícito pessoal, pois
dentro dele estamos à procura do sentido pessoal-objetivo, do sentido de
antinormatividade da conduta se praticada por uma pessoa em geral, e logo aí nos
deparamos que a conduta é uma unidade objetiva-subjetiva, e distinguimos logo aí entre
ações dolosas VS negligentes.
A diferença entre este ilícito e a culpa, não tem a ver com o substrato ou objeto de
valoração, varia apenas o critério da valoração- vamos avaliar essa unidade à luz do
padrão do homem médio, ao passo que na culpa vamos determinar o sentido pessoal
subjetivo daquele ato à luz do concreto agente. Assim sendo, a consideração da
subjetividade do agente no âmbito da tentativa ou concurso de crimes não levanta
qualquer problema, não implica abandonar os quadros tradicionais ao nível da teoria geral
do delito. Verdadeiramente, a questão da tentativa, do concurso ou da coparticipação são
questões atendentes ao ilícito típico, e apenas mantemos o seu tratamento separado no
final do programa da disciplina pela complexidade que estas matérias têm. É por isso que
a expressão “formas especiais do crime”, no contexto de uma doutrina que parta da
conceção do ilícito pessoal, adquire um significado diverso do que tinha no passado. Não
está em causa a perversão das categorias gerais do delito, os planos são os mesmos, apenas
se autonomiza esta categoria pela sua complexidade.
Tentativa
A tentativa opõe se ao crime consumado, ou seja, quando o agente preenche a totalidade
dos elementos do ilícito típico. Na tentativa temos uma realização incompleta do tipo.
276
Ex.: A quer burlar B. Mas B é advertido e não transmite para a esfera de titularidade a
fáctica do está a ser burlado
A tentativa é uma extensão da punição. Existem casos em que o legislador alarga a
punibilidade à tentativa. Coloca se o problema do fundamento do alargamento. Colocam
se aqui duas teorias:
Teoria subjetiva: pretende ver na prática do crime uma vontade criminosa- a
manifestação de perigosidade do próprio agente; O fundamento da tentativa é reagir
contra a perigosidade do agente. Esta fundamentação não é admissível já que aponta para
o DP do agente. Assim de acordo com a teoria objetiva o fundamento da tentativa
decorre do perigo do BJ. Ao iniciar o comportamento perigoso, há a colocação em perigo
do BJ. Nesta situação de perigo reside então o fundamento da sua punibilidade.
Tratam se de razões de prevenção que servem de fundamento à extensão da punição da
tentativa. A punição é a título excecional. Apenas quando o legislador a admitir. A
tentativa só é punida a título de dolo. A nossa lei diz “decidiu cometer”. Ou seja, não é
punida a tentativa negligente. Embora no passado fosse pensável: falava se da “quase
tentativa” - alguém que “sem querer” violando o dever objetivo de cuidado pratica atos
perigosos a que não se segue a consumação.
Mesmo na tentativa dolosa a tentativa só é punida em relação aos crimes a que
corresponde na forma consumada uma pena de prisão superior a 3 anos- art. 23º- regra
geral- há exceções declaradas na lei. Ex.: art. 202º e sgs- o legislador diz expressamente
que a tentativa é punida.
o A tentativa só releva na forma dolosa
o A sua punição é excecional já que só é punida quando o crime em causa na forma
consumada tiver uma pena superior a 3 anos ou quando fora destes casos o
legislador puna.
Importa referir que na sua globalidade nós podemos isolar no iter criminis 4 fases:
o fase da chamada nuda cogitagiu/projeto criminoso: o agente no plano interno
projeta/pensa que se vai ou não cometer o crime. Estamos na fase dos atos
internos, dos pensamentos- do puro pensamento;
o fase da prática de atos exteriores: o agente está a praticar o crime- por exemplo
compra os utensílios para o crime- atos preparatórios que já se traduz num
comportamento exterior, mas que em regra nos termos do art. 21º a regra é que
são impunes: primeiro porque na maioria dos casos os atos preparatórios são
idênticos a atos lícitos. Ex.: A pode comprar uma espingarda para ir à caça. Torna
se difícil provar que esse ato preparatório visa a prática de um crime; em segundo
lugar: de acordo com o caráter subsidiário da tutela penal o DP só deve intervir
quando há lesão de BJ ou perigo próximo quanto a esse BJ. Em relação ao perigo
remoto em pp não releva para o DP. Ainda existe uma distância temporal e
especial para a realização do crime propriamente dito. Assim nos termos do art.
21º os atos preparatórios não são punidos. Há exceções, mas essas serão
consagradas na lei. Acrescente se que mesmo quando excecionalmente o
277
legislador pune os atos preparatórios pode faze lo considerando como crime
autónomo da lei. Ex.: contrafação de moeda; o legislador pune o ato preparatório
ainda como ato preparatório. Ex.: Art. 277º: Aqui o legislador declara estes atos
puníveis como atos preparatórios. A diferença é que se o legislador declara o ato
preparatório como ato preparatório ele para ser punido tem que ser consumado.
Diferentemente se o legislador estabelece a punição do ato preparatório como
crime autónomo e pode ser punido na forma consumada ou forma de tentativa
o fase da execução: o agente começa a praticar o ato de execução;
o fase da consumação
278
Por norma o tipo subjetivo restringe se à exigência de dolo, mas pode existir casos em
que se exige especiais intenções, caraterísticas pessoas da personalidade etc.
O tipo subjetivo da tentativa é idêntico com o tipo subjetivo do crime consumado
correspondente.
As distinções põem se quanto ao tipo objetivo
Em 1º lugar refira se que temos que falar dos elementos estruturantes do tipo objetivo:
agente, BJ e conduta. Põe se as mesmas distinções
A diferença está no facto de a tentativa significar uma realização incompleta do tipo- o
agente pratica atos de execução a que não se segue a consumação por motivos estranhos
à vontade do agente
Quanto à estruturação do tipo objetivo é tudo igual bem como as mesmas especificações
que se colocam a propósito de cada estrutura.
Na tentativa há um preenchimento incompleto do tipo.
Há que distinguir entre a tentativa acabada e inacabada.
O agente pode ter uma execução incompleta porque não executou todos os atos. Ex.:
assaltante do banco que é detido pela polícia. Ainda não chegou ao cofre. Temos a
tentativa inacabada
Poder dar se o caso de o agente realizar todos os atos de execução, mas não realizar o
crime. Ex.: A quer matar B, dispara, mas falha.
No dto anterior distinguia se entre a tentativa e frustração. A tentativa era aquilo a que
chamamos de tentativa inacabada. A frustração seria a tentativa acabada.
O velho CP estabelecia uma diferença. Estas situações eram diferentemente puníveis.
A nossa lei hoje não estabelece diferença ao nível da pena abstrata entre a tentativa
acabada e a tentativa inacabada. Em concreto o juiz pode atender a par de outros
elementos ao facto da tentativa ser acabada ou inacabada.
Em suma, conclui se que o tipo subjetivo da tentativa é idêntico ao crime doloso
consumado. Quanto ao tipo subjetivo os elementos estruturantes e as classificações de
tipicidade são os mesmos. A diferença está no facto de na tentativa o agente não preencher
a totalidade do crime. Há apenas um perigo. A nossa OJ deste modo estabelece uma pena
abstrata única para a punição da tentativa. <
Como sabemos o iter criminis pode dividir-se em 4 fases essenciais, acima referidas. Aqui
vemos a importância de encontrar um critério seguro para distinguir os atos preparatórios
dos atos de execução, que consubstanciam a fronteira entre a impunidade e a punição. E
para distinguir entre atos preparatórios e atos de execução surgiram duas teorias:
1. Teoria subjetiva– ato de execução é todo aquele que expressasse uma vontade
séria, firme de praticar o delito, não importando a configuração exterior do ato ou
se ele é mais próximo ou afastado da consumação
279
2. Teoria objetiva – caraterização objetiva do comportamento.
§ Teoria formal objetiva – o ato de execução é aquele que esta descrito
textualmente. Esta teoria só funciona para os crimes de execução não livre
§ Teoria material objetiva – construída na base da teoria da adequação. São
atos de execução aqueles que são idóneos para produzir o resultado.
contudo, não basta ser idóneo, mas não se pode verificar nenhum corretor
da conexão do risco. Esta alteração foi introduzida pela teoria da conexão
do risco. O prof não concorda com esta perspetiva.
O que fez a nossa lei para distinguir entre atos preparatórios e de execução? Adotou um
critério misto.
Art.22º do CP:
® Art.22º/nº1 do CP: o agente tem de praticar atos de execução e não atos
preparatórios. Mas, de um crime que “decidiu” cometer – prática consciente e
voluntaria de um crime, afastando a negligencia (Elemento volitivo do dolo).
Afasta a punibilidade da tentativa a título de negligencia.
® Art.22º/nº2 do CP: o que são atos de execução? Vejamos as alíneas
a) Critério formal objetivo – aqueles que estão descritos no tipo de crime,
mas isto só vale para os crimes de execução vinculada. No final de contas
nesta alínea está o ato de consumação
b) Critério material objetivo para todos os restantes casos. Aqui também está
descrito, na verdade, o ato de consumação.
c) Critério material objetivo – esta alínea vem precisar alguns aspetos,
nomeadamente a perspetiva ex ante que explica o ato de execução. Na
Alemanha e historicamente por atos de execução entendiam-se os atos de
consumação. Mas, o início da tentativa não pode restringir-se aos atos de
execução. Foi por isso que a doutrina e o legislador sentiram a necessidade
de alargar o conceito de execução e da tentativa. Não se restringe aos atos
de consumação, mas quando o agente avançava imediatamente para a
execução e que sem quebras iria terminar no ato de consumação. Ex: Não
é quando prime o gatilho, mas quando pega na arma que, sem quebras,
levaria à consumação do ato. “É o avançar imediatamente” (Welzel).
O legislador afasta a teoria subjetiva e adota um critério objetivo, mas na alínea c)
especifica de forma mais precisa certas situações.
Assim, o legislador delimita a fronteira entre atos de execução e de consumação, que na
maior parte das vezes determina a impunidade ou a punição.
Tentativa inidónea ou impossível:
A tentativa inidónea ou impossível reporta-se a situações que, na prática, aquele ato nunca
podia levar à sua consumação.
Ex: alguém dispara, mas a vítima tem um colete anti bala.
Ex: Alguém procura envenenar usando um veneno em relação ao qual a vítima é imune.
Aquele dispara sobre a morte.
280
Mas, a tentativa idónea ou impossível é punível ou não? É que, na verdade o BJ nunca
esteve efetivamente em perigo.
A doutrina portuguesa admite, assim, duas modalidades de tentativa inidónea ou
impossível:
® Por inexistência do objeto – Ex: alguém está zangado com o vizinho e dispara
quando ele está na piscina, convencido de que estaria a apanhar sol, mas o vizinho
já estava morte por virtude de um ataque cardíaco. De acordo com a teoria da
aparência este comportamento era punível? SIM, porque aos olhos de todos
estaríamos perante um ser humano vivo.
® Por inaptidão do meio – é quando o meio, atendendo à realidade objetiva jamais
pode atingir a consumação.
Ora, o fundamento da tentativa é o perigo. Ex: O sr. A tem à escolha três venenos e
escolher um deles aleatoriamente, mas a vítima é imune a essa substância.
® Mas, numa perspetiva ex ante não há aqui um perigo? SIM, pois se ele tivesse
escolhido outro veneno poderia ter matado a vítima. Temos de aferir o perigo de
uma perspetiva ex ante. Esta situação, no final de contas, e de um ponto de vista
de aferição ex ante do perigo, não é diferente da tentativa idónea. Aplicar a alguém
uma substância venenosa é uma atitude perigosa. É por isso é que a generalidade
da doutrina declara em certos casos a punibilidade da tentativa inidónea ou
impossível. Entre nós esta doutrina traduz-se na teoria da aparência. Há quem
fale na teoria da impressão, mas essa não se justifica no quadro do DP português
que adota uma teoria objetiva da tentativa, ao contrário do DP alemão que adota
uma teoria subjetiva da tentativa. Na teoria da aparência, EC dizia que a
tentativa inidónea ou impossível é punível como tentativa sempre que haja
idoneidade/aptidão do meio ou quando o objeto da ação exista. É isto que nos
diz os art.23º/nº3 do CP - quando for aparente essa idoneidade, a tentativa é
punível. Assim, os atos que caracterizam a tentativa são atos de execução. Desta
forma, quanto ao art.22º/nº2 do CP devemos avaliar os atos de execução numa
perspetiva ex ante.
Art.23º/nº1 do CP – a tentativa só é punível quando o crime consumado correspondente
for punível com pena superior a três anos
Art.23º/nº2 do CP – a atenuação especial remete para o art.72º e 73º do CP
A tentativa é um crime doloso, estando subordinado à teoria geral dos delitos dolosos.
ü Tipo justificador: funcionam todas as causas de justificação e nos mesmos termos
que foram afirmadas para o crime doloso de ação consumada. A tentativa pode
ser recoberta pela LD, EN, conflito de deveres, etc. Os requisitos são os mesmos:
se a LD torna lícito o crime consumado, também justifica os atos de execução que
consubstanciam a tentativa.
ü Culpa: o juízo de ilicitude no âmbito da ação e no âmbito da tentativa têm o
mesmo objeto, a mesma valoração. Na culpa estamos à procura do desvalor
subjetivo do ato. Como a tentativa é um crime doloso, valem por inteiro as
considerações que tecemos sobre a culpa no âmbito do crime doloso consumado:
na inimputabilidade continua a aplicar-se o disposto no art.295º do CP. Quanto à
281
inexigibilidade e ao erro sobre a ilicitude vale o mesmo que tecemos
anteriormente.
ü Punibilidade: aqui vamos confrontar-nos com um problema – a doutrina
maioritária, quanto à punibilidade no âmbito dos crimes dolosos e no âmbito da
tentativa fala em três situações:
§ Condições objetivas de punibilidade
§ Bagatelas penais
§ Desistência da tentativa - que seria uma concretização da ideia da
desnecessidade de pena. A desistência da tentativa é um instituto que
exclui a punição do agente que tendo iniciado a execução, todavia, a OJ
dispensa a punição quando o agente interromper de forma voluntária a
execução e, com isso, evitar a prática do crime. A desistência está
subjacente à politica-criminal do incentivo para que o agente não consuma
o ato criminoso. Com este instituto, que garante aquele que praticou atos
de execução, a impunidade dá-se um incentivo para que desista. Assim, a
desistência da tentativa, consoante se trate da tentativa acabada ou
inacabada pode assumir contornos diferentes:
¬ Tentativa acabada – o agente comete todos os atos de execução, só
que por razão estranha à sua vontade, o crime não se consume. A
desistência da tentativa, no âmbito da tentativa acabada, exige
assim um comportamento ativo, que o agente desfaça o mal que
fez, em ordem a evitar a consumação.
Ex: alguém mete uma bomba num monumento nacional. Se ele
quiser desistir tem de ir lá desligar ou pedir as autoridades
competentes que o faça, ligando-lhes a informar da existência da
mesma e do local onde se encontra.
A doutrina fala aqui de um “arrependimento ativo” – o agente atua
positivamente para desfazer o mal que fez. O prof. AC considera
esta expressão equivoca porque a relevância da tentativa não tem
a ver com o arrependimento moral.
É de referir ainda que a desistência da tentativa tem de preencher
dois requisitos:
Ø Requisito objetivo: o crime não se tenha consumado.
Falamos da consumação material e não da formal
(veja-se adiante a justificação).
Ø requisito subjetivo – a voluntariedade da desistência.
Se alguém está a assaltar uma casa e vê a polícia e por
isso desiste, não há voluntariedade. Falamos de
voluntariedade no sentido de espontaneidade, o
abandono não pode ser coagido por razoes exteriores,
mas também não tem de ser um abandono por razões
nobres. A desistência tem de ser o abandono
espontâneo daquele concreto projeto criminoso.
¬ Tentativa inacabada – o agente pratica apenas parcialmente os atos
de execução. A desistência traduz-se na pura e simples omissão
dos atos de execução que falta praticar.
A concretização disto está consagrada nos arts.24º e 25º do CP
282
Art.24º do CP
ð Art.24º/nº1 do CP – “A tentativa deixa de ser punível quando o agente
voluntariamente (significa isto espontaneamente) desistir de prosseguir na
execução do crime (estamos perante a desistência tout court, isto é, da tentativa
inacabada), ou impedir a consumação (falamos aqui da tentativa acabada), ou,
não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não
compreendido no tipo de crime” (falamos aqui dos crimes de perigo, em que o
agente consuma o crime de perigo, mas não o crime de dano, impedindo a lesão
efetiva do BJ, que é o resultado que não está contido no tipo. Os crimes de perigo
são quase sempre crimes de tentativa. Tratando-se de um crime de perigo, apesar
de este ter sido consumado, e se depois o agente evitar que se consubstancie num
crime de dano, ele irá beneficiar do regime da desistência da tentativa. Aqui está
em causa a consumação material, isto é, a lesão efetiva do BJ).”
ð Art.24º/nº2 do CP – “Quando a consumação ou a verificação do resultado forem
impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é
punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.”.
Ex: é o caso de alguém que dispara sobre outra pessoa para matar, mas depois
arrepende-se e vai chamar uma ambulância. Contudo, quando volta um ao local,
um medico já o tinha visto e levado para um hospital– a consumação foi impedida
por um terceiro, mas provou-se que ele se esforçou seriamente para o evitar, pelo
que o agente beneficia do instituto da desistência da tentativa.
Art.25º do CP – “Se vários agentes comparticiparem no facto, não é punível a tentativa
daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado, nem
a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os outros
comparticipantes prossigam na execução do crime ou o consumem.”
ð Art.25º/1ª parte do CP – “Se vários agentes comparticiparem no facto, não é
punível a tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a
verificação do resultado (…)”. Pode haver lugar também à hipótese estarmos
perante um crime cometido em grupo e de só um dos elementos desistir. Ora, se
este elemento que desistiu impedir que os outros consumem o ato, este agente vai
beneficiar da desistência da tentativa e os outros vão ser condenados a título
consumado ou de tentativa.
ð Art.25º/2ª parte – “nem a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma
ou outra, ainda que os outros comparticipantes prossigam na execução do crime
ou o consumem.”
É o caso daquele que desistiu, quer pôr termo à prática do crime, mas os outros
comparsas levam por diante o crime. Mas, se se provar que ele se esforçou
seriamente para impedir a lesão do BJ, embora os restantes prossigam na execução
do crime ou o consumem, ele beneficia da desistência da tentativa, e os outros
serão punidos por tentativa ou consumação.
Este instituto da desistência da tentativa surge por razoes politico-criminais, para evitar a
lesão de BJ. É uma concretização de uma ideia de necessidade de pena, intervindo neste
nível da punibilidade.
283
• Crimes de tentativa dolosos omissivos: também a omissão é crime e tanto a
omissão pura ou impura são suscetíveis que em relação a elas se faça a distinção
entre tentativa e consumação.
Pode uma pessoa não atuar e em virtude dessa sua não atuação não se verificar o
resultado. Mas, torna-se difícil determinar, pela natureza da omissão, quando
inicia a tentativa da omissão.
Welzel dizia que não se podia aqui distinguir entre tentativa acabada e inacabada,
existindo apenas a tentativa inacabada (tentativa inacabada - quando o agente
deixou esgotar a última possibilidade de intervenção).
Mas, a doutrina afastou este ponto de vista, pois na verdade não se censura
apenas o resultado, mas censura-se o desvalor da ação, admitindo a existência da
tentativa acabada (quando o agente deixou passar a última possibilidade de salvar
o BJ) e a tentativa inacabada (quando se verificasse uma alteração da situação de
perigo para o BJ. Ex. o filho está doente e os pais não chamam o médico. Ora,
enquanto a doença estivesse estável não havia início da tentativa, mas sim quando
houvesse uma agravação aguda da situação de saúde da criança. Se perante uma
alteração substancial agravada do perigo para o BJ o agente não intervém
estaríamos perante uma tentativa inacabada).
O prof. AC discorda porque considera esta doutrina insegura (o pai não é medico,
não sabe quando há um salto equitativo para chamar o medico ou não. O critério
do início da tentativa deverá ser outro. Para o prof. AC há início de tentativa de
omissão quando, perante uma situação de perigo grave para o BJ, pela atitude do
agente na situação se revelar evidente que ele não intervirá.
E quanto à tentativa acabada, faz sentido falar na sua existência? O que é isso da
última oportunidade? Parece uma ficção. Para o prof. AC também não faz sentido
falar numa tentativa acabada.
Na omissão, o prof. AC entende que, atendendo as características do crime
omissivo, não faz sentido distinguir entre tentativa acabada ou inacabada. Para
AC existe apenas a tentativa tout court por omissão acima referida pelo AC, ou
seja, quando perante uma situação de perigo grave para o BJ, pela atitude do
agente na situação, se revelar evidente que este não intervirá.
Quanto à desistência da tentativa na omissão – o agente acaba por intervir,
impedindo o resultado, aplicando-se os requisitos gerais da desistência da
tentativa, mas com as necessárias adaptações.
284