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Parte I - Introdução ao Direito Penal

Título I - O sentido e a função do direito penal

Cap. I - Definição formal de direito penal: as categorias do "facto" (crime)


e da "reação criminal" (pena e medida de segurança)

«Chama-se Direito Penal ao conjunto de normas jurídicas que ligam a certos


comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas privatistas
deste ramo do Direito.» – J. Figueiredo Dias.

Ø Costuma-se dizer que o DP é aquele ramo de dto que descreve as


condutas que constituem crimes, e estabelece as respetivas sanções, as
respetivas consequências jurídicas, que podem ser:
o Penas;
Ou
o Medidas de segurança.
«A mais importante destas consequências – tanto do ponto de vista quantitativo, como
qualitativo (social) – é a pena, a qual só pode ser aplicada ao agente do crime que
tenha agido com culpa. Porém, o Direito Penal prevê consequências jurídicas de outro
tipo: são as medidas de segurança, as quais não supõem a culpa do agente, mas a sua
perigosidade.» - J. Figueiredo Dias.

Ø De facto, aquilo que o DP faz, em 1ª linha, é definir quais as condutas


que são infrações penais, i.e., que são crimes.
o Posto isto, estabelece a respetiva consequência jurídica que pode
ser, como já foi anteriormente referido, uma pena ou medida de
segurança.

Ø Todavia, mais importante do que saber os nomes, que à infração penal se


chama crime e que às sanções penais se chama penas ou medidas de
segurança, é compreender a razão material que leva a que determinadas
condutas sejam qualificadas crimes.
o O que é que distingue essas condutas das condutas humanas em
geral e, bem assim, o que distingue o crime das outras infrações
dos outros ramos do Direito.
o Depois, quanto às sanções, mais importante do que saber que elas
se chamam penas ou medidas de segurança, é saber quais as
finalidades, o sentido material da punição penal.
§ Assim como, o que distingue as penas das medidas de
segurança, tal como, quais são as espécies de penas e de
medidas de segurança.

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Ø Sendo assim, vê-se que esta definição formal, pela sua insuficiência, logo
convoca a necessidade de uma definição material.
o i.e., do preenchimento desta definição formal com os conteúdos
materiais.

Ø Contudo, logo a partir desta definição formal pode-se fazer alguns


esclarecimentos, antes mesmo de se começar com a tal caracterização
material do DP.
o Desde logo, a terminologia: DP ou Direito Criminal?

Uma questão terminológica: Direito penal ou Direito criminal?


Ø São expressões sinónimas para designar a disciplinas.
o Apenas uma toma como matriz/étimo a infração (o crime) à DIREITO
CRIMINAL;
§ Já a outra toma como étimo a sanção/ a pena à DIREITO
PENAL.

o É mais utilizada, atualmente, para designar a disciplina nos programas


das faculdades, a expressão DP, mas isso não significa que a outra
designação seja menos correta, sendo que se podem usar
indiscriminadamente as duas expressões, desde que se tenha em atenção
as reservas que de seguida serão apontadas.

Ø Porém, importa salientar que são ambas expressões INCOMPLETAS.


o Isto porque a expressão dto criminal, que toma como étimo a infração,
recorda-se ao crime e, como se verá, o DP não estuda apenas o crime,
mas também os comportamentos dos inimputáveis.
§ Portanto, é incompleta na medida em que não reflete a totalidade
do objeto da disciplina do DP.
Nota:
è Crime é uma ação típica, ilícita e culposa.
è Por definição, um inimputável age sem culpa, i.e., é um
sujeito incapaz de culpa, aquele que pratica um ilícito,
mas nunca pratica um crime, daí que não lhes possa ser
amputado uma sanção. Por esta razão, é só uma ação
típica e ilícita.

o O mesmo se pode dizer sobre a expressão DP, uma vez que as sanções
penais podem ser penas ou medidas de segurança, faltando assim, esta
última, sendo que toma étimo apenas 1 das modalidades das reações
criminais que são descritas.
§ Ambas as definições são demasiado estreitas para designar a
realidade em que este ramo de Direito se consubstancia.

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Do ponto de vista formal deve optar-se pelo designativo de Direito Penal, por 2
razões que Figueiredo Dias aponta:
o Chama-se Código Penal ao diploma legislativo em que se verte o direito
deste ramo;
o E também, porque é a designação da cadeira em que nos vemos
envolvidos.
«(…) embora deva reconhecer-se (…) que completamente exato seria só o designativo
“Direito das penas e medidas de segurança criminais”.» - J. Figueiredo Dias.

Ø Por outro lado, ainda na base da definição formal do DP, facilmente se depara
com um aspeto que importa esclarecer desde já:
o A definição formal tem a VIRTUALIDADE de esclarecer o seguinte:
§ Ao contrário do que se sucedia no séc. passado, sobretudo por
influência do CP francês, o cód. Napoleónico de 1810, no âmbito
das infrações penais, distinguiam-se 3 modalidades:
• Crime (infrações mais graves);
• Delito (crimes de média gravidade);
• Contravenções (“bagatelas penais”, infrações penais às
quais correspondiam sanções penais, mas que tinham
diminuta gravidade).

§ E esta classificação passou depois para o Cód. Prussiano de 1851


e para o CP do Reich (império alemão) de 1871, sendo adotada
também por muitos países.

o É de notar que, em Portugal nunca vigorou esta destrinça, mas uma


classificação bipartida:
§ Crime;
e
§ Contravenção.

o Ora, estas distinções das várias espécies das infrações criminais


desapareceram na legislação atual.
§ Era uma distinção, em primeiro lugar, quantitativa.
§ Tinha, por outro lado, a ver com alguns efeitos da condenação
que eram reflexo da velha ideia da degradação cívica.
• Por outras palavras, uma condenação numa destas
infrações, para além da pena correspondente/ para além da
sanção aplicável ao crime, tinha consequências
automáticas, que se traduziam em certas interdições.
Ex.: interdição de dtos à se alguém fosse condenado pelo crime mais
grave e fosse um funcionário publico, certamente seria demitido da
função e não poderia aceder mais à função pública, perderia certas
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regalias sociais, como p.e. o direito de acesso à segurança social, ficaria
interdito dos poderes paternais, etc.
§ Posto isto, entendeu-se que essas interdições de direitos eram
verdadeiras manifestações da velha degradação cívica e que, por
isso, não tinham lugar num quadro de um Estado de Direito.
• A CRP proíbe as penas degradantes e, por essa razão,
abandonou-se essa classificação.
• Sendo que o dto penal português atual consagra, como
espécie de infração criminal, apenas os crimes.
o Entendia-se que as contravenções não revestiam
dignidade penal, mas sim uma natureza mais
próxima da administrativa.

o Por outro lado, e como o nosso dto, mesmo o passado, nunca consagrou
a classificação tripartida, mas apenas a bipartida: crimes e contravenções,
daí resulta que:
§ Em Portugal, as expressões crime e delito são sinonimas,
utilizadas para designar a infração penal, por ser uma distinção
apenas quantitativa.

Ø Finalmente, ainda deste quadro da definição formal de DP, aponta-se uma última
virtualidade:
o Viu-se que a definição formal é insuficiente e que logo pede um
preenchimento material, saber o que é um crime e o que o distingue das
outras condutas e dos outros ilícitos dos outros ramos do dto.
§ Por outro lado, sabe-se quais as finalidades que estão subjacentes
à sanção penal, as diferenças entre a pena e a medida de
segurança e as modalidades de pena e medida de segurança.

o Ora, nesse preenchimento material da definição formal, irar-se-á seguir


esta sequência.

Cap. II - Direito penal em sentido material.


1. O crime como lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos.
a) A dimensão axiológico-cultural do Homem e a especificidade do universo
prático-normativo.
Antes de mais, convém mencionar, que aquilo que se considerava como crime material,
no período em que das conceções do positivismo legalista, era tudo e só aquilo que o
legislador considerasse como tal. Ora, isto levaria a que o conceito material de crime,
viesse corresponder ao que J. Figueiredo Dias definiu como sendo o seu conceito
formal.
Posto isto, veio a considerar-se esta conceção, e nas palavras do Dr. Figueiredo Dias,
INACEITÁVEL e INÚTIL.

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Assim sendo, como mera curiosidade, vemos que a autonomização do conceito material
de crime seria uma necessidade sentida desde há muito tempo (desde os tempos de
Beccaria).
Ø Seguindo o método clássico e mais simples, que é o mais adequado a uma
cadeira de introdução ao direito, assim, a generalidade dos tratados refere que o
crime se traduz na lesão dos bens jurídicos essenciais à livre realização da
pessoa e à convivência comunitária, i.e., na conduta humana violadora de uma
norma de determinação essencial à livre realização da pessoa e à convivência
comunitária. à Perspetiva teleológico-funcional e racional.
Ex.: a vida, a propriedade, a integridade física, a liberdade, etc.
Denomina-se teleológico-funcional, uma vez que se deu conta de que
o conceito material de crime não podia ser deduzido, sem mais, tinha
de se verificar no «horizonte de compreensão» imposto ou permitido
pela própria função que ao direito penal se circunscreve.
Racional à uma vez que o conceito material resulta da função do dto
penal de tutela de última ratio de bens jurídicos dotados de dignidade
penal.

o Fala-se de bens jurídicos e não de valores, porque o DP, como toda a


realidade cultural, está na história e é historicamente condicionado e,
portanto, o DP não tutela valores supra-históricos, transcendentes, limita-
se a tutelar as condições essenciais da convivência comunitária.
§ Essas condições são históricas.
Ex.: o crime económico no quadro de uma economia de estrutura
feudal teria de ser necessariamente diferente do crime económico das
sociedades atuais.
Portanto, será em função das características/condicionantes de
cada sociedade e, também, da mundividência, das representações
axiológicas, comunitárias, que se determinará qual o objeto de
tutela, quais os bens jurídicos essenciais que o DP tem de tutelar.

o O bem jurídico é, na linguagem corrente, um substantivo, o valor é o


adjetivo, encontrando-se plasmados na CRP, uma vez que é neste
diploma que se encontra a ordem legal dos bens jurídico-penais
(ordenação axiológica jurídico-constitucional).
Vê-se aqui uma “relação de mútua referência” entre a ordem jurídico-
constitucional e a ordem legal. – é uma relação de analogia material.
Não podemos tornar o bem jurídico num conceito fechado, que nos
permita distinguir a fronteira entre o que legitimamente pode ou não
ser criminalizado.
Figueiredo Dias define bem jurídico como: “expressão de um
interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou
integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo

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socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como
valioso.”.
§ O bem jurídico corresponde ao objeto ou situação social dotado
de valor social e por isso mesmo merece a tutela do DP.
§ O bem jurídico, em si, atendendo à sua natureza intrínseca, pode
traduzir-se num:
• Objeto pela existência física.
Ex.: a vida humana, uma vez que tem que haver um corpo
biologicamente vivo; propriedade.
• Algo imaterial que se reporta a um objeto individual.
Ex.: honra, bom nome.
• Numa relação entre pessoas ou num sistema de relação
entre pessoas.
Ex.: crimes contra a família à o que está a ser tutelado é
o conjunto de relações familiares.
Relação entre a pessoa e um bem à se alguém furtar o
meu telemóvel, o bem afetado não é o telemóvel, mas sim
a relação de utilidade que esse mesmo bem dá ao seu
legitimo titular.
§ O bem jurídico pode assumir:
• Natureza individual à quando respeita a interesses de
uma concreta pessoa;
o Há uma identificação tendencial da noção de bem
jurídico com dtos subjetivos fundamentais da
pessoa individual, que Feuerbach já havia falado.

• Natureza coletiva ou supra-individual.


Ex.: pense-se no sistema monetário que é afetado pelos
crimes de moeda falsa. O sistema financeiro que é afetado
pelos crimes previstos no Cód. De valores mobiliários.

§ Por outras palavras, o bem jurídico é o verdadeiro quid, o


concreto objeto da tutela penal, que pode ter existência física ou
assumir natureza imaterial (p.e. bom nome; honra).
• Pode traduzir-se numa relação ou sistema de relações
entre pessoas ou numa relação entre uma pessoa e um
bem;
• E pode, finalmente, assumir natureza individual ou supra
individual.

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o Conclui-se, por isso, que são estes os objetos de tutela do DP: os BENS
JURÍDICOS.
§ Têm que ser os bens jurídicos mais IMPORTANTES, os
considerados essenciais à convivência comunitária.
Ex.: a vida, a integridade física, a propriedade, o património, a
liberdade.
Bens jurídicos supra-individuais: sistema monetário; a
segurança interna e externa do Estado; etc.

o O autor que apelou, pela primeira vez, para a noção de bens jurídicos foi
Birnbaum, visando abranger um conjunto de substratos, com caracter
liberal, que oferecessem base suficiente à punibilidade dos
comportamentos que os ofendessem.

Ø Como é que é possível, numa sociedade democrática e plural, determinar quais


são os bens jurídicos essenciais para a convivência comunitária, uma vez que
aquilo que é importante para mim pode não o ser para outra pessoa?
o Apelar-se-á ao CONSENSO COMUNITÁRIO.
o i.e., por cima de todas as diferenças que nos particularizam, temos algo
de COMUM («commune»):
§ Um conjunto de crenças, representações, convicções, normas, que
são, por assim dizer, aceites por todos.
• Os estereótipos da sociedade totalmente integrável ou
totalmente desintegrada, são isso mesmo: estereótipos.

§ Por outras palavras, a sociedade nunca será totalmente


desintegrada, uma vez que isso significaria a impossibilidade no
diálogo humano.
• Por outro lado, também não será totalmente integrada, por
não sermos todos iguais.

o Todos temos coisas que nos particularizam e que caracterizam a nossa


individualidade.
§ No entanto, temos também um corpo de valores, convicções, de
normas, de representações, de que todos participamos e que
integram o tal núcleo do consenso comunitário.
§ Será então a esse núcleo do consenso comunitário a que se
recorre para determinar quais os bens jurídicos essenciais à
convivência comunitária e à livre realização da pessoa humana.

o Alguns autores juntam a esta perspetiva que este consenso comunitário


deverá ser procurado através de uma referência com o quadro axiológico
que subjaz à CRP.

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§ Quer isto dizer, a CRP é a lei fundamental à contem as traves-
mestras da organização da sociedade e do Estado e, nessa
medida, já reflete um consenso comunitário.
§ Desta feita, a CRP apenas lhe confere uma maior precisão,
porque a lei fundamental está já vazada em modos de validade
jurídica, em normas, e que, nessa medida, permitem, de uma
forma mais precisa/determinada, fixar/definir essa área de
consenso comunitário que é integrada pelos tais bens jurídicos
essenciais à convivência comunitária.

Ø Por qual perspetiva é que se irá fazer a pergunta ao consenso comunitário?


Dever-se-á ter uma perspetiva maximalista ou minimalista?
Assim, apela-se ao consenso comunitário, podemos usa-lo pela adoção de:
v Perspetiva maximalista à no sentido de procurar, dentro do consenso
comunitário, a vontade da maioria, as representações da maioria.
o Dentro desta “ditadura da maioria”, definir as condutas que
constituem crimes penais.

v Perspetiva minimalista à baseia-se em perguntar não qual é o modelo


de sociedade, o modelo de homem, o conjunto de valores que devem
pautar a interação humana, mas perguntar a esse mesmo consenso
comunitário quais os valores mínimos, quais as condições mínimas
necessárias para a convivência.

o No quadro de um Estado de Direito e, sobretudo, atendendo à vertente


liberal, garantística de um Estado de Direito, de acordo com a qual a
liberdade é a regra e a restrição à liberdade a exceção, só poderá ser esta
segunda (perspetiva minimalista) a seguir.

Como diz, Figueiredo Dias: «Não é função do direito penal, nem primária, nem
secundaria, tutelar a virtude ou a moral: quer se trate da moral estadualmente
importa, da moral dominante, ou da moral especifica de um qualquer grupo
social.»

o O contrário seria um atentado ao pluralismo ético-social das sociedades


contemporâneas.
o Não esquecer que já S. Tomás de Aquino falaria que o legislador deveria
imiscuir-se da tentação de tutelar com os meios do dto penal todas as
infrações à «moral objetiva».
§ Relembrar:
• As sanções penais são as mais gravosas do nosso
ordenamento jurídico, pelo que se deverá ter uma especial
cautela neste domínio.
• O direito tem uma função dinamizadora e modeladora,
que tem como objetivo ajustar a ordem estabelecida à
evolução social e de promover essa mesma evolução.

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o Sendo assim, o que está aqui em causa é proteger a liberdade dos
cidadãos, garantir o dto à diferença e, apenas restringir essa liberdade e
esse direito, na medida em que seja necessário e imprescindível para a
convivência comunitária.
§ Portanto, é uma perspetiva de mínimo de intervenção, aquela
deve nortear o legislador ordinário quando está a definir os
crimes e, por isso, a eleger quais os bens jurídicos dignos de
tutela penal.
§ Isto corroborou consagração expressa ao nível da CRP e, mais
concretamente, no ART. 18º nº2 CRP (princípio da
proporcionalidade, em sentido amplo).
• Grosso modo, o artigo refere-se a que os dtos
fundamentais só podem ser objeto de restrição quando tal
se mostre NECESSÁRIA à preservação de outros dtos
fundamentais também constitucionalmente tutelados.

o Ao incriminar uma conduta o legislador está a proibir a sua prática.


Nessa medida está, desde logo, a restringir a liberdade dos cidadãos, que
é um dto fundamental.
§ Por outro lado, quando alguém pratica um crime e se aplica uma
sanção penal, não se poderá esquecer que essas são as sanções
mais GRAVOSAS do ordenamento jurídico, as mais evasivas da
esfera jurídica do particular.

o Embora o ART. 18º nº2 não se restrinja ao DP, uma vez que é um
princípio elementar no ordenamento jurídico, aplica-se e tem aplicação
direta no DP e traduz a ideia de que a intervenção do DP deve ser restrita
ao nível indispensável à convivência comunitária.

Ø Deste princípio da proporcionalidade resultam duas notas essenciais para


caracterizar a intervenção do DP:
o Dignidade penal à momento axiológico e valorativo, que aponta para
restrição da tutela penal aos bens jurídicos mais importantes, essenciais.
§ No entanto, mesmo nesses bens, o DP só deverá intervir quando
estejam em causa lesões graves ou colocações em perigo graves
desse mesmo bem jurídico.

o Necessidade de pena à Isto não basta para caraterizar o âmbito de


intervenção do DP. Mesmo quando estejam em causa bens jurídicos com
dignidade penal e lesões graves desses mesmos bens jurídicos, o DP só
deverá intervir quando for NECESSÁRIO – exigência direta do próprio
princípio da proporcionalidade em sentido amplo.
§ Em primeira linha, o legislador ordinário deverá optar por
sancionar a conduta através de outros ramos de direito menos

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rebeldes que salvaguardem esse bem jurídico, devendo só
socorrer-se do DP em última instância.

Se o legislador ordinário não respeitar estes dois princípios, seja o da


dignidade penal, seja o da necessidade de pena, a lei deverá ser considerada
inconstitucional, à luz do ART. 18º/2 CRP.
Estas duas ideias, devem intervir cumulativamente na delimitação do âmbito
dos bens jurídicos e das condutas atentatórias de bens jurídicos relevantes.
Fala-se a este propósito do carácter subsidiário da tutela penal.
o Quer isto dizer, como resulta do próprio princípio da
proporcionalidade, o DP só deve intervir como última ratio, em
última analise, quando as sanções dos outros ramos do dto se
mostrem – insuficientes ou inadequadas – para acautelar os interesses
em causa, mesmo estando presentes bens jurídicos com dignidade
penal.
Por outro lado, do carácter fragmentário da tutela penal.
o Pretende-se com isto dizer que é uma recorrência da ideia da
subsidiariedade da intervenção penal.
O DP não tem o objetivo de regular toda a vida em sociedade, nem
tem o objetivo de regular, na totalidade, um determinado setor de
atividade.
Pelo contrário, o DP intervém em todos os setores de atividade social
e, por esse motivo, se ouve falar em: DP económico; DP financeiro;
DP da circulação rodoviária; DP aéreo, etc.
O DP só intervém na tutela de um concreto bem jurídico quando
estejam em causa lesões graves do mesmo e que não possam ser
acautelados através de sanções de outro ramo do dto.
Ex.: condução sob efeito de álcool à só quando há 1.2 g/l de álcool no
sangue é que há criminalização da conduta. Repare-se que o bem
jurídico-meio é sempre o mesmo: segurança rodoviária. No entanto, nos
casos em que o individuo se encontre abaixo dessa taxa de alcoolémia, o
legislador considerou que bastavam sanções de outro tipo,
nomeadamente, contraordenacionais – ART. 291º; 292º CP.
Bem jurídico-meio: protege-se este bem jurídico, p.e., porque este irá levar a
que haja menos acidentes e, consequentemente, menos ofensas à integridade
física, menos violações do dto à vida, etc.
Prendendo-se com a condicionalidade histórico-social dos bens jurídicos, que depende
da estrutura da sociedade, da evolução das conceções, das mundividências observáveis,
a consideração do bem jurídico com essencial ou não essencial, temos a referência aos
fenómenos da descriminalização e da neocriminalização.

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Ø Quer isto dizer, o crime está sujeito a uma condicionalidade histórica, no espaço
e no tempo, basta folhear um livro de história para se ver crimes que foram
outrora considerados crimes e que agora não o são.
Ex.: vender cães e gatos; determinadas classes sociais vestirem-se com trajes
próprios das classes superiores; adultério.
o Descriminalização à conduta que antes era crime e, fruto da evolução
social, deixa de ser considerada crime.
§ Pode conhecer 2 formas à Ser uma descriminalização em:
• Sentido estrito à quando a conduta tinha relevância penal
e passa a ser licita
• Sentido impróprio à é o mesmo que despenalização –
conduta deixa de ter relevância penal, mas passa a ter de
outra forma, p.e., contraordenacional.

o Neocriminalização à assiste-se ao fenómeno de novas condutas que


passam a ser considerada crime, fruto da evolução social.
Ex.: crimes ecológicos; crimes contra animais.
Tudo isto se encontra relacionado com a dimensão histórico-espacial dos bens
jurídicos, uma vez que o bem jurídico é expressão daquilo que é importante num
determinado momento e numa determinada coletividade, para convivência
comunitária e da realização da pessoa.
o Fruto dessa condicionalidade, a evolução do DP numa certa perspetiva é
uma sucessão de descriminalizações seguidas de neocriminalizações.
§ Tudo isto deve ser feito com base nos princípios enunciados. i.e.,
através da consideração cumulativa pelo legislador ordinário
sempre que está a definir matéria penal: das características da
dignidade penal e da necessidade de pena. Sendo que daqui
resultam as tais características da tutela penal: subsidiariedade
que é uma recorrência direta do pp da proporcionalidade em
sentido amplo (ART. 18º nº2), e por outro lado, a característica
da fragmentariedade da tutela penal.
Os bens jurídicos essenciais que o DP tutela são também objeto de tutela de outros
ramos do dto.
Ø Sendo assim, aparecer-nos-á a questão de onde é que reside a diferença no DP.
o Com esta definição, definimos o âmbito de intervenção, mas não o
sentido específico da tutela penal.
Ex: a morte dá lugar a aplicação de uma pena no âmbito do Direito
Penal, mas também de uma indeminização no âmbito do Direito Civil.
o Tanto o Direito Civil como o Penal, intervêm para proteger o património
e a vida, mas protegem à luz de terminologias diferentes.
o Verdadeiramente, a diferença do DP prende-se com duas funções da
ordem jurídica.
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§ Quer isto dizer, o que distingue o DP não é só a definição do
âmbito, mas também a perspetiva (sentido) de intervenção dessa
tutela.

Desde há muito, os autores reconduzem o desempenho do dto da ordem


jurídica na sua globalidade a 2 funções nucleares.
Hans Welzel (maior penalista da atualidade) procedeu à formulação da
ideia de regulamentação da vida social através do Direito, considerando
que se desdobra de 2 funções:

ü Função de CONFORMAÇÃO ou ORDENAÇÃO


o Função da justiça distributiva - A vida em sociedade propicia a
todos e a cada um de nos um conjunto de vantagens, mas
também de desvantagens.
§ Portanto, a 1ª função do dto é repartir os benefícios, mas
também os riscos e os encargos da existência coletiva
por todos os cidadãos.

o Desta feita, está a definir a esfera de liberdade/jurídica de cada


cidadão - quais os seus direitos, os ónus e os deveres.

o As normas que delimitam esse quid chamam-se NORMAS DE


VALORAÇÃO – são normas que distribuem e delimitem as
esferas de intervenção, aquilo que cada um tem direito.
§ Normas de valoração são puros juízos de valor, é uma
norma que define a tal situação social conforme a justiça
distributiva.

§ Esta norma de valoração, ao definir a situação conforme


à ordem de justiça distributiva, à ordem de repartição de
bens, é violada sempre que houver uma alteração dessa
ordem de justiça distributiva.

o Por isso, o ilícito ou injusto, como contrariedade à norma de


determinação, traduz-se precisamente nessa situação objetiva
em que alguém está ou a receber mais do que deve ou a receber
menos do que deve, à luz dos tais critérios de justiça
distributiva.
§ O ilícito e o injusto são o desvalor de resultado, sempre
que alguém está a receber a menos ou a mais à luz de
critérios sociais.
§ Já as sanções, visam colmatar estas situações e reparar a
situação, levando à reposição da situação original.

o No fim de contas, esta é a perspetiva do Dto Privado.

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§ Quer isto dizer, o que o Dto Privado pretende é definir
os dtos e os deveres, aquilo a que cada um tem direito
na vida social.

o Posto isto, sempre que alguém sofre um atentado à sua esfera


jurídica ou, pelo contrário, está a receber mais do que o que
deve, as sanções do dto privado traduzem-se em tentar repor a
situação de repartição de bens anterior à lesão, i.e., o que
interessará aqui será então o desvalor do resultado.
§ Por mais censurável que seja a conduta, se não produzir
um dano, um desvalor do resultado, não terá relevância
para o Dto Privado.
Ex.: A dispara sobre B, falha o tiro. Além do mais B estava de
costas, sendo surdo, nem sequer se assustou. De facto, a
conduta é censurável, mas não afetou minimamente a esfera
jurídica da vítima.

o Nesta mesma função inclui-se, p.e., o Dto Administrativo.


§ Agora como ramo de dto público, o DA que também
intervém nessa definição da ordem de justiça
distributiva, agora numa perspetiva de compatibilização
dos interesses público-privados.
Ex.: A tem um terreno. A verdade é que numa primeira linha se irá
ter tendência por se cingir ao CC, porém teremos que ter em conta
outras questões como: será que se poderá contruir nesse terreno –
CC não nos esclarece sobre esta questão, tendo que se recorrer ao
DA; que tipo de construção se pode optar; quantos andar posso
contruir; etc.
§ Indo mais longe no âmbito do Dto Administrativo,
atente-se no seguinte:
Ex.: imagine-se que A se sente inseguro e decide que a melhor
opção será andar armado. A terá certamente que seguir certos
regulamentos no que toca a essa matéria, como ter uma licença
para uso e porte de arma; existem certos requisitos que contendem
com a compatibilização do interesse privada da pessoa que quer
andar armada e com os interesses de natureza pública; etc. à
Quem define estes requisitos é a Lei administrativa.
Ex.: rendimento mínimo garantido –atendendo à sua dignidade
como tal, não interessando se a pessoa caiu na indigência por
culpa própria. Parte-se da ideia de que há um mínimo
indispensável imposto pelo respeito da dignidade humana, para a
sua subsistência.

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o Resumindo, os ramos de dto que se encontram nesta função,
visam a tal repartição de bens, dos riscos, benefícios e encargos
da existência coletiva. No fim de contas, a definição da esfera
da ação, da liberdade de cada um, a esfera jurídica (dtos, ónus e
deveres).

o No entanto, o DiP não se esgota nesta função de mera


repartição dos benefícios e encargos, de justiça distributiva,
porque importa proteger a ordem de futuras violações.

ü PROTEÇÃO ou GARANTIA
o Cumpre-se através do estabelecimento de NORMAS de
CONDUTA ou DETERMINAÇÃO.
§ São normas que pretendem comandar/impor o
comportamento futuro das pessoas.
§ Tem uma estrutura de imperativos, de deveres.
Ex.: não mates; não furtes; não roubes.
o No fim de contas, são normas que têm como objeto de proteção
a própria ordem de justiça distributiva, i.e., os bens jurídicos
definidos nessa função de ordenação ou conformação.
§ Justifica-se que assim seja, uma vez que se uma pessoa
arriscasse seria perder aquilo com que indevidamente se
locupletou, aquilo que indevidamente retirou a outrem,
então valeria a pena tentar.
§ Quer isto dizer, se não existissem sanções a única coisa
que perderia seria aquilo que indevidamente se
locupletou.

o Em ordem a essa a essa proteção dessa justiça distributiva, i.e.,


dos bens jurídicos que integram a ordem de justiça distributiva,
surgiu esta função de proteção ou garantia, em que as normas
têm natureza de comandos, imperativos, deveres, dirigidos ao
cidadão, e tendentes a comandar p seu comportamento futuro,
impondo-lhe o respeito por esses mesmos bens jurídicos.

o Aqui o núcleo do ilícito, já não será o resultado, uma vez os


ramos que aqui intervêm já virão tarde demais. – desvalor da
ação.
§ A única coisa que este ramo do dto atua é com os olhos
postos no futuro, para que no futuro não se voltem a
praticar atentados a bens jurídicos.
§ Ora, é esta precisamente a função do DP – tem uma
função prospetiva, no sentido de inculcar na sociedade o
respeito por aquelas mesmíssimas normas.

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o As normas de determinação têm uma função PREVENTIVA,
ou seja, visam a que no futuro não se pratiquem crimes, i.e., se
lesem bens jurídicos.
o Esta norma de determinação tem como destinatários exclusivos
as pessoas humanas, uma vez que só faz sentido impor
determinadas condutas em relação a destinatários que têm a
liberdade de obedecer ou desobedecer.
§ Precisamente por isso, o núcleo do ilícito, nos ramos
jurídicos que se incluem nesta função, residem na
negação da própria norma, da desobediência à norma.
§ Por isso, o núcleo jurídico está no desvalor da ação.

o O DP pertence, a par de outros ramos jurídicos como o Dto de


ordenação social ou dto disciplinar, a esta mesma função.
§ O penalista ou o juiz quando está a aplicar uma pena,
não estará a compensar a vítima, porque para isso
temos, p.e., a figura das indeminizações do dto civil.
• Quer isto dizer, não pretende restaurar a ordem
de justiça distributiva.

§ Então, quando aplica uma sanção, o juiz está a preservar


a própria vigência da norma para o futuro.

o Como Welzel dizia, no âmbito do DP, deve-se distinguir entre:


§ Objeto de proteção da norma – é o concreto bem
jurídico.
Ex.: não mates o bem jurídico fundamental; não furtes o
bem jurídico fundamental; não sequestres o bem jurídico
fundamental.
è É isto que o DP está a tutelar?
§ Não, o DP chega tarde demais e não apaga da
ordem dos factos a conduta praticada.
§ Por outro lado, compensar os interesses das
vítimas, dos ofendidos, é tarefa do Dto civil.

§ Objeto de proteção da sanção – é a própria norma.


O DP cumpre para que a norma não venha a ser violada no
futuro.
Por isso, a tutela penal de bens jurídicos é, como dizia
Welzel, indireta. É através da proteção da norma que se
faz com que, no futuro, se violem menos essa norma e,
consequentemente, menos bens jurídicos.
o O núcleo do ilícito está, por isso, no desvalor da ação.

16
o É por isso que no DP a tentativa releva.
§ A tentativa traduz-se na prática de atos que são idóneos
para produzir a consumação de um crime, mas que, por
motivo estranho à vontade do agente, não atingem essa
mesma consumação.
Ex.: A tenta assassinar B, mas por um motivo estranho à sua
vontade, falha. O ato visava consumar o homicídio.
o No âmbito do Dto Privado, ou no âmbito dos ramos jurídicos
que se incluem na função de conformação ou ordenação, na
medida em que não produziu nenhum dano, não afetou a
esfera jurídica de ninguém e, dessa forma, não alterou a
ordem de justiça distributiva, esta é uma conduta indiferente.
§ Já para o DP, a conduta releva porque o que está em
causa não é a tutela dos bens jurídicos concretos, mas
sim a tutela da própria vigência da norma.

Na grande maioria dos casos, a consumação do crime exige também o


dano.
è Este desvalor do resultado só releva se for uma consequência do
desvalor da ação.
è Por outro lado, existem muitas situações em que o DP não exige o
desvalor do resultado.
Ex.: tentativa e a tentativa, por definição, não conduz a qualquer dano
de bem jurídico.
Nota:
v Crimes de perigo – nestes crimes consumam-se, precisamente com a
simples colocação do bem jurídico em perigo.
o Relevam para esta função de proteção ou garantia.
Ex.: condução sob efeito de álcool; participação em rixa.

v Ao contrário dos crimes de dano que, para estarem consumados, é


necessário ver-se verificado o desvalor do resultado, a lesão efetiva
do bem jurídico.

o Posto isto, o núcleo do injusto, do ilícito com o núcleo do


injusto de todos os ramos jurídicos que se incluem nesta 2ª
função de proteção ou garantia, encontra o seu núcleo no
desvalor da ação.
o Assim sendo, há uma congruência entre a natureza da norma
(norma de determinação) e a negação desta norma, que se

17
traduz na desobediência a esta norma, independentemente do
desvalor no resultado.

ü Concluindo:
o Assim, percebe-se o porquê de num processo o arguido ser
simultaneamente responsabilizado a título do dto civil e no
campo penal.

o Segue-se, assim, o conceito material de crime:


§ Este não é a pura e simples lesão de bens jurídicos.
• Por outras palavras, o conceito material de crime, nesta
ótica, traduz-se numa conduta humana, violadora de uma
norma de determinação, que tem por objeto a tutela de um
bem jurídico essencial.

§ O seu núcleo está no desvalor da ação. à Precisamente por isso o


DP conduz condutas, que violam a norma, independentemente de
elas produzirem o resultado, i.e., efetiva lesão do bem jurídico.

Nota:
Deve ter-se em conta que podem surgir lesões dos bens jurídicos por
acontecimentos produzidos pela própria natureza, sendo que nenhum
desses acontecimentos releva para o dto.
O problema dos fins das reações criminais

Ø Caracterizando materialmente o DP, mas lado da sanção, o tal segundo ponto da


definição formal de DP, com a qual se começou o curso.
o Posto isto, no que tocas às finalidades do sentido material da punição
jurídico-criminal, seguir-se-á o caminho clássico dos manuais.
o Historicamente, surge como o problema do fim das penas, mas
verdadeiramente, já se sabe que as sanções podem ser penas ou medidas
de segurança.
§ Por isso, será mais correto falar de fins do sancionamento
criminal em geral.

Ø Costumam-se distinguir 2 grandes teorias ou modos de ver as finalidades do DP:


o Teorias absolutas – ligadas, essencialmente, às doutrinas de retribuição
ou de expiação; não é uma teoria de fins;
o Teorias relativas – é uma teoria de fins.

ü Teorias absolutas

18
o São as teorias ético-retributivas, i.e., que vêm a pena como
um fim em si mesmo, como uma exigência de justiça em si e
por si.
§ A sanção não é um meio de defesa social, não é um
instrumento em si, mas sim um meio de justiça.
§ Kant dizia que era um imperativo categórico, mesmo
que a pena não tivesse nenhuma utilidade, deveria ser
aplicada em homenagem ao imperativo categórico da
justiça.
• “quando a justiça desaparece, não tem mais
valor que os homens vivam na terra”.

Ë Hegel defendia uma conceção diferente à associava o


crime como uma negação do dto e a pena como
negação da negação, sendo que seria uma espécie de
“anulação do crime”, mas que o crime continuaria a
valer por si, sendo que isto levaria a um
“restabelecimento do dto”.

o Em linguagem corrente a ideia da retribuição traduz-se no


seguinte:
§ Da mesma forma que achamos que um
comportamento meritório deve caber um premio,
também um comportamento censurável, negativo, que
atente contra bens jurídicos essenciais, deve ser
castigado, embora não seja sempre reconhecido dessa
forma.

o Por isso, é um fim em si mesmo. Dessa forma, a pena deve


retratar, reproduzir, o mal do crime., i.e., é a justa paga pelo
crime.
§ No fim de contas é aplicar ao criminoso um mal
proporcional equivalente ao mal que ele realizou com
o seu crime.
• Podemos dizer que esta teoria foi quase que
“ímpeto” do princípio de talião “olho por olho
dente por dente.”

o Por outras palavras, as teorias ético-retributivas fazem


funcionar o DP com os olhos postos no passado.
§ Por este motivo se diz que para as teorias ético-
retributivas o crime é PRESSUPOSTO e MEDIDA da
sanção.
§ Pressuposto, porque sem crime, não há pena sem
crime – “Nulla poena, nullum crimen”.

19
§ Medida, porque a sanção deve ser proporcional à
prática do crime. Uma proporção que não na espécie,
uma vez que não se aplicam penas, como p.e., aquele
que matou era morto.

Como é que determina a gravidade • É uma proporcionalidade axiológica, nos


do crime, que é também critério da termos em que a pena reproduz à luz das
medida da sanção?
conceções sociais um mal equivalente ao mal
è Através dos conteúdos de que o crime representou para a sociedade.
ilícito e de culpa, que se
vazaram/concretizaram
naquele concreto período.

ü Ilícito à exprime o desvalor objetivo do ato,


sendo nesse sentido que se pode dizer que o
ilícito do homicídio é sempre mais grave que o
ilícito do furto.
No entanto, a gravidade do crime não se esgota no
ilícito, mas também na culpa.
ü Culpa à é o juízo de censura dirigido ao agente
que praticou aquele crime quando podia não o
ter praticado, sendo da consideração cumulativa
dos conceitos de ilícito e de culpa que deriva a
avaliação da gravidade de cada concreto crime.

o Esta doutrina não tem tido muitos seguidores.


§ Entre nós, o grande defensor desta doutrina foi o Dr.
Eduardo Correia.
• Hoje em dia, o Dr. Faria Costa também aponta
no sentido ético-retributivo.

§ Não é a posição adotada no âmbito do curso, nem pelo


Prof. Dr. Almeida Costa.

§ Deve ser recusada pelo facto de, nos dias de hoje, nos
integrarmos no âmbito de um Estado de Dto, pelo que
se deve limitar a proteger bens jurídicos, sendo que

20
não se pode servir de uma pena conscientemente
dissociada de fins, como esta doutrina advoga.
• Assim como pelo facto de ser uma «doutrina
puramente social-negativa», i.e., acaba por se
revelar como que “inimiga” da socialização do
delinquente e de restauração da paz jurídica da
comunidade afetada pelo crime.
• Como diz o Dr. Figueiredo Dias: “inimiga, em
suma, de qualquer atuação preventiva e, assim,
da pretensão de controlo e domínio do
fenómeno da criminalidade.”

ü Teorias Relativas ou Preventivas


o Estas teorias pretendem aproveitar o ato de punição do
criminoso como meio de prevenir/evitar futuros crimes.

o Só que, embora todas partam este pressuposto – a pena não é


um fim em si mesmo, mas sim um meio de defesa social
contra a criminalidade, os autores que optam por esta via
dividem-se em 2 ramos:
§ Prevenção Geral;
§ Prevenção Especial.

v Prevenção geral
o Consiste no facto de os autores verem a pena como
meio de defesa social, mas dizem que essa defesa
social opera atuam sobre a GENERALIDADE dos
cidadãos, sobre os potenciais delinquentes.
o Autores, como Feuerbach – “o pai do dto penal
moderno”, que elaborou a Teoria da Coação
Psicológica, entendendo que o Homem age por
sentimentos de dor e de prazer, assim, se se quer
afastar o homem da prática do crime tem de se aplicar
uma pena que provoque um desprazer maior, isto é,
contra motivações derivadas do conhecimento do mal
da pena.

Esta teoria funcionaria em 2 momentos:


è Momento da ameaça – este serial o momento
primacial/ da lei, o momento em que o
legislador “ameaçava” os potenciais
delinquentes.
è Momento da execução – momento secundário,
seria a confirmação da ameaça completada no
preceito criminal.

21
§ Para esta doutrina, a pena seria um meio de defesa
social que atuava sobre todos os potenciais
delinquentes. Isto fazia que com que o crime
continuasse a ser pressuposto, mas já não medida da
sanção.

o É compreensível que segundo esta teoria um crime de


pequena ou media gravidade viesse a ser sancionado com
penas muito graves, se houvesse um recrudescimento da
prática de certa conduta censurável, i.e., daqui, em último
termo se admita que em determinadas conjunturas sociais –
p.e., o aumento da criminalidade num dado setor – se
apliquem sanções que vão além do que seria proporcional
relativamente ao crime, com o intuito de defender a
sociedade.
§ Vislumbra-se aqui um elemento utilitário que
instrumentaliza o condenado, na medida em que
transforma aquele concreto delinquente numa
ferramenta de intimidação geral.

v Prevenção especial
o A pena continua a ser um meio de defesa social contra
o crime, simplesmente devia operar sobre o concreto
delinquente. i.e., sobre a pessoa que, porque já
praticou o crime, por isso mostrou ser capaz de no
futuro voltar a praticar crimes, deixava antever a
necessidade de se atuar sobre ele para evitar que
pratique futuros crimes.

o Tendo como foco o acima exposto, podia traduzir-se


em 3 modalidades:
ü Intimidação individual à deve aplicar-se ao
delinquente uma pena muito severa para que, com
o medo da pena, não o volte a praticar;
Nesta vertente a prevenção especial pode traduzir-
se em regimes sancionatórios muito mais severos,
como se demonstraram os Estados com um regime
polícia.

ü Incapacitação à a sanção vai limitar o espaço de


liberdade do agente que se mostrou ser perigoso,
restringindo-se a capacidade de ação nos setores de
atividade em que demonstrou ser perigoso.

22
Ex: pedofilia, retirar-lhe o poder paternal, impedir
de ser professor de casas de menores, etc.
O que se pretende não é converter os valores do
criminoso, mas apenas retirar-lhe a possibilidade fática
de voltar a praticar crimes. à Prevenção especial
negativa (intimidação individual ou incapacitação).

A ressocialização deve resumir-se à ü Prevenção especial positiva – é a chamada


pura prevenção de reincidência, ressocialização/reintegração social dos
devendo haver o mínimo de delinquentes, a vertente mais humanista e
intervenção. O que está em causa é solidarista do moderno Estado de Direito.
preparar o delinquente para que no O que está em causa é dar ao delinquente, através
futuro não reincida e não volte a do cumprimento da pena, as condições para que no
delinquir. futuro possa viver em liberdade sem praticar
Houve uma perspetiva do séc. XIX crimes.
para o XX, da Escola Positiva Italiana Não se fala em regeneração moral ou converte-lo
e Escola Alemã (foram as num santo/sábio/herói, é mais modesto, pretende-
orientações extremas da prevenção se apenas que passe a viver sem violar as
especial), no âmbito o positivismo condições mínimas à convivência comunitária – o
naturalista e do monismo onto- Direito Penal não tem a ver com a tutela de uma
epistemológico do positivismo que moral ou teologia, nem tem a capacidade de
negava a liberdade individual,
regeneração moral, daí que não se deva de impor à
considerando-a uma aparência,
dominava um postulado fortemente
lei objetivos que ela não pode cumprir.
determinista: certas pessoas
nasceriam causalmente pré-
determinadas para a prática do crime
à negavam a liberdade humana.

Assim, o comportamento humano estava entregue à causalidade,


sendo a conduta humana condicionada como qualquer fenómeno

23
natural, apenas mais complexa, mas o princípio subjacente era o
mesmo.
Deste modo, negavam a liberdade humana e, assim, a culpa,
falando então em PERIGOSIDADE.
Consideravam que haviam pessoas condenada a praticar o crime,
o homo delinquente e que era necessário através de meios
científicos descobrir quais eram essas pessoas e Lombroso (“Pai”
da Escola Positiva Italiana) apontava algumas configurações
físicas, associadas a comportamentos que considerava identificar
potenciais delinquentes.
Posto isto, pretendia-se atuar antes da prática do crime para
proteger a comunidade e as sanções teriam uma natureza médica,
que acompanhariam a evolução do delinquente e só quando está
curado cessava, havendo assim uma indeterminação temporal.
Desta forma, no julgamento deveriam intervir não apenas juristas,
mas também peritos das ciências sociais, médicos, criminólogos,
biólogos, etc.
Esta é uma orientação extrema e sem expressão. É uma
caricatura do que conduz ao extremo uma prevenção especial – o
crime já nem é pressuposto nem medida, porque o ideal até era
atuar antes do crime. à Pena indeterminada – medidas em
função da perigosidade à Faz um juízo incerto.

Ø Importa sublinhar 2 aspetos:


o Não se pense que esta sequência – de teorias absolutas; ético-
retributivas; etc; – corresponde a uma qualquer sequência temporal
histórica, são doutrinas que se foram repetindo ao longo da história.
o Ver-se-á que não há teorias puras, salvo raras exceções como o caso da
Escola Positiva Italiana.
§ Tanto a doutrina como a legislação se viram forçadas a combinar
estes 3 fins das penas.

Ø Bibliografia: Tít. I, Cap. II, 2. e 3. - E. Correia, ob. cit., pp. 39-66, e J.


Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 43-64 e 78-105.

Ø Análise das insuficiências de cada um destes pontos de vista, quando


isoladamente considerados:
o Críticas à Doutrina ético-retributiva
§ Problema de a retribuição, em última análise, na ideia da
liberdade humana, só se poder retribuir/ censurar alguém pelo
facto quando a pessoa for livre de o praticar ou não.

24
• A liberdade humana é um pressuposto cientificamente
indemonstrável, pelo que as doutrinas ético-retributivas
tomam por base esta ideia indemonstrável, não sendo uma
base segura para a construção do DP.

Do ponto de vista do Prof. Dr. Almeida Costa não é uma crítica procedente,
porque o problema da liberdade humana não é um problema de prova
científica.
O problema liberdade é um problema de adesão, tendo que ver com a
mundividência e a compreensão última do homem e da sociedade.

§ Mais importante é a crítica relativa ao próprio pensamento da


retribuição. Um mal não justifica outro mal; um castigo por um
castigo é, no fim de contas, um afloramento ou uma
reminiscência da velha ideia da vingança privada, mitigada com a
referência à proporcionalidade axiológica, aos imperativos
categóricos, entre outros.
• Pese embora seja humanamente compreensível – não se
querendo dizer que seja louvável – que, perante um
ataque a si ou a alguém que lhe seja próximo, a pessoa
tenha a REAÇÃO imediata do desforço, da VINGANÇA.
o Ora, isto não pode ser a base da justiça penal, no
quadro de um Estado de Direito.

• A retribuição, no fim de contas, legitima a repetição do


crime na pessoa do autor.

• Isto ao quer dizer que a ideia da retribuição não tenha


tido, ao longo da história, um papel importante.
o Ficou-se a dever às doutrinas ético-retributivas a
acentuação da ideia da justiça.
§ A ideia de que a pena não pode ultrapassar
a proporcionalidade com o crime.

o Portanto, a ideia da justiça como limite a todas as


possíveis arbitrariedades do Estado.
§ (justiça como limite do sancionamento,
imposta pelo respeito pela dignidade
humana).

o No entanto, é diferente assumir a retribuição como


fundamento da própria pena.
§ i.e., a admissibilidade da pena como justa-
paga.

25
§ As doutrinas ético-retributivas têm deficiências no plano
prático.
• Para as doutrinas ético-retributivas o crime é pressuposto
e medida da sanção.
o Isto significa que a sanção deve conter um
quantum sofrimento proporcional
axiologicamente.

• GRAVIDADE do CRIME mede-se pelos conteúdos de


ILÍCITO e de CULPA que se vazam / concretizam nesse
fim.
o Significa que quanto mais culpado é o agente,
mais grave é o crime, mais grave pode ser a pena.
o Quanto menos culpado, menos grave é o crime,
menos grave deverá ser a pena.

• Isto suscita problemas no âmbito da chamada


“Criminalidade especialmente perigosa”, i.e., nos
chamados delinquentes de etimologia endógena.
o São os criminosos por tendência, profissionais e
habituais.
§ Têm uma especial tendência para delinquir
(que os arrasta para o crime).

o São menos livre que o Homem comum na prática


do crime, porque têm essa condicionante
endógena, o que significa que são menos culpados.
§ Sendo menos culpados, o crime é menos
grave, consequentemente, a pena deverá
ser menos grave.
§ O mesmo se diga dos inimputáveis – como
não são passiveis de culpa, por definição,
por isso não havia sanção.

• Posto isto, a pura lógica do pensamento ético-retributivo


levaria a que se aplicassem aos criminosos MAIS
perigosos, sanções MAIS leves.
o Com isto, deixava-se a sociedade inerme, indefesa,
em relação aos criminosos/ imputáveis
especialmente perigosos.

• Para colmatar este mal, os adeptos da doutrina ético-


retributiva vêm-se forçados a chamar em seu auxílio,
medidas de segurança.
o Sanções que são de pensamento da prevenção
especial.

26
o No fim de contas sanções criminais que visam
defender a sociedade, em face da perigosidade do
delinquente.

• Ao chamar em seu auxílio o pensamento da prevenção


especial e das medidas de segurança, a própria doutrina
ético-retributiva está a reconhecer a sua incapacidade,
insuficiência para dar uma resposta a todos os problemas
da criminalidade, nomeadamente, neste setor dos
criminosos especialmente perigosos, habituais e
profissionais.

o Críticas à Teoria da Prevenção Geral


§ Desde logo, estabelece-se a critica que esta doutrina, sem
quaisquer limites axiológicos, assenta numa lógica de meio-fim.
• O critério da sanção é a necessidade de intimidação.
o Isso leva, ou pode levar, ao estabelecimento de
penas demasiado severas, brutais, atentatórias da
dignidade humana e, por isso, indignas/
inadmissíveis no quadro de um Estado de Dto.
§ É o chamado “Direito Penal do Terror”.

• Sem dúvida que a intimidação é importante.


o Há pessoas que respeitam as normas
espontaneamente, outras só por intimidação.

• Para isso basta a sanção conforme à justiça.


o Aqui temos, desde já, uma insuficiência prevenção
geral, agora no plano axiológico, que se torna
inadmissível a menos que vá buscar o limite da
justiça (da proporcionalidade com a gravidade do
crime), que foi uma aquisição histórica das
doutrinas ético-retributivas.

§ Um DP brutal e injusto pode levar a movimentos de


SOLIDARIEZAÇÃO para com o criminoso.
Ex.: caso de uma cidadã portuguesa, de Macau, que foi condenada
à morte na Malásia por trafico de droga.
É comum à maioria a “condenação” da prática do tráfico de
droga, pelos nefastos efeitos sociais que tem. Todavia, naquele
caso levantou-se um clamor da sociedade em geral, contra a
brutalidade da sanção no caso.
• Com isto, vê-se que a brutalidade das sanções conduz
precisamente ao oposto que a prevenção geral pretende.

27
o A Prevenção geral pretende criar o horror ao crime
à unir sociedade conformista contra o desviante
do criminoso.

§ Prevenção Geral assenta num EQUÍVOCO – O pensamento


aponta que o pensamento da prevenção geral está ligado à
brutalidade das penas, quando investigações empíricas vieram
demonstrar que não é o caso – efeito de habituação social.
• A pena deve ter um conteúdo de sofrimento, mas para
desencadear o efeito preventivo geral, basta a pena
conforme a justiça.
• As tais investigações empíricas vieram demonstrar que,
no curto prazo, a gradação das penas tem, sem dúvida,
efeito de intimidação geral – baixa as taxas de
delinquência.
o No entanto, no curto-médio prazo voltam às taxas
anteriores devido ao fator de habituação social.

• Isto produz efeitos nefastos na medida em que uma


sociedade que se habitua à brutalidade das penas é uma
sociedade mais violenta.
o Por esse motivo, mais criminógena.

• Também por esta via se demonstra que a Prevenção Geral


na sua estrita lógica de fazer assentar um efeito
intimidativo geral, na pura gravidade das penas, acaba por
chegar a resultados contrários aos desejados.

• Quanto à EFICÁCIA da intimidação geral, as


investigações vieram demonstrar também que o efeito
intimidativo geral depende menos da brutalidade das
penas do que da eficácia das instâncias formais de
controlo.
o Polícia – a investigar bem.
o Ministério Público – a acusar bem.
o Tribunais – a julgarem bem.

o Por mais brutal que seja a pena, se as instâncias


formais não funcionam bem à então, há fortes
probabilidades de o criminoso não ser apanhado,
não retirar qualquer efeito intimidativo geral.
Ex.: no séc. XIX, as notas de banco tinham escrito
“quem falsificar este título de crédito, será punido
com pena de morte”.

28
Com efeito, o falsificador, para fazer uma nota igual
às notas verdadeiras tinha de copiar essa frase – e não
há pena mais grave do que a pena de morte. Todavia,
o falsificador continuava a copiar, porque as
instâncias de controlo funcionavam mal e havia uma
forte probabilidade de não ser apanhado.

• A eficácia intimidativa geral – e que é necessária, pois


nem todos respeitam espontaneamente as normas – mas,
para cumprir os seus verdadeiros efeitos tem de ser uma
intimidação DENTRO dos LIMITES da JUSTIÇA à é
uma PENA que NÃO os pode ULTRAPASAR.
o Note-se aqui: a insuficiência da Prevenção Geral,
convoca a ideia da justiça que, historicamente, foi
afirmada pelas doutrinas ético-retributivas.

§ Quando o legislador estabelece uma pena para intimidar a


generalidade das pessoas, adota como parâmetro o homem
médio, o comum das pessoas, estabelecendo a pena que parece
adequada a intimidar a generalidade das pessoas.
• Porém, a pena adequada a intimidar a generalidade das
pessoas não é suficiente para afastar do crime aqueles que
têm uma especial tendência para delinquir.
o Circunstância que, em relação a estes criminosos
especialmente perigosos, leva a que também
prevenção geral, à semelhança do que foi visto
anteriormente a propósito das doutrinas ético-
retributivas, a ter de convocar o pensamento da
prevenção especial.
§ E a admitir a aplicação de medidas de
segurança, apenas norteadas pelos fins da
prevenção especial, relativamente a
criminosos especialmente perigosos.

o Críticas à Teoria da Prevenção Especial Negativa:


§ Vai incidir sobre a perigosidade do concreto delinquente.
• Em si mesma, na sua lógica interna é também uma
doutrina utilitária – os fins justificam os meios.

§ Aqui o problema não o de “DP do Terror” da doutrina da


prevenção geral extrema, mas sim a do “Direito Penal
Terapêutico”.
“DTO PENAL TERAPÊUTICO” “DTO PENAL DE TERROR”

29
- É mais perigoso / insidioso do que o “DP de - Passa aos olhos de todos, há ainda
terror” da Prevenção Geral. a possibilidade de reação da
opinião pública: reação do público
- Passa-se dentro de instituto psiquiátrico, ou na vs a brutalidade das penas.
ala de um Hospital Psiquiátrico – onde estão
internados os criminosos perigosos à passando
FORA do controlo da OPINIÃO PÚBLICA.

- Aponta para a total INDETERMINAÇÃO das


SANÇÕES à enquanto o delinquente se mostrar
perigoso, a sanção perdura e pode levar até a
sanções perpétuas.
. sanção determinada na execução (juiz fixa a
sanção e depois os órgãos de execução da sanção
é que vão adequando a sanção à evolução do
concreto delinquente – analogia com a medicina).
. Esta indeterminação à deixa o delinquente nas
mãos dos serviços de execução – e, portanto, esta
total indeterminação NÃO é COMPATÍVEL com
as EXIGÊNCIAS de CERTEZA, SEGURANÇA,
GARANTIAS dos arguidos e dos condenados
exigíveis por um Estado de Dto.

• Na vertente extrema, sem quaisquer limites axiológicos,


expressa pelo ideal utilitário da Escola Positiva Italiana e
da Escola Alemã, aponta para a admissibilidade de
medidas, tratamentos, atentatórias da dignidade humana.
Ex.: choques elétricos, lobotomias.
• Não é compatível com um Estado de Dto.
o Visto que admite medidas atentatórias da
dignidade humana e pode levar a que as pessoas
possam ficar condenadas para sempre.

• Sendo também necessário apelar-se para:


o JUSTIÇA – ideia exterior à lógica da Prevenção
Especial que, historicamente vai buscar às
doutrinas ético-retributivas.
o ADEQUAÇÃO das SANÇÕES ao CRIME.
o ADEQUAÇÃO das SANÇÕES ao respeito pela
DIGNIDADE HUMANA.

§ O DP Terapêutico aponta para a total indeterminação das


sanções, i.e., enquanto o delinquente se mostrar perigoso, a
sanção perdura.
• Ora, isto pode levar até a sanções perpetuas, à reclusão de
um delinquente de forma perpétua.

30
• A sanção é determinada na execução.
o Os órgãos da execução da sanção é que vão
adequando a sanção à evolução do concreto
delinquente – ligação com a medicina.

• Não é compatível com as exigências de certeza,


segurança, de garantias dos arguidos e condenados,
exigíveis num Estado de Dto.

§ Crítica que tem que ver com as CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS


da doutrina da Prevenção Especial – Critica inversa às outras
doutrinas, quanto aos delinquentes especialmente perigosos. à
recai sobre os chamados DELINQUENTES OCASIONAIS.
• É aquele que não tem uma propensão especial para o
crime, mas que pratica um crime devido a uma
circunstância anómala, de crise na sua vida, excecional e
de difícil repetição.
o O caso típico dos delitos ocasionais são os
chamados delitos passionais.

• Em relação aos delitos passionais, a pura logica da


prevenção especial levava a que o agente não devesse ser
Ora, o pressuposto e
medida do punido.
sancionamento de acordo o Isto porque o fundamento da punição é a
com a prevenção perigosidade.
especial é a o Nos delitos passionais, o delinquente foi perigoso
PERIGOSIDADE. no momento do ato do perigoso, mas deixa de o
ser no momento do julgamento.
§ Só praticaram o crime devido a uma
circunstância excecional, de difícil/quase
impossível repetição.
§ Se não é perigoso, não se aplica pena.

§ Todavia, os próprios autores da prevenção especial extrema,


nomeadamente, Franz von Liszt – o pai e grande líder da Escola
Moderna Alemã, equivalente à Escola Positiva Italiana, que no
virar do séc. XIX para o séc. XX encarnou a tal visão extrema da
Prevenção Especial.
• Veio reconhecer que se houvesse o quantum de pena que
se aplicava sempre ao delinquente ocasional, fosse ele
perigoso ou não, provavelmente daí resultariam resultados
de prevenção geral que evitariam no futuro a prática de
delitos ocasionais.
• O próprio von Liszt que defendia, como ponto de partida,
a total indeterminação das penas, a subordinação pena, da
aplicação e da medida, da modalidade de pena à

31
perigosidade e que, portanto, na sua logica pura, apontaria
para que os delinquentes ocasionais não fossem punidos.
o Em nome desta necessidade de correção da
solução em relação aos delinquentes ocasionais
alterou a sua doutrina.

• Posto isto, veio dizer que a pena deveria ser


indeterminada quanto ao máximo. Porém, quanto ao
mínimo, deve haver sempre um mínimo de pena, que se
aplica seja o delinquente perigoso ou não, em obediência
ao tal objetivo da prevenção geral.
o Demonstra, aqui, Von Liszt, a INSUFICIÊNCIA
do seu próprio PONTO DE PARTIDA.

o Por tudo isto, sumariamente, vê-se com seja atendendo à fundamentação


última da punição, seja atendendo às consequências praticas que
resultam de cada um dos pontos de vista indicados, que eles se revelam
insuficientes para a dar resposta ao problema da criminalidade.
§ Por este motivo, os autores sempre se viram forçados a combinar
um aspeto que se dava prevalência com outros fins das penas.

Ø As primeiras tendências de combinação foram apenas da prevenção, punham de


parte a ideia de justiça e procuravam dar resposta aos problemas da
delinquência, exclusivamente dentro das doutrinas relativas (combinando a
prevenção geral e a prevenção especial). No entanto, também esta conceção
deve ser globalmente recusada, uma vez que negam também à conceção
retributiva legitimidade para entrar na composição das penas, substituindo-o
pela perigosidade, pelo pp jurídico-constitucional da proporcionalidade ou pela
ideia da culpa como mero derivado da prevenção.
o São as chamadas Doutrinas da prevenção integral.
A este propósito referem-se 2:
§ Uma que parte da prevenção geral, para depois a combinar com
exigências da prevenção especial.
§ Outra que parte da prevenção especial para depois a combinar
com prevenção geral.
Doutrinas da Prevenção Integral:
o Conceção de Exner
§ Exner parte da doutrina de Prevenção Geral – finalidade primeira
da pena é a necessidade intimidação geral da sociedade.
§ Todavia, estava ciente da necessidade da tomada em
consideração de aspetos prevenção especial, em relação a certos
criminosos que revelavam uma certa perigosidade.

32
• Por isso, admite que se deve em 1ª linha tomar em
consideração a intimidação geral da sociedade (prevenção
geral).
Porém, aquilo que é adequado à prevenção geral não se
traduz numa medida aritmética exata.
o Em função da prevenção geral, as medidas
adequam-se para os objetivos aquele caso.

• Critério da Prevenção Geral à Não apontava para uma


medida fixa da pena, antes dava um “espaço de jogo”
entre o máximo e o mínimo.
o Se assim é, a medida da prevenção geral abre um
espaço para que possam intervir considerações de
prevenção especial e, dessa forma, colmatar
exigências de prevenção especial, suscitadas pelo
próprio delinquente.

§ Face a esta doutrina, o que se pode dizer é que, à partida, os


delinquentes mais perigosos exigem medidas mais enérgicas, do
que aquelas que estão contidas nesse espaço de jogo da
prevenção geral.
• Acrescenta-se que Exner põe de fora a ideia da justiça, a
exigência da proporcionalidade com a culpa. Não indefere
aqui nenhum fator limitativo ou ius puniendi penal, da
parte da justiça.
• Portanto, aquelas críticas que, em geral, foram dirigidas à
Prevenção Geral tout court (poder levar a um DP de
Terror; só ser colmatável através da exigência da
proporcionalidade) à a doutrina da Prevenção integral de
Exner continua a NÃO DAR RESPOSTA – pelo que,
continua a ser objeto da mesma crítica que dirigimos, em
geral, quanto à possibilidade do DP de terror, do DP
demasiado severo, atentatório da dignidade humana,
inadmissível num Estado de Dto.

§ Não basta combinar a prevenção geral, as considerações dos 3


vetores dos fins das penas são essenciais.
• Falta a consideração da justiça (do limite da justiça),
como garante do respeito da dignidade humana.

o Conceção de Liszt
§ Aqui, parte-se da Prevenção Especial.

33
• A pena é definida, em 1ª linha, de acordo com as
exigências da prevenção especial, ou seja, na base da
perigosidade demonstrada pelo agente.

§ A pena em geral é indeterminada, mas apenas quanto ao máximo.

§ Só que Liszt, tendo em atenção a problemática dos delinquentes


ocasionais, vai corrigir o seu ponto de partida:
• A pena é sempre INDETERMINADA – em nome de
razões de Prevenção Especial – mas há aqui um MÍNIMO
DE PENA que se APLICA SEMPRE, independentemente
de o agente ser ou não perigoso.
o Isto para SATISFAZER EXIGÊNCIAS de
Prevenção Geral e intimidação geral.
E, com isso, dar resposta aos problemas da
delinquência ocasional.

§ A critica a esta doutrina acaba por ser a mesma:


Aqui, mais uma vez, faz • Estabelece-se o mínimo aplicar nas penas, mas e o
FALTA a referência à ideia máximo?
de JUSTIÇA – que, no fim • E quanto aos mecanismos que vão ser utilizados em nome
de contas, é a GARANTIA, da prevenção especial? O tal DP terapêutico? Onde está o
como limite do limite para tudo isso?
sancionamento penal e à
prossecução de quaisquer
objetivos de prevenção –
funciona como um LIMITE,
limite este imposto pelo
RESPEITO DA DIGNIDADE
HUMANA.

o As conceções da prevenção integral estão ultrapassadas, ninguém as


defende, mas servem para sublinhar no que diz respeito:
§ Ao fim das penas, a Prevenção Geral é importante, nem todos
respeitam a normas voluntariamente, muitos deles apenas
respeito por medo da pena;
§ A Prevenção Especial também é importante, há criminosos
especialmente perigosos, com particulares tendências, e a
sociedade tem o dto de se defender.
• No entanto, é imprescindível a ideia de justiça, da
proporcionalidade, que é um limite axiológico, de ius
puniendi penal, e, em última análise, é a garantia do
respeito pela dignidade humana, ao nível desse mesmo
sancionamento penal.

34
o Daí, de novo, um ecletismo nas finalidades das reações criminais.
§ Variam de autores para autores as combinações dos vários fins
das penas.

Conceções que têm particular impacto no universo jurídico


Ø Construção de base ético-retributiva e que era defendida por Eduardo Correia
o Doutrina que hoje está em perda; existem muito poucos defensores.
o Parte da doutrina ético retributiva pura à Encara a pena como um fim
em si mesmo; tem de haver uma proporcionalidade axiológica entre a
sanção e a gravidade do crime (mede-se através do ilícito e de culpa);
§ Significa que quanto mais grave o crime, mais grave a pena;
quanto menos grave o crime, menos lesiva a pena.

o Este autor tomou consciência das dificuldades a que este pensamento


conduzia quanto aos delinquentes especialmente perigosos.
§ Uma vez que este tem uma especial propensão para a prática do
crime, portanto, é menos livre na decisão; se é menos livre, é
menos culpado; sendo assim, a pena deve ser mais leve.
• Significaria que dentro da logica inicial da doutrina ético-
retributiva, ir-se-ia aplicar sanções mais leves,
precisamente aos criminosos mais perigosos e
deixávamos a sociedade inerme.

o Eduardo Correia procura ultrapassar esta dificuldade introduzindo aquela


que denominou de “Teoria da Culpa na formação da personalidade”.
§ É uma ideia só deste autor, é uma ideia geral da filosofia, já vindo
de Aristóteles.
§ Por outras palavras, ideia de que, partindo-se do pressuposto de
que o Homem é livre, a liberdade não se manifesta apenas no ato
em concreto, pelo contrário, à medida em que vamos interagindo
com os nossos semelhantes e com a natureza, há como que um
efeito de feedback sobre a nossa própria personalidade.
• Somos, de certa forma, responsáveis por aquilo que nos
vamos tornando.
• i.e., sem dúvida que a conduta humana é condicionada por
fatores endógenos, exógenos, ou seja, pelo ADN, por
características internas e inatas, mas também pela
educação tida, formação, e meio social em que se vive.

§ Para além destas condicionantes, há um espaço de liberdade em


que o Homem é responsável pelos seus atos, nessa medida,
podendo ser penalizado por eles.
• Só que essa culpa NÃO se ESGOTA no concreto ATO.

35
• No mesmo passo que o Homem interage com o meio
ambiente e com os seus semelhantes à ele vai ganhado
HÁBITOS, TENDÊNCIAS que não vai combatendo
hábitos ou tendências.

§ Posto isto, no que diz respeito aos criminosos especialmente


perigosos (criminosos por tendência, habituais, profissionais)
Eduardo Correia vem dizer que, sem dúvida, no momento do
facto ele menos livre, portanto, menos culpado.
• Porém, o agente é responsável pela tendência, porque não
lutou por ela ou a deixou adquirir.

§ É na base desta ideia, que Eduardo Correia pretende


RESOLVER, na base do seu pensamento ético retributivo, o
PROBLEMA dos CRIMINOSOS ESPECIALMENTE
PERIGOSOS, dizendo:
• Relativamente aos criminosos especialmente perigosos
(criminosos por tendência, habituais, profissionais) à
sem dúvida que, no momento do facto, ele É MENOS
LIVRE – e, portanto, é menos culpado.
o Em relação àquele facto à o agente tem uma
culpa do facto menor – por causa da tendência.
o Só que o agente é responsável pela tendência,
porque não lutou perante ela e a deixou adquirir,
ou pelo hábito.

• Portanto, aquilo que RETIRA a CULPA do facto pela


existência da tendência / do hábito criminal à vai
RECUPERÁ-LO, através da referência da CULPA à
PERSONALIDADE e sua formação.
o Eduardo Correia à gravidade do crime deixa de
ser apenas o ilícito e a culpa do facto, para
considerar também a CULPA DA PESSOA.
§ Desta forma, EC recupera a tal gravidade
do crime, que lhe permite, sem sair do
pensamento da proporcionalidade – entre a
pena e a gravidade do crime – chegar às
SANÇÕES suficientemente graves para
DEFENDER a sociedade.

§ O pensamento da culpa da formação da personalidade é um


pensamento respeitável.
• Para quem parta da ideia da liberdade humana é, de resto,
a única forma de defender a liberdade.

36
§ No entanto, uma coisa é termos isto como explicação filosófica
da liberdade humana.
• Outra coisa é querer transformar isto numa categoria
dogmática.
o Será impossível demonstrar num processo que o
agente tem culpa pelo hábito, que não lutou
suficientemente contra ele, etc.

o Verdadeiramente, e com o respeito devido pela doutrina de Eduardo


Correia, esta doutrina é um esforço de engenharia jurídica, para manter a
congruência/coerência com o ponto de partida ético-retributivo.
§ Desta feita, chegar, sem sair dos quadros da retribuição e da
exigência da proporção da gravidade com o crime e a gravidade
da pena, chegar a uma solução aceitável para os criminosos
especialmente perigosos.

o Não será por acaso que os adeptos das doutrinas ético-retributivas, que
ainda se mantêm hoje, admitem a fraqueza desta via, e pretendem
chamar em seu auxílio o pensamento da prevenção especial, a aplicação
de medidas de segurança.

Ø Teoria da Prevenção Geral Positiva ou de Integração


o Não se confunde com a Prevenção geral clássica e que hoje é
denominada de prevenção geral negativa ou de intimidação.
§ O que esta prevenção geral clássica pretende é a coação
psicológica, criar uma barreira psicológica aos potenciais
delinquentes para que não pratiquem crimes.
• Funciona, portanto, pela NEGATIVA, estabelecendo
LIMITES axiológicos.

o Esta Prevenção Geral Positiva visa atuar sobre a generalidade das


pessoas.
§ É uma doutrina preventiva, porque a pena é um meio de defesa
social, não é um fim por si.
§ É de prevenção geral também, uma vez que atua/pretende atuar,
em 1ª linha, sobre a generalidade das pessoas.
• Só que atua de forma positiva.

§ É chamada de “positiva” ou de “integração”, porque entende


como mecanismo do sancionamento penal com um fator de
reintegração social.
• Para esta doutrina, o fim imediato da pena é a reafirmação
contra fáctica da norma – restabelecimento da paz jurídica
comunitária abalada pelo crime (Finalidade que dá
conteúdo ao pp da necessidade de pena do ART. 18º/2
CRP).

37
o O reforço da vigência da norma violada pelo
crime.
Ou
o A restauração da confiança da comunidade no dto,
de que falava Beleza dos Santos.

• Através da prática de um crime há uma norma – norma de


determinação – que é violada.
o Com isto, a vigência da norma fica afetada, uma
vez que há um desrespeito pela norma e, por
questões de mimetismo social, isso poderá
desencadear outras futuras violações da norma.

• Por isso, o sancionamento penal desta doutrina tem como


1ª função um significado simbólico de reafirmação da
vigência da validade daquela norma.
o Com isso opera-se a RESTAURÇÃO da
CONFIANÇA da COMUNIDADE do Dto.
Ex.: quando um juiz aplica uma pena é como se
estivesse a dizer à comunidade em geral que a
violação da norma está a ser punida, pois trata-se de
uma norma essencial que contende com valores
indispensáveis à convivência comunitária e à livre
realização da pessoa humana.

§ Há aqui uma certa analogia com o esquema tese anti síntese ou


afirmação à negação à negação da negação.
• De resto, não é por acaso que Hegel já apontava nesse
sentido na sua filosofia do dto.
• No entanto, é sobretudo a Escola Hegliana do séc. XIX
defendia uma doutrina de prevenção geral positiva.
o Afirmação/tese – era a norma.
o Negação/antítese – era o crime.
o Negação da negação/ síntese – era a sanção.

§ Este é o sentido essencial ou primário que no quadro da doutrina


da prevenção geral positiva ou de integração se atribui à pena.
• Esta pena assim compreendida vai recobrir todas as
exigências subjacentes aos 3 fins das penas, combinando-
os.

§ Chama-se prevenção geral positiva ou de integração, porque ao


restaurar a norma está a ser um fator de integração social.

38
• Integra de novo o respeito da norma nas conceções da
própria comunidade.

§ Há muitas prevenções especiais (nomeadamente de orientações


funcionalistas, dificilmente compagináveis num Estado de Dto),
mas esta doutrina será dada de acordo com uma vertente mais
humanista.
• Que de resto corresponde à tal matriz dos penalistas
italianos do séc. XIX.

§ Para efeitos do curso, ir-se-á defender esta Teoria da Prevenção


Geral Positiva, entendida nos termos humanistas.
• Posição maioritária.
• A nossa Lei não toma partido, no ART. 40º CP.

§ Desse ponto de partida da reafirmação contra fáctica da norma,


vai recobrir todos os fins das penas, a desimplicação de sentido.
• A pena, em 1ª linha, tem que se adequar à situação
concreta e ao indivíduo para ser justa, o que significa que
esta doutrina precisara do apoio de aspetos da prevenção
especial.
• Pena tem de ser justa, mas a justiça manda trata o igual
por igual e o desigual por desigual.
o Isso significa que a PENA tem de se ADEQUAR à
SITUAÇÃO CONCRETA e às
CARACTERÍSTICAS do concreto
DELINQUENTE – o que significa que a PENA
JUSTA tem de tomar em consideração aspetos de
PREVENÇÃO ESPECIAL.
o Se a justiça manda tratar o igual por igual e o
desigual por desigual e daí resulta a consideração
destes objetivos / necessidades de Prevenção
Especial à então, também no quadro do
pensamento da justiça tem de se considerar a
DISTINÇÃO entre IMPUTÁVEIS e
INIMPUTÁVEIS.

• Portanto, na base deste pensamento passa também a


justificar-se / legitimar-se a DISTINÇÃO entre PENAS
(ainda têm uma relação com a culpa, têm de ser
proporcionais a ela) e MEDIDAS DE SEGURANÇA
(ainda com o limite da proporcionalidade, tão só
vocacionadas para a defesa da sociedade, do ângulo da
Prevenção Especial).

39
§ A desimplicação de sentido, o desenvolvimento do sentido que
está implicado na 1ª afirmação à leva a que esta doutrina acabe
por COMBINAR, de forma congruente, TODOS os FINS das
PENAS.
• E, desta feita, CONDUZIR a SOLUÇÕES que dão uma
RESPOSTA CABAL aos PROBLEMAS da
DELINQUÊNCIA.

Ø Quanto à finalidade das sanções criminais neste quadro da Prevenção Geral


Positiva ou de Integração, importará ver em que medida é que esta conceção tem
ou não correspondência com o direito positivo português
o A este propósito importará o ART. 40º CP.
§ Ver-se-á que o legislador aponta grandes orientações,
estabelecendo limites, sem, todavia, vincular o intérprete a adotar
uma particular conceção sobre os fins das penas.
• O legislador está aqui a cumprir a boa prática legislativa.
o O legislador não deve imiscuir-se em discussões
doutrinarias, limitando-se a garantir apenas
estabelecimento de limites, impostos pelo respeito
pelos DF, no quadro de um Estado de Direito.

§ ART. 40º/1 CP à Parece resultar uma clara opção por


finalidades relativas.
• Não se diz que a pena é um fim em si mesmo, a pena é tão
só um meio de defesa social para proteção dos bens
jurídicos essenciais.
o i.e., os bens indispensáveis à convivência
comunitária e à livre realização da pessoa. à bens
jurídicos cuja tutela compete ao Dto Penal.

• Há uma referência final à reintegração social dos


delinquentes, e que é uma concretização de uma ideia
humanista.
o A prevenção especial, sobretudo na vertente
positiva de reintegração social, tem uma
longuíssima tradição entre nós desde o séc. XIX –
tradição racionalista.
o E esta é uma das concretizações da vertente social/
solidarista do Estado de Direito, no âmbito do DP.
§ O criminoso é uma pessoa em crise e,
portanto, a sociedade, organizada em
Estado, deve, a este nível, ajudar este
criminoso a reintegrar-se socialmente,

40
dando-lhe as condições para que possa
viver em liberdade, sem praticar crimes.

• Deste nº1, em geral, o que resulta é a tal ideia preventiva,


uma conceção preventiva do DP, restrita à tutela/
preservação dos bens jurídicos essenciais.

§ ART. 40º/2 à Ideia da proporção com a culpa.


• A culpa que é entendida não como fundamento da
punição, como acontecia nas teorias ético-retributivas,
mas sim como limite, um limite de justiça, imposto pelo
respeito pela dignidade humana.
o Fala-se a este propósito de uma conceção
unilateral ou unívoca da culpa, oposta à conceção
bilateral ou biunívoca da culpa das conceções
ético retributivas.

• Nas teorias ético-retributivas o crime é pressuposto e


medida da sanção e esta medida da sanção aponta para
uma proporcionalidade da gravidade pena com a
gravidade do crime.
o Assim, nesta teoria sendo a pena um fim em si
mesmo, então a culpa funciona em duas
dimensões:
§ Não há pena sem culpa (a pena não pode
ultrapassar a medida da culpa),
§ Mas o inverso também é verdadeiro à não
há culpa sem pena
• Logo que haja um facto culposo –
um crime – terá de haver a punição.

• Diferentemente se colocam as coisas numa orientação


preventiva à aqui o fundamento da punição não é a
retribuição, mas sim prevenir a prática, sendo a culpa o
limite da pena e não o seu fundamento.
Isto concretiza-se p.e., num
o É aqui que se evidência a conceção unilateral ou
instituto previsto no ART. 74º invoca da culpa – diz-se não há pena sem culpa (a
CP (alínea c)) do CP que é o gravidade da pena não pode ultrapassar a
instituto da Dispensa de Pena proporcionalidade com a culpa), mas pode haver
à são casos crimes públicos, culpa sem pena (pode haver um crime sem pena,
em que a sua pena e quando não for necessário, pois a intervenção do
gravidade é diminuta, estando DP assenta numa ideia de tutela dos bens jurídicos
garantida a pacificidade e – necessidade de tutela de bens jurídicos).
reparação social, e não
havendo razões de prevenção
nem geral nem especial que
justifiquem a punição.

41
§ ART. 40º/3 à a este propósito é importante esclarecer, no
âmbito das medidas de segurança, o seguinte: quase sempre se
têm em vista que a pena tem, ainda que com finalidades
exclusivamente preventivas, uma relação com a culpa.
• A medida de segurança deve-se somente a razões de
prevenção especial, à perigosidade do individuo, não
estando em causa a culpa do agente.
o Fica a dever-se sobretudo a razoes de Prevenção
Especial e pretende colmatar a necessidade de
defesa social, em face da perigosidade de certos
delinquentes.

• As medidas de segurança estão previstas no CP e existem


medidas de segurança:
o Detentivas à internamento no estabelecimento
psiquiátrico ou numa ala psiquiátrica de uma
prisão;
o Não detentivas à certas interdições de Dtos,
interdições de exercícios de certas funções, etc.

• Todavia, as medidas de segurança estão subordinadas a


um conjunto de princípios, poderia parecer – e assim foi
no passado – que a medida de segurança não tinha
quaisquer limites em nome das garantias dos particulares,
em face do Leviatã, que é o Estado.
o Estava apenas em causa a ideia de perigosidade
pura e simples, que foram trazidas pela Prevenção
Especial extrema e que apontavam para o «Direito
Penal Terapêutico».

• Ora, hoje, pode-se dizer que, ainda que adequadas à


especificidade da medida de segurança, estão
contempladas na doutrina e nas legislações, princípios que
garantem, também no âmbito do direito das medidas de
segurança, certos princípios que garantem o respeito pela
dignidade da pessoa e limites do ius puniendi, ou melhor
dizendo, à aplicação de medidas de segurança, em nome
dos direitos fundamentais.
E estes princípios estão catalogados na doutrina:

Princípio da legalidade das medidas de segurança:


o Só podem ser aplicadas as medidas de
segurança previstas na Lei, nos termos e desde

42
que verificados os pressupostos, também
estabelecidos na Lei.
o Verdadeiramente não era preciso enunciar este
princípio, pois todo o DP está subordinado a
este princípio da legalidade – sendo quase
pleonástico – e não só as medidas de
segurança.
§ No entanto, no passado, havia uma
orientação na doutrina que entendia,
Por isso, dizia-se que as medidas de
sobretudo sob influencia da teoria
segurança eram sanções penais por
estarem no CP e estão relacionadas ético-retributiva, que as medidas de
com a prática de ilícitos penais, mas segurança só formalmente eram
na sua substância são sanções reações penais, pois materialmente
administrativas. eram medidas administrativas, medidas
de carácter puramente profilático, uma
Daí que houvesse a necessidade de
vez que não se relacionavam com a
reputar as medidas de segurança o
culpa e não tinham aquela dimensão
princípio da legalidade. à Hoje em
dia isto não é assim. ética tão importante para as doutrinas
ético-retributivas.

Princípio da necessidade (natureza material)


o Necessidade aferida exclusivamente à luz de
A medida de segurança pretende considerações de prevenção especial.
cumprir a Prevenção Especial em o Por outras palavras, o que está em causa com
qualquer das suas modalidades: as medidas de segurança é defender a
è Intimidação individual;
sociedade da perigosidade manifestada por
è Incapacitação. certo delinquente e a medida de segurança só
è Reintegração social do deve ser aplicada se for necessário, por mais
delinquente. horrorosa que tenha sido a conduta praticada
pelo agente, se no momento do julgamento ele
já não é perigoso não se lhe aplica uma medida
de segurança.

Princípio da menor intervenção possível


o Não era necessária a enunciação deste
princípio, uma vez que se integra no princípio
da necessidade.
o Entre todas as medidas de segurança
necessárias para suster a perigosidade do
delinquente, deve-se aplicar a que for menos
evasiva/gravosa da esfera jurídica do concreto
arguido.

Princípio da proporcionalidade
Perante um arguido que é inimputável 43
como se estabelece a perigosidade do
agente?
As mais modernas investigações
o Diz que a gravidade da medida de segurança,
em termos de restrição da esfera jurídica do
cidadão, deve ser proporcional à gravidade dos
crimes que se pensa que ele pode praticar.
o Aqui tem-se uma proporcionalidade em termos
prospetivos, uma vez que a finalidade das
medidas de segurança é exclusivamente
defender a sociedade, em face da perigosidade
manifestada pelo concreto arguido.

Mas, houve uma investigação que veio


demonstrar que esta ideia era errada, pois a
gravidade medida dos crimes mantém-se
inalterada ao longo de toda a carreira
criminal.
Para se saber qual a gravidade média dos
crimes que aquele agente pode praticar no
futuro, basta olhar para a gravidade do
ilícito típico praticado, sendo suficiente e
não sendo necessário recorrer à ilicitude
média que é sempre a mesma.

Princípio do ilícito típico


o É este princípio que é expressão das garantias do
direito penal do facto ao nível do direito das medidas
de segurança.
§ A perigosidade tem de ser uma perigosidade
criminal, aquela que se manifestou na natureza
do ilícito típico praticado.
• Se praticou um ilícito típico contra o
património, a perigosidade que tem de
se ter em conta é a perigosidade que ele
pode vir a praticar crimes da mesma

44
espécie, ou seja, contra o património e
não sobre outro crime qualquer como o
homicídio.

o Tem de ser uma objetividade expressa no facto, no


ilícito típico.
§ Aqui diz-se que o juízo de perigosidade é
duplamente concreto:
• Em 1º lugar, deve reputar-se ao
momento da prática;
• Em 2º lugar, atendendo à natureza do
ilícito praticado à princípio do ilícito
típico o DP atende, de facto, à
SUBJETIVIDADE do AGENTE
(subjetividade que tenha expressão, que
esteja objetivada no facto) à
transporta-se para o Dto das Medidas
de Segurança, o pressuposto do DP do
facto.

Princípio da judicialidade:
o Era dispensável referir, mas foi necessário para afastar
a ideia das medidas de segurança como medidas
administrativas.
§ Só formalmente eram penais porque estavam
relacionadas com ilícitos penais e previstas no
CP.
§ Sentiu-se a necessidade de dizer que essas
medidas de segurança tinham de ser aplicadas,
em 1ª linha, pelos Tribunais.

o Atualmente, é unanime que sanções penais podem ser


penas ou medidas de segurança, e que estas últimas na
substância – não só na forma – são providencias
criminais
§ Todas as sanções penais só podem ser
aplicadas pelos Tribunais.

Monismo ou dualismo das reações criminais

Ø Esta questão está relacionada com a questão de se saber se a um agente, pela


prática de um só crime, e num mesmo processo, se pode ou não aplicar
cumulativamente penas e medidas de segurança.

45
Nota:
o O juízo de inimputabilidade não é um juízo global sobre a
personalidade, mas sim um juízo sobre uma faceta.
Ex.: um pirómano é considerado inimputável para crimes de fogo posto,
mas não para o resto dos crimes que cometa/ possa vir a cometer.
o Os monistas consideram que apenas se pode aplicar um tipo de sanção.
§ Penas para imputáveis,
§ Medidas de segurança para inimputáveis.

o Já os dualistas consideram que se pode aplicar cumulativamente penas e


medidas de segurança (esta é a opinião perpetrada pelo Prof. Dr.
Almeida Costa).
§ A um cidadão imputável, pela prática de um só crime, poderá
sempre aplicar-se cumulativamente penas e medidas de
segurança, quando se verificar que a pena como limite da culpa
não é suficiente para acautelar a sociedade em face da
perigosidade do delinquente e, por isso, revela-se necessário
aplicar cumulativamente à pena uma medida de segurança.

o Entre nós vigora como doutrina maioritária, e até com contradições por
parte dos autores, a solução monista.
Há 2 razões históricas – uma geral e outra especifica do caso português:
§ A 1ª, de carácter geral, prende-se com o facto de no passado o
Dto das medidas de segurança não estar subordinado aos limites,
aqueles princípios enunciados anteriormente.
• Sendo assim era o domínio da total indeterminação das
sanções – as medidas de segurança podiam vigorar a todo
o tempo; as administrações penitenciárias tinham um
poder quase absoluto e ilimitado sobre o delinquente.
As doutrinas da Prevenção especial extrema – Escola
Positiva Italiana e Escola Moderna Alemã – que
apontavam para a total indeterminação das sanções e,
sobretudo, para a possibilidade dessas mesmas sanções
serem perpetuas (enquanto se mantivesse a perigosidade,
mantinha-se a aplicação das mesmas).
• Esta razão levou a muitos autores a procurarem limitar ao
máximo o recurso às medidas de segurança.
o Só excecionalmente, quando de todo em todo, não
fosse possível resolver os problemas da defesa
social com penas é que deveria recorrer-se às
medidas de segurança.

o Portanto, daqui resultava a restrição das medidas


de segurança aos inimputáveis.

46
o O exemplo paradigmático disso mesmo é a
construção do Dr. Eduardo Correia, que na base
do ponto de partida ético-retributivo, pretendia
resolver todas as questões da perigosidade do
agente, através do tal recurso à culpa na formação
da personalidade, conseguindo resolver o
problema dos imputáveis perigosos apenas com o
recurso a penas.

§ A esta razão geral liga-se, no caso português, uma outra que se


prende com as chamadas medidas de segurança que durante o
Estado Novo eram aplicadas aos dissidentes políticos.
• Portanto, esse monismo ganhou um particular significado,
porque era também o de lutar contra essa arbitrariedade
do poder punitivo.
o A preocupação era a de restringir ao mínimo
indispensável o recurso às medidas de segurança
aos inimputáveis.

o Nenhuma destas razões tem hoje validade.


§ O dto das medidas de segurança está hoje subordinado a um
conjunto de princípios que dão a garantia aos particulares da
defesa contra a possíveis arbítrios do julgador à princípio da
legalidade; da necessidade, da menor intervenção possível; etc.
§ Quanto ao caso português também já não faz sentido, uma vez
que nos encontramos numa democracia estabilizada, onde a
liberdade de opinião é coisa assente.

o É por isso que há semelhança do que entende a doutrina e a


jurisprudência maioritárias na Alemanha, que temos um sistema dualista
que resulta da própria Lei.
§ Um sistema dualista que admite em relação a imputáveis a
aplicação, pela prática de um só crime, e num mesmo processo,
aplicação cumulativamente penas e medidas de segurança.
• A pena à como limite da culpa;
• A medida de segurança a aplicar adicionalmente sempre
que se chegar à conclusão de que essa pena não é
suficiente para satisfazer as necessidades de Prevenção
Especial resultantes da perigosidade do concreto
delinquente.

§ As medidas de segurança podem revestir uma de 2 modalidades:

Detentivas Não detentivas

Equivalente a pena de prisão, no plano das São, p.e., interdições de dtos, e de certas
medidas de segurança; à regulado no ART. funções, etc.
47
91º CP. Neste artigo parece, à primeira vista, Em relação a estas últimas, reguladas no
que o legislador, de facto, restringiu as ART. 100º e ss CP, que se mostra claro
medidas de segurança detentivas só aos o sistema dualista.
inimputáveis.
• No entanto, trata-se de uma análise de
1ª aproximação à é uma questão de
técnica legislativa – o legislador
admite a aplicação cumulativa, só que
regulou a aplicação de medidas de
segurança detentivas de imputáveis,
no contexto de uma outra técnica
legislativa.

Neste sentido, veja-se o ART. 83º CP – pena


relativamente indeterminada, que
verdadeiramente, não é uma pena, mas sim
uma sanção mista (parte pena, parte medida
de segurança detentiva).
Ë Ex.: quando alguém já cometeu no
passado crime e foi condenado por
eles a prisão superior a 2 anos e vem a
cometer um novo crime, também
punido com prisão a 2 anos, e revela,
para alem disso, atendendo às
circunstâncias do caso, uma particular
propensão para o crime.
Ë O ART. 83º/ 2 concretiza que, na
prática, se traduz em o juiz na pena,
que cabe aquele crime que está a ser
julgado, aplicar-lhe a pena
indeterminada, que consiste numa
pena variável entre um mínimo e um
máximo.

Mínimo à 2/3 daquela pena que corresponde


ao crime pelo qual ele está a ser julgado.
Máximo à montante dessa pena, acrescido
de 6.
Depois, determina-se o tempo exato, entre
mínimo e esse máximo, até quando ele se
mostrar perigoso.
Esta pena relativamente
indeterminada, não é uma pena é
uma SANÇÃO MISTA.
É a consagração inequívoca e em
letra de forma do sistema dualista.

Ø Em jeito de conclusão:

48
o Há uma congruência entre os pontos de vista defendidos.
o Se se partir, quanto à ideia material de crime, que consiste numa conduta
humana, violadora de uma norma de determinação, que tem por objeto a
tutela de bens jurídicos essenciais, e que encontra, por isso, o seu núcleo
no desvalor da ação.
§ A pena, como resposta ao crime, só pode ser a que é da
Prevenção Geral Positiva ou de Integração, que é o reforço da
vigência da norma, o crime atenta contra a vigência da norma -
sanção como resposta do ordenamento procura restaurar a
confiança da comunidade no dto, naquela norma violada –
reafirmação contra fáctica da norma.

o Importará fazer algumas concretizações sobre o lugar do DP nas ciências


jurídico-criminais.
§ A matéria criminal não é regulada apenas pelo DP.
• Fala-se no DP, no Dto Processual Penal e no Dto de
execução das reações criminais.
• DPà definem-se os crimes e estabelecem-se as sanções
(penas ou medidas de segurança).
• Dto Processual Penal à DP adjetivo que regula a
investigação criminal e os critérios da decisão do processo
penal. à é instrumental em relação ao DP.
o Tem uma autonomia teleológica, aquilo que se poe
essencialmente é o problema das garantias do
cidadão perante a investigação dos órgãos da
polícia criminal e do MP e perante a decisão do
juiz.
o Há quem afirme (Figueiredo Dias, p.e.) que
enquanto no DP a distinção é entre o lícito e o
ilícito, no Dto Processual Penal é entre a
legitimidade e a ilegitimidade de determinadas
medidas.

• Direito de execução das reações criminais à


historicamente, falava-se só no dto penitenciário.
o Hoje há mais penas que se prolongam no tempo,
levantando-se mais incidentes e é este o objeto do
Direito de execução das reações criminais.

§ No que concerne ao DP substantivo este contem:


• Parte Geral – onde estão contidos os princípios gerais/
comuns a toda a matéria penal substantiva;
• Parte Especial – onde o legislador desenha e regula os
crimes concretos. – ARTs. 131º e ss CP.

49
Caracterização do Direito Penal dentro das ciências sociais
Ø O Direito Penal substantivo é o que define quais são os crimes e as respetivas
sanções e estabelece os pressupostos das sanções.
o Só que quando o crime é praticado é necessário que seja provado que foi
praticado, quais as regras que devem proceder à investigação, quais os
órgãos competentes, quais as regras de valoração da prova, quais as
provas admitidas e quais não, quais as regras do julgamentos, quais os
direitos de defesa, etc. e é o Direito Processual Penal/Direito Penal
adjetivo que o estabelece.
§ O Direito Processual Penal estabelece que as questões civis e
penais podem ser julgadas no mesmo processo, é o processo de
adesão, no processo penal é exortado um processo autónomo, do
Direito Civil.
§ Todas estas regras compõem o Direito Processual Penal, o
Direito adjetivo, é ele que leva à prática os critérios e valoração
do Direito Penal substantivo, visando estabelecer o caminho para
se provar se os factos correspondem ou não aos crimes previstos
no Direito Penal substantivo.
§ O Direito Processual Penal assume um papel instrumental, mas
tem também uma autonomia, porque é ao nível da investigação
criminal que se abrem possibilidades de invasão da esfera alheia,
da intimidade das pessoas.
Ex.: escutas telefónicas, buscas de correspondência, etc.
• Tudo isso pode ser lesado ou violado numa investigação
criminal e há, assim, problemas autónomos que têm a ver
com a preservação da esfera individual, dos direitos
fundamentais do arguido e tem de se fazer uma
ponderação entre o que é a finalidade da procura da
verdade/prova e a concordância prática pelo respeito dos
direitos fundamentais das partes.
o Há aqui um princípio de proporcionalidade entre
estes 2 planos conflituantes.

§ O Direito Processual Penal tem uma autonomia teleológica em


relação do Direito Penal.
• Para além do Direito Penal substantivo ou adjetivo, há
também o Direito de execução das reações criminais,
pôs-se, sobretudo, no problema da prisão, penas e
medidas de segurança, por isso se falava antes em Direito
Penitenciário.
• Agora alargou-se e há outras penas que se prolongam no
tempo e não são na prisão, daí que se fale no direito de
execução das reações criminais.

50
o Há regras a cumprir, pois pode haver infrações
disciplinares durante a execução e é o Direito de
execução das reações criminais que as regula, bem
como o Direito Penal substantivo, porque fixa as
regras e consequências, mas depois também tem
normas processuais ainda que adstritas à execução
das reações criminais.

• Todo o processamento da justiça penal está garantido pelo


poder jurisdicional, assim, há sempre a superintendência
e, em última instância, pode se apelar ao tribunal de
execução das reações criminais.

Ø Quanto ao Direito Penal substantivo, importa fazer uma outra distinção dentro
deste.
Ambos estão subordinados aos mesmos princípios fundamentais e a distinção
não tem um valor quantitativo, tem antes a ver com uma razão de ordem
qualitativa:
o Direito Penal clássico ou de justiça à O DP deve intervir em todos os
setores da vida social, sempre que estiver em causa um bem jurídico
essencial – critério da dignidade penal – e, mesmo aí, uma lesão grave
desse bem jurídico.
§ Por outro lado, quando para alem disso, o bem jurídico em causa
só possa ser acautelado através do recurso às sanções penais –
critério da necessidade.
§ Só que ao intervir em todos esses setores de atividade – há
setores dotados de uma particular mobilidade (em que as coisas
estão sempre em mutação) -, noutros casos há domínios que estão
dependentes da evolução técnica e científica (ex.: domínio penal
do ambiente) à este é o domínio do DP secundário.
§ O DP clássico reporta-se aos crimes dotados de mais constância
histórica, dotados de estabilidade jurídica à como p.e., furto,
homicídio, violação.
• Na sua materialidade o desenho desses crimes já vem da
Idade Média e, em alguns casos, do Dto Romano.

§ As infrações do DP Clássico não são forçosamente mais graves


do que as outras.
§ Os pp do DP valem tanto para o DP Clássico como para o DP
secundário ou judicial
§ Este Direito Penal é dotado de mais estabilidade e está previsto
nos Códigos Penais, pois importa manter uma estabilização.
• Em princípio, só as pessoas individuais são responsáveis
perante este Direito Penal, salvo quando o legislador
determinar o contrário.

51
o Direito Penal secundário ou judicial à O Direito Penal é fragmentário
e não pretende regular toda a realidade, mas projeta-se em todos os
campos da atividade social, contudo, há campos especializados e
técnicos que não são apreendidos por todas as pessoas.
§ A violação desta lei não constitui um crime dotado de axiologia
comunitária, portanto, se as pessoas não tiverem conhecimento
dela é necessário ensiná-la.
§ Deste modo, nas áreas mais tecnicizadas, o caráter atentatório não
resulta do senso comum, o homem comum não pode apreendê-lo,
não resultam naturalmente do processo de socialização.
• Há domínios sociais que estão em permanente mutação,
há uma contante evolução e as formas de compreensão
lesiva sociais e a legislação está sempre a tentar
acompanhar a evolução, nunca se chegando a estabilizar,
na comunidade em geral, quais os comportamentos
lesivos.
• Contudo, isto não associa um caráter menos gravoso. São
incriminações relacionadas com setores tecnicizados ou
em permanente evolução e a legislação não chega ao
senso comum, pois tende a estar permanentemente a
evoluir.

§ A tendência é encontrarmos este Direito Penal em leis


extravagantes, mais facilmente adaptáveis, já que deve ver
constante a atualização da legislação, sob a pena de as penas se
tornarem obsoletas.
§ Este Direito Penal caracteriza-se por regular domínios em
permanente mutação, por isso admite-se que os tipos legais
tenham um sentido mais elástico e estejam previstos em conceitos
indeterminados e cláusulas gerais, para garantir que a lei se pode
adequar, para se aplicarem ao caso concreto.
• Neste caso, há a tendência mais aberta para se admitir a
responsabilidade penal das pessoas coletivas.
Exemplos de DP secundário.: dto penal económico, financeiro, fiscal e
aduaneiro.
o Em ambos, há uma adaptação dos princípios à particular natureza social
que é regulada pelo DP.
§ Há uma eminente mutabilidade daquilo que é o DP secundário e
do que é o DP clássico à temos que ter consciência de que, p.
ex., podem haver bens jurídicos que encontram enquadrados no
âmbito do DP secundário, que podem sofrer um processo de
estabilização e virem a ser considerados bens jurídicos de DP
clássico.

52
§ O Objeto da nossa disciplina será o DP Clássico.

Direito Penal na ordem jurídica global


Ø A primeira grande distinção neste contexto e que importa esclarecer quanto ao
DP é a seguinte:
o Distinção ente Direito Público e Direito Privado à O DP é um ramo do
Dto Público, atendendo a qualquer dos dois critérios para demarcar a
fronteira entre Dto Publico e Dto Privado, nomeadamente:
§ A natureza dos bens jurídicos – do objeto da tutela – na sua
dimensão coletiva supraindividual/ pública à bens jurídicos que
traduzem as condições indispensáveis à convivência comunitária
e, por isso, tutela não, p.e., aquela vida concreta, mas sim o bem
jurídico Vida, a propriedade, etc.
§ Critério da estrutura da relação jurídica à no Dto Privado a
relação jurídica é uma relação paritária/ simétrica, em que as
partes intervêm de igual para igual, mesmo quando o Estado
intervém numa relação privada, intervém na veste privada.
• Diferentemente acontece na esfera do DP – a relação
jurídica é assimétrica, em que o Estado intervém dotado
de todo o seu ius imperium ou monopólio do ius puniendi
penal.
o Ultrapassada a fase da vingança privada, o DP é
“coisa” publica, que só pode ser atuado por
serviços públicos e, mais concretamente, pelos
Tribunais.
§ DP vive no processo penal – há o tal
monopólio do ius puniendi penal por parte
do Estado.
§ Só que nessa relação que se estabelece
entre o Estado e os particulares – surge
numa relação de superioridade, dotado do
seu ius imperii.
• Mesmo num processo penal, de
acordo com o Estado Direito,
empenhado na preservação dos
direitos fundamentais.

o É o juiz que dita a sentença e o particular está


numa relação de total sujeição, a relação jurídico-
penal é assimétrica, pois o Estado surge revestido
de todo o seu ius imperium (soberania) e o
particular encontra-se numa posição de pura
sujeição e tem de acatar a pena.

53
§ Tanto atendendo à natureza dos interesses dos bens jurídicos
tutelados, como atendendo à estrutura da relação jurídica, que é
assimétrica, em que o Estado tem ius imperium e detém o
monopólio do ius puniendi, ao passo que o particular esta numa
posição de total sujeição, o Direito Penal é um ramo do Direito
Público.

Ø Posto isto, passar-se-á a uma distinção entre o DP e outros ramos de Dto:


o Direito Constitucional à o Direito Penal atende aos valores essenciais
e a referência para determinados bem jurídicos sociais é mediatizada pela
Constituição, no quadro axiológico que lhe subjaz, assim, é o grande
referente para o âmbito de determinação da sua atuação.
§ Como critério ou meio preciso para aceder ao consenso
comunitário, muitos autores, incluindo o Prof. Dr. Almeida
Costa, a referência/ remissão com o quadro axiológico que subjaz
à CRP.
• No fim de contas a CRP comporta as traves mestras da
organização da sociedade e do Estado, comtempla
também a expressão desse quadro de valores de bens
jurídicos considerados indispensáveis à convivência
comunitária, portanto, comtempla a expressão desse
consenso comunitário.

§ O Direito Constitucional não se confunde com a teologia do


Direito Penal, é tão só o seu referente e funciona como um ponto
de referência tendente a limitar o seu campo de atuação.
• Em nada mexe com a autonomia do DP, que se prende
com a tal função de proteção ou garantia assinalada.
• O Direito Penal visa a tutela dos bens jurídicos essenciais,
nos termos definidos pelo quadro axiológico que subjaz à
Constituição.
o Visa a tutela com vista a que no futuro não haja
lesões desses bens jurídicos essenciais.

• Esta é a autónoma teologia do DP, que impede que possa


ser absorvido pelo Dto Constitucional.

§ Dada a importância da matéria penal, muitas vezes, e a gravidade


com que a intervenção do DP se reflete na esfera jurídica dos
particulares, o legislador constitucional contemplou à CRP
normas penais, nomeadamente, os ARTs. 27º e seg – Fala-se na
Constituição penal à materialmente são normas penais, só
formalmente são constitucionais, mas em nada prejudicam a
autonomia entre o Direito Penal e o Direito Constitucional.

54
• Este último é tão-só o referente – como lei fundamental
que é – e o limite do Direito Penal, mas não apaga a sua
autonomia.

o Direito Privado à utilizando a distinção entre as funções da ordem


jurídica – função proteção ou garantia e função de ordenação ou
conformação – na base desta distinção fazemos o contraponto do DP e
do Dto Privado.
§ O que está em causa no Direito Privado é a repartição dos custos,
benefícios, encargos e riscos da existência coletiva – definição da
esfera jurídica de cada cidadão/ do espaço de liberdade.
• Por isso, as suas normas são normas de VALORAÇÃO e
o ilícito, como negação da norma de valoração, tem de se
traduzir no puro desvalor do resultado.
o i.e., há um ilícito sempre que a ordem de justiça
distributiva, a ordem de bens jurídicos, for
violada.
o Por mais censurável que for uma conduta, se ela
não tem como resultado a lesão de interesses
alheios, é indiferente para o Dto Privado, porque o
núcleo do ilícito está no desvalor do resultado, i.e.,
na produção de uma situação em que alguém ou
está a receber ou está a receber + ou está a receber
menos do que aquilo que lhe compete, de acordo
com os critérios de justiça distributiva reinantes na
coletividade.

§ Portanto, aqui a diferença é clara: o DP inscreve-se, pelo


contrário, na função de proteção ou garantia à o que está em
causa no DP não é reparar danos.
• O DP atua com os “olhos postos no futuro” – pretende-se
que no futuro não se pratiquem mais crimes, dai que as
suas normas tenham um sentido preventivo, natureza de
imperativos, de normas de determinação à pretendem
comandar o comportamento futuro das pessoas em ordem
a afasta-las da lesão ou colocação em perigo de bens
jurídicos.
• O crime como violação dessa norma tem de consistir
numa conduta humana e esgota-se nisso.
o O seu núcleo está numa conduta humana violadora
da norma.

§ É por isso que não há qualquer violação do princípio?


• Em grande parte dos processos o arguido é
responsabilizado civilmente e ao mesmo tempo
penalmente.

55
Ex.: crime de dano à alguém danifica a propriedade de outrem –
estará obrigado a reparar esse dano (plano do Dto Privado - civil),
ao lado desta sanção vai ser responsabilizado com uma pena,
estando aqui em causa a punição do agente atendendo à sua culpa
e em ordem a finalidades de prevenção.

§ No Direito Civil admite-se antes a responsabilidade objetiva,


porque o que está em causa é a distribuição justa.
• Daqui se conclui que se possa cumulativamente suscitar a
responsabilidade civil e penal – agente tem de ressarcir e
ser punido – ainda assim, as sanções não se sobrepõem,
porque têm finalidades diferentes.
• O que esta em causa são valores diferentes e, portanto,
não há qualquer sobreposição.

o Direito Administrativo à No Direito Administrativo, o Estado


intervém e tende à compatibilização entre interesses públicos e privados,
mas, em caso de conflito, prevalecerá o interesse público.
§ Aqui o está em causa é a função de conformação ou ordenação –
é definir os dtos, faculdades, capacidades, mas também os
deveres de cada cidadão.
• Deste modo, entra na função de ordenação e conformação,
mas de uma perspetiva diferente da do Direito Privado,
porque entra vinculado à perspetiva do Direito Público,
demarcando a esfera jurídica do cidadão no sentido de
compatibilização do Direito Público.
• Nas suas múltiplas concretizações, cabe-lhe intervir na
compatibilização dos interesses públicos com os
interesses privados, sendo dado prevalência ao Direito
Público.

§ Portanto, a intervenção da Administração que viole um dto ou


não conceda um dto, está a violar a ordem de justiça distributiva e
a sanção que cabe aplicar é a reparação do dano feita para
Administração ao particular.
• Fala-se a este propósito da responsabilidade civil do
Estado e pela responsabilidade do Estado pela atuação dos
seus funcionários e agentes que se reconduz, no essencial,
aos pp da responsabilidade civil.

§ Materialmente, o que pretende está muito próximo do Direito


Privado, pois visa definir as esferas de liberdade e de atuação dos
agentes
§ Nas suas múltiplas concretizações, cabe-lhe intervir na
compatibilização dos interesses públicos com os interesses
privados, sendo dado prevalência ao Direito Público.

56
Mais difícil será a contraposição do DP aos ramos de dto que se inscrevem na
função de proteção ou garantia, tendo uma função não reparadora, mas uma
função punitiva e também preventiva. Neste particular inscrevem-se nesta
função os ss ramos do dto:
o Direito disciplinar à contende com as normas que devem reger a
atividade do funcionário publico no exercício dos seus cargos.
§ Num Estado de Dto social, com a vertente da solidariedade, o
intervencionismo estatal a partir daí, dando para compreender a
importância da AP e do bom desempenho das suas funções.
• Precisamente por isso tem de existir regras que garantam
um bom funcionamento da AP, que contendam com
valores de hierarquia, de competência, de disciplina
dentro da AP, em ordem à boa prossecução das
finalidades sociais, que estão atribuídas a essa mesma AP.

§ O dto que regula a atividade dos funcionários públicos no


exercício dos seus cargos, estabelecendo sanções para o caso da
violação desses deveres é o Dto disciplinar.
• Anteriormente estava contemplado no Estatuto disciplina
da Administração Central, Local e Regional.
• Hoje está na Lei Geral do Trabalho em funções publicas.

§ O ilícito disciplinar inclui-se na função de proteção ou garantia


como o Direito Penal, o seu interesse é punir uma conduta que
violou os deveres do cargo/função, deste modo, é direito
sancionatório e público. – as suas normas são normas de
determinação.
• O que está em causa é a prossecução dos deveres do
cargo, por isso são normas de determinação e as sanções
disciplinares têm a mesma função sancionatória do
Direito Penal, pois o que está em causa não é apagar a
sanção, pretende-se é prevenir a prática de futuras
infrações.
o Não está presente nenhuma finalidade
indemnizatória.

§ A diferença em relação ao Direito Penal está na natureza dos bens


jurídicos em causa à o Direito Penal visa a tutela dos bens
jurídicos essenciais à convivência comunitária, estende-se a todos
os domínios da atividade social;
• No Direito Disciplinar pretende-se tutelar bens jurídicos
relacionados com o bom funcionamento da AP à valores
de hierarquia, ordem e de disciplina da própria
administração – valores meios ou valores internos da

57
própria AP, que convém que seja eficiente, pois o seu o
mau funcionamento é grave e tem relevância social
o Porque são valores internos da própria
Administração (AP) são menos valiosos e por isso
as sanções têm que ser menos graves.
§ Com isto, não se quer dizer que as sanções
disciplinares não sejam graves à a sanção
mais grave é a demissão da função publica.

o Todavia, são valores instrumentais internos e


ligados ao caráter funcionais, o que justifica
diferenças essenciais em relação ao Direito Penal

§ Por outro lado, a circunstância de os bens jurídicos internos não


terem a importância dos bens jurídico-criminais, tem
consequências ao nível do regime.
• O Direito Disciplinar tem um regime diferente; não se
exige uma legalidade tão estrita; a sanção é definida, em
primeira linha, pelo superior hierárquico, só depois há
recurso para os tribunais administrativos; as exigências de
culpa são menores e as sanções podem levar à demissão
do cargo, mas são menos graves que as sanções penais.
o Isto leva a que haja uma maior elasticidade no
desenho das infrações, uma maior latitude de
avaliação ao decisor no concreto processo, sem
prejuízo dessa maior latitude ser sempre objeto de
controlo jurisdicional.

§ Não obstante, concretizando a ideia de que o dto disciplinar se


inclui na função de proteção ou garantia, a lei geral do trabalho
da função publica, à semelhança do que já o Estatuto dos
funcionários públicos, que a precedeu, dizia, faz com que a lei
estabeleça que a lei penal e o processo penal são subsidiários em
matéria disciplinar.
• Por outras palavras, o núcleo da diferença penal tem a ver
com os bens jurídicos em causa e da sua importância.
o Posto isto, é natural que a lei processual penal e a
lei penal sejam particularmente pormenorizadas e
rigorosas do que a sanção disciplinar.

• Tal não impede que a lei estabeleça o Direito Penal e o


Direito Processual Penal como direito subsidiário no
âmbito do Direito Administrativo.
o A subsidiariedade traduz-se em tudo o que não
contrariar o direito disciplinar e caso hajam

58
lacunas, aplica-se subsidiariamente as normas do
Direito Penal e/ou do Direito Processual Penal.
§ Em tudo que não esteja previsto na lei
disciplinar e não a contrarie os pp da lei
disciplinar.

o Concretizando melhor, estes são muito mais


minuciosos do que o que consta do direito
disciplinar e, tratando-se de direito sancionatório,
em tudo o que não o contrariar, nos casos em que
hajam omissões, deve se recorrer ao regime e
regras do Direito Penal e do Direito Processual
Penal.
§ DP e DPP são aquilo que se pode chamar
de dto sancionatório/ punitivo global – são
modalidades de dto sancionatório, por isso
o referente essencial e o dto subsidiário
disciplinar têm de ser estes.

§ O Direito Disciplinar visa valores intrassistémicos da


administração, tem a ver com valores de ordem, hierarquia e
disciplina, todavia, o comportamento de um funcionário pode ter
relevância disciplinar e penal, estando isto relacionado com a
fragmentariedade do Direito Penal, por isso, certos
comportamentos que o funcionário tem pode simultaneamente ser
ilícito disciplinar e penal.
Ex.: corrupção, abuso de poder, etc.

• Importa determinar se têm em vista o mesmo bem


jurídico, porque sempre que for, a norma penal consome a
norma disciplinar.
o Se tiverem diferentes bens jurídicos haverá o
concurso entre o Direito Penal e o Direito
Disciplinar.

o Direito de mera ordenação social à é o direito das contraordenações,


só foi implantado na ordem jurídica portuguesa em 1982 – séc. XX.
§ O que esteve na sua base foi a ideia de descriminalização.
• Lembrar:
o Ao contrário do que se sucedia no séc. passado,
sobretudo por influência do CP francês, o cód.
Napoleónico de 1810, no âmbito das infrações
penais, distinguiam-se 3 modalidades:
§ Crime (infrações mais graves);
§ Delito (crimes de média gravidade);

59
§ Contravenções (“bagatelas penais”,
infrações penais às quais correspondiam
sanções penais, mas que tinham diminuta
gravidade).

o É de notar que, em Portugal, nunca vigorou esta


destrinça, mas uma classificação bipartida,
subjacente ao CP de 1982:
§ Crime – crime grave e de média gravidade.
e
§ Contravenção – bagatelas penais.

• Entendeu-se que, sobretudo neste domínio das


contravenções, verdadeiramente estava-se perante
infrações pouco graves e insignificantes, que não
participavam da tal qualidade da dignidade penal, nem da
necessidade de pena.
o Portanto, deviam ser expurgadas do DP e
remetidas para um ordenamento jurídico que
contendia, não pelos tais valores essenciais da
comunidade, mas sim com bens jurídicos que se
atinham mais a finalidades organizatórias/
funcionais.
Ex.: estacionar o automóvel em certos locais – terá a
dignidade de crime? Entendeu-se que não.
§ A doutrina, e depois o legislador, entendeu que estas infrações
eram importantes (estamos perante Dto Publico, interesses
públicos), mas não contendiam com esses bens jurídicos
essenciais, mas sim funcionais.
• Por isso deviam ser também subordinados a um processo
simplificado:
o Em 1ª instância devia correr perante autoridades
administrativas; - ART. 33º CP
o Só depois, porque estamos num Estado de Dto, ser
admitida a impugnação judicial dessa mesma
decisão. – ART. 61º CP

§ Foi influenciado pela Alemanha, que o institucionalizou em


1969, entretanto, tendo também sofrido sucessivas alterações.
• Só depois é que chega a Portugal à Verificamos que é
um direito de criação recente, foi criado em Portugal
aquando da entrada em vigor do novo código, mais
concretamente, através do DL nº 433/82, de 27 de

60
outubro, – é a lei-quadro à lei que rege o regime geral
das contraordenações.
o Este DL nunca teve vigência e entrou em vigor
com o CP de 82.
o Ora, tudo que era contravenções ou tinham
dignidade penal e foram convertidas a crimes ou
não tinham e foram convertidas em
contraordenações.

§ Critério material para distinguir o âmbito do DP do Dto de mera


ordenação social
• Inicialmente, e ainda hoje a maioria, segue um critério
QUALITATIVO.
o Verdadeiramente, a distinção entre crime e
contraordenação era um alio, porque a matéria
penal tem dignidade penal – seria uma diferença
ética -, havia aqui uma ressonância ética da
infração penal.
o Ao passo que as contraordenações contenderiam
com apenas com as tais finalidades organizatórias
– sem dignidade ética.

• Esta foi a conceção que esteve subjacente à introdução do


DP e, ainda hoje, corresponde à opinião de alguns autores.

§ Outros autores, continuando a seguir uma via qualitativa,


apontam para um critério, na base de um autor Max Ernest,
alemão, que é o caso do Dr. Figueiredo Dias que preconiza que a
diferença está no em torno do ético, mas de outra forma, i.e.,
consoante a comunidade em geral, apreenda ou não o sentido do
desvalor – que tenham ressonância ética, de acordo com
consciência axiológica jurídica.
• Há também critérios mistos, que são qualitativos e
quantitativos. – no essencial tem que haver dignidade
penal, mas nas zonas de franja, há dúvidas – no ponto de
vista do Dr. Almeida Costa, só aí seria quantitativa.
• Anos 70/80, do séc. passado era a orientação maioritária,
tem o apoio de bons autores à orientação quantitativa.
o É a única que exprime a verdadeira relação do dto
de mera ordenação social e do DP.

• Um velho autor de 1934, falava da natureza federalista


dos valores à queria dizer que os bens jurídicos estavam
conexionados numa relação de meio-fim.
o Todos eles seriam projeções, concretizações de um
bem jurídico essencial – a dignidade humana.

61
§ Todos os bens jurídicos são projeções da
ideia da dignidade humana.

o Por isso, todos eles, tirando a dignidade humana,


em si mesma, e a vida humana, são meios para a
realização deste.

§ A partir desta base bem se compreende que a relação entre o DP e


o dto de mera ordenação social, é uma relação de carácter
quantitativa.
• Os bens jurídicos que o dto de mera ordenação social
protege estão mais distantes em relação a um bem-fim que
é a dignidade humana.
o Por isso, comportam em relação a essa dignidade
humana uma ofensa menos grave.
o É isso que explica a diferença, que tem de ser
concretizada pelo legislador, tudo depende da
ponderação concreta.
o Dto de mera ordenação social tutela infrações
menos graves a 2 níveis:
§ Reportam-se à lesão de um bem jurídico
mais distante;
§ Lesões insignificantes de bens jurídicos em
si, mas não insignificantes em si.

• É este critério quantitativo que se harmoniza com a CRP -


ART. 18º/2 à do critério da proporcionalidade em
sentido amplo, resultava o critério da subsidiariedade do
DP.
o Para que o legislador ordinário tivesse
legitimidade para criminalizar uma conduta não
bastava a dignidade penal – era preciso a
necessidade de pena.
o Vistas as coisas no angulo do dto de mera
ordenação social, isto quer dizer que o critério
essencial entre os 2 ramos de dto é um critério
QUANTITATIVO.

§ Desta distinção resultam consequências ao nível do regime:


• Desde logo, da delimitação do pp da legalidade;
o Passa-se aqui um paralelo quanto ao ilícito
disciplinar – sem dúvida que vigora o pp da
legalidade, da retroatividade da lei penal, mas até
pela natureza das matérias reguladas, admite-se
uma maior elasticidade/ flexibilidade, na definição

62
das infrações, na apreciação do decisor do caso
concreto.
§ Previsão do princípio da legalidade, logo
no ART. 1º do DL é referido.

• Ao nível do processo:
o Em matéria de processo, ocorre em 1ª instância
perante a autoridade administrativa (ART. 33º DL
nº 433/82), com isto prossegue-se um objetivo de
maior celeridade e de retirar aos tribunais matéria
que verdadeiramente não tem dignidade penal,
expurgando as “bagatelas penais” que
sobrecarregavam o sistema judicial.
§ i.e., em 1ª linha, quem aprecia e aplica as
sanções é a autoridade administrativa, mas
tem de haver controlo jurisdicional e há
sempre a possibilidade de impugnação para
os tribunais comuns (ART. 61º).

o Para a maioria das contraordenações, o tribunal


comum decide em última instância, todavia, no
caso das mais graves, a lei admite mais um grau de
recurso para o Tribunal da Relação (ART. 73º),
que decidirá em última instância.

• Com isto pretende-se uma simplificação processual.

§ O motivo da descriminalização, que é transformar aquilo que


eram as contravenções em contraordenações, prosseguia
objetivos práticos consistentes em libertar os tribunais do velho
processo de transgressões.
• Os tribunais estavam afundados em infrações que
materialmente não tinham dignidade penal – as tais
transgressões.
o Libertando assim os tribunais para a as grandes
questões com dignidade penal.

• Na prática não é isto que se passa.

Nota:
o A sanção mais grave em DP admitida são 30 milhões de euros
a pessoas coletivas.
o Há legislação avulsa contraordenacional que prevê
contraordenações de 1870 milhões.

63
§ A sanção designa-se coima (ART. 17º e seg.) tendo, em
princípio, natureza pecuniária.
• No entanto, a lei prevê outras espécies de reações
criminais: as são sanções acessórias.
• A sanção principal é aquela que se aplica em 1ª linha ao
crime, em contrapartida, a sanção acessória nunca se pode
aplicar autonomamente, mas sempre conjuntamente com
uma lei principal.
o Como sanção principal surge a coima pecuniária,
todavia, não está afastada a hipótese de uma lei
qualquer, desde que provindo da AR ou autorizada
do Governo, possa alterar, neste ponto, o regime
da lei-quadro e estabelecer como tipo de sanção
principal outra.
o A principal é a que, por norma, se aplica, mas não
esta excluída a possibilidade de em diploma
avulso do legislador estabelecer uma coima de
natureza não pecuniária, no entanto, a coima
jamais pode consistir em privação de liberdade,
isto é, em prisão.

• Assim, embora não esteja excluída a possibilidade de o


legislador prever, a título de função principal, uma sanção
de outra natureza que não meramente pecuniária, há algo
que está excluído: estabelecer uma coima que leve à
privação da liberdade/prisão, pois tal deve ser reservado
para as infrações mais graves, ou seja, os crimes.

Ø Bibliografia: Tít I, Cap. II 4. - Tít. I, Cap. II 4. - Cap. II 4. - E. Correia, ob. cit.,


pp. 10-39, J. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 155-176.
Título II – A lei penal e a sua aplicação
Cap. I – O princípio da legalidade em Direito Penal

O DP contende com os bens jurídicos essenciais, cuja preservação é indispensável à


livre realização da pessoa e à convivência comunitária.
Ø Por outro lado, as sanções penais são as sanções mais invasivas que se traduzem
numa forte restrição de direitos fundamentais, e isso exige particulares cuidados
na determinação do que é a matéria penalmente relevante e quais os casos a que
são aplicadas as reações criminais à PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
o «Nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege, nulla poena sine
judicio.»

64
o Esta terceira parte respeita ao processo penal, daí que ao Direito Penal
substantivo, no âmbito do princípio da legalidade interessem
essencialmente as duas primeiras preposições:
§ Princípio da legalidade do crime, princípio da legalidade da pena
e o princípio da legalidade das medidas de segurança.

o O princípio da legalidade não é um princípio romano.


§ O Direito Romano não conheceu o princípio da legalidade nos
termos em que o conhecemos hoje;
• Nem o Direito da Idade Média; nem da Idade Moderna;
nem mesmo o do Despotismo Esclarecido.

§ Tal como foi dito em relação ao princípio da legalidade resulta do


moderno Estado de Direito (fim do século XVIII e início do
século XIX) e a formulação latina ficou a dever-se aquele que é o
pai do moderno Direito Penal, conforme ao Estado de Direito.

Ø Este princípio diz que ninguém pode ser punido por um crime, a não ser que a
sua conduta seja prevista e qualificada como tal em lei; e ninguém pode ser
objeto de uma pena ou medida de segurança a não ser que os pressupostos dessa
pena ou medida de segurança estejam previstos em lei anterior.
o O princípio da legalidade prossegue, por isso, os objetivos da segurança
dos particulares, perante os arbítrios do poder público e da certeza da
aplicação do Direito.
§ O seu fundamento é de natureza extrapenal que resulta dos
próprios pressupostos do Estado de Direito.

o A determinação do que é crime e do que viola os bens jurídicos


essenciais e o estabelecimento das respetivas sanções, deve ser dado aos
Parlamentos como representantes do povo, sendo que ao juiz só lhe cabe
aplicá-las.
§ Por outro lado, este princípio encontra também fundamento em
finalidades estritamente penais.
• A verdade é que seja a retribuição, prevenção geral ou
especial, só se admitem se as condutas sejam previstas e
qualificadas como crime em lei anterior.

o O princípio da legalidade tem exigência de lei prévia, escrita – afasta-se


o costume como fonte de Direito Penal –, estrita – que venha dos
parlamentos/ do poder legislativo – e certa – que contenha uma definição
precisa da matéria específica.
§ A esta exigência do princípio da legalidade surge, todavia, uma
correção:
• Os crimes do direito da gente (crimen iuris gentium).

65
• Isto surgiu em virtude dos crimes praticados no regime
nazi, no conflito da Bósnia ou no Ruanda (crimes contra a
paz e a humanidade - genocídio, rapto e terrorismo).

§ Muitos destes crimes não eram previstos na lei por parte destes
regimes totalitários, e, portanto, não havendo lei estrita, escrita,
certa e prévia pareciam não ser crime – PROBLEMA
SUSCITADO NO TRIBUNAL DE NUREMBERGA.

ü Nota: chegavam a ser condutas aprovadas pelo regime em questão.

§ Ora, tratando-se de valores essenciais da humanidade, a nossa


CRP – ART. 29.º/ 2 – permite que este Direito Penal das Gentes/
internacional público costumeiro seja ramo autónomo de Direito.
• Isto justifica-se porque estamos perante crimes ao nível da
consciência axiológica e quase mundial consagrada.

§ De resto, o problema da legalidade quanto a estes crimes e quanto


ao ART. 29.º/ 2 está hoje ultrapassado – HÁ JÁ
CONVENÇÕES INTERNACIONAIS PARA A PROTEÇÃO.

ü Nota:
o Como se sabe Direito Internacional regulamente aprovado é
Direito Interno, nos termos do ART. 8.º CRP.

o Dito isto, ao nível destas considerações introdutórias, a tal exigência do


princípio da legalidade – de que alguém só pode ser punido desde que
exista lei anterior prévia, escrita, estrita e certa –, projeta-se, desde logo
quanto à fonte à LEI DOS PARLAMENTOS.
§ Assim acontece entre nós que, de acordo com o ART. 165.º/1
alínea c) CRP, a matéria penal é da competência da Assembleia
da República – só uma lei da Assembleia da República pode
estabelecer uma conduta como crime e estabelecer a respetiva
sanção.
• Só quando a Assembleia da República o permita, e dentro
dos limites em que o permita, é que o Governo poderá
legislar nesta matéria.

Normas penais – normas em que o legislador penal, para desenhar a


matéria penal, recorre a institutos e a regimes de outros ramos do
Direito.
Ex.: ‘boa-fé’.
§ Ora, sucede que muito destes conceitos não estão subordinados à
tal reserva da competência da Assembleia da República, podendo
ser regulados/ disciplinados pelo Governo.

66
• Não estaríamos neste sentido a violar o princípio da
legalidade penal – o dever de a lei ser estrita, escrita?
o Não, na medida em que é o legislador,
constitucionalmente competente, que remete essas
matérias.

§ Portanto, quanto à fonte tem de ser lei estrita – do Parlamento ou


autorizado pelo Parlamento.

o Quanto à extensão, houve quem entendesse que só em matéria


DESFAVORÁVEL ao arguido – fixação dos pressupostos das penas e
das medidas de segurança ou agravação das penas e das medidas de
segurança – é que verdadeiramente se suscitava o problema da segurança
dos particulares contra o livre arbítrio da atividade legislativa.
§ Já em tudo o que fosse favorável (causas de exclusão da pena ou
da culpa), não haveria esse motivo, não sendo, neste domínio, de
observar o princípio da legalidade de forma rigorosa.

§ A opinião maioritária vai no sentido contrário.


• Assim, toda a matéria penal, seja de agravação ou de
fundamentação da responsabilidade, seja da exclusão ou
atenuação da responsabilidade ou dos pressupostos de
penas e medidas de segurança, está reservada à ideia da
exigência de uma lei estrita, e, portanto, do princípio da
legalidade nos termos enunciados.

Ø No entanto, viu-se que o princípio da legalidade exige que seja uma lei prévia,
escrita, estrita e certa:
o Este terceiro plano indica o que é uma lei certa – que defina de modo
preciso o seu conteúdo de previsão –, em nome da segurança dos
particulares, da certeza na aplicação do Direito e na decorrente proteção
contra possíveis arbítrios do poder legislativo.
§ É a exigência da determinalidade da lei, sendo que esta deve ser o
mais precisa possível.

o Será que o legislador pode recorrer a clausulas gerais e conceitos


indeterminados?
§ Pode.
§ Devido à evolução que vemos que os preceitos legais devem ter
uma certa elasticidade para poderem abranger essa mesma
evolução.
• Em muitos domínios a vida está permanentemente a
mudar pelo que se o legislador recorresse apenas a
conceitos descritivos a lei tornar-se-ia rapidamente
obsoleta.

67
§ É neste sentido que o legislador, em vez de recorrer a descrições
taxativas, muito recorre a conceitos indeterminados.
• Contudo, o conceito indeterminado tem de ser
determinável, no sentido de ser objetivável à garantindo
a certeza na aplicação do Direito e a defesa da segurança
do particular contra possíveis arbítrios.

§ Uma norma que contenha um conceito indeterminado que não


seja determinável/ objetivável é inconstitucional por violação do
princípio da legalidade à por violação do ART. 29º CRP.

Cap. II – A interpretação da lei penal e a integração de lacunas


Isto tem ainda consequências ao nível da interpretação penal, que deve ser teleológica.
Assim, não é uma interpretação puramente declarativa, gramatical da lei – NÃO VALE
POR SI – vale apenas como meio de acesso ao espírito da lei.
Ø O elemento gramatical da lei não vale por si, portanto a perspetiva do intérprete
penal tem de seguir a teleologia à admite-se a interpretação declarativa,
extensiva, restritiva, mas essa interpretação tem de ter o mínimo de
correspondência com a lei.
o Tem de se descortinar o sentido da lei e o valor subjacente a ela.

Coloca-se um problema: interpretação atualista e objetiva ou historicista e


subjetiva?
o A diferença aqui contende com o facto de:
§ Saber se o intérprete deve ir à procura daquela que foi a vontade
do legislador histórico; daquele momento em que elaborou a lei
à Histórica e Subjetivista;
§ Ou se o legislador deve procurar o sentido objetivo da lei e ao
mesmo passo adaptá-la às circunstâncias do tempo à Atualista e
Objetivista.

Na opinião do prof o que importa é descortinar o sentido objetivo que


a norma comporta e adaptar o conteúdo desse concreto preceito legal
ao tempo e às circunstâncias concretas que o julgador está a apreciar
em cada caso.
o INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA - a letra da lei não
vale por si, vale apenas como expressão do juízo de valor
subjacente –, DE SENTIDO OBJETIVISTA E
ATUALISTA.

Quanto à analogia suscitam-se algumas limitações.


Ø Na nossa lei, à semelhança do que acontece com os direitos penais modernos,
proíbe-se a analogia em tudo o que é matéria desfavorável ao arguido à matéria

68
de fundamentação da responsabilidade, de agravação da responsabilidade ou
agravação do regime das medidas de segurança.
o Inversamente, em tudo o que for favorável o arguido – exclusão da
responsabilidade, exclusão da ilicitude da culpa ou da pena –, já se
admite por inteiro o recurso à analogia.

Ø O valor que está subjacente ao princípio da legalidade é a segurança dos


particulares perante possíveis arbítrios do julgador, pelo que a maior liberdade
dada ao legislador é em matérias que não comportem prejuízo para os concretos
arguidos.
o Assim, em matéria de fundamentação da responsabilidade, de agravação
das penas ou de agravação das medidas de segurança a analogia é
proibida.
§ Vigoram aqui, salvo a proibição da analogia em matéria
desfavorável arguido, os princípios gerais de interpretação
jurídica, que não são normas civis, mas sim princípios gerais de
Direito.

Ø Tudo o dito vale tanto para a analogia legis ou analogia iuris:


o Na analogia legis há um regime expressamente previsto na lei previsto
para um caso análogo (transporta-se para o caso que o juiz está a julgar, e
que não está previsto na lei, o regime de outro caso previsto na lei);

o Ao passo que na analogia iuris não há nenhuma norma na lei que de


forma analógica se pudesse aplicar ao caso (aqui o juiz cria uma norma
autónoma).

Por outras palavras, não se pode recorrer à analogia em matéria de


fundamentação da responsabilidade, de agravação das penas ou de agravação
das medidas de segurança.
o Isto encontra correspondência expressa no ART. 1.º do Código Penal
(CP).
§ n.º 1 – Princípio da legalidade do crime e princípio da legalidade
das penas;

§ n.º 2 – Princípio da legalidade das medidas de segurança à As


medidas de segurança prosseguem exclusivos objetivos de
prevenção social, mas nem sempre assim foi, nomeadamente no
CP anterior dizia-se que as normas relativas a medidas de
segurança eram de aplicação imediata, uma vez que as medidas
de segurança pretendiam agir contra a perigosidade.

o Este regime não era uma especificidade do direito português à era o


regime contemplado na generalidade dos Códigos Penais da época.
§ Em termos teóricos esta era a solução correta, porque
verdadeiramente o estado de perigosidade é um modo de ser que
69
se prolonga no tempo – se se chegou à conclusão de que se
justifica, ao contrário do que estava na lei anterior, a aplicação de
uma medida de segurança devia aplicar-se em nome da
preservação dos bens jurídicos essenciais.
• Todavia, sabe-se que, por vezes, o legislador chama uma
coisa àquilo que não é – este regime abria as portas a usus
do legislador.
• Precisamente este regime fazia isso, porque bastava o
legislador chamar de «medida de segurança» a uma
«pena», para com isso violentar o princípio da legalidade.
Ex.: na lei antiga a aplicação de uma medida de segurança
dependia de 5 requisitos e o delinquente só preenchia 4 – não
se poderia aplicar qualquer medida na base da lei velha; mas
com base na nova lei o legislador diz que bastam aqueles 4
que o arguido anteriormente preenchia – bastava o legislador
chamar medida de segurança a uma pena para aplica-la
retroativamente.

o Por isso o Direito português, à semelhança dos Direitos modernos,


equipara o regime das medidas de segurança ao das penas em matéria de
legalidade.
§ Portanto, também as medidas de segurança só podem ser
aplicadas desde que os pressupostos requeridos para aplicação
estejam estabelecidos em lei anterior.
§ Daí que nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do ART. 1.º CP, e à
semelhança do que acontece noutros direitos penais, vamos falar
do princípio da legalidade do crime, da pena e das medidas de
segurança.
• No n.º 3 confirma-se o que se diz quanto à matéria de
interpretação da lei penal e de integração das suas lacunas.

É, portanto, a única limitação que se coloca ao penalista.


o Como se disse, vigoram aqui os princípios gerais da
interpretação da lei e integração de lacunas com a única
limitação de que não se pode recorrer à analogia, seja legis ou
iuris, em tudo o que for matéria desfavorável ao arguido.
Cap. III – A aplicação da lei penal no tempo
Posto isto, foi dito o essencial quanto ao princípio da legalidade. Só que daqui decorrem
consequências para a matéria da aplicação da lei penal no tempo:
Ø Como se sabe, os processos penais demoram muito tempo e pode acontecer que
no momento da prática dos atos esteja em vigor uma lei, no momento de
primeira instância já esteja uma segunda lei e no momento do julgamento de
recurso já esteja em vigor outra.

70
o Aqui, vigora o princípio da não retroatividade da lei penal/
irretroatividade da lei penal à a lei aplicável é a que está em vigor no
momento da prática do crime.
§ Portanto, podemos dizer que este princípio da não retroatividade
da lei é um corolário lógico do princípio da legalidade – ART.
2.º/1 CP «Aplicação no tempo» + ART. 29.º CRP.

Ø Se a lei aplicável, de acordo com este artigo, é a lei em vigor no momento da


prática do facto suscita-se a questão de qual o critério a que devemos atender
para determinar o momento da prática do facto.
o Como se sabe existem crimes que não se consomem com a conduta –
para a consumação do crime é necessário que se veja o resultado.
§ Sucede que muitas vezes entre um momento e outro – p.ex., entre
o momento da conduta homicida e do resultado morte –, medeia
um longo espaço de tempo
Ex.: tiro homicida, mas a vítima só morreu 15 dias depois – entre este
tempo houve uma sucessão de leis no tempo.

o No momento da conduta estava em vigor L1 e no momento do resultado


estava L2 – a lei adotou o do momento da prática da conduta – ART. 3.º
CP (critério unilateral).
§ Percebe-se isto, uma vez que é no momento da prática da conduta
que o agente tem de saber quais as consequências jurídicas da
prática dessa conduta – há aqui uma regra de lealdade.
• Ora, as exigências de certeza e segurança subjacentes ao
princípio da legalidade e ao seu corolário, o princípio da
irretroatividade da lei penal, impõem que o critério seja o
do momento da conduta e, por isso, no nosso exemplo,
L1.

§ Este critério unilateral para a determinação do momento da


prática do facto está plasmado expressamente no ART. 3.º CP
«Momento da prática do facto».

Ø Porém, há EXCEÇÕES a este princípio:


o Aplicam-se retroativamente as leis penais de conteúdo concretamente
mais favorável ao arguido.

o Sem dúvida que o princípio geral é o de que é aplicável a lei penal


existente no momento da prática do facto (momento da conduta). No
entanto, há a exceção da aplicação retroativa das leis concretamente mais
favoráveis.

E o fundamento para isto é só um:

71
o Se a uma nova e, em princípio, melhor consideração das coisas, o
legislador entendeu que a defesa dos bens jurídicos em causa pode ser
acautelada através de uma sanção mais leve, não faz sentido que se
continue a aplicar a sanção mais pesada da lei vigente na prática do facto.
§ Por outro lado, isto cabe ainda dentro do princípio da legalidade –
pretende-se evitar que o arguido venha a sofrer a pressão do
poder legislativo ou do poder judicial.

§ Portanto, afigura-se de consagrar esta exceção ao princípio da não


retroatividade da lei penal.

Ø Quanto a este princípio da lei penal retroativa, que é uma exceção ao regime
geral, temos de distinguir duas situações:
o Lei nova comportar a descriminalização da conduta à a lei vigente
no momento da prática da conduta foi substituída por outra que eliminou
a infração penal
o Lei nova comporta a despenalização da conduta à a lei nova
continua a qualificar a conduta como um crime, mas estabelece uma
sanção concretamente mais favorável.
Estas duas situações têm um regime diverso na nossa lei:
o A este propósito importa referenciar os nºs 2 e 4 do ART. 2º CP.
§ No caso do nº 2, quando há uma descriminalização total, deixa de
se aplicar sanção.
• E justifica-se se a conduta deixou de ser qualificada como
crime deixa de fazer sentido aplicar-se pena.
o Mesmo que tenha havido sentença transitada em
julgado, e mesmo que o agente esteja a cumprir
pena, cessa imediatamente esse mesmo
cumprimento da pena.

• Este é o regime do ART. 2.º/ 2 CP que respeita então às


hipóteses de descriminalização.

§ O nº 4, por sua vez, abrange tão só as hipóteses de


despenalização – a lei nova é concretamente mais favorável.
• Contudo, neste nº 4, para além das hipóteses de
despenalização, existem algumas hipóteses de
descriminalização.

• Neste caso, a conduta continua a ser crime, mas aplica-se


retroativamente a lei nova se esta implicar uma pena
concretamente mais favorável.

Nota:

72
o Concretamente mais favorável e não em abstrato, porque pode
a lei nova em abstrato até estabelecer uma sanção mais grave
e implicar uma pena concretamente mais favorável.
Ex.: a lei do momento da prática do facto contemplava prisão de 2
a 4 anos; a lei estabelece de 4 a 6 – em princípio a lei nova é mais
desfavorável.
Mas suponha-se que a lei nova contempla uma causa de exclusão
da pena que não estava na lei antiga e que é aplicável ao caso – a
lei nova apesar de ter uma pena abstrata mais grave acaba por ser
em concreto menos grave e, portanto, tem de aplicar-se
retroativamente
o O que significa, portanto, que perante estas situações o juiz tem de fazer
dois julgamentos do caso:
§ Aplicar a lei antiga, aplicar todos os mecanismos da lei antiga ao
caso e ver a sanção a que se chega;
§ E, posteriormente, aplicar a lei nova ao caso, aplicar todos os
mecanismos da lei nova e ver a sanção a que chega.

§ E será em função da comparação dos dois resultados a que chega


que vai determinar qual a lei concretamente mais favorável.
• Pode até acontecer que para um caso a lei nova seja mais
favorável e que para outro caso já não o seja.

§ Em concreto, é em função das caraterísticas do caso e julgando o


caso à luz da lei existente no momento da prática da conduta e à
luz da lei nova que se conclui qual a lei mais favorável ao agente.

o O n.º 4 tem uma parte final que convém explicar:


§ A redação originária do Código Penal de 1982 não contemplava
esta parte final do n.º 4.
§ A redação originária estabelecia que, por oposição às situações de
descriminalização do n.º 2, relativamente aos casos de
despenalização o respeito pelo caso julgado.
• Assim, se o agente já tivesse sido condenado por sentença
transitada em julgado não havia a possibilidade de aplicar
uma lei nova – QUESTÃO DA SOBRECARGA DOS
TRIBUNAIS AO TEREM DE REAVALIAR
PROCESSOS CUJAS PENAS ESTIVESSEM EM
EXECUÇÃO.

§ Todavia, em 2007 o legislador encontrou uma solução, que é a


que consta da parte final do ART. 2.º/ 4 CP.
• O legislador vem agora dizer que o agente foi julgado e
está a cumprir pena.

73
• Nesse sentido, não havendo novo julgamento do caso, a
pena do agente cessa logo que se atinja o máximo de pena
estabelecido na lei nova.
Ex.: no momento da prática do facto, o crime X tinha uma pena
de 4 a 6 anos de prisão e aquele concreto agente foi condenado a
5 anos de prisão. Entretanto, enquanto cumpre a pena sai uma
nova lei que estabelece para aquele crime uma pena de 2 a 4 anos
de prisão.
§ De acordo com a parte final do ART. 2º/4 CP, logo que ele tiver
cumprido os 4 anos será liberto.

§ Por outras palavras, continua a verificar-se o respeito pelo caso


julgado, havendo apenas a limitação de que o agente não cumpra
pena para alem do tempo estabelecido na lei nova.
• Desta feita, o tribunal não vai reavaliar toda a matéria de
facto e de direito constante/ convocada pelo caso
concreto, vai apenas ater-se ao facto de concluir se o caso
se enquadra ou não na previsão da lei nova – determina
que o agente cessará de cumprir a pena logo que atinja o
máximo previsto na lei nova.

À primeira vista há quem diga que o n.º 2 e o n.º 4 cristalizam nos


regimes da descriminalização e da despenalização respetivamente.
Contudo, não é assim.

Ø Existem situações de descriminalização que se traduzem na conversão de um


crime numa infração de outra natureza.
o Quer dizer: a conduta era qualificada como crime na lei do momento da
prática do facto, mas vem uma lei nova que a descriminaliza, não no
sentido de a conduta passar a ser lícita para a ordem jurídica e sim no
sentido de que em vez de crime passa a ser contraordenação (por
exemplo).
§ Ora, não podemos pensar que estes casos estão no ART. 2º/2 CP,
porque isso levaria a vazios de punição.
• Pense-se no caso da descriminalização do crime em
contraordenação.

§ Se se aplicasse o n.º 2 deixar-se-ia de poder aplicar sanção,


porque este diz que cessam a execução e os efeitos penais.
• Contudo, também não se pode aplicar a lei nova, porque o
direito de mera ordenação social tem a proibição da
aplicação retroativa da lei contraordenacional – O QUE
LEVARIA A UMA SITUAÇÃO CLARA DE
IMPUNIDADE.

74
o O que o legislador quis dizer não foi dizer que a conduta passou a ser
licita para a ordem jurídica, o que quis foi substituir um regime
sancionatório criminal (mais pesado) por um regime contraordenacional.
§ Assim, conclui-se que o regime n.º 2 apenas se aplica às
descriminalizações puras e simples à aquelas que se traduzem
em converter uma conduta que era crime para uma conduta lícita
em todo o ordenamento jurídico.
Ex.: interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas.
o Estas são as únicas situações contempladas no n.º 2. Já as outras estão
contempladas no n.º 4, o que significa que o legislador substituiu o
regime penal por um regime não penal (que deve ser o aplicado).

Ø Tudo isto encontra apoio na letra da lei - «Quando as disposições penais


vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das
estabelecidas em leis posteriores…» à Não diz que são leis penais posteriores;
diz apenas que são leis posteriores.
o De acordo com o elemento literal do n.º 4 resulta que o regime deste
artigo se aplica tanto às hipóteses de despenalização como às hipóteses
descriminalização que se traduzam na conversão de um crime numa
fração de outra natureza.
Ex.: conversão de um crime em contraordenação.
Ø Um outro problema: as Leis intermédias.
o São as que vigoram entre o momento da prática do facto e o momento do
julgamento, sem, todavia, estar em vigor em nenhum destes momentos.
Ex.: no momento da prática do facto está em vigor a L1, já no momento
da instrução está a L2, no momento de julgamento da primeira instância
está a L3 e no momento do julgamento do recurso está L4.

Será que as leis intermédias contam para a determinação da lei concretamente


mais favorável (L2 e L3)?
o A resposta é positiva.
o Neste caso o juiz teria de fazer uma espécie de 4 julgamentos, aplicando
ao caso as quatro leis e ver qual delas seria a solução mais favorável ao
arguido, aplicando-a.
§ E a razão de ser disso é o facto de o arguido não ter culpa na
morosidade do processo – ao arguido não pode ser imputada a
consequência de o seu julgamento não ocorrer na vigência da lei
intermédia mais favorável – ART. 2.º/ 4 CP.

o Se se voltar a ler o ART. 2º/4 CP, voltamos a ter a questão «em leis
posteriores» - que nos remete para QUALQUER lei posterior.

75
§ Assim, as leis intermédias relevam ainda para efeitos da
determinação da lei penal concretamente mais favorável.

Ø Diferentes das leis intermédias é o programa das chamadas Leis Temporárias


ou de Emergência.
o São leis criadas especialmente para situações de exceção (crise
económica, crise de saúde, estado de guerra, estado de sítio).
§ Ou seja, são situações que apontam para regimes muito mais
severos do que aqueles que constam da lei.

o E as crises, por norma, têm uma duração limitada a contrastar com as


demoras do processo penal.
§ O que sucede é que em muitos crimes praticados durante a
vigência da lei de emergência só vêm a ser julgados depois de
passada a crise e, portanto, quando já voltou a vigorar a lei
comum menos severa.

O problema que se põe é de saber como se resolvem estes casos?


o Ora, é para colmatar esta questão que surge o ART. 2º/3 CP.
§ O que o legislador quis dizer é aquilo que alguma doutrina chama
de ultra atividade das leis temporárias/ de emergência.

o Por outras palavras, o n.º 3 está a dizer é que os crimes praticados na


vigência da lei de emergência serão sempre julgados à luz dessa lei de
emergência, ainda que na data do julgamento esta já não esteja em vigor.
§ Isto serve para evitar a inutilização prática da lei de
emergência.
• O regime do n.º 3 prende-se com o fundamento material
da aplicação retroativa das leis penais concretamente mais
favoráveis à se a um novo juízo de valor o legislador
chegou à conclusão de que os interesses jurídicos em
causa podem ser protegidos por um regime menos severo,
então, não faz sentido que se aplique o regime mais
severo do momento da prática do facto.

§ Contudo, tal não se aplica no caso das leis de emergência – isto


porque a lei de emergência cessou de vigorar, não por alteração
do juízo de valor do legislador, mas por uma alteração da
própria situação de facto.
• Assim, em relação aos crimes praticados durante a crise o
legislador mantém o seu juízo de valor de maior
severidade.

76
o Sintetizando:
§ Com este ART. 2º/3 CP, o legislador quis estabelecer uma
radical separação entre as leis comuns e as leis de emergência.
• O crime praticado no quadro de vigência de uma lei
comum jamais poderá ser punido à luz de uma lei de
emergência e um facto praticado na vigência de uma lei
de emergência jamais poderá ser punido à luz de uma lei
comum.

o Agora dentro destes dois regimes vigoram os princípios gerais, como a


aplicação retroativa da lei mais favorável – MAS ATENÇÃO
Nota: para os crimes praticados no âmbito da lei comum, aplica-se
uma lei comum mais favorável; ao passo que para os crimes
praticados no âmbito de uma lei de emergência, aplica-se a lei de
emergência mais favorável (esta segunda hipótese é muito incomum,
mas veja-se um exemplo):
Ex.: suponha-se que houve uma seca para a qual o legislador
estabeleceu uma pena de 4 a 8 anos para uma determinada conduta de
dispêndio de água. O agente que praticou tal conduta foi condenado a
6 anos.
Em virtude de protestos, o legislador admite que, mesmo atendendo à
crise, a punição é severa de mais e promulga uma lei que estabelece
uma pena menos grave.
Agora admita-se que, posteriormente, houve chuvas e a gravidade do
estado de crise diminuiu. Ora, em virtude disso a pena passa a ser de
4 a 6 anos. Neste caso não houve alteração da conceção do legislador,
mas sim do circunstancialismo fáctico – aqui falta o pressuposto
material da aplicação retroativa da lei mais favorável.

o Por último, um ponto que ocasionou alguns problemas na nossa ordem


jurídica e que tem que ver com a alteração das conceções do legislador
relativamente à natureza de um certo crime.
Ex.: crime de cheques sem provisão – até 1990, o cheque sem provisão
era considerado um crime contra o bem jurídico «confiança publica no
cheque» (lesava de forma significativa os interesses económicos – por
isso, a emissão de cheques sem provisão violava o bem jurídico da
confiança do cheque).
Em 1990, o legislador altera a sua visão e vem considerar o cheque sem
provisão uma burla especial (assim, seria um crime contra o património,
uma vez que a burla se traduz no facto de o burlão induzir em erro a
vítima, que em virtude desse erro, entrega espontaneamente ao burlão os
valores em causa)

77
§ Pois bem, perante esta alteração legislativa não faltaram pessoas
que disseram que houve um vazio de punição à houve uma
descriminalização seguida de uma neocriminalização.
§ Verificou-se um fenómeno idêntico numa outra situação, mas aí
as pessoas não tiveram a “frieza” de argumentar da mesma
maneira.
• Até 1995, o crime de violação e outros crimes sexuais
eram concebidos como crimes contra os bons costumes (o
bem jurídico era a moral sexual).
• Não obstante, a partir dessa data os crimes sexuais
tiveram-se como crimes que violavam a liberdade da
autodeterminação sexual.

§ A aplicarmos a lógica que alguns dos nossos tribunais aplicaram


no exemplo anterior, também aqui teríamos de dizer que houve
uma descriminalização seguida de uma neocriminalização.
• O crime de violação enquanto atentado aos bons costumes
desapareceu e foi criado um novo (crime de violação
enquanto atentado à liberdade de autodeterminação).

o Nestas hipóteses em que se verifica a alteração do bem jurídico não há


nenhuma descriminalização.
§ HÁ UMA CONTINUIDADE DO ILÍCITO à aquilo que se pune
não é o que se pune é o porquê de se punir.
§ Assim, de acordo com o princípio da legalidade o arguido só
tem direito a não ser punido mais gravemente do que o que
resultaria da lei que estava em vigor no momento da prática.
• Tirando isto o arguido não tem direito a um número, a um
nome, nem a uma teoria – nestes casos o que se muda não
é o que se pune, não havendo, pois, qualquer
descriminalização.

Nota: tem-se unicamente em causa a questão da aplicação retroativa


da lei penal mais favorável.

Ø Importa referir um último ponto: recorde-se que, quanto à aplicação da lei penal
no tempo, a lei aplicável é a lei do momento da prática do facto. Posto isto, viu-
se que para determinar o momento da prática do facto (entre o momento da
conduta ou o momento do resultado), o ART. 3º CP nos dava a resposta.
o Todavia, há crimes cuja EXECUÇÃO SE PROTELA NO TEMPO.
Ex.: cárcere privado – sequestro.
Suponha-se que alguém foi sequestrado durante uma semana e que durante essa
semana houve uma sucessão de leis no tempo, que lei aplicamos – a do momento
do início ou do término do sequestro?

78
o São os chamados crimes de execução permanente/ duradoura à não de
efeitos permanentes, uma vez que de efeitos permanentes são quase
todos.
§ Assim, a cada fração mínima de tempo que decorre o crime está a
executar-se e a consumar-se, simultaneamente.
§ Logo, em face do tal critério do momento da conduta do ART.
3.º CP, temos de perguntar verdadeiramente quando é que o
crime foi executado e qual a lei aplicável – a lei do início ou a lei
do fim?
• Se a lei nova estabelece uma pena mais leve –
concretamente mais favorável – isso não levanta problema
e aplica-se a regra da aplicação retroativa mais favorável.
• O problema é se a lei nova é concretamente mais
desfavorável.

Doutrinas:
o Há autores que defendem a aplicação da nova lei, como se o delinquente
adquirisse um direito - a partir do momento em que começou a praticar o
sequestro mais favorável, pois, então, tem direito a ficar com ela.
o Com a preocupação da garantia dos particulares, diz-se que nestes casos
há que partir o crime de sequestro em dois – até à entrada em vigor da lei
nova nós tínhamos um sequestro regido nos quadros da lei velha; do
momento em diante em que entrou em vigor a lei nova temos um
segundo crime de sequestro punido mais gravemente à luz da lei nova
§ Esta é falsamente garantística, porque vai aplicar aos casos um
regime mais desfavorável, uma vez que esta doutrina traduz um
crime só num concurso de crimes de sequestro.
• O concurso de crimes é sempre punido mais severamente
do que a unidade criminosa.

o O Professor Dr. Almeida Costa entende que relativamente aos crimes


permanentes o agente vai sempre ser punido à luz da lei mais recente,
seja ela mais favorável ou não.
§ O Prof. Dr. Almeida Costa defende esta perspetiva, porque,
apesar de o agente ter iniciado o sequestro na vigência de uma lei
mais favorável, se continuou o crime permanente (p. ex., o
sequestro) quando houve a alteração para uma lei mais
desfavorável o arguido consentiu com a sanção da nova lei.

Ø Sintetizando:
o Relativamente aos crimes permanentes, sempre que se verifique a
sucessão de leis no tempo durante a execução do crime permanente, o
professor entende que se aplica sempre a lei mais recente, seja ela mais
favorável ou não.

79
o Por outro lado: ao regime dos crimes permanentes a nossa lei
EQUIPARA o crime continuado, que se traduz numa situação de
concurso de crimes, só que, desde que preenchidos certos requisitos
(ART. 30.º CP), a nossa lei manda tratar essa situação de concurso de
crimes como um só crime continuado à funde essas várias infrações na
figura do crime continuado.
§ Portanto, a nossa doutrina, em relação ao crime continuado,
manda aplicar o mesmo regime que se aplica aos crimes
permanentes – neste domínio verificam-se as mesmas
possibilidades de solução que para os crimes permanentes.

Cap. IV – A aplicação da lei penal no espaço


A vida moderna internacionalizou-se, e tal como a vida lícita, também a criminalidade
se internacionalizou – há crimes que são transfronteiriços, cuja execução se projeta no
território de vários Estados, uma vez a conduta é num Estado e o resultado verifica-se
noutro.
Ø O problema da aplicação da lei penal no espaço tradicionalmente era conhecido
como o Direito Penal Internacional – é direito interno e é composto pelo
conjunto de regras que em cada Estado balizam o âmbito espacial da aplicação
da lei penal – ARTs 4.º a 7.º CP.
Historicamente debatiam-se dois princípios fundamentais:
o Princípio da nacionalidade ou da personalidade do Direito: o estatuto
jurídico da pessoa acompanha-o onde quer que ela estivesse, pelo que
todos os factos e os crimes que praticasse seriam regulados pela sua lei
nacional.

o Princípio da territorialidade (dominante no Direito Penal moderno): a lei


penal aplica-se a todos os crimes praticados em território nacional,
independentemente da nacionalidade do agente e da nacionalidade da
vítima (princípio maioritário).

Ø O Direito Penal é uma dimanação da soberania do Estado e, portanto, o


exercício do ius puniendi penal tem os mesmos limites, em geral, do exercício
da soberania desse Estado (que é o seu território).
o Este princípio impôs-se desde logo por razões de ordem prática.
§ É no lugar onde o facto foi praticado que é mais fácil a deteção
do criminoso, mais fácil a recolha da prova, é nesses lugares que
se faz sentir a maior necessidade de repressão do criminoso.

o Por outro lado, a este argumento prático somou-se um argumento


relacionado com a própria natureza da intervenção penal – o Direito
Penal pretende tão só preservar os bens jurídicos essenciais à

80
convivência comunitária NAQUELE CONCRETO ESTADO à o que é
praticado fora do seu território é, em princípio, irrelevante.
§ Daí que, na base destas duas razões, mas sobretudo com base na
última, o princípio da territorialidade se tenha imposto como o
princípio basilar da aplicação da lei penal.
§ Portanto, a lei penal portuguesa é aplicada a todos os factos
praticados em território nacional, independentemente da
nacionalidade do agente ou da vítima – ART. 4º CP.
• Por território português – al. a) – entende-se o território
terrestre, o território fluvial e o território marítimo, e
ainda o espaço atmosférico que recobre estes territórios
anteriormente referidos.
o Assim, este é o limite do exercício do ius puniendi
penal português.

• Mas depois a al. b) alarga o critério da territorialidade


com o chamado «critério do pavilhão».
o Qualquer navio ou aeronave português que esteja
em espaço aéreo, ou em mar alto ou num lugar que
não tenha soberania de outro Estado é considerado
também território português.

Nota: leia-se a alínea b) com a nota: ‘desde que estejam em espaço


nacional’.

o Sublinha-se que este critério do pavilhão teve recentemente - DL nº


254/2003, de 18 de outubro – o alargamento através dos ARTs 3.º e 4.º,
que alargam a lei penal portuguesa na base do princípio da
territorialidade a aeronaves de pavilhão estrangeiro, mas que estejam a
atuar sobre a direção de um nacional português.
§ É claro que, como resulta destes ARTs 3.º e 4º do DL, esta
extensão do critério do pavilhão só vale para os crimes mais
graves – enunciados no catálogo dos mesmos artigos.

o Depois, este DL envolve um alargamento mais:


§ Considera a lei penal portuguesa competente na base do princípio
da territorialidade, relativamente a crimes praticados a bordo de
aviões de pavilhão estrangeiro, a atuarem sob a direção de um
agente estrangeiro, quando o primeiro lugar de escala desse avião
após a prática do crime seja território português.
• Há aqui a especialidade de a lei dar a possibilidade ao
comandante do avião de decidir se entrega o agente
delinquente às autoridades portuguesas – caso em que a
lei penal portuguesa será competente com base no
princípio da territorialidade – ou se o pretende levar para
o pais de origem.

81
o Assim, de acordo com o ART. 4.º CP, o princípio basilar da aplicação da
lei penal no tempo é o da territorialidade à integrado com o critério do
pavilhão e com as designadas extensões do DL.

Ø Posto isto, se o critério basilar é o princípio da territorialidade, a lei penal


portuguesa é competente para se aplicar a todos os crimes praticados em
território português, independentemente da nacionalidade da vítima, põe-se o
problema de determinar o critério que preside à definição do lugar da prática do
crime.
o A este propósito o ART. 7.º CP estabelece um critério plurilateral
(bilateral) à considera-se o facto praticado em Portugal, tanto na
hipótese de ocorrer em território português a conduta, tal como na
hipótese de ocorrer em território português o resultado.
§ A razão da nossa lei, à semelhança das leis penais modernas,
adotarem este critério bilateral é PARA EVITAR CONFLITOS
NEGATIVOS DE COMPETÊNCIA (VAZIOS DE
PUNIÇÃO)
Ex.: um cidadão português (em Portugal) dispara na fronteira com
a Espanha e mata um senhor que estava na Espanha – se a lei
penal portuguesa adotasse o critério unilateral da verificação do
resultado a lei portuguesa não era competente. Por outro lado, se a
lei penal espanhola adotasse o critério unilateral da conduta
também não seria competente à DAR-SE-IA UM VAZIO DE
PUNIÇÃO.
o É claro que com este critério evitamos os conflitos negativos de
competência (e com isso, os vazios de punição), mas aumentamos os
conflitos positivos de competência – aumentamos a possibilidade de
várias legislações penais se considerarem competentes.

Questiona-se se não se poderia, nesse sentido, violar o princípio do ne bis in


idem?
o Este problema, na realidade não existe, uma vez que para estes conflitos
positivos de competência há resultado – se o agente já tiver sido julgado
por um crime no estrangeiro, impede-se que o mesmo possa voltar a ser
julgado e condenado pelo mesmo crime.
§ Não obstante, os conflitos negativos de competência não têm
solução.
• É isso mesmo que resulta do ART. 7.º.
• Assim, o legislador, à semelhança do que acontece em
todas as legislações penais modernas vai entender estes
dois critérios, de modo amplíssimo, no objetivo de evitar
os conflitos negativos de competência.

82
Ex.: sai uma carga de droga pelo porto americano em
direção a um porto da Holanda. Contudo, está combinado
que um dos agentes da rede de tráfico em Portugal vai
ligar ao condutor a indicar o melhor porto para
desembarcar os estupefacientes.

Aqui temos um ato de cumplicidade – um ato lateral.


Contudo, desde que tenha ocorrido em Portugal um
qualquer ato de comparticipação, mesmo que seja o mais
insignificante, desde que seja penalmente relevante
justifica a afirmação de que o crime foi praticado em
Portugal.
(NÃO SE ATENDE APENAS AO RESULTADO
TÍPICO)

o Além disso, também se considera praticado em Portugal quando se


verificar o resultado, mas aqui há uma particularidade: tanto o resultado
típico como aquele que está para além do tipo de crime.
§ Resultado típico: fala-se a este propósito de crimes materiais ou
de resultado
Ex.: para que se verifique o homicídio não basta a conduta
homicida; a vítima tem de morrer.

§ A par destes crimes materiais há os chamados crimes de perigo,


que se consumam com a simples colocação em perigo do bem
jurídico.
Ex.: o crime da condução sobre o efeito de álcool – não é
necessário que haja um acidente para que esteja consumado o
crime; basta a simples conduta.
o Assim, mesmo que estejamos perante um destes crimes de perigo, se o
dano se vier a consumar em Portugal, é um resultado que está para além
do tipo, mas que vale também para fundamentar a competência da lei
penal portuguesa segundo o princípio da territorialidade.
§ O n.º 2 vem alargar mais, reportando-se aos casos de tentativa.
• A tentativa traduz-se a realização completa ou incompleta
de atos de execução a que não se sucede, por motivo
estranho à vontade do agente, a consumação do crime.
Ex.: A dispara sobre B, mas falha o tiro.
§ O legislador estabelece no n.º 2 que se considera praticado em
Portugal o crime quando a consumação que o agente queria
atingir era projetada ser em Portugal, ainda que a tentativa
proviesse e fosse contemplada fora de Portugal.

83
Ex.: vem um senhor de mota com droga da Holanda, com o
objetivo de a descarregar em Portugal. Contudo, é apanhado pela
Guarda Civil espanhola. Neste sentido, consegue fugir, mas é
apanhado pelas autoridades de segurança portuguesas – a lei
penal portuguesa é competente para julgar este caso à luz do
princípio da territorialidade, porque estamos perante um caso de
tentativa em que a consumação projetada era para ocorrer em
território português.
• Sendo assim, o conteúdo do princípio basilar da aplicação
da lei penal no espaço e as suas consequências quanto à
determinação do lugar do delito – tudo isto contemplado
no ARTs. 4.º + 7.º do CP – Direito Penal Internacional.

o Todavia, há exceções em que a competência especial da lei penal


portuguesa é alargada a factos praticados fora do território nacional:
§ ART. 5.º/1 CP – princípios subsidiários ou complementares do
princípio da territorialidade à princípios que vão alargar a
competência do Estado português a factos praticados fora do
território nacional.

§ Quanto aos princípios pela ordem que aparecem na lei, sendo


certa a necessidade de realização de uma hierarquização destes
princípios posteriormente. à Há sempre que discernir em que
princípio se vai apoiar a lei penal portuguesa, sendo que é óbvio
que devemos apelar sempre ao princípio mais forte (à relação
mais forte entre a lei penal portuguesa e o caso em causa).

Aplicação do DP no espaço (continuação)


Ø Posto isto, o ART. 5.º CP estabelece princípios subsidiários ou complementares
do princípio da territorialidade, que estendem a competência da lei penal
portuguesa a factos praticados no estrangeiro.
Artigo 5.º CP
«1. Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é
ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional.»

84
o «Salvo tratado ou convenção internacional em contrário», porque pode
o Estado português celebrar uma convenção em que acorda regras
diferentes das que estão aqui.
§ Mas, portanto, salvaguardada a existência de uma convenção
internacional que distribua de outro modo a competência
territorial da lei penal portuguesa, vale o regime que vamos
passar a analisar.

Ø O primeiro princípio que alarga a competência penal portuguesa a factos


praticados no estrangeiro está na alínea a). à O legislador não designa o
princípio, limitando-se a enunciar os artigos, com lacunas e com contradições,
sempre na base da exigência da particular certeza e segurança que se coloca à
justiça penal.
o «Quando constituírem os crimes previstos nos ARTs. 221.º, 262.º a
271.º, 308.º a 321.º e 325.º a 345.º»;
o Esta alínea a) respeita ao chamado Princípio da defesa dos interesses
nacionais à existem interesses que são específicos do Estado português
e que, por isso, independentemente do lugar em que crime teve lugar, a
lei penal portuguesa não reconhece competência superior à sua.
§ Assim, mesmo que praticado no estrangeiro, a lei penal
portuguesa considera-se competente.

Ø Na alínea b) vem um outro princípio, que é o caso especial do princípio da


nacionalidade, e numa fórmula muito particular.
o Vale aqui não como princípio fundamental, mas como um princípio
completar.
o Contudo, isto não significa qualquer contradição com aquilo que
dissemos quanto ao facto de as legislações penais modernas terem
postergado/ afastado/repudiado o princípio da nacionalidade.
§ Como princípio fundamental nesta matéria temos o princípio da
territorialidade, mas isto não impede que em casos contados, e
tão só como princípio subsidiário ou complementar do princípio
da territorialidade, o princípio da nacionalidade não possa
também intervir. E intervém logo na alínea b).
«b) Contra portugueses, por portugueses que viverem habitualmente em
Portugal ao tempo da sua prática e aqui forem encontrados;»

o É o caso em que tanto o agente como a vítima são portugueses.


o Há aqui a consagração cumulativa do princípio da nacionalidade ativa -
tem que ver com a nacionalidade do agente - com o princípio da
nacionalidade passiva - tem que ver com a nacionalidade da vítima - e
§ E depois, exige-se que ao tempo do crime o agente venha a ser
encontrado em Portugal.
Ex.: Caso de um empresário que vai celebrar um contrato para um
país muçulmano ortodoxo, só que “em Roma, é-se romano”, pelo que

85
como o lugar da mulher, nesse país é “em casa”, tranca-a no quarto,
obrigando-a a usar uma burka, ficando a esposa, enquanto está nesse
país, encontra-se sequestrada.
o É como se o crime tivesse sido praticado em Portugal e, por isso, não se
exige a dupla incriminação à não se exige, como vamos ver, na
consagração da nacionalidade da alínea e), que a conduta seja
considerada crime no país do lugar da prática do facto e na legislação
portuguesa – basta que seja crime perante a lei portuguesa.
ü Nota: quase só por acidente a conduta foi praticada no estrangeiro e,
por isso, a lei penal portuguesa considera-se competente, mesmo
quando a conduta não é considerada crime no estrangeiro.

Ø Em terceiro lugar temos o princípio da nacionalidade, mas contemplado de


modo diverso da alínea b) – estamos no âmbito da alínea e).
«e) Por Portugueses, ou por estrangeiros contra Portugueses, sempre que:
i) Os agentes forem encontrados em Portugal;
ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados,
salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e
iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou
seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção
europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o
Estado Português;»
o Aqui consagram-se separadamente o princípio da nacionalidade ativa
(por portugueses) e o da nacionalidade passiva (contra portugueses).
o Contudo, nestes casos exigem-se o preenchimento cumulativo dos três
requisitos enunciados nesta alínea:
§ O agente tem de se encontrar em Portugal (requisito de ordem
prática);
• Não vale a pena o gasto de tempo e de dinheiro que é a
instauração de um processo se o agente não se encontrar
em Portugal.

§ Os factos têm de ser puníveis pela legislação da prática do facto,


a não ser que nesse lugar não se exerça qualquer poder
político/soberania (requisito da dupla incriminação);
• Prende-se com a ideia de que o Direito Penal não defende
princípios supra-históricos, está tão-só a regular as
condições essenciais da convivência comunitária;
• Portanto, se no lugar da prática da conduta tal facto não
era crime, então não poderão os tribunais portugueses
julgar na base deste princípio.

86
Nota: está aqui a diferença em relação à alínea b), onde não é
necessária a dupla incriminação.
o Salvo se no lugar em causa não se exercer poder punitivo à
espaço internacional; mar alto; ou territórios onde nenhum
estado exerce a soberania (p.e., Antártida).

§ Os factos têm de constituir crime que admita extradição e esta


não possa ser concedida ou tem de ser decidida a não entrega do
agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro
instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado
Português;

• A extradição é um instrumento de cooperação


internacional, que consiste num Estado pedir a entrega de
um delinquente para que depois possa exercer sobre ele o
ius puniendi penal.

ü A EXTRADIÇÃO TEM LIMITES:


o Proibição da extradição de nacionais - nos sistemas
continentais, como o nosso, não era permitida em absoluto,
com base no princípio de que o Estado castiga, mas não trai os
seus súbditos – é como um “pai” que castiga o filho, mas não
o entrega.
§ Ao contrário do que acontecia no sistema anglo-
americano, onde é permitida, há muito tempo, a
extradição de nacionais.
§ A proibição de extradição de nacionais, era já a ideia
das monarquias ocidentais à o soberano castiga os
seus súbditos, mas não os entrega a terceiros.

§ Todavia, em relação a crimes de terrorismo internacional ou de


organizações criminosas internacionais, é necessária uma
cooperação mais forte entre Estados para combater estes
fenómenos, pelo que a nossa CRP (ART. 29.º) e a generalidade
das leis, vieram permitir a extradição de nacionais nestes casos.

Nota: se for terrorismo nacional ou organizações que operam apenas


no plano nacional já não é possível a extradição.

Para alem da limitação da nacionalidade, existem outras limitações à


extradição:
§ O facto de o país que pede a extradição contemplar sanções
consideradas inadmissíveis à luz da lei portuguesa, ou seja,
inadmissíveis no quadro do respeito da dignidade humana,
subjacente a um Estado de Direito à pena de morte, prisão
perpétua, ofensas corporais.

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§ Ora, há outras limitações respeitantes ao processo, sabe-se que
um Estado de Dto o processo tem de ser um processo de
garantias: onde haja a garantia dos Direitos Fundamentais de
todos os participantes na lide, e em particular, do próprio arguido.
• O facto de o Estado que pede a extradição não cumprir
certo tipo de requisitos é também fundamento da recusa
da extradição.

§ Último requisito em causa nesta terceira al. e) à Afasta-se a


extradição em relação a crimes de certa natureza: nomeadamente
crimes especificamente políticos e especificamente militares.
• Fala-se aqui em crimes de opinião, especificamente
políticos e especificamente militares (aqueles que são
específicos da instituição que as prensa).
• Entende-se que nestes casos estão em causa interesses de
um Estado em causa e que, por isso, não podem ser
fundamentos da cooperação judiciária internacional.

o Na base desta explicação sumaria do instituto da extradição temos


condições para compreender esta terceira subalínea da alínea e).
§ Crime que admita extradição refere-se à sua natureza: NÃO
PODE SER DE NATUREZA ESPECIFICAMENTE MILITAR
OU POLÍTICA;
• Desde que se trate de um crime que não tenha nenhuma
destas naturezas e desde que a extradição possa ser
possível, então Portugal dá preferência ao país da prática
do facto – não será competente, extradita.
Portugal só será competente na base do pp da territorialidade,
só quando se trate de:
• De um crime que não é de natureza especificamente
política ou militar;
• E não seja possível, por qualquer um dos outros motivos
enunciados, a extração.

Recorde-se, voltando ao pp em geral:


o Nesta al. e) estão consagrados em separado tanto o pp da
nacionalidade ativa – o agente ser português – como de
nacionalidade passiva – a vítima ser portuguesa.
o Todavia, para a lei portuguesa se aplicar ao caso, será
necessária a verificação cumulativa dos 3 requisitos.

Ø Segue-se um 4º pp, que é o princípio da universalidade ou da aplicação


universal, que está contemplado nas alíneas c) e d).

88
o Tradicionalmente, tinha a ver com os crimes contra a paz e a
humanidade.
Ex.: genocídio, rapto, terrorismo – crimes que contendiam e
ofendiam valores que eram património de toda a humanidade.
§ Dizia-se que, onde quer que o crime fosse praticado, toda a
humanidade era atingida e, por isso, qualquer Estado, na base
deste princípio, teria legitimidade para punir o criminoso,
independentemente do lugar da prática do crime.

o Entretanto, houveram modificações.


§ Desde logo, os crimes de terrorismo estão hoje em legislação
especial e, portanto, saíram deste princípio – valem as regras de
aplicação penal no tempo previstas nessa convenção, que já faz
parte do dto interno;
§ Por outro lado, o legislador incluiu, nos últimos tempos, nestas
als. c) + d), os crimes ambientais e os crimes sexuais contra
crianças à o legislador entendeu que a estes crimes estaria
subjacente o mesmo espírito dos crimes incluídos no âmbito deste
princípio da universalidade.

o Todavia, se se vir na parte final da alínea c) e da d) há uma restrição:


§ «(…) quando o agente seja encontrado em Portugal».
§ Isto, porque, não faz sentido instituir um processo num tribunal
português por, p.e, um genocídio praticado pelo mundo fora, por
exemplo;
• Isto por motivos de ordem pratica.

§ E só quando não for possível a extradição pela prática do facto é


que a lei penal portuguesa se poderá aplicar na base deste
princípio.
• Percebe-se que a lei penal portuguesa, nestes casos, dê
preferência à lei penal do lugar da prática do facto.

Ø O último princípio está na alínea f) e só foi introduzido com a reforma do


Código Penal de 1998, e que consagra o que se convencionou denominar-se de
princípio da aplicação supletiva da justiça penal.
o É um exemplo da legislação alemã.
o Este princípio foi introduzido como uma espécie de válvula de segurança
à já se viu que a grande preocupação da aplicação da lei penal no tempo
é evitar os conflitos negativos (vazios de punição).
§ Foi essa a razão para a adoção de um critério bilateral, quanto ao
lugar da prática do crime/ facto/ sede do delito; é também essa a
razão que leva a que todos os pp, sejam sempre entendidos da

89
forma mais lata possível; e que esteve, então subjacente a este pp
da aplicação supletiva da justiça penal.
Ex.: o assalto a um comboio correio no Reino Unido – o grande cérebro
(alemão) desse assalto refugiou-se no Brasil.
O Reino Unido pediu extradição, mas o Brasil não a concedeu, uma vez que
não havia tratado de extradição entre estes.
Contudo, depois, o Brasil também não o podia punir:
Não se aplicava o princípio da territorialidade – porque a prática do
crime não sucedeu lá;
Não se aplicava o princípio da defesa dos interesses nacionais, porque
nenhum interesse do Brasil estaria em causa;
Não se aplicava o princípio da nacionalidade, porque o nem o agente,
nem a vítima em causa não eram brasileiros;
E, além do mais, não se aplicava o princípio da universalidade, porque a
conduta não tinha que ver com os tais crimes universais.

o É para evitar estas situações que o legislador introduziu este princípio da


aplicação supletiva da justiça penal:
§ São casos em que o crime foi praticado no estrangeiro;
§ Não estão em causa interesses nacionais;
§ Não estão em causa cidadãos nacionais, nem como agentes, nem
vítimas;
§ Nem estão em causa valores universais.

o Contudo, é chocante que um crime não seja punido.


§ Neste caso, sempre que não for possível a extradição, e desde que
se trate de crime, cuja natureza admite a extradição - não seja
especificamente política, nem especificamente militar, poder-se-á
aplicar a lei penal portuguesa, na base deste princípio.

Ø A alínea g) tem que ver com a responsabilidade penal dos entes coletivos à é o
equivalente ao princípio da nacionalidade para as pessoas singulares.
o Cá está o princípio da nacionalidade ativa e da nacionalidade passiva
aplicada às pessoas coletivas.

ü Salvaguarda: esta alínea g) só substitui a alínea e) no que toca às


pessoas coletivas, porque quanto a tudo o resto continuam a valer os
princípios gerais da lei penal portuguesa.
o Se o crime foi praticado em Portugal, a aplicação da pena à
pessoa coletiva é da competência dos tribunais portugueses,
na base do princípio da territorialidade.

90
o Por outro lado, se o crime imputado à pessoa coletiva lese os interesses
nacionais, a lei penal portuguesa vai-se aplicar na base do princípio da
defesa dos interesses nacionais da alínea a).
§ Se se verificar o caso especial da nacionalidade ativa e da
nacionalidade passiva da alínea b), na medida em que a pessoa
coletiva detenha a sua sede em Portugal, aplica-se a lei penal
portuguesa, nos termos da alínea b).

o Desta feita, a alínea g) só substitui a alínea e) na parte aplicável às


pessoas coletivas.
§ Assim, em nosso entender, aqueles requisitos cumulativos que
vimos na alínea e) devem também aplicar-se à alínea g).

o Há um ponto a frisar: como se disse, a grande preocupação aqui é evitar


os vazios de punição e, por isso, a grande preocupação é alargar ao
máximo o âmbito espacial da competência da lei penal.
§ E, por isso, pode acontecer que, num só caso concreto, vários
princípios possam ser convocados para fundamentar a
competência no espaço da lei penal portuguesa. – TEM DE SE
OPTAR POR UM DELES.

o É por esse motivo que devemos fazer uma hierarquização destes


mesmos princípios, consoante a maior ou menor força do vínculo que
exprimem entre a legislação portuguesa/ interesses do Estado português e
a situação concreta – HIERARQUIZAÇÃO QUE ATENDE AO PESO
DECRESCENTE DESSES PRINCIPIOS
§ Assim, sempre que, perante um caso concreto, nos confrontemos
com a situação de saber a qual dos princípios da aplicação da lei
penal no espaço, para fundamentar a competência da lei penal
portuguesa, devemos descer na escala e, logo que se encontre o
primeiro princípio que recubra o caso, não se desce mais:
• Princípio da territorialidade – ART. 4.º CP;
• Princípio da defesa dos interesses nacionais – ART 5.º/ 1,
al. a) CP à não se exige que o agente seja português,
nem que a vítima seja portuguesa, nem mesmo se exige
que o agente seja encontrado em Portugal
• Caso especial do princípio da nacionalidade – ART. 5.º/
1, al. b) CP à combina a nacionalidade ativa e a
nacionalidade passiva e ainda exige que, no momento da
prática do crime, o agente resida em Portugal;
• Regime geral do princípio da nacionalidade – ART. 5.º/1,
al. e) CP;
• Princípio da universalidade ou da aplicação universal –
ART. 5.º/1, al. c) + d) CP;
• Princípio da aplicação supletiva da justiça penal – ART.
5.º/1, al. f) CP.

91
Ø Até aqui, analisaram-se os princípios gerais que regem a aplicação da lei penal
no espaço e definiu-se o locus delicti – o critério bilateral amplíssimo do ART.
7.º CP –, mas toda a preocupação de evitar os conflitos negativos de
competência – os vazios de punição – pode conduzir a conflitos positivos de
competência.
o Mais do que uma ordem jurídica, mais do que uma legislação penal
estadual considerar-se competente para julgar o caso à isto também tem
consequências/ inconvenientes.
Ex.: suponha-se que alguém cometeu um crime, segundo o qual quer a
legislação espanhola como a portuguesa se consideravam competentes. É
julgado em Portugal e cumpre pena, mas um dia vai a Espanha e as
autoridades voltam a detê-lo, a julgá-lo e a puni-lo pelo mesmo crime.
É uma solução injusta à Princípio «ne bis in idem» – ninguém pode ser
sentenciado mais do que uma vez pela prática de um crime.

Ø Para evitar estes conflitos positivos de competência há remédio – efeitos


negativos das sentenças estrangeiras – ART. 6.º CP.
o Há certas situações em relação às quais a legislação portuguesa
estabelece que:
§ Tendo sido uma pessoa condenada no estrangeiro, não pode ser
outra vez condenada em Portugal;
§ E, noutras situações, tendo sido condenada no estrangeiro e ter
cumprido parcialmente/parte da pena, pode voltar a ser
condenada, mas a parte da pena que cumpriu no estrangeiro vai
ser suprida – Princípio do ne bis in idem + Princípio do desconto.
NOTA: O âmbito de aplicação destes princípios não é o mesmo para
todos os casos.
o O princípio do ne bis in idem não se aplica quando a lei penal
portuguesa for competente na base do princípio da
territorialidade.
o O princípio do desconto, digamos, será o único com aplicação
universal.

o Assim, estes efeitos negativos das sentenças estrangeiras estão no ART.


6.º/ 1 + 82º CP.

Ø Recordar:
o Nesta matéria a lei penal alarga ao máximo o âmbito espacial de
aplicação da lei penal portuguesa, em ordem a evitar os conflitos
negativos de competência e vazios de punição.
§ Por isso, há possibilidade de sobreposições destes princípios,
importando ter uma hierarquização decrescente dos mesmos, para
que depois se possam identificar o pp que na realidade tem
aplicação ao caso.

92
o A preocupação de alargar ao máximo o âmbito de aplicação espacial da
lei penal portuguesa, sendo que esta não é uma característica somente do
nosso ordenamento jurídico, mas sim transversal em ordem a evitar esses
vazios de punição, pode levar ao efeito oposto – conflitos positivos de
competência.
§ Para isso, o efeito encontrado é o chamado efeitos negativos das
sentenças estrangeiras:
• Pp do ne bis in idem;
• Pp do desconto.

Ø O problema dos efeitos negativos das sentenças estrangeiras enquadra-se na


cooperação judiciaria internacional em matéria penal.
o Esta foi uma matéria que levantou muitas reservas, pois o DP só é visto
como dimanação da soberania, daí que os Estados tivessem sempre
alguma relutância de início, em cooperarem judicialmente, porque seria
de certa forma reconhecer atos de soberania estrangeira.
o Todavia, a internacionalização da vida moderna trouxe também a
internacionalização da criminalidade.
§ Com isso, a necessidade da cooperação internacional em ordem
de uma eficaz luta/controlo da criminalidade.

o Essa evolução é de resto marcada pela sequência das convenções


celebrados no âmbito do Conselho da Europa:
§ Em 1957, surge uma convenção sobre extradição à que de início
era a exclusiva forma de cooperação internacional em DP
§ Em 1959, alargaram à chamada entreajuda menor à os Estados
não reconheciam as sentenças estrangeiras qua talli, mas
admitiam praticar atos de colaboração com outros sistemas
judiciários.
• Realizar certas diligencias de prova, mandar certos
elementos/registos de prova.

§ Para além disso, nesta convenção de 1959 passaram a reconhecer


efeitos negativos às sentenças estrangeiras, e, por outro lado,
alguns efeitos positivos, mas que eram efeitos de facto.
Ex: para se punir por reincidência é preciso que o agente tenha sido condenado
anteriormente por outros crimes. O mesmo se diga para a aplicação de certas medidas
de segurança.

§ Ora, também nesta convenção se admitia que para a aplicação da


reincidência se atendesse não apenas a sentenças nacionais, mas
também a sentenças estrangeiras.

93
• No entanto, eram efeitos positivos em que as sentenças se
avaliam como mero pressuposto de facto para o
desencadeamento de efeitos de direito interno.
• Quanto aos efeitos negativos reconhecem-se dois:
Princípio do ne bis in idem Princípio do desconto
(ART. 6º do CP) (ART. 82º do CP)
- Ninguém pode ser punido mais do que – Este princípio funcionava
uma vez pela prática de um crime e, subsidiariamente me relação ao princípio
portanto, a partir do momento em que o ne bis in idem.
agente já tinha sido condenado no
estrangeiro e cumprido pena não poderia - Aplica-se quando alguém, tendo sido
voltar a ser julgado noutro Estado; condenado a uma pena no estrangeiro, se
tivesse furtado ao cumprimento total ou
parcial dessa mesma pena.
. Neste caso, poderia voltar a ser
julgado, só que a parte da pena que ele
tinha cumprido no estrangeiro ia ser
descontada na pena aplicada por um
Tribunal.

§ Em 1964, admitiu-se, pela 1ª vez, e de forma muito restrita, a


execução das sentenças estrangeiras qua talli, que eram
condições aplicadas a delinquentes que tinham sido condenados a
liberdade condicional ou a pena suspensa e, por outro lado, as
sanções aplicadas no âmbito do tráfego rodoviário, por outros
Estados em relação.
• Neste ano foi o ano em que começou o turismo na Europa
e o que acontecia era que muitos estrangeiros acabavam
por beneficiar, nem da suspensão condicional da pena,
nem da liberdade condicional, porque os Estados tinham
receio que fossem para o país de origem, não cumprindo
certos requisitos dessas medidas.
• Posto isto, a Convenção veio colmatar esse aspeto e os
Estados admitiram aplicar as condições da liberdade
condicional e da pena suspensa, e as sanções aplicadas no
domínio rodoviário, aplicadas no domínio de outro
Estado.

§ Em 1969, veio o reconhecimento da execução de toda e qualquer


sentença estrangeira à foi, em princípio um reconhecimento
nominal – os Estados assinaram a convenção, mas não a
ratificaram.
§ Em 1970, veio a possibilidade da transmissão de processos entre
Estados.

94
• i.e., um processo penal iniciava-se num Estado, mas a
dada altura, ou porque a matéria de prova estava noutro
Estado, ou porque os arguidos moravam noutro Estado,
admitiu-se a transferência desse processo para esse
Estado, que reconhecia os atos processuais anteriores e,
depois, conduziria a ação até ao final.

o O que nos interessa nesta matéria são os efeitos negativos das sentenças
estrangeiras, que logo forma reconhecidos na convenção de 1959 e que
estão, hoje, consagrados no CP – ART. 6º/1 + ART. 32º.
§ E, é na base destes efeitos negativos da sentença estrangeira que
se evitam os inconvenientes dos conflitos positivos de
competência.
• ART. 6º/1 CP à o princípio do ne bis in idem impede
que o agente volte a ser julgado, se já foi julgado e
condenado no país de origem e cumpriu toda a pena.
o Se ele se evadiu logo após a sentença; ou se se
evadiu estando a cumprir a pena, o principio do ne
bis in idem já não se aplica, aplicando-se sim o
principio do desconto (ART. 82º do CP).

§ Todavia, importa reter um ponto que resulta da leitura do ART.


6º/1 CP à o princípio do ne bis in idem não se aplica em todos
os casos.
• Se a lei penal portuguesa for competente na base do
princípio da territorialidade, isto é, estejam em causa
crimes praticados em solo português, não funciona o
princípio do ne bis in idem, apenas funcionará o princípio
do desconto.
• Apesar de esta situação suscitar algumas questões de
desigualdade.
Dentro do espaço da soberania o Contudo, não existe aqui qualquer desigualdade à
portuguesa todos têm de ser a razão de ser desta restrição que limita a
julgados da mesma forma, à aplicação do princípio do ne bis in idem aos factos
luz do mesmo DP e, mesmo praticados fora do território português, tem a ver
que os crimes tenham sido com o princípio constitucional da igualdade
julgados e o arguido cumpriu
(ART. 13º CRP).
toda a pena voltarão a ser
jugados à apenas dando lugar o Entende-se que o território português é o limite
a um desconto da pena que ele espacial do exercício da soberania e o DP é a
já cumpriu no estrangeiro. manifestação dessa mesma soberania.

• Isto para garantir que todos os crimes são julgados à luz


dos mesmos critérios de justiça – os do DP português.

95
o O ART. 6º CP contempla também a possibilidade de um caso praticado
no estrangeiro poder vir a ser julgado de acordo com a lei estrangeira,
pelos Tribunais portugueses.
§ Isto surgiu pela 1ª vez, i.e., foi uma possibilidade no CP suíço de
1930 e, depois, por estranho que pareça, surgiu contemplado CP
Etiópio, na Abissínia, de 1950 e, hoje, é uma possibilidade
comtemplada na generalidade das legislações europeias.
• A razão pela qual passou para a Abissínia, deve-se ao
facto de Neros (imperador da Abissínia) decidiu em 1950
decidiu introduzir um código penal novo, encomendando
essa feitura a um grande jurista suíço, transplantando essa
possibilidade.

§ Entre nós esta possibilidade está hoje consagrada no ART. 6º/ 2


+ 3 CP.
• Porém, esta possibilidade é limitada, cumpre um certo nº
de requisitos para que um facto possa ser julgado por
Tribunais portugueses, à luz do direito penal estrangeiro.

o Da leitura conjugada dos nºs 2 e 3 do ART. 6º CP, resultam limitações


à requisitos cumulativos da aplicação da lei penal estrangeira pelos
Tribunais portugueses:
§ 1. Factos praticados fora do território português (ART. 5º):
• De factos em relação aos quais a lei penal portuguesa não
é competente na base do princípio da territorialidade;
o Os tribunais portugueses só podem aplicar lei
penal estrangeira, desde que estejam em causa
factos praticados fora do território nacional.

§ 2. ART. 6º/3 à está vedada a possibilidade da aplicação da lei


penal estrangeira quando a lei penal portuguesa fundamentar a
sua competência no princípio da defesa dos interesses nacionais
(ART. 5º/1 al. a)).
• 3. ART. 6º/3 à Para além disso, também está vedada a
possibilidade da aplicação da lei penal estrangeira
previsto no ART. 5º/1 al. b), na base do princípio da
nacionalidade (b)).

§ 4. ART.6º/2 – a lei estrangeira a aplicar tem de fundamentar a


sua competência do princípio da territorialidade.
É a lei da prática do facto, e não a lei da nacionalidade.
• 5. ART. 6º/2 – a lei estrangeira só pode ser aplicada
quando for concretamente mais favorável ao arguido.
o O juiz tem de aplicar a lei portuguesa e ver a que
resultado chega; de seguida, faz o mesmo juízo;

96
seguindo a comparação entre os dois, para aplicar
a mais favorável.

97
A aplicação penal quanto às pessoas
Entre nós vigora o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e, também, perante
a lei penal – ART. 13º CRP.
Ø Dai que pareça, numa primeira aproximação, um absurdo falar-se da aplicação
da lei penal quanto às pessoas.
o Na idade média, a lei penal tratava de forma diferente as pessoas
consoante a classe a que pertenciam – sociedade estratificada.

o Esta diferenciação acabou com o Estado de Direito, na sequência da


Revolução francesa, com base na ideia da liberdade, igualdade e da igual
dignidade das pessoas.
§ Haviam penas infamantes, p.e., cujo objetivo principal era
condenar o arguido na sua honra, no seu bom-nome e dignidade.
§ Isto dizia-se explicitamente nas leis que não seriam aplicadas aos
mecânicos (povo, aqueles que trabalhavam com o corpo), porque
estes não teriam honra.

Ø No direito português, todos os cidadãos são iguais perante a lei (ART.13º CRP),
apenas existem alguns espaços de imunidade, mas espaços limitados:
Contudo, isto não afeta o princípio da igualdade.
o As imunidades dos membros do corpo diplomático e consular, em nome
do respeito recíproco entre os Estados.
§ Isto já nos termos da própria convenção de genebra 1968,
segundo os quais um Estado não condena um membro do corpo
diplomático ou consular estrangeiro por crimes praticados no
exercício das suas funções, uma vez que isso significaria
condenar o próprio Estado estrangeiro – “sentar o próprio Estado
estrangeiro no banco dos réus”.
• Entende-se que, no sentido do mútuo respeito entre os
Estados, nenhum tem uma soberania acima do outro, não
tendo competência para condenar outro.

§ São imunidades, não significando que não se possa expulsar o


individuo para o Estado de origem.

Nota: Embaixadas não são território estrangeiro, pelo que o território


de um Estado não é alienável, mas pode comprar uma “casa”, p.e.,
como privado, não deixando isso de ser território do outro Estado.

o As imunidades nos titulares de cargos políticos:


Não há aqui qualquer desvio ao pp da igualdade, sendo que estes serão
julgados à luz da mesma lei e nos mesmo termos (1).
(1) Em nome do bom funcionamento das instâncias democráticas e
dos órgãos democráticos, o andamento do processo pode sofrer
alguns desvios, e adiamentos.

98
Ex.: o processo pode ficar à espera de que a pessoa em causa termine
o mandato, mas uma vez terminado o mandato ele será subordinado
ao processo e à lei em termos iguais aos de qualquer cidadão.
§ PR à ART. 130º CRP;
• Responde, pela dignidade do cargo, perante o STJ,
podendo recorrer, sendo que o STJ funciona em secções,
pelo que da decisão da secção pode haver recurso para o
pleno de todas as secções jurídico-criminais da decisão
proferida, em 1ª instância.
• Nº 2 à i.e., a iniciativa do processo é do MP – é quem
abre o inquérito do processo.
o Aqui percebe-se que, dada a importância do cargo,
com repercussões no próprio prestígio do Estado,
seja a AR, como depositaria da soberania do povo,
que tenha a iniciativa do processo, ainda que por
maioria qualificada de 2/3.

§ Deputados da AR à ART.157º CRP;


• Nº 1 à Sabe-se que muitas vezes as discussões são
«acaloradas» e, portanto, aqui são essencialmente as
discussões em que há atentados à honra, sendo que não
constituem matéria criminal.
o É um preceito existente a quase todas as
constituições modernas.

• Nº2 à só podem ser ouvidos como declarantes ou


constituídos arguidos com a autorização da AR, sendo
certo que essa autorização é obrigatória em relação aos
crimes de media e elevada gravidade.
o i.e., sempre que seja crime doloso a que
corresponde pena de prisão, cujo máximo seja
superior a 3 anos.

• Nº3 à também aqui a detenção depende da autorização


da AR, mas sempre que for um crime grave, doloso,
punível com pena superior a 3 anos e, para mais, em
flagrante delito, aí a AR é obrigada a autorizar.

§ Membros do Governo à ART. 196º CRP.


• Nº1 à beneficiam de um mesmo regime dos deputados;
• Nº 2 à mesmo regime, também, visto no ART. 157º
CRP quanto aos deputados.

o Estas são matérias discutíveis, sendo que, concordando-se ou não com o


regime, o que importa é ter em conta que este regime não põe em causa o
princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
99
O que está aqui em causa são as condições procedimentais.
§ No entanto, não altera nem os termos do processo nem os
conteúdos da lei aplicável.
• Apesar disto, são aplicados conforme as mesmas leis que
um cidadão “normal”

o Esta matéria é uma matéria extrapenal quer quanto às imunidades dos


membros do corpo diplomático e consular, quer quanto às imunidades
dos titulares de cargos políticos.
§ A primeira é de Direito Internacional Público e a segunda é de
Direito Constitucional.
• São matérias reguladas nesses ramos de dto, mas que tem
repercussões no DP, só por isso se justifica o seu
tratamento nesta cadeira.

§ São matérias ancilares e que, como em todas as matérias,


sobretudo a de aplicação da lei penal no espaço, é também uma
matéria em constante mutação, tendo haver com a progressiva e
cada vez maior cooperação dos vários Estados em matéria
jurídico penal, sobretudo no quadro da EU.

Teoria Geral do Crime


Ø Quando falamos da inserção do DP no contexto das ciências jurídico criminais,
dissemos que havia vários ramos do Dto que se ocupam da matéria criminal:
o O Dto penal substantivo, o dto penal adjetivo e dto de execução das
reações criminais.
Disse-se, também, que só ir-se-ia dedicar a uma parte do dto penal
substantivo.

Ø Dentro dessa parte geral, não se estudará tudo, estudar-se-á a Teoria do crime
que, como vimos na definição formal de crime de que partimos, há dois polos
essenciais:
o A infração penal e a reação criminal à penas e medidas de segurança.

É a parte técnica do DP/ dogmática penal.


Ø Na teoria geral do crime analisar-se-á os elementos constitutivos do crime.
o Por outras palavras, parte-se de um conceito material do crime.
§ Nesta teoria vamos proceder a uma decomposição analítica destes
elementos que fazem parte do conceito material de crime, nos
seus elementos constitutivos.
• Se todo o crime, para ser crime, é sempre uma conduta
humana violadora de uma norma de determinação, aquilo
que vamos fazer é decompor analiticamente esta
definição, procurar saber, por exemplo, quando estamos

100
perante uma situação violadora de uma conduta humana
violadora de uma norma de determinação, destinada a
proteger bens jurídicos essenciais.

o Com isto procedemos a dois objetivos:


§ Objetivo pedagógico, ao decompor-se analiticamente a ideia de
crime pressuposta, uma desimplicação de sentido dos elementos
constitutivos dessa ideia de crime pressuposta, estar-se-á a
aprofundar a matéria.
• Deste modo, a compreender melhor o próprio crime – o
que é que está em causa e desta feita, logramos de uma
melhor compreensão da realidade criminal à daí os fins
pedagógicos. – não é a proposta mais importante aqui.

§ A teoria geral do crime é uma proposta metodológica, que vai


presidir à realização do dto penal.
• Perante cada caso concreto, o juiz, o Ministério Público,
o advogado para saber se tem um crime ou não e qual a
sua espécie tem de percorrer um caminho, verificando
todos os elementos e verificar se estão preenchidos os
seus requisitos constitutivos do conceito de crime.
o A teoria geral do delito vai começar pelo requisito
mais amplo para o requisito mais específico.
Ex.: para se ter uma violação de uma norma de
determinação, tem de se ter uma conduta humana,
uma vez que a norma de determinação tem uma
estrutura de imperativo, que, por sua vez, tem por
objeto a tutela de um bem jurídico (não mates, não
furtes, não roubes).
o Posto isto, para termos um crime, como primeiro requisito temos de ter
uma conduta humana à uma ação humana para efeitos jurídicos
criminais.
Ex.: atos praticados em condição de sonambulismo ou hipnose; atos
provocados por um episodio epilético, excetuam-se.
§ Mas bastará apenas uma ação humana?
• Não.
• A ação humana pode ser lícita ou ilícita.
o Tem de ser uma ação humana que corresponda a
um ilícito típico, i.e., descrita como crime na lei.
o Também é necessário que não haja um tipo
justificador.
Ex.: Por norma matar é proibido, mas eu posso
matar em legítima defesa. Frutar é proibido, mas
posso faze-lo em estado de necessidade.

101
§ Basta ter uma ação ilícita típica?
A culpa é um juízo de • É necessária ainda que seja culposa, que haja culpa.
censura pessoal subjetiva. • A culpa respeita à censura respeitante ao concreto agente
que podendo respeitar a norma, violou-a.
Enquanto na ilicitude se
avalia o valor objetivo do ato;
na culpa, valia-se o valor
subjetivo do ato, conteúdo o Por isso, existem atos ilícitos que não são
de censurabilidade desse culposos.
ato aquele concreto agente. Ex.: no caso dos inimputáveis à pratica ilícitos
típicos, mas não configuram crimes, uma vez que
precisamos do elemento da culpa.

§ Basta uma ação típica ilícita e culposa?


• Não, tem de ser punível.
• O DP, na ótica deste curso e que corresponde à orientação
maioritária, passa por uma fundamentação preventiva do
DP.
o Não é punir, por punir.
o Contudo, deve-se punir apenas quando for
necessário.

• Por isso, poderão haver situações em que temos uma ação


típica, ilícita e culposa, e, todavia, não seja necessário
punir.
Ex.: despensa de pena – concretiza a ideia de necessidade
de punição à a tal conceção unilateral ou unívoca da
culpa.
Ø No fim de contas, até a expressão em diagrama do sistema tem uma estrutura
piramidal:
o Avança de conceitos mais gerais, para conceitos mais especiais, que cada
vez mais restringem a situação jurídico-criminalmente relevante.

o Ao decompor aquela ideia do crime como conduta humana violadora de


uma norma de determinação que tutela bens jurídicos essenciais, o
sistema está a oferecer um caminho ao julgador, que propicia a justiça –
desde logo, materialmente vai analisar cada uma das vertentes/ elementos
que pode melhor ajustar ou chegar a uma melhor solução mais ajustadas
à avaliação criminal –, mas prossegue, sobretudo, objetivos de segurança
jurídica.
§ Para se chegar a um bom resultado, o julgador tem de sempre
percorrer este caminho.

102
• Ate para efeitos de recurso: o tribunal de recurso, para
avaliar da justeza ou falta dela, da decisão recorrida, terá
de percorrer o mesmo percurso que a decisão percorreu.

Quanto à construção do delito, apareceram várias construções na doutrina. Vamos


analisar três grandes (sistemas da) construções gerais do delito:
Ø Sistema clássico, também designado de positivista ou naturalista;
Ø Sistema neoclássico ou normativista;
o Inspirados nos pressupostos ôntico-epistemológicos do neokantismo de
Baden.

Ø Sistema finalista.
o De Hans Welzel.

Estes foram os 3 sistemas basilares que marcaram uma acesa luta de escolas, durante
os primeiros 60 ou 70 anos do século XX.
Ø A poeira acabou por poisar depois desta luta de escolas.
Ø Nesta sequência: sistema naturalista/ positivista, em 1º lugar, que não teve
expressão entre nós; tudo isto são sistemas de origem da doutrina alemã;
o Depois, o segundo sistema, o sistema normativista ou neoclássico foi
o sistema em cuja a formatação a dogmática alemã entrou aqui.
§ Beleza dos Santos que não estudou diretamente a dogmática
alemã, mas que foi discípulo de Eduardo Correia, que por sua
vez, foi influenciado pela dogmática alemã.

o Assentando a poeira, veio a vigorar um sistema que, de certa forma,


combinava aspetos dos três sistemas anteriores – uma espécie de
communis opinio.
§ Foi esse sistema que se implantou como communis opinio,
nos anos 70/80, que se fixou na dogmática alemã, tendo
reflexos na nossa.
§ Depois disso, recendo os quadros gerais desse sistema
resultante da luta de escolas, veio a subsistir o sistema
teleológico-racional, defendido pela maioria dos autores.
• O sistema teológico-racional apenas acrescentou o
facto de procurar concretizar dentro do sistema
momentos dogmáticos que expressassem a tal ideia de
necessidade de pena. à a vertente preventiva e
politico-criminal, que estava até então ausente da
construção dogmática

Ø Sistema Clássico
o Predominante até aos anos 1920/1925.

103
o Para compreender este sistema importa tomar e consideração os
pressupostos meta jurídicos subjacentes à sua construção.
o Podemos encontrar duas ideias que contribuíram para a
caracterização do sistema clássico, tal qual ele se afirmou:
§ 1. Por um lado, há uma vertente do positivismo naturalista: no
fim de contas, o monismo autoepistemológico, sabendo que
negava a autonomia do universo social e humano à partindo
do monismo ontológico, o fenómeno humano era explicável
nos mesmos termos dos fenómenos naturais.
• Negava-se a liberdade humana e afirmava-se a
causalidade;

• Por isso, as ciências ditas humanas deviam participar


da mesma metodologia das ciências naturais. ciências
ditas humanas deviam participar da mesma
Seriam conceitos metodologia das ciências naturais.
puramente descritivos • O mesmo é dizer que as ciências humanas, por isso a
de uma realidade ciência jurídica, e mais concretamente a ciência
exterior de que estavam jurídico-penal, os sues conceitos deviam reproduzir
ausentes elementos conceitos da realidade objetiva, da realidade
normativos/ de valor. mensurável e controlável pelo homem.

Esta é a primeira vertente, o primeiro pensamento que condiciona que


este fosse um sistema formal e, por outro lado, o predomínio da ideia
da causalidade: a compreensão do crime como conduta humana
basicamente partindo da categoria da causalidade.

§ 2. Uma segunda vertente: positivismo jurídico/positivismo


legalista à um dos pais deste sistema foi Franz Von Liszt
(um adepto do positivismo naturalista) e Beling (era
neokantiano, no entanto, defendia o formalismo);
• Era a vertente da segurança na aplicação do dto;
• Era o paradigma metodológico ainda era o do
silogismo judiciário;

• O que por razoes diversas de Von Liszt continuava ou


apontava também para uma dogmática formalista
aptos à mera subsunção.

Da confluência destas duas ordens de considerações, resultou a


construção do sistema tal e qual ele existe - configuração formal do
sistema clássico.

104
o De forma sumária:
§ A todos os sistemas decompõe analiticamente a ideia de crime e
os seus elementos constitutivos.
• Os elementos constitutivos que avançam de género para
espécie à cada conceito que se segue ao anterior, é uma
espécie (restringe).

§ O sistema naturalista colocava o conceito de ação: para haver um


crime tinha de haver ação humana.
• Tal como ficou consagrada na doutrina, era a ação causal.
• A ação causal era toda a ação humana que fosse
modificação do mundo exterior causalmente ligada a uma
vontade e cega a valores. à neutralidade axiológica –
seria tanto a ação boa, como má.

§ Todo e qualquer crime teria assim de se traduzir por um processo


causal.
• Analisa-se a ação do lado externo-objetivo, a vontade é
como o motor da ação, não se considera o conteúdo da
vontade, é apenas um fator causal;
o Considera-se apenas na sua vertente externo-
objetiva.

§ Há um caráter estritamente objetivo da ação e descritivo,


axiologicamente neutro, a ação é uma modificação do mundo
exterior.
§ Por isso, este conceito de ação era por um lado objetivo e
axiologicamente neutro, dado que não havia lugar a valorações
Ex.: não se considerava que se era dolo ou negligencia.

§ Liszt caracterizava ação subjacente ao crime de injurias, da


seguinte forma:
• A injuria traduzir-se-ia (cá está a descrição naturalista da
realidade) numa ordem dada pelo cérebro do agente às
suas cordas vocais, que produziriam algumas vibrações,
que seriam propagadas em ondas sonoras; iriam excitar o
tímpano do injuriado, que, por sua vez, comunicaria a
informação ao cérebro.

à Logo por aqui se vê a pobreza desta perspetiva, que ignora a


dimensão axiológica e cultural da pessoa humana, pervertendo o
sentido do DP, que não concorre com as ciências naturais, mas
sim valora.

105
à Por outro lado, nesta ação, uma vez que era ação do mundo
exterior, não caberia a omissão.

Ë Críticas a este sistema Clássico:


o Não exprime o sentido da ação humana, não se mostram as valorações
jurídico-criminais e não recobria o crime de omissão.
§ Se todo o crime, para o ser, tinha que ter ação, consequentemente,
se cada ação, para o ser, seria uma modificação do mundo
exterior, então a omissão não era ação.

o Para termos um crime não bastava ter uma ação, era preciso que fosse
típica, ou seja, que esteja prevista na lei à só que a ação típica era
entendida nos mesmos termos objetivos e axiologicamente neutrais.
§ O tipo limitava a descrever, entre todas as ações humanas
entendidas como ações causais possíveis, aquelas que
importavam para o dto penal.

o A partir desta base a conduta do cirurgião cabia, de idêntico modo na


conduta do faquista, no elenco de ofensas à integridade física.
§ Se afastarmos qualquer elemento valorativo; o sentido social do
ato; a consideração do elemento subjetivo; atendendo à pura
descrição exterior, a conduta de um cirurgião e de um faquista é
idêntica.
• Daí a insuficiência desta perspetiva.
o Era um tipo extremamente objetivo, ou seja, não
se considerava a intenção do agente, desse modo
não conseguimos perceber o alcance da conduta.
Ex.: O senhor A empurra o Senhor B. Qual o tipo legal
infringido? Depende!
Ele pode ter empurrado por empurrar (ofensa à integridade
física) ou com o objetivo de o magoar ainda mais (ofensa à
integridade física qualificada) ou com o objetivo de o
matar a seguir (tentativa de homicídio, ou de o violar)
tentativa de violação. A conduta humana não é objetiva à
é a objetivação de uma subjetividade.

o A insuficiência do caráter neutral e axiológico desta perspetiva da ação,


como, por outro lado, a insuficiência atinente ao caráter meramente
objetivo do ato, que não nos permite determinar, sem a consideração da
intenção do agente, o próprio desvalor jurídico criminal desse mesmo
ato.
§ O tipo era, portanto, um tipo descritivo, axiologicamente neutral
e, por um lado, estritamente objetivo, circunstância que
resultavam estas insuficiências.

106
o A conduta ser típica não significava que fosse ilícita, era preciso que não
existissem causas de justificação.
§ Só aqui é que interviriam elementos valorativos.
§ Só aqui, se procuraria saber se a conduta que tinha sido
subsumida ao tipo violava ou não a ordem jurídica no seu todo.
à isto era uma afirmação formal; na realidade acabam por não
intervir quaisquer elementos quantitativos.
§ O sentido da conduta é o sentido da violação de uma norma de
determinação.
• Se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia de
crime, o sistema deve corporizar as valorações do dto
criminal.

§ Uma conceção objetivista das causas de justificação não se


ajustava à valoração criminal.
• Eram tipos fechados, apostos à mera subsunção, nunca
havia valoração, mas uma aplicação automática destes
contratipos - uma ilicitude completamente objetiva
Ex.: suponha-se que há um vizinho desavindo com outro vizinho;
posto isto, decidiu atirar uma pedra da calçada e atirou-lhe à
janela à isto seria uma conduta que preencheria o tipo
incriminador do dano (crime de dano).
No entanto, ao partir a janela (não sabendo ele de nada) estaria a
salvar a vida do inimigo, uma vez que este teria uma fuga de gás
dentro de casa. Assim, ao partir a vidraça permitiu a renovação do
oxigénio e, com isso, salvou a vida do vizinho que já se
encontraria inanimado.
Para estes autores, o vizinho não ia ser punido, porque com a sua
conduta salvou a vida do outro vizinho, seria uma causa de
exclusão da ilicitude, no entanto, isto é falsear o sentido das
coisas, ele não queria salvar o vizinho, queria lhe produzir um
prejuízo.

§ O sentido do ato, aqui, será sempre o sentido do ilícito que não


pode estar recoberto por qualquer causa de justificação.
• Se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia de
crime, o sistema deve corporizar as valorações do DP e as
soluções a que chega devem ser harmónicas e
consentâneas/ congruentes com a valoração jurídico
criminal.

o Até agora não temos qualquer tipo de intervenção subjetivista.

107
§ A consideração subjetivista do agente apenas intervém ao nível
da culpa – conceito psicológico de culpa.
§ A culpa era o nexo psicológico que ligava o agente ao seu facto
à um conceito axiologicamente neutral e que não reflete o
conceito de culpa em DP.
• Há 2 formas de negligência:
o A negligência consciente à quando represento o
perigo, mas acredito que não se vai produzir o
resultado perigoso;
o A negligência inconsciente à sem querer, não
representa o perigo da conduta.
o Com base nesta conceção, também não se podia
explicar a negligência inconsciente.
§ Se o conceito psicológico se esgota no
nexo psicológico que liga o agente ao
facto, onde está na negligência
inconsciente?

o Este conceito nem sequer permitia distinguir entre imputáveis e


inimputáveis.
§ Se o dolo ou a negligência, a culpa em geral, as formas de culpa
eram estruturas psicológicas sem sequer valoração, o nexo
psicológico também se verifica num inimputável.

o Trata-se de uma perspetiva puramente descritiva e casualista, que não


reflete o sentido das valorações jurídico-criminais.
§ Uma vez que a culpa é um juízo de censura à censura-se o
agente pelo facto de ter praticado o ilícito típico, quando podia
não o ter praticado.
• O dolo e a negligência não são estruturas psicológicas à
São graus de culpa.

o Em suma, podemos falar numa insuficiência deste sistema:


§ Por um lado, uma perspetiva AXIOLOGICAMENTE NEUTRAL
e causalista, que ao não refletir o ponto de vista valorativo,
também não pode refletir o ponto de vista valorativa do dto penal
e por isso não é ajustada ao sentido das valorações jurídico
criminais.
§ Por outro lado, uma perspetiva PURAMENTE OBJETIVISTA ao
nível do tipo e do ilícito, que é incapaz de retratar o sentido dos
atos.

108
Para colmatar as deficiências do sistema clássico surge o segundo grande sistema da
dogmática alemã: o sistema neoclássico ou normativista inspirado nos pressupostos
filosóficos e metodológicos do neokantismo de Baden.
Ø Sistema neoclássico ou normativista
o Este sistema marcou um corte definitivo com os postulados do
positivismo naturalista e procurou, embora de forma não inteiramente
conseguida, refletir no sistema a específica perspetiva terminológico-
valorativa do dto penal.
§ A esta importância acresce, para os portugueses acresce uma
outra: a dogmática alemã entrou em Portugal na formatação deste
sistema.
§ Na história da dogmática penal portuguesa não encontramos
autores que tivessem aderido ao sistema clássico.
• A história da dogmática portuguesa, influenciada pela
dogmática alemã, começa com o sistema neoclássico.
o Dr. Cavaleiro Ferreira;
o Dr. Eduardo correia;
§ Estes 2 foram discípulos de, em Munique
de Medsger, um papa, um dos grandes
nomes do sistema neoclássico.

o Dr. Beleza dos Santos, que foi mestre português


de EC, quando entrou na dogmática alemã, entrou
também pela mão de Medsger.
Em que consistia este sistema?
o Este sistema rompia com a mundividência positivista – o tal monismo
onto epistemológico, que reconduzia toda a realidade a fenómenos
naturais, aplicáveis apenas nos quadros da causalidade e da quantidade.
o E, afirmou a autonomia do universo social e humano, distinguindo dois
grandes planos da realidade:
§ A natureza, os fenómenos naturais subordinados às regras da
causalidade e da quantidade, que eram objeto das ciências da
natureza, procurando descrever a realidade, apenas na base dos
fenómenos das categorias da causalidade (seja um fenómeno da
biologia, da física ou da química – Todos os que respondem na
base da causa-efeito) e da quantidade (sem quaisquer elementos
qualitativos; p. ex., para um químico um gás que cheire bem, não
vale mais do que um gás que não cheire bem, no seu laboratório)
.
• É uma perspetiva puramente causalista e descritiva dos
fenómenos.

109
o A este universo opunha-se o universo da realidade social e humana, o
universo da razão pratica, o universo de símbolos de representações e
valorações.
§ Um universo de liberdade.
§ É a este universo que se reporta o dto penal e que se reportam
todas as ciências da cultura.
• Era esta a diferença essencial subjacente do neokantismo
que, por sua vez, também estava subjacente a este sistema
neoclássico.

§ Assim, como objeto de estudo era diverso (por um lado, natureza


subordinado apenas às categorias da causalidade e da quantidade;
por outro lado, num universo da cultura, social e humano, o
universo onde tinham lugar diferenças quantitativas ou de
valoração), também o método (metodologia) das ciências
culturais teria de ser diferente das ciências naturais.
• Rickert, que foi o primeiro grande nome do neokantismo
de Baden, distinguia entre ciências da natureza e ciência
da cultura.

o Ciências da cultura
§ Teriam o método ideográfico-teleológico.
• O que estava em causa não era descrever a natureza, mas
sim valorar, pelo que os conceitos/ a elaboração
conceitual atinha-se menos à conceção externa ou objetiva
dos factos de que o seu sentido valorativo.
o O conceito abarcava realidades que podiam ter
considerações externo objetivas muito diversas à
a ação e a omissão – é o “há” e o “Não há”.

§ E, todavia, na base desta construção conceitual, que tinha como


critério o sentido do desvalor das situações, os neokantianos vão
integrar a ação e omissão (que externo-objetivamente são o
oposto), num conceito de ação construído de outro modo:
• A negação de valores.

§ A ação humana é afirmação ou negação de valores e para o DP


interessa a negação de valores.
• Toda e qualquer a situação, imputável a uma pessoa, que
envolva a negação de valores, é uma ação humana, e,
portanto, tanto a ação como negação de valores, i.e., tanto
a ação como omissão, fazem parte do mesmo conceito de
ação jurídico-penal. à Isto projeta-se ainda noutros
planos.

110
o Posto isto, o sistema neoclássico surge como um corte com as
perspetivas causalistas.
§ O método de construção conceitual não tem a ver com a
descrição externa ou objetiva de realidades e das situações.
• Tem que ver com a valoração dessas mesmas situações, à
luz da específica perspetiva do dto penal.

§ Esta ótica traduziu-se no 1º plano do sistema.


• Também os neokantianos diziam que para termos um
crime temos de ter, em 1º lugar, uma ação humana.
• Só que a ação humana não é entendida como ação causal
dos positivistas (do sistema anterior), mas sim como
negação de valores (expressão de Eduardo Correia) ou,
para usar a expressão de outros autores, tem de ser a ação
social.
o A ação social no sentido em que se tem que
traduzir numa ação socialmente relevante, que se
traduzisse no desvalor socialmente relevante.

o A partir daqui, no conceito de ação ultrapassava-se a dificuldade dos


positivistas:
§ Passava a caber tanto a ação positiva como a ação negativa
(omissão).
• Eu posso negar valores tanto a quanto positivamente
contra eles, desencadeando um processo tendente à sua
lesão, como na situação em que um bem jurídico está em
perigo, não intervenho para o salvar, desde que esteja
vinculado a um dever de tutela desse mesmo bem
jurídico.

o Todavia esta ação social, era entendia em termos puramente objetivos.


§ Entendia-se que a ação era pura situação exterior de que derivava
a negação de valores socialmente relevante, não se entendia à
vontade do agente, que seria apenas entendida como causa
efficiencies, como um fator desencadeador desse processo
exterior, que se traduzia na lesão de bens jurídicos.
• O conteúdo subjetivo da ação (se agiu com dolo ou
negligencia, p. ex.) não era aqui considerado.
• A ação traduzia-se no processo exterior de lesão de bens
jurídicos. Sendo que com este conceito referencial doloris,
se abarcavam tanto a ação positiva como a omissão.

§ A afirmação ou negação de valores é toda a conduta humana, e


para o DP só interessa a negação de valores jurídico penalmente
relevantes – de países jurídico-penalmente relevantes.

111
• Determinar o que seriam os bens jurídico-penalmente
relevante, seria a tarefa do estrato dogmático.
o Os autores centravam no na ilicitude.
o Seria no momento da ilicitude que o legislador
definiria, de entre todos os valores/ bens jurídicos
que pudessem ser afetados pela conduta humana,
quais aqueles que relevavam para o DP.

• Só que a definição do ilícito desses bens jurídicos-


penalmente relevantes tinha de ser feito de modo preciso
à sabermos das particulares exigências da certeza e da
segurança que se colocam ao DP.
o Daí que a definição da ilicitude se devesse fazer de
modo mais precisos possível.
§ A categoria, que exprimia esse juízo de ilicitude, em termos
precisos, seria o TIPO, ou seja, a descrição na lei da concreta
lesão ou colocação em perigo de bens jurídico penalmente
relevante.
• Verdadeiramente, há aqui, por referência ao sistema
clássico, uma inversão das relações entre o ilícito e o tipo.
o Não temos, como no sistema clássico:
§ Uma ação causal;
§ Depois um tipo;
§ E depois um ilícito.

o Aqui, tem-se uma ação entendida em termos


referenciais a valores, como negação de valores.
Depois, temos um ilícito que irá definir os valores,
sendo que o tipo, mais não será que do que a
expressão do juízo de ilicitude.

§ É por isso que se diz que nesta orientação deixa de haver


autonomia entre ilícito e tipo.
• Verdadeiramente temos uma categoria do ilícito típico.

o Em DP, devido às exigências de certeza e segurança, o juízo de ilicitude


não é um juízo em abstrato, será um juízo já vazado, já concretizado em
tipos: temos um ilícito típico.
§ O ilícito à conteúdo;
§ O tipo à forma através do qual se exprime de modo preciso o
juízo dirigido.

o No entanto, já que o ilícito típico se limita a descrever, de entre todas as


ações referenciais a valores possíveis, aquelas que relevam para o DP, o
conteúdo do tipo é uma ação em sentido objetivo (é estritamente
objetivo).

112
§ O ilícito esgota-se no desvalor do resultado à é a lesão ou a
colocação em perigo do bem jurídico, o que coloca desde logo
algumas dificuldades.
Ex.: O senhor A dá um empurrão ao senhor B. Mas o que é isto?
É um empurrão. Mas o que é isso em termos práticos? Depende.
Se o empurrão foi dado com o objetivo de o agente aplicar uma
tareia valente, então teremos uma TENTATIVA DE OFENSAS
À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA.
Se foi com intenção de depois matar temos TENTATIVA DE
HOMICÍDIO.
Se foi com o objeto de subtrair bens teremos uma TENTATIVA
DE ROUBO.
o Quer isto dizer, e é esta uma critica dirigível a todas as conceções
estritamente objetivista do ilícito. à O próprio significado objetivo do
ato só se poder determinar se se considerar o projeto do agente (a
intencionalidade do próprio agente).
§ Isto porque a conduta humana não é objetiva, é uma unidade
subjetiva-objetiva (é a objetivação de uma subjetividade).
• Só considerando esta unidade subjetiva-objetiva é que se
vai considerar/ determinar o sentido objetivo do próprio
ato.
Ex.: senhor A empurrou o senhor B com o objetivo de o matar-
teríamos o ilícito do homicídio.
Imaginemos que o senhor A era inimputável, que não sabia o que
estava a fazer, não tinha as características endógenas necessárias
para que o DP dirigisse sobre ele um juízo de censura à teríamos
um facto ilícito, que não era culposo, já que a distinção entre
ilícito e culpa tem a ver, não com o substrato da valoração (se
considerar os aspetos objetivo-exteriores, com a intenção com
projeto do agente), mas com a perspetiva da valoração – tanto no
plano do ilícito, como no da culpa, o substrato da valoração é o
mesmo; o que varia é o critério da valoração.
Neste caso, estar-se-ia, no plano do ilícito, a valorar o empurrão
dado, com aquela particular intenção e que, consubstancia, na
base desta ponderação subjetiva-objetiva, uma tentativa de
homicídio, p. ex., praticado por qualquer pessoa, pelo homem
medio.
Ao passo que no plano da culpa, estar-se-ia a valorar essa mesma
unidade subjetiva-objetiva, mas como ato do concreto agente à
estar-se-á a valora-lo à luz das capacidades, das características,
das qualidades do concreto agente – o que leva a que muitas

113
situações, que são consideradas ilícitas, deixem de ser
consideradas culposas, atendendo às qualidades do agente.
Não há qualquer confusão possível entre o ilícito ou culpa.
• No plano do ilícito estar-se-á a tentar avaliar o desvalor
objetivo da situação – o desvalor da situação como se
tivesse sido provocado por QUALQUER pessoa.
• Ao passo que na culpa, estar-se-á a tentar procurar o
sentido da situação como ato daquele concreto agente, no
conteúdo de censurabilidade ou não censurabilidade,
daquele concreto agente.

§ Vamos ver que esta é a perspetiva do chamado ILÍCITO


PESSOAL, que foi avançada pelo 3º sistema que estudaremos de
seguida (sistema finalista).

o Os próprios adeptos do sistema neoclássico tiveram consciência do


conceito de ilícito objetivo, porque tiveram de admitir – que é a chamada
TEORIA DOS ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO –,
excecionalmente, e porque a lei o impunha, nalguns casos para se
determinar o conteúdo do ilícito, era necessário atender a elementos de
natureza subjetiva.
Ex.: no caso do furto à não basta a subtração do bem ao legítimo titular,
tem que ser praticada com intenção de apropriação;
Na burla à não bastaria a produção do dano praticado à vítima, tem que
ser realizado com a intenção de enriquecimento, entre outros.
No caso dos crimes sexuais à não bastava a prática dos atos exteriores,
era preciso que fosse praticada com a intenção criminosa.
o Significava reconhecer que, muitas vezes, o sentido do ilícito não se
podia averiguar através da simples consideração externo-objetivo das
condutas, há que considerar os elementos subjetivos à isso mesmo na
tentativa – de facto, na tentativa só se poderá avaliar o genuíno sentido
de ilícito, através da consideração do plano do agente (do dolo).
§ Esta teoria dos elementos subjetivos do tipo, preconizava que isto
seria excecional e que só resulta assim por imposição da lei,
porque na esmagadora maioria dos casos o ilícito define-se na
base de exclusivos elementos de natureza objetivo.
• Se, na tentativa, a intenção, o dolo, faz parte do ilícito (é o
elemento indispensável para se determinar o sentido
ilícito do ato), esse dolo não vai desaparecer do ilícito só
pelo facto do crime ter atingido a consumação.
o Se consideramos o dolo como na tentativa de
homicídio, também o teremos de considerar
quando o crime se consumou.

114
o Em última análise, esta teoria do ilícito objetivo contraia os postulados
da teoria central do dto penal.
§ Isto prende-se com o dito anteriormente, aquando da distinção
das 2 funções da ordem jurídica e se disse que o DP intervinha no
contexto de função de proteção ou garantia à as suas normas
eram normas de determinação/ comandos, que tinham como
destinatários exclusivos, pessoas humanas – portanto, que o
núcleo do ilícito estava no desvalor da ação, na violação da
norma.
• Essa violação da norma, o desvalor da ação, verifica-se
independentemente do resultado, assim o núcleo do ilícito
não pode estar no resultado, como pretendiam os adeptos
da teoria clássico, e continuavam a entender os adeptos da
teoria neoclássica à o núcleo está no desvalor da ação, o
que logo, no plano do ilicito, nos permite distinguir entre:
Atos dolosos Atos negligentes
- Isto, porque a conduta humana não é objetiva; é uma unidade
subjetiva- objetiva.

o Portanto, a avaliação do genuíno significado do


conteúdo de ilícito, de cada situação concreta, não
pode prescindir da subjetividade do agente.
§ Uma subjetividade que é assumida, sem a
consideração das qualidades específicas do
concreto agente, à mas sim uma
subjetividade como transposta para a
cabeça de um homem médio, tentando
descobrir o sentido da conduta.
Logo por aqui se está a lançar uma critica à teoria do ilícito
objetivo.

o Quanto à CULPA – foi o grande contributo da teoria neoclássica –


libertou-se do conceito psicológico de culpa, dizendo que a culpa não é
uma estrutura psicológica/ descrição de um facto psicológico, mas sim
um juízo de censura, dirigido ao agente, que decidiu praticar uma
conduta quando podia não a ter praticado. à juízo de desvalor dirigido
ao concreto agente e centrado nas qualidades, caraterísticas do concreto
agente.
§ A partir daqui passa a poder distinguir se o dolo e a negligência
de outra forma:
• O dolo e a negligência não são diferentes espécies de
culpa, no sentido em que são a expressão de diferentes

115
nexos psicológicos à são graus de culpa
(hierarquização).
o Dolo à o agente realiza o crime de forma
voluntaria e consciente – revela uma atitude de
contrariedade frontal, a um dever ser formal.
o Negligencia à só o pratica por descuido,
leviandade. – é censurável, mas é menos
censurável do que no dolo.

• E, por outro lado, é o conceito normativo de culpa que vê


na culpa um juízo de desvalor/ censura, passando a
diferenciar-se com clareza um inimputável de um
imputável.
o Bem como as situações de não exigibilidade.

o A partir daqui compreende se o salto enorme do sistema clássico


(rompendo com positivismo naturalista) para o sistema neoclássico.
§ No entanto, o salto definitivo, com todos os seus defeitos e
contradições, só viria a ser dado com o sistema finalista de Hans
Welzel.

O sistema neoclássico foi muito importante, e foi na sua formatação que a influencia da
doutrina alemã entrou em Portugal (EC, Cavaleiro Ferreira e Beleza dos Santos). Foi
muito importante, porque no plano teórico representou um CORTE com a
MUNDIVIDÊNCIA POSITIVISTAS.
Todavia, ficou aquém daquilo que prometia, porque este sistema limitou-se a receber as
categorias do sistema clássico, passando sobre somente o manto diáfano da valoração
jurídica à a ação deixou de ser a modificação do mundo exterior; era a negação de
valores, mas era um processo causal da modificação de valores, mas era um processo
causal de negação de valores, estritamente objetivo. O conteúdo do tipo era a negação
de valores jurídico-criminais, mas era esgotava-se no desvalor do resultado,
continuando a ser reconduzível a um processo causal de produção de um dano.
o A verdadeira oposição entre o momento do ilícito e da culpa tem a ver
não com o substrato da valoração (com aquilo que se valora, que é
sempre uma unidade subjetiva-objetiva), mas o critério dessa valoração.
§ No ilícito estamos a pretender determinar o desvalor do ato como
ato humano em geral (praticável por qualquer ser humano em
geral), ao passo que na culpa estamos a avaliar o desvalor pessoal
subjetivo (como sendo um ato daquele concreto agente).

o Esta distinção viria a ser avançado no quadro da conceção do ilícito


pessoal. Ficamos a dever a conceção do ilícito pessoal à construção
finalística e ao seu introdutor Hans Welzel.

116
Ø Sistema Finalista
o Quanto à construção finalista, importa distinguir duas coisas:
É que, numa 1ª fase, Welzel desenvolveu, Todavia, veio a ser muito criticado,
em toda a sua pureza, os seus pontos de porque, no plano do fundamento, Welzel
vista. estava muito próximo do
ORDINALISMO CONCRETO.
. Por sua vez, este ordinalismo
concreto foi o correspondente ao
institucionalismo francês de Maurice
Hauriou, que dizia que o direito formal
legislado era uma mera consequência dos
valores sentidos na comunidade.

- Hauriou definia instituição como toda a


ideia de obra ou empreendimento que
vive perdura no meio social.

§ O essencial seriam os critérios de justiça material à a lei,


teoricamente, só seria a expressão formal desses conteúdos de
justiça, e sempre que houve uma contradição entre a lei e o
sentimento de justiça da comunidade, devia prevalecer este
último.
• Esta doutrina tinha consequências graves dificuldades
enormes da aplicação do direito.
o Uma doutrina destas em más mãos podia dar
resultados péssimos em termos de DLG dos
cidadãos à Foi o que aconteceu no nacional-
socialismo.
o O nacional-socialismo dizia que o pp fundamental
era o pensamento do povo sobre a justiça.
§ Por conseguinte, a lei seria uma mera
consequência desse sentimento do povo.
§ Posto isto, quem interpretava o sentimento
do povo era Führer.
• Isto deu lugar aos horrores do DP
nazi.

o Isto levou Welzel, por referência ao tal ponto de partida, à tal 1ª fase da
sua obra, a estreitar e formalizar em demasia a sua construção e veio a
apresentar a doutrina finalista em moldes inaceitáveis.
§ Porém, mesmo em relação a esta última formulação, a
configuração do sistema finalista, tal como consta da
generalidade dos manuais, sempre que a doutrina a refere,
corresponde a esse espaço intermedio, em que ele formalizou e
apertou a sua doutrina, tendo dado aso a várias críticas.

117
• No final da sua vida, a partir de 1972, tentou emendar a
mão, mas foi tarde demais.

§ Independentemente das contradições, ficamos a dever ao sistema


finalista de Welzel à a conceção do ilícito pessoal e nova
conceção que daí entre os momentos do ilícito e da culpa em DP.

Deve dizer-se que welzel teve uma produção bibliografia muito


longa, tendo começado a produzir em 1927, a dissertação inaugural,
sob o pensamento de Pufendorf, produzindo por cerca de 50 anos.

o No início da sua obra, Welzel vincava bem a diferença entre o mundo da


natureza e o universo do social e humano (universo da realidade da vida
pratica, como era designado por ele).
§ Assim, o universo da natureza estaria subordinado às categorias
da causalidade e da continuidade. à seria o objeto de estudo das
ciências naturais.
§ Já no universo social e humano, seria um universo de sentidos, de
valorações, de liberdade.

o Partindo desta base, Welzel partia de um conceito de ação, que depois


abandonaria (aí estaria o mal):
§ A ação humana era a exteriorização de uma intencionalidade de
sentido à a nossa mente é provocada seja por factos exteriores,
sejam eles factos da natureza ou comportamentos de outras
pessoas, e perante essa provocação responde, mas essa resposta
envolve uma valoração.
• O que significa que para Welzel não se podia distinguir os
momentos do conhecimento, intelectual e valorativo.
• Do mesmo passo que o homem conhece valora e, em
função desse conhecimento e valoração, emite uma
resposta para o exterior.
o Essa resposta é a exteriorização da sua atitude de
sentido, isto é, da sua atitude interior perante esse
concreto acontecimento.

• A ação seria um mero ato de comunicação, sendo uma


unidade subjetivo-objetiva.
Ex.: estamos numa esplanada, se houver alguém que passe
em frente da esplanada e caia, poderão existir várias
reações possíveis (ajudar a pessoa, posição de indiferença,
risos, etc) à Tudo isto são ações, uma vez que perante um
mesmo acontecimento são respostas do “eu” a esse mesmo
acontecimento, e que exprimem uma determinada
intencionalidade de sentido.

118
o Compreendidas as coisas no quadro de uma ideia, que era também a de
Welzel, de que o crime era a negação de uma norma de determinação -
era a desobediência de uma pessoa a um comando legal -, o conteúdo
dessa desobediência teria de passar por uma ponderação cumulativa dos
aspetos objetivos e subjetivos do ato, dessa intencionalidade de sentido.
§ Esta expressão de “intencionalidade de sentido” implica quer o
comportamento doloso, quer o comportamento negligente, quer a
omissão dolosa, quer a omissão negligente.
• Como resulta do exemplo anteriormente dado, toda e
qualquer destas possibilidades consubstanciam as
expressões das intencionalidades de sentido.
• Desta forma, se Welzel se tivesse mantido fiel a este
ponto de partida, o sistema desenvolver-se-ia claramente:
o A ação à seria a tal exteriorização de uma
intencionalidade de sentido;
o O ilícito típico à seria a descrição, de entre todas
as intencionalidades de sentido possíveis, daquelas
que relevavam para o DP.
§ Seriam só aquelas condutas que se
traduzissem ou na lesão ou na colação em
perigo de bens jurídicos.

• Aqui estaria a unidade de sentido, que permitiria


distinguir logo no ilícito, entre comportamentos dolosos e
negligentes, estar-se-ia a avaliar aquele concreto
comportamento como exteriorização de uma
intencionalidade de sentido; mas aquele comportamento
como um ato humano em geral, como se tivesse sido
praticado por qualquer pessoa.
o Era um desvalor pessoal objetivo, que entregaria,
desta feita, o ilícito pessoal.
o Chama-se ilícito pessoal, porque aqui o estava em
causa não era o desvalor do resultado. à O prius
deste ilícito seria o desvalor de ação.
§ O crime em 1ª linha é a violação de uma
norma de determinação. Portanto, em 1ª
linha, tem de ser uma conduta/ ação
humana.
• Se depois o tipo exigia para a
consumação o desvalor do
resultado à já seria um requisito
adicional, que só revelaria se esse
resultado fosse concretização,
realização, projeção, do desvalor da
própria ação.

119
o Desta feita, tudo permaneceria coerente.
§ Depois, viria a culpa, um conceito normativo de culpa, que se
traduziria na censura dirigida ao concreto agente.
• Aqui o substrato da valoração era o mesmo – mesma
unidade subjetiva-objetiva (dolosa ou negligente), - mas o
critério de valoração já não era o do homem médio (já não
seria a procura do sentido geral da conduta como ato
humano em geral), mas sim do sentido do ato, atendendo
às características do concreto agente.
o Podendo haver situações ilícitas, mas que não
eram culposas (o agente era inimputável ou estava
em situação de não exigibilidade). à
circunstâncias que excluíam a censura daquele
concreto agente.

o Se Welzel se tivesse mantido nesta linha de pensamento, tudo iria de


forma congruente.
No entanto, Welzel, por volta dos finais da década de 30, e o artigo decisivo para
essa viragem é um artigo de 1938, que marcou durante décadas a sua construção,
e deu lugar a todas as críticas.
Como já foi dito, Welzel foi muito criticado pelo facto de, no plano da
fundamentação, estar muito próximo do ordinalismo concreto. à Isso levou à
critica da incerteza do DP, que, no fim de contas, usava conceitos
indeterminados, depois não se teria da segurança dos particulares e da certeza da
aplicação do dto contra possíveis desmantos.
o Welzel, condicionado por essas críticas, modificou a sua teoria (aqui é
que residiu o mal). É esta teoria modificada, e que corresponde à teoria
finalista, tal qual foi desenvolvida por ele, durante a maior parte da sua
produção bibliográfica.
Em 1940 dá-se a viragem e, em cerca de 1970, tenta voltar para trás,
mas o que ficou para a memora das pessoas foram estes 30 anos –
entre os finais da década de 30 e inicio da década de 40, que
marcaram a doutrina finalista.

§ Assim, precisamente com a intenção de precisar ao máximo as


categorias do sistema, Welzel, retira o conceito de ação como a
exteriorização de uma intencionalidade de sentido e coloca na
base do seu sistema a ação final
• E ação final entendida como supradeterminação final pela
vontade de um processo causal, que corresponderia a uma
ação dolosa.
• Tinha, ao invés dos conceitos de ação que estavam
subjacentes aos sistemas que falamos até agora, uma
natureza subjetivo-objetiva à porque não se bastavam
com um processo causal, era preciso também a

120
supradeterminação final, pela vontade do processo causal
à o elemento da finalidade: o dolo.
o Todavia, deixava de fora a negligencia
inconsciente, porque no âmbito da negligencia
inconsciente não há qualquer nexo psicológico
entre o agente e o seu facto.
§ Ele não representa sequer o caracter
perigoso da sua conduta.

o Por outro lado, também se a ação era supra


determinação final pela vontade de um processo
causal também não podíamos falar na omissão.
§ O que se passa na omissão é que há um
bem jurídico em perigo, devido a um
processo de natureza ou como resultado de
comportamento de outra pessoa, pois o que
está em causa é ele não intervir, no sentido
de afastar o perigo para o bem jurídico em
causa.

• Estas são, desde logo, as 2 insuficiências que se podem


dirigir ao conceito de ação final.
o Welzel tentou superar estas críticas, mas sem
sucesso.
§ Nomeadamente quanto à negligencia teve
4 formulações. à Foram tentativas
falhadas.

o Se virmos bem, esta ação final resultava de uma síntese entre o conceito
de ação causal do sistema clássico e o conceito psicológico de culpa. à
Incluía no conceito de ação final o processo causal exterior (do conceito
de ação causal) e o conteúdo do tal nexo psicológico liga o agente ao seu
facto (conteúdo da culpa psicológica).

§ Assim, a propósito deste conceito de ação final podem dirigir-se


as duas críticas, que já teriam sido atribuídas a um e outro:
• A ação causal do sistema clássico deixa de fora a
omissão;
• O conceito psicológico de culpa deixava de fora a
negligencia inconsciente.

o No entanto, Welzel avançou na sua teoria dizendo que a ação final não
seria suficiente para se estar perante um crime à tinha de ser típica – a
vinculação a elemento gramatical, sendo um tipo indiciador, meramente
descritivo, havendo quem o defina como a ratio cognoscendi da ilicitude

121
(quer dizer que não contemplava o juízo da ilicitude à era pura
definição da matéria de proibição).
Aqui vemos o formalismo, Welzel não põe o ilícito à frente da
tipicidade, havendo uma preocupação da descrição na lei.
o A diferença face ao sistema clássico é que ele metia já aqui os
elementos subjetivos.
§ Se a ação era supradeterminação final pela vontade de
um processo causal; o tipo era a descrição de uma
ação como supradeterminação final pela vontade de
um processo causal.

§ Assim, ao nível dos tipos ele distinguia tipos dolosos e tipos


negligentes.
• A pergunta que se faz: como é que Welzel chegava aqui
se no conceito de açao final não cabia a negligencia, como
é que poderia falar de tipos negligentes? à Essa é uma
contradição enorme em relação ao seu conceito
psicológico de culpa.

§ Para alem disso distinguia também tipos de ação e tipos de


omissão à outra contradição, dado que o conceito de ação final
excluía a omissão.

o De todo o modo, e esquecendo esta contradição, ainda compreendendo


elementos subjetivos e objetivos, o tipo era puramente descritivo, era a
ratio cognoscendi da ilicitude (a descrição da matéria punível).
§ O facto de alguém preencher o tipo não significava que a sua
conduta fosse ilícita.
Ex.: matar em legitima defesa não era ilícito; furtar constituía um
tipo, mas matar em estado de necessidade, à partida, não seria
ilícito.

o Este momento em que intervinha a valoração da conduta típica constituía


o 3º momento da teoria de Welzel à o momento da ilicitude, entendido
como a contrariedade à ordem jurídica – se o tipo era a matéria da
proibição (portanto, uma descrição axiologicamente neutral do conteúdo
da previsão legal, ainda que contemplando a diferença entre tipos
dolosos e tipos negligentes), a ilicitude seria a proibição, o momento em
que intervinha o juízo de censura sobre a própria conduta.
§ No entanto, na sua teoria, entendia que na ilicitude intervinham
apenas duas situações:
• Ou os tipos justificadores;
• Ou as normas em que o legislador prescindido de
descrever a matéria proibida, convocando apenas um

122
juízo de valor. àaquilo a que ele chamava TIPOS
CARENTES DE COMPLEMENTAÇÃO.
o Com isto voltamos à ideia que o tipo era
descritivo, que deveria contemplar de forma
esgotante a descrição de cada conduta criminosa.
§ Sempre que o legislador se abstém de
desrever uma conduta e apelasse para
critérios de valor, delegando no juiz a
concretização desses conceitos
indeterminados e dessas clausulas gerais,
teríamos uma norma sem tipo
criminal/legal – uma norma de ilícito.

§ A ilicitude resumia-se, portanto:


• Ou à não verificação ou à verificação se a conduta, apesar
de típica, estava recoberta por uma causa de justificação;
• Ou aos casos das normas sem tipo à em que a definição
da conduta não é feita de forma esgotante pelo legislador,
dependendo de uma clausula geral.

o Seja como for, esta questão dos tipos e da ilicitude tem uma grande
diferença em relação à conceção de ilicitude subjacente tanto no sistema
clássico como ao neoclássico.
§ Para além de todas as contradições, o que é facto é que Welzel
distinguia entre ilícito doloso e ilícito negligente – era a tese do
ilícito pessoal, reportando a uma unidade subjetiva.
• Isto harmonizava-se com a ideia base que estava prévia à
construção do sistema.

Relembrando, aquando da distinção entre as funções, foi dito que, na


formulação mais feliz, era a do 1º Welzel – Welzel pré-finalista,
quando dizia que:
o A intervenção do direito na sua globalidade dividia-se, no
essencial em duas funções:
§ Função de ordenação ou conformação;
§ Função de proteção ou garantia à função prospetiva,
que tinha o objetivo de preservar a ordem distributiva,
em que as normas de determinação/ comandos, tinham
por objeto a tutela de bens jurídicos, sendo que o
núcleo do crime estava desvalor da ação e não no
desvalor do resultado.
• O desvalor do resultado só relevaria quando
fosse uma concretização do desvalor da ação.
o Existem muito crimes que se esgotam
no desvalor da ação à crimes de
perigo e a tentativa.

123
o Esta ideia, ao nível da construção do sistema, tem de se traduzir na
conceção do ilícito pessoal à o sistema é uma desimplificaçao de
sentido de um conceito material de crime pressuposto; estas categorias
da ação, tipo e ilícito e culpa, não tem existência corpórea.
§ Se o conceito material de crime pressuposto, de acordo com a
inclusão do DP na tal função de proteção ou garantia, reside na
desobediência, na negação de uma norma de determinação e ir
contra o seu núcleo, o seu conteúdo nuclear no desvalor da ação,
isto terá que se traduzir ao nível do sistema e, concretamente, no
ilícito à O núcleo do ilícito tem de estar no desvalor da ação.
• Por isso, logo no plano do ilícito, na análise objetiva do
crime, podemos distinguir dois desvalores pessoais da
ação:
o O dolo e a negligencia;

• Portanto, logo aqui podemos distinguir assim factos


dolosos e factos negligentes, sem que estejamos a
confundir o momento do ilícito com o momento de culpa.
à Estamos a tentar definir o desvalor da ação como ato
da generalidade das pessoas.
o Quanto à culpa esta era um juízo de censura
dirigido ao agente, distinguindo entre dolo e
negligencia como graus de culpa.
§ Daí resultava não haver nenhuma
contradição entre a conceção do ilícito
pessoal e o conteúdo da culpa.

o No plano do ilícito pessoal, estávamos a avaliar o


conteúdo pessoal objetivo, i.e., o sentido do ato,
como humano em geral.
Ex.: o Sr. A dispara a 2m de distância sobre B,
atingindo-o num órgão vital, realizando esta
conduta conscientemente.
No plano no ilícito pessoal isto será uma conduta
ilícita dolosa.
Mesmo que A fosse inimputável ou estivesse numa
condição de não exigibilidade, não revelaria nesta
dimensão, uma vez que isso releva para a culpa.

§ Em suma, ficamos a dever a Welzel a teoria do ilícito pessoal,


mas também, e a partir disso, um novo modo de entendimento
dos momentos do ilícito e da culpa em DP.

124
• Na base desta distinção, se compreendem o fundamento
da punição da tentativa, o fundamento da teoria do
domínio do facto como critério da autoria, em DP, e da
sua contraposição à cumplicidade.
• É decerto a pedra angular da dogmática penal
contemporânea, para além das contradições subjacentes.

Depois da luta de escolas, instalou-se um sistema comum a toda a doutrina que foi
buscar elementos a cada um deles.
Ø Por exemplo, do sistema clássico foi se buscar a ideia da decomposição analítica
do conceito material de crime e que avançava do critério menos exigente para o
mais exigente, e mesmo as próprias designações do conceito: ação, tipo, ilícito e
culpa.
o A construção geral do delito ter uma estrutura piramidal:
§ Arranca de um conceito + amplo de ação;
§ Depois, nem toda a ação tem que ser típica que releva;
• Nem toda a ação típica tem que ser ilícita.

§ Nem toda a ação ilícita é culposa.

o Quer dizer, há patamares que vão avançando numa relação de género


para espécie.

Ø No sistema neoclássico ficou a orientação teleológica: uma ideia material.


o Os conceitos não se limitam a exprimir/ descrever realidades do mundo
exterior, mas os conceitos pretendem exprimir uma valoração.
§ Para além desta visão teleológica, temos o conceito normativo de
culpa:
• A culpa entendida como juízo de censura e o dolo e
negligência entendida como graus de censura e não como
meras descrições de nexos psicológicos da relação do
agente com o facto, como pretendia o conceito
psicológico de culpa.

Ø No entanto, fica-se, sobretudo, a dever ao sistema finalista as principais


considerações:
o Uma nova conceção do ilícito à o ilícito pessoal, que decorre do próprio
sentido das normas penais e da função do DP (a tal função de proteção
ou garantia e a compreensão das normas penais como normas de
determinação, dirigidas a comandar o comportamento futuro das pessoas,
fazendo com que o crime encontre o seu núcleo no desvalor da ação).
§ Portanto, logo ao nível do ilícito e da caracterização objetiva da
conduta, se tenha que assumir o ilícito como unidade subjetiva-
objetivo da ação. Logo aí a distinguir entre ilícito doloso e ilícito
negligente, enquanto expressão do desvalor pessoal objetivo do

125
ato: independentemente da consideração do concreto (da culpa
do) agente, na sua objetividade, considerado como ato humano
em geral, o ilícito doloso tem logo uma estrutura e um desvalor
diverso do ilícito negligente.
• O atentado consciente e voluntario contra bens jurídicos
que é característico do dolo, imprime aquela conduta,
como ato humano em geral, um sentido e desvalor diverso
daquela outra em que a lesão do bem jurídico decorre,
tão-só, do descuido ou leviandade.

o No plano da culpa nós censuramos o ato ao agente. Enquanto que no


ilícito nós estamos a expressar o desvalor pessoal (porque foi praticado
por aquela pessoa) objetivo (porque pode ser praticado por qualquer
pessoa: homem medio).
§ Por isso podem haver condutas ilícitas e não culposas.

Na sua esmagadora maioria, pelo menos nos universos alemão,


austríaco, suíço, espanhol e português, constitui a doutrina maioritária
na doutrina penal.

o Daqui resultou que, se ao nível do facto ou do ilícito podemos distinguir


entre ações dolosas ou negligentes e entre omissões dolosas e omissões
negligentes.
§ Este sistema, que resultou da confluência dos contributos dos
vários sistemas e que se implantou como uma espécie de
communis opinio, nesta parte em que recebeu do sistema finalista
o conceito de ilícito pessoal, nesta parte operou como uma
divisão na construção grela do ilícito autonomizando as
dogmáticas do delito dolosos de ação dos delitos negligentes de
ação dos delitos de omissão dolosos dos delitos de omissão
negligentes.
• Construiu 4 dogmáticas autónomas.

o Numa palavra, vamos estudar a teoria geral dos crimes de ação dolosos,
a teoria geral dos crimes de ação negligente e, por fim, os crimes de
omissão e centrar nos crimes dolosos e negligentes.

Ø Este sistema resultante da luta de escolas impôs-se nos finais dos anos 60, mas
implantou-se, sobretudo, nos anos 70.
o Por referência a este sistema que se impôs como communis opinio,
seguiu-se, todavia, uma nova proposta dogmática, de Roxin: sistema
teleológico-racional. Não podemos pôr no mesmo plano em que
analisamos os outros três este sistema.
§ O sistema teleológico-racional resume-se ao facto de receber na
íntegra o sistema que resultou da luta de escolas apenas

126
limitando-se a introjetar, nas categorias do sistema, a dimensão
da necessidade de pena.
• O sistema é a decomposição analítica do conceito material
de crime de que partimos logo nas primeiras aulas.
o O conceito material de crime resultava da
ponderação cumulativa das vertentes da
necessidade penal e da dignidade de penal.
o i.e., mesmo que estejam em causa lesões de bens
jurídicos essenciais, que tenham dignidade penal,
o DP não deve intervir, o legislador não deve
qualificar a conduta como crime, se sanções de
outros ramos do dto, menos graves, menos
evasivas da esfera jurídica do particular, forem
suficientes para tutelar o interesse causa à
vertente da necessidade de pena.

§ Não basta a dignidade de penal, é necessário que em relação a


ela, para os fins preventivos do DP seja necessária a intervenção
de sanções mais graves como as de DP.
• Esta vertente da necessidade de pena não tinha tradução
no sistema, ou em qualquer dos sistemas anteriores.
o Reparemos que as considerações valorativas
intervinham essencialmente no plano do ilícito e
da culpa – sendo que aqui o que estava em causa
era valorar o desvalor objetivo do ato, na sua
objetividade, e, depois, na culpa era o desvalor da
conduta do agente.

o E isto continuava a ser válido no quadro do ilícito pessoal.


§ O ilícito pessoal pretende exprimir o desvalor do ato pessoal
objetivo; o desvalor do ato como um ato humano em geral, como
se tivesse sido praticado por qualquer pessoa.
• Ao passo que a culpa era o desvalor pessoal subjetivo.

§ Eram sempre e só considerações de dignidade penal, sendo que a


necessidade de pena não tinha qualquer intervenção no sistema.
• Sendo que este sistema teleológico-racional vem dizer que
estas considerações da necessidade de pena também têm
de ter concretização nas categorias do sistema.
o Este é o elemento comum quando se diz que este
sistema corresponde a um novo modelo
conceitual, já que atendem tanto a considerações
de dignidade penal como de necessidade de pena.
Este é o ponto comum em que os autores estão de acordo, deixando de estar de acordo
em relação à forma que essa ideia de necessidade de pena vai intervir no sistema. Aqui
há três orientações fundamentais:

127
Ø Klaus Roxin – podemos considera-lo como o “Pai” desta ideia do sistema
teleológico-racional. Roxin fazia isto da seguinte forma:
o Até ao momento do ilícito, mantem intacto o tal sistema que herdou da
luta escolas: temos a ação, depois o ilícito típico e uma conceção do
ilícito pessoal.
o Alteração verifica-se no estado da culpa: de acordo com uma conceção
preventiva do dto penal e à luz da subsidiariedade do dto penal, não basta
termos um facto culposo para haver pena, é preciso que seja necessário
à o relevante é a responsabilidade jurídica penalmente relevante.
§ Só temos uma responsabilização jurídico relevante quando, para
além da culpa, for necessária a punição.
§ E, por isso, Roxin substitui a categoria da culpa pela categoria da
responsabilidade.
• Esta responsabilidade seria uma categoria mista cuja
avaliação dependeria de dois momentos:
1º momento 2º momento
- Primeiro seria a averiguação da culpa - Segundo momento, o momento da
“tout court”, nos termos tradicionais. necessidade de pena:
. haveriam situações, em que não
- Se terminasse neste momento pela obstante a conduta sendo culposa, não era
conclusão de que haveria culpa, então necessária a punição penal, seja à luz de
haveria que saltar para um 2º momento. considerações de prevenção geral, seja à
luz de considerações de prevenção
especial.
Ex.: caso da dispensa de pena em que há culpa e, todavia, não se aplica a pena- ART.
74º do CP;
- no estado de necessidade subjetivo e desculpante à ainda há uma culpa, mas que
essa culpa não merece pena, por não haver necessidade de pena;

Depois fala de crimes em que há culpa, mas não há necessidade de PREVENÇÃO:


- crimes passionais, que são particularmente precipitados pela situação de crise da
situação cuja verificação no futuro é praticamente impossível e, sendo assim, apesar
de haver culpa, não haveria necessidade de pena.

o Assim, é da articulação destes dois momentos, que Roxin fazia funcionar


a ideia da necessidade de pena, portanto daria satisfação a este sistema
teleológico-racional.
§ Roxin acaba por dizer que é a sua categoria da responsabilidade
que é a consagração em letra de forma da conceção unilateral do
princípio da culpa.
• Ao contrário do que diziam as teorias ético-retributivas,
não há pena sem culpa e a medida da pena não pode
ultrapassar a proporcionalidade da gravidade da culpa.
o Mas pode haver culpa sem pena, nos casos em que
falta a necessidade juridicamente relevante.

128
o Esta orientação de Roxin foi seguida por ele e por alguns discípulos mais
próximos, mas não corresponde à orientação maioritária entre os adeptos
do sistema teológico-racional, que seguiram um caminho diverso, entre
eles o Dr. Figueiredo Dias.

Ø Orientação maioritária
o Mantiveram tudo intocado até ao nível da culpa, do tal sistema que
resultou da luta de escolas, apenas juntam ao sistema a categoria da
punibilidade, onde interviriam as considerações de necessidade de pena.
§ Está em causa a reação contra certas orientações funcionalistas,
nomeadamente de uma orientação do DP húngaro que dizia que,
no final de contas, a culpa, era um derivado da própria prevenção.
• Esta é uma orientação perigosa, porque leva a uma
funcionalização do conceito de culpa à o mesmo é dizer,
a apagar a função que a culpa tem e o pp da culpa tem,
como limite ao ius puniendi penal.

o Em ordem a combater estas orientações e manter bem claras entre o


pensamento da culpa e o pensamento da prevenção e, portanto, a
afirmação da culpa como um limite inultrapassável do ius puniendi penal
é na base destas considerações que a orientação maioritária entre os
adeptos do sistema teleológico- racional concentra as considerações da
necessidade de pena, no novo estrato dogmático, que o da punibilidade.

o Para esta orientação maioritária teríamos a ação, o tipo, o ilícito, a culpa,


tudo entendido nos mesmos moldes do tal sistema que saiu da luta de
escolas, assente na conceção do ilícito pessoal, que é largamente
maioritária na atualidade.
§ Depois, haveria + o estrato da punibilidade, para concentrar todas
as considerações da necessidade de pena.

o Desta feita, se concretiza a ideia de que a construção do sistema, mais


não é do que decomposição analítica de uma ideia de crime pressuposta
– de um conceito material de crime.
§ O conceito material de crime contempla, tanto considerações de
dignidade penal como de necessidade de pena.

Este sistema caracteriza-se por receber na integra o sistema que


deriva de escolas, que divide a teoria geral do delito em 4/3 grandes
capítulos:
o A teoria dos delitos de ação dolosa;
o A teoria da ação negligentes;
o A teoria dos delitos de omissão.

o Apenas introduzindo o pensamento da necessidade de pena,


sendo que os anteriores eram apenas orientados pela

129
dignidade penal, considerações valorativas sobre o valor
objetivo do ato.

Viu-se que, todavia, o encontro dos autores resumia-se a esta


afirmação do pp; já quanto ao modo como introduziam o pensamento
da necessidade de pena no sistema, haviam 3 modalidades:
o A de Roxin – que substituía a culpa pela ideia da
responsabilidade.
o Maioria dos adeptos da teoria teológico-racional.
o Doutrina do professor Almeida Costa e de Walter Zachs:

Ø Doutrina do professor Almeida Costa e de Walter Zachs:


o Não tem expressão significativa entre os autores.
o A ideia subjacente a esta 3ª vertente é uma ideia aflorada por Zachs, nos
anos 70 - é a ideia de que o sistema é uma decomposição analítica do
conceito material de crime e a partir daqui se explica as várias categorias.
o Dizia este autor, verdadeiramente, tal como a dignidade penal se projeta
ao longo do sistema e pode ter concretizações ao nível da valoração
objetiva do facto, i.e., ao nível do ilícito, e ao nível da censura do agente,
ao nível da culpa; também a necessidade de pena intervêm ao longo de
todo o sistema.
§ Não podemos acantonar a consideração da necessidade pena,
apenas numa categoria dogmática a intervir no final.
• Logo no plano do ilícito, no desenho do tipo é resultado
de considerações de dignidade penal, mas também de
necessidade de pena.
Ex.: condução sob efeito do álcool só tem relevância quando a
taxa de alcoolémia foi superior a 1,2 g/l. Para os casos anteriores,
não é necessário punir no âmbito do DP.
• O mesmo se diga ao nível dos tipos justificadores, na
modelação dos tipos justificadores que também intervêm
considerações de necessidade de pena.
• E também ao nível da culpa e das causas de exclusão da
culpa.

§ Tanto a dignidade penal, como a necessidade de pena têm


projeções tanto ao nível de uma avaliação objetiva do facto (o
plano do ilícito), como ao nível de uma avaliação subjetiva do
facto;
• Por isso, projetam-se ambas ao longo de todo o sistema,
concorrendo tanto na delimitação do facto.

Ø Para efeitos de curso vamos adotar a segunda orientação que é também aquela é
definida pelo Dr. Figueiredo Dias.

130
o Aqui vamos atender-nos à conceção que tem maior adesão que faz
intervir a categoria de necessidade de pena num novo escalão ao nível da
pena.
§ Aqui temos ação, ilícito, culpa e punibilidade (aqui se faz intervir
as considerações de prevenção ao nível do sistema).

o A partir daqui vamos construir o nosso próprio sistema, partindo de uma


conceção de ilícito pessoal e incluindo três capítulos. Dividimos a teoria
geral do crime em 3 grandes capítulos: de teoria de ação dos delitos
dolosos; teoria geral dos delitos de ação negligente; teoria geral dos
delitos de omissivos (aqui fazendo a distinção entre omissões dolosas e
omissões negligentes).

O sistema teleológico racional veio introduzir na modelação do sistema em geral a ideia


da necessidade de pena, considerações de política criminal, de prevenção.
Ø Vamos adotar aquela que é a perspetiva da maioria/ maioritária dos autores
(incluindo a do Dr. Figueiredo Dias) adeptos do sistema teleológico-racional:
consiste em manter as categorias tradicionais (ação, ilícito típico, culpa) e juntar
um último escalão/categoria onde intervirão as considerações da necessidade de
pena e de intervenção: categoria da punibilidade.
Por outro lado, foi sublinhado que, se o sistema é a decomposição analítica da ideia de
crime, há muito que se verifica a autonomização como estereótipos basilares da negação
da norma de determinação, em que consiste qualquer crime, a distinção entre ações
dolosas e ações negligentes entre crimes de ação e crimes de omissão.
Ø Em consequência disso e em função da implementação da teoria do ilícito
pessoal que logo no plano do ilícito introduz a distinção entre ilícito doloso,
ilícito negligente, ilícito de ação e ilícito de omissão, vamos seguir a orientação
maioritária à decompor a teoria geral do delito em três subcapítulos:
o Teoria geral do delito de ação doloso;
o Teoria geral do delito de ação negligente;
o Teoria geral do crime omissivo.
Teoria geral do delito de ação doloso
Esta teoria é uma proposta metodológica: perante cada caso concreto o juiz terá de
percorrer os vários patamares e só se a situação concreta preencher todos estes
requisitos, que avançam do menos exigente para o mais exigente – circunstância que faz
com que o sistema, em termos de diagrama tenha uma estrutura piramidal -, é que o juiz
poderá concluir estar perante uma infração jurídico-penalmente relevante.
Ø A este propósito seguir-se-á o caminho da teoria geral do delito à procurar
decompor analiticamente a ideia de crime doloso e os seus elementos
constitutivos, procurando expressar ou avançar do requisito menos exigente para
o mais exigente.

131
o O primeiro requisito decorre da própria compreensão do crime como
negação de uma norma de determinação à um imperativo que tem como
destinatários as pessoas humanas – só pode ser violada por condutas
humanas. Este requisito é um requisito de ação: uma ação humana.

Como vamos entender a ação?


§ Já se viu na análise de outros sistemas, que há o conceito de ação
causal naturalista não serve, já que não exprime a unidade de
sentido que é o comportamento humano, deixando de fora os
crimes omissivos.
• Por outro lado, o conceito social de ação referencial a
valores, da dogmática normativista tem é estritamente
objetivo, não exprime aquela unidade de sentido
subjetivo-objetivo em que se analisa a conduta humana –
é, por isso, insuficiente.
• O conceito de ação final de Welzel deixa de fora tanto a
ação negligente, como a omissão.

o Perante esta dificuldade, não faltaram autores que vieram dizer que o
conceito de ação é um conceito pré-jurídico, e que o que interessa é a
ação típica.
§ É o caso do Dr. Figueiredo Dias, pretendendo eliminar a
categoria da ação, partindo logo para a ação típica.
• O Prof. Dr. Almeida Costa parte de outro pressuposto,
aderindo, numa linha de parte significativa da doutrina
contemporânea, ao chamado conceito pessoal ou
personalista da ação.
o A ação é a expressão de um sentido; uma
exteriorização da personalidade.
o Roxin diz que “homem como centro anímico-
espiritual da ação”.
§ É uma formulação complicada.

§ Posto isto, o Prof. Dr. defende a formulação inicial de Welzel:


toda a “exteriorização de uma intencionalidade de sentido”.
• Ou ainda a formulação de Beling: “toda a manifestação
exterior da vida consciente do individuo”.
o Na verdade, toda a ação é exteriorização de
sentidos, o “eu” é provocado pelos acontecimentos
exteriores, e perante o conhecimento destes
acontecimentos, logo emite, conhece e valora, e
emite obviamente um sentido.
Ex.: alguém está numa esplanada, vendo passar à sua
frente alguém que tropeça e cai.

132
Várias reações são possíveis: há a reação daquele que se
levanta e ajuda; há a reação daquele que olha indiferente;
há a reação daquele que está distraído e nem sequer se
apercebe.
Tudo isto são ações humanas, uma vez que a ação humana
é um ato de comunicação e, por isso, quem intervém,
quem se mostra indiferente, quem nem sequer repara.
o Deste modo, nesta definição de ação pessoal como exteriorização de uma
atitude de sentido cabem, tanto a ação dolosa como a ação negligente,
como a omissão dolosa e negligente, porque todas elas exprimem uma
atitude perante o dever ser jurídico penal.
É este conceito de ação subjacente ao nosso sistema, cumprindo duas
funções:
§ Uma função positiva, porque ao dizermos que o primeiro e
essencial requisito para termos um crime é termos uma ação
humana, estamos a vincar logo na base do sistema a ideia de que
um crime consiste na violação de uma norma de determinação.
• O núcleo do crime está no desvalor da ação – todos os
outros elementos são predicações da ação.
o Essa é a função positiva que marca a perspetiva
teleológica subjacente à elaboração do sistema.

§ Uma função negativa, de delimitação – este conceito de ação


permite excluir da consideração penal, aqueles acontecimentos
que, pelo facto de não serem ações humanas, não poderão
comportar a negação de uma norma de determinação e por isso
jamais poderão constituir crime.
Ex.: comportamentos de animais à estão fora da consideração
penal; acontecimentos naturais, por exemplo uma tempestade.
Afastam-se tanto os fenómenos naturais como comportamentos de
pessoas, bem como comportamentos de pessoas, que não são
ações para efeitos penais já que não manifestam a exteriorização
da vida consciente do indivíduo, pense-se nos atos praticados em
ato de inconsciência (caso do sonambulismo); efeitos reflexo
(ataques de epilepsia) e também os atos praticados por coação
física (ação daquele que usou de coação física sobre alguém).
Logo nesta 1ª abordagem, e na base do conceito de ação, o juiz poderá descriminar ou
afastar situações que, pelo facto de não serem uma ação humana para efeitos penais,
jamais podem constituir crime.
É neste escalão da teoria geral do delito da ação que se costuma discutir o problema da
responsabilidade penal dos entes públicos – durante muito tempo vigorou a regra
«Societas delinquere non potest», implantou-se em meados do séc. XIX: a sociedade, os
entes coletivos, não podem delinquir.

133
Ø Problema da responsabilidade penal dos entes públicos
o Neste escalão da ação costuma-se discutir a questão da responsabilidade
penal dos entes coletivos. A sociedade, os entes coletivos não podem
delinquir, uma vez que o ente coletivo em si mesmo seria incapaz da
ação.
§ Por outro lado, em relação ao ente coletivo não se justificaria
nenhum dos fins das penas.
• Este foi um dogma do DP continental até há bem pouco
tempo.

o Por razões de ordem prática, admitindo-se até que seja de ordem


pragmática, e sob a influência do dto anglo americano levou, todavia, a
que entre nós se admitisse a responsabilidade de pessoas coletivas.
§ O prof Almeida Costa considera que é um erro já que esta
responsabilização envolve a questão da responsabilidade objetiva.
Ex.: Pense se no sócio de uma empresa, que está afastado da
gestão. Que responsabilidade tem este homem pelos crimes que
são praticados na ação social pela empresa?
Não nos podemos esquecer que os crimes praticados pela empresa
têm sanções muito graves, de acordo com o CP português, são,
por regra, sanções pecuniárias, sanções que atém podem levar à
cessação do exercício da atividade da empresa ou até na própria
cessação do exercício da empresa.
As sanções pecuniárias podem ir até 30 milhões de euros, que em
muitas situações podem levar à falência da empresa. à Irão pagar
todos os sócios, nomeadamente, este individuo, que não terá
nenhuma responsabilidade.
Levantam-se questões relacionadas com o pragmatismo, é muito
difícil determinar o responsável individual do crime ou quando
todos são responsáveis, ninguém é efetivamente responsável (o
processo penal assenta no pp in dúbio pro reu – desde logo a
dificuldade de provar). E, por outro lado o interesse financeiro do
Estado em cobrar sanções pecuniárias muito pesadas que nenhum
património individual poderia suportar, levaram à implementação
da responsabilidade penal dos entes coletivos.

Ø O Prof. Dr. Almeida Costa considera que era possível delimitar áreas de
responsabilidade, determinar pessoas individuais responsáveis por essa área e
imputar os crimes praticados na base da atividade social da empresa a pessoas
individuais em termos de crime de omissão.

134
o Ou seja, aquele que estivesse responsável por determinada área deveria
fiscalizar a atividade daquela área, bem como a atividade dos seus
funcionários em ordem em que não fossem cometidos crimes.
§ Considera que esta questão levanta graves problemas no âmbito
do princípio da culpa, uma vez que leva implicada o
estabelecimento de verdadeira responsabilidade objetiva em
matéria penal.
• Isto, para além do aspeto de que há sempre um interesse
do Estado de arrecadar valores pecuniários através do Dto
Penal.

o Trata-se de um problema, sendo que a solução será de ordem muito


prática, porque ultrapassa as tais dificuldades de prova, mas levanta
problemas ao nível do princípio da culpa e da máxima de
intransmissibilidade da responsabilidade criminal.

Ø Deve-se agora que determinar quais as ações jurídico-penalmente relevantes.


o O momento em que se vai definir o âmbito das ações juridicamente
relevantes é o âmbito do ilícito típico.
§ É ao nível do ilícito que se define quais os bens jurídicos que
devem ser protegidos, quais as formas de agressão ou colocação
em perigo relevantes para o dto penal, em certos casos as formas
de execução jurídico-penalmente relevantes, e ainda, o âmbito
dos destinatários da norma penal.
• É o ilícito, que é um juízo de valor material, que tem de
ser traduzido da forma mais precisa possível, servindo-se
das exigências de certeza e de segurança penal, que estão
de resto subjacentes à própria consagração do pp da
legalidade.

o Este experiente técnico que permite expressar o juízo de ilicitude da


forma mais precisa possível é o TIPO.
§ É a descrição da lei, sendo que também nós à semelhança do que
foi avançado pelo sistema clássico partimos por uma categoria de
ilícito típico, não distinguimos entre ilícito e tipo.
• O tipo é a forma cujo conteúdo é o ilícito; é a forma pela
qual se exprime o juízo de ilicitude.
o Sendo que o ilícito corresponde à mens iuris, é o
juízo de valor subjacente à própria norma – as
palavras da lei não valem por si mesmas, mas
apenas como expressão do juízo de valor da
ilicitude.
§ Por isso a interpretação penal tem de ser
teleológica, que não fica pela letra da lei,
procurando descortinar o espírito da lei.

135
o Neste contexto, ao invés do conceito clássico, parte-se do ilícito pessoal.
§ O ilícito pessoal traduz-se na negação de uma norma de
determinação, que é valorada como ato humano em geral.
• Ainda não se esteja a tomar em consideração as
particulares características do particular agente.

o Assim no quadro do ilícito pessoal pode-se distinguir o quadro do ilícito


de ação e o ilícito de omissão e entre o ilícito doloso e o ilícito
negligente.
§ Qualquer uma destas figuras consubstancia núcleos de
antinormatividade própria, unidades de sentido subjetivo-
objetivas autossubsistentes, que têm um desvalor e estrutura
diversos, que justifica a sua subordinação a diferentes regimes.
• Obviamente que aqui estamos a fazer a dogmática dos
crimes de ação dolosos, sendo que o ilícito típico que
estamos a falar é o ilícito típico doloso.
o Se o ilícito é uma unidade objetiva-subjetiva, no
quadro de uma conceção do ilícito pessoal, e o
tipo é a expressão desse mesmo ilícito pessoal à
então também o conteúdo do tipo será um
conteúdo compostos por elementos objetivos e
subjetivos.

o Porém, deve-se precisar o conceito de tipo, uma vez que se está a falar do
tipo em sentido dogmático/ sistemático.
§ Há outros sentidos de tipo de que se fala muitas vezes
nomeadamente o tipo garantia. à coincide com o princípio da
legalidade.
• Fala-se de pp de legalidade e desta aceção de tipo de
garantia ou de pp da tipicidade, no sentido em que todos
os pressupostos da punição têm de estar previstos na lei.
o Isto, quer nos pressupostos que digam respeito ao
ilícito, quer os que digam respeito à exclusão do
ilícito, quer os que digam respeito à culpa ou
exclusão da culpa; ou às próprias condições de
punibilidade.

o Não é neste sentido amplo do tipo de garantia, fala-se do tipo do ilícito


em sentido dogmático, que compreende elementos do tipo incriminador
que contende com o ilícito penal à elementos que exprimem o desvalor
da ação pessoal objetivo, em que consiste o ilícito e, no nosso caso, o
ilícito doloso – é neste tipo, em sentido sistemático, que constitui a
expressão do ilícito doloso.
§ Por outras palavras, o tipo, ao contemplar elementos objetivos e
subjetivos, no nosso caso, poderá ser dividido em tipo objetivo e
tipo subjetivo.

136
• É uma distinção que comporta uma falsificação das
coisas, visa a clareza pedagógica, já que o ilícito tipo
ilícito é uno à É um unidade subjetivo-objetivo:
o Se faltar um elemento objetivo não temos o
preenchimento do tipo, e vice-versa.

o Ir-se-á fazer uma outra distinção: Dentro do âmbito do ilícito típico


temos o tipo incriminador e o tipo justificador.
§ O tipo incriminador intervém de forma concreta e pela positiva,
definindo o específico ilícito de cada espécie de ilícito (o tipo
incriminador do furto; o tipo incriminador da burla, o tipo
incriminador do homicídio…).
• Este tipo de incriminador que define o ilícito pela
positiva, uma vez que enuncia os requisitos que se têm
que verificar para termos aquela concreta espécie de
crime.
• Porém, pode existir circunstâncias excecionais que
retirem relevância penal.
o Aqui entra os tipos justificadores ou causas de
exclusão da ilicitude.
Ex.: matar é proibido, mas eu posso matar em
legítima defesa.
§ Estes tipos justificadores não intervêm, ao contrário dos tipos
incriminadores, na delimitação da ilicitude forma concreta e
positiva; intervêm de forma geral e pela negativa.
• Valem e aplicam-se a várias espécies de delito.
o Portanto não tem por função definir os concretos
ilícitos crimes dos vários delitos.
Ex.: a legitima defesa aplica-se a ofensas à integridade
física, à tentativa de homicídio, como até em sede de
crimes patrimoniais, etc.
• Intervém ainda pela negativa ao contrário do tipo
incriminador à ao contrário do tipo incriminador em que
para termos crime, a situação tem que preencher os
requisitos lá enunciados; para de ter um ilícito,
percecionadas as coisas do lado do tipo justificador, a
situação não pode preencher os requisitos do tipo
justificador.
o Se o ilícito preencher os requisitos das causas de
exclusão da ilicitude, então a situação deixa de ser
ilícita.

137
§ Seja como for, a verificação em concreto de saber se uma
situação é ou não ilícita, dependerá da ponderação cumulativa
dos tipos incriminadores e dos tipos justificadores.
• Diz se a este propósito que os tipos incriminadores e tipos
justificadores estão numa relação de mútua
complementaridade, com vista à definição do concreto
ilícito típico das várias situações.
o Para termos um ilícito é necessário que a conduta
preencha os requisitos dos tipos incriminadores e
não preencha os requisitos do tipo justificador.

Ø Tipos incriminadores
o Dentro deste tipo de ilícito incriminador, o legislador define os
elementos, que de forma concreta e positiva, de cuja verificação depende
a relevância jurídico penal da conduta. Na definição deste tipo
incriminador e conforme à perspetiva do ilícito pessoal, intervêm tanto
elementos objetivos e elementos subjetivos (verdadeiramente não temos
autonomamente um tipo objetivo ou um tipo subjetivo – temos um tipo
subjetivo-objetivo à o ilícito doloso é uma unidade de sentido subjetivo-
objetiva, sendo que isso se reflete também na estrutura dos tipos que
expressem esse conteúdo de ilícito doloso).
§ Tipo objetivo à ou seja, elementos de natureza objetiva que
intervêm na definição do tipo incriminador. A este propósito fala-
se de três elementos estruturantes, na qual o legislador joga na
definição dos concretos tipos ilícitos incriminadores:
• Agente; Consoante a forma como o legislador joga
• Conduta; com estes elementos vamos ter diferentes
• Bem jurídico. formas de incriminação autónomas.

Agente
§ Na generalidade dos crimes pode ser punido qualquer pessoa. à
São os chamados crimes comuns.
• É a ideia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a
lei penal.

§ Todavia, existem certas situações em que o legislador restringe os


destinatários da norma, estabelecendo que só certas pessoas
podem estabelecer certos crimes à crimes específicos ou
especiais.
• Que se traduzem em restringir o campo dos possíveis
autores desses crimes.
o Estes crimes traduzem por exemplo na exigência
que o autor esteja numa especial relação de

138
parentesco ou de vínculo laboral com a vítima; ou
no facto de determinado agente desempenhar
certas funções profissionais.
o Regra geral estes crimes prendem-se com o facto
de a relação de parentesco ou relação profissional,
conferir ao ato um particular desvalor ou essa
mesma relação exigir especial cuidados de
prevenção tendentes a agravar a sanção por
referência aos crimes.

§ Dentro dos crimes específicos ou especiais existem duas


modalidades:
• Crimes específicos puros ou próprios:
o Estes são crimes que não tem um crime comum
equivalente, apenas podendo ser realizados por
uma categoria específica de pessoas.
Ex.: crimes de funcionários. O crime de prevaricação
só poderá ser cometido por um juiz, um magistrado
judicial ou por um magistrado do ministério público.
E não por qualquer outra pessoa.
Já o peculato, seria um crime específico impuro ou
impróprio porque temos o crime comum do furto,
sendo que o peculato constitui uma simples
agravação.
Antes, a corrupção também se enquadrava neste tipo
de crimes, mas já não é o caso.
• Crimes específicos impuros ou impróprios
o A especial qualidade exigida para o agente
funciona tão-só como circunstância modificativa,
como atenuante ou agravante do ilícito.
Ex.: o homicídio - o homicídio é um crime comum;
mas temos o homicídio qualificado, que nas suas
primeiras alíneas estabelece uma agravação da pena
do homicídio quando entre o agente e a vítima exista
uma particular relação. à ART. 132º/2 als. a) e b)
CP.
Temos um crime comum que pode ser cometido por
qualquer pessoa (homicídio simples) e depois temos o
homicídio qualificado a exigência de uma relação
entre vítima e agente.

139
Os elementos estruturantes do tipo incriminador são os seguintes: o agente, a conduta e
o bem jurídico.
o No que concerne à conduta, faz-se a distinção entre 2 tipos de tipicidade:
§ Começa-se por falar de crimes de execução livre ou não
vinculada;
• Por norma, os crimes são de execução não vinculada. O
legislador, na esmagadora maioria dos casos, proíbe
condutas que possam atentar contra determinado bem
jurídico.
Ex.: o homicídio pode ser cometido por facadas, pistolas,
enforcamento, etc. à desde que a conduta seja idónea e
conduza ao resultado, preenche o tipo legal.

§ Por outro lado, crimes de execução não livre ou vinculada.


• Há alguns casos em que o legislador exige um
determinado modus operandi, i.e., não se basta com a
simples produção do perigo ou lesão do bem jurídico,
exige que o processo de realização do crime cumpra
certos requisitos.
Ex.: burla – não basta aqui a produção de um dano
patrimonial, é necessário que este dano patrimonial siga
um modus operandi.
Isto é importante, efetivamente, quer para efeitos de
tentativa – quando é começa a tentativa da burla, quais os
requisitos para a burla, e para efeitos de comparticipação.
o No entanto, ainda quanto a este 2º elemento estruturante do agente faz-se
uma outra distinção entre:
§ Crimes de mera atividade ou crimes formais;
• Estes crimes esgotam-se num puro facere ou non facere –
consumam-se com a própria conduta.
o São poucos, mas existem alguns exemplos.
Ex.: invasão de domicílio – consiste numa conduta
(alguém entrar de forma não autorizada na casa de
outrem).
§ Crimes de resultado ou crimes materiais
• Os crimes materiais ou de resultado, para se consumarem
não se bastam com a conduta do agente: é necessário que
essa conduta conduza à produção de um evento/ de um
resultado espácio-temporalmente autónomo em relação à
própria conduta.
o A maioria dos crimes são crimes materiais ou de
resultado.

140
Ex.: para termos um homicídio consumado, não basta
a conduta homicida à é necessário que a esta conduta
se siga, como sua consequência, o resultado morte,
que um resultado espacio-temporalmente autónomo
em relação à conduta.

o Os crimes formais e materiais podem ser de ação ou de omissão.


§ Contrariamente ao que muitos autores diziam os crimes contra a
honra, nomeadamente a injuria e a difamação não são crimes
formais à verdadeiramente o atentado à honra depende de um
resultado, que é o facto de a declaração ser ouvida por outra
pessoa.
Ex.: Se alguém escreve uma carta a difamar, mas, por confusão
dos correios, não chegou ao destino e volta para trás à não
temos uma injuria ou difamação consumadas.
o Finalmente, surge o bem jurídico, é o 3º elemento estruturante do tipo
objetivo à o bem jurídico é o objeto de proteção.
§ Nos crimes de homicídio é a vida; no furto é a propriedade
alheia; na burla é o património em geral; no sequestro é o ius
ambulandi – a liberdade de locomoção.

Quanto ao bem jurídico também podemos distinguir 2 categorias:


§ Crimes de perigo à consuma-se com o simples colocar em
perigo, não é preciso a lesão para a sua consumação.
Ex.: condução sob efeito do álcool é um crime de perigo. Ainda
que cumpra todas as regras do código da estrada, ou tenha um
acidente, não é necessária a lesão efetiva do bem jurídico, basta a
colocação em perigo. No entanto, é uma situação que conduz à
lesão à é uma situação PERIGOSA.

§ Crimes de dano à são a maioria dos crimes. o crime só está


perfeito, quando se verifique o dano, a lesão efetiva do bem
jurídico em causa.

o Quanto aos crimes de perigo fazem-se ainda subdistinções. De acordo


com a doutrina tradicional, mais antiga, que ainda é aquela que está
prevalecente na doutrina, começava-se por fazer uma distinção entre:
§ Crimes de perigo abstrato ou presumido
• Verdadeiramente, o legislador não exige para o
preenchimento do tipo a verificação em concreto de uma
situação de real perigo para o bem jurídico à é o
presumido.
o O legislador, na base de dados estatísticos ou da
normalidade do acontecer, associa à realização de

141
certas condutas, como regra geral, a criação de um
perigo.

o Por isso, se num processo relativo a um crime de


perigo abstrato, o agente quiser provar que não
houve perigo isso não releva à o que está em
causa é o perigo abstrato.

• Dai que, em qualquer situação concreta, desde que o


agente realize a conduta descrita na norma, ele será
punido pelo crime abstrato consumado, não releva a prova
no processo de que naquela situação concreta não se
verificou qualquer perigo para o bem jurídico.
o A simples verificação da conduta é assumida pelo
legislador em termos de presunção inilidível que é
perigosa e pela qual vai ser punida.

• Nos crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do


tipo, porque não é necessário verificar-se em concreto o
perigo real.
o O perigo é tão-só o fundamento da proibição, mas
não faz parte do próprio tipo à pois não é
necessário provar-se o perigo para o bem jurídico
em concreto na situação, o legislador presume que
esta conduta é sempre perigosa.

§ Crimes de perigo concreto


• Tem de se provar que em concreto o bem jurídico esteve
em perigo.
o Sempre que não se conseguir provar o perigo
efetivo para o bem jurídico, à luz do pp in dúbio
pro reu, o agente será absolvido.

Entretanto, a doutrina sentiu que o crime de perigo abstrato envolvia o alargamento do


âmbito da incriminação. O DP pretende tutelar bens jurídicos e, em princípio, só deve
intervir quando há lesão ou quando há um perigo efetivo.
Ø E, nesse sentido, na medida em que os crimes de perigo abstrato prescindem da
prova de que na situação o bem jurídico esteve em perigo, entendeu-se que havia
um alargamento excecional da condição.
o Foi para abrandar este rigor que um autor sugeriu uma categoria de
crimes de perigo intermedio: os crimes de perigo abstrato-concreto,
que seriam crimes de perigo abstrato (o crime tinha de se aferir ex ante),
mas que excecionalmente admitiam a prova em contrário.

142
§ Ou seja, desde que o arguido provasse que, apesar de ter
preenchido em abstrato o tipo legal do crime de perigo abstrato,
na situação em concreto não houve qualquer perigo para o bem
jurídico, ele não seria punido.

Ø As críticas a esta posição afirmavam que ela envolvia uma inversão do ónus da
prova à em processo penal vigora a presunção de inocência, sendo que uma das
suas manifestações é a de que quem tem o ónus da prova é quem acusa – in
dúbio pro reo.
o Assim, estes princípios seriam violados com a regra subjacente à
consagração do crime de perigo abstrato-concreto, pois fazia-se entender
sobre o arguido a prova.

o Desta forma, os autores repudiaram esta categoria e substituíram-na pela


categoria dos crimes de aptidão, que são crimes de perigo abstrato, mas
em que o perigo é medido sob uma perspetiva ex ante e, portanto,
chamam-se de crimes de aptidão, porque são condutas que em abstrato
são aptas para conduzir à lesão do bem jurídico.
§ Todavia, em relação a estes crimes de aptidão admite-se a prova
do perigo abstrato, medido ex ante e sempre que não se chegar à
conclusão para além da dúvida razoável de que ex ante a conduta
deixava antever uma possível lesão do bem jurídico, o agente não
será punido.

o Estes crimes de aptidão tendem progressivamente a ocupar todo o espaço


dos crimes de perigo abstrato, pois são na mesma crimes de perigo
abstrato, só que numa perspetiva correta fazem depender a consumação
desse crime abstrato da prova de um perigo ex ante e respeitando as
regras do processo penal (princípio in dúbio pro reo).
§ Contudo, ainda existem crimes, que por razões de segurança e de
ordem publica a doutrina continua a admitir como
correspondendo ao velho modelo dos crimes de perigo
abstrato/presumido.

Por isso detetamos na nossa literatura quanto ao bem jurídico três


categorias ao nível dos crimes de perigo:
§ Os crimes de perigo abstrato ou presumido entendidos nos moles
tradicionais, que não admitem a prova em contrário nos processos
de crime;
§ Os crimes de aptidão, que são crimes de perigo abstrato que
admitem prova em contrário quanto à existência de uma
perspetiva ex ante na consumação do perigo;
§ Os crimes de perigo concreto, que exigem a prova em concreto
de que o bem jurídico em causa esteve em perigo.

143
o Os crimes de dano: que são a maioria, o crime só está perfeito quando se
verifique o dano, a lesão efetiva do bem jurídico subjacente aquela
concreta figura de delito.

Muitas vezes, confunde-se a distinção entre crimes de perigo e


crimes de dano (tem a ver com o bem jurídico) com aquela outra
distinção entre crimes formais e crimes materiais.
o Parece à 1ª vista que o crime formal se esgota numa conduta,
logo é crime de perigo.
§ Já o crime material exige um resultado, logo deve ser
um crime de dano.

NÃO É ASSIM: estas classificações não se sobrepõem, cruzam-se.


o Podem existir crimes formais que são de perigo como podem
existir crimes formais que são de dano.
§ Podem existir crimes formais que são de perigo como
podem existir crimes formais que são de dano.
Ex.: a invasão do domicílio é um crime de dano (o bem jurídico
da reserva da vida privada). O crime esgota-se numa conduta, mas
está a lesar um bem jurídico, sendo por isso um crime formal.
Ex.: o crime de contrafação de moeda (fabrico de moeda falsa) só
se consuma com a produção do resultado. É um crime material,
porque não basta a atividade de o contrafazer, é necessário que,
em consequência dessa atividade, se venha a produzir um
resultado que é autónomo a ela (a produção da 1ª moeda falsa).
É um crime material e, todavia, é um crime de perigo à o bem
jurídico dos crimes de moeda falsa é a intangibilidade do sistema
monetário oficial, ou seja, é um bem jurídico que só é
verdadeiramente lesado quando a moeda falsa entra na esfera
disponibilidade de alguém, de boa fé, que a aceita como
verdadeira.
Em si mesmo o ato de fabrico é um ato preparatório por
referência à lesão do bem jurídico, donde do angulo do bem
jurídico o crime de contrafação de moeda é um crime de perigo.
Temos um crime material ou de resultado, do ponto de vista do
elemento da conduta, mas que do ponto de vista do bem jurídico,
é um crime de perigo.

Ø De certa forma relacionada com estas classificações, surge um problema muito


difícil: o problema da chamada imputação objetiva.
o Tal como foi enunciado na doutrina, é um problema que se restringe aos
crimes materiais que, na base do elemento “conduta”, se opõe aos crimes
de mera atividade.

144
§ Crimes materiais que tem como nota distintiva a circunstância da
respetiva consumação não se bastar com a mera conduta do
agente, sendo necessário a produção de um resultado que, embora
sendo consequência dessa conduta, é espácio-temporalmente
autónomo em relação à conduta.
• Nessas circunstâncias torna-se, por vezes, difícil
determinar se aquele resultado é efetivamente o resultado
que foi produzido por aquela conduta.
o Podemos determinar se aquele resultado foi
produzido por aquela conduta, pela imputação do
resultado à conduta.
o É assim que o problema da imputação objetiva é
colocado hoje na doutrina maioritária.
§ Não foi assim no passado, nem é a
perspetiva do Prof. Dr. Almeida Costa.

Ø O problema da imputação objetiva, tal qual é equacionado na generalidade da


literatura, nesse contexto, surge como um problema dos crimes materiais e que
tem a ver com a questão da imputação do resultando à conduta.
o A este propósito, tomando como referência a doutrina moderna, desde
início do século XX até agora, surgiu uma 1ª doutrina a: teoria da
equivalência das condições, que assentava nos postulados causalistas
que, no fim de contas, transportava para o problema da imputação da
conduta a noção de causalidade naturalista.
§ Mais concretamente a noção de causalidade de Maxon Buri, que
era um conselheiro do supremo tribunal alemão. à O seu
conceito de causalidade foi avançado por John Stuart Mill.
• Causa seria o conjunto de todas as condições sem as quais
um determinado resultado não se verificaria à Era a
perspetiva causal.
Ex.: o que é deu origem a uma árvore – semente; no
entanto, também tivemos em várias circunstâncias, que
contribuíram para tal.
o Esta noção de causa de John Stuart Mill, que
Maxon Buri previu, sem nunca ter lido os
ensinamentos de Mill, estava na base da teoria da
equivalência das condições.

o É este conceito de causa que é transportado para o plano do DP.


Portanto, atribuiríamos o resultado à conduta do agente, sempre que
chegássemos à conclusão que sem ela, sem a conduta, (havia aqui um
método hipotético) não se tinha produzido o resultado não haveria causa.
§ Se a conduta era imprescindível, se ele retirasse a conduta não
tinha havido resultado, então imputava-se o resultado à conduta

145
à era o método hipotético que apontava para o critério da
condição sem a qual (sine qua non).
• A conduta seria causa daquele resultando quando, nesse
juízo hipotético, se o juiz procedesse à subtração mental
daquela conduta e chegasse à conclusão de que não se
tinha verificado o resultado.

Várias críticas se dirigiam a esta perspetiva:


o Ela leva a um alargamento do conceito de causa inadmissível à luz das
valorações jurídico-penais.
Ex.: suponha-se que alguém dá uma pancada na cabeça de outra
pessoa. A pessoa fica inanimada. Chega ao hospital e depara-se
com um enfermeiro negligente, que troca o frasco de remedio
pelo frasco de veneno, provocando a sua morte.
De acordo, com a teoria da conditio sine qua non, teríamos que
imputar o resultado morte à pancada, porque se o individuo não
tivesse levado a pancada, nunca teria ido ao hospital, nunca se
teria encontrado com o enfermeiro negligente, que provocou a sua
morte.
Podemos até multiplicar isto: se o pai daquele agente que lhe deu
a pancada, não tivesse nascido, não tinha aquele filho.
§ Esta perspetiva puramente causal, descritiva não é adequada às
valorações jurídico-criminais e levava às imputações de
resultados que manifestamente não são previsíveis.
• O DP o que pretende é comandar o comportamento das
pessoas para o futuro e só pode exigir que se abstenham
de condutas, desde que o resultado dessas condutas seja
previsível à não faz sentido adotar esta perspetiva como
nuclear de toda a imputação do resultado à conduta.

o Junta-se uma segunda crítica: o critério conditio sine qua non // do


método de supressão mental é uma ficção, porque verdadeiramente para
o juiz fazer a supressão mental, e chegar à conclusão de que com
comportamento se tinha produzido o resultado ou não, é necessário que
ele conheça as próprias regras causais (ele já tem que saber o critério sine
qua non) para chegar à conclusão de que aquela conduta foi
indispensável à produção do resultado.

Quanto a este segundo aspeto é proposto um segundo critério: critério da


condição conforme às leis naturais.
o i.e., para se fazer esta imputação naturalista, tem de se atender às regras
científicas e de conhecimento que são pacificas na ciência da doutrina da
matéria em causa.

146
§ A determinação da condição conforme às leis naturais apontaria
que só se imputasse o resultado quando, de acordo com regras
conhecidas, pacificamente aceites, determina-se o nexo de
imputação.
Ex.: crimes ambientais, erros médicos.
• Porém, mesmo com esta correção permanece a crítica
inicial.

o Mesmo com este novo critério, a teoria da equivalência das condições


conduz a um alargamento demasiado largo do âmbito da imputação. Está
em causa, não é estabelecer um puro nexo causal, mas é, antes de mais
nada, determinar em que casos é, no momento da prática do facto, era ou
não previsível o resultado.
§ O DP pretende comandar o comportamento futuro das pessoas,
procurando que as pessoas se abstenham de praticar atos que
lesma os bens jurídicos – é esta a perspetiva que deve presidir à
imputação do resultado à conduta.
• E foi, por isso, que como correção à teoria da
equivalência das condições surgiu a chamada teoria da
adequação.

o Há duas vias da teoria da adequação.


§ Há uma que pretendeu introduzir o conceito de causalidade
humana, substituindo radicalmente a teoria da equivalência das
condições.
§ E, depois, há outra que é a maioritária, que introduz a teoria da
adequação como um corretor à teoria da equivalência das
condições.

Ø Teoria da adequação
o A teoria da adequação diz que de entre todos os processos causais só
podem revelar para o DP, aqueles que no momento da prática do facto,
atendendo à normalidade do acontecer, às regras da experiência e aos
conhecimentos gerais do agente na situação concreta, o resultado se
apresente como uma consequência possível, ou pelo menos não
impossível da conduta.
§ A teoria da adequação aponta para o juízo de prognose póstuma,
i.e., defende que não basta que haja um nexo causal naturalístico,
entre a conduta e o resultado, tal qual resulta da teoria da
equivalência das condições.
• É necessário que, de todos esses nexos causais, só valore
aqueles que de acordo com a regra da experiência,
atendendo aos conhecimentos gerais e específicos do
agente esse resultado se afigure como uma consequência
previsível ou pelo menos não impossível da conduta.

147
o Os autores preferem, hoje, falar de uma
consequência não impossível.

o A regra da experiência funciona na base dos conhecimentos do agente.


à Colocam-se aqui em causa os acontecimentos gerais, mas também os
conhecimentos específicos do agente.
Ex.: suponha-se que alguém produz um ferimento numa pessoa. Para a
maioria das pessoas isto não será mais do que um ferimento na cabeça.
Só que, naquele caso concreto, a vítima tinha uma especial fragilidade
que fazia com que uma agressão, que para a maioria não tinha grandes
consequências, neste caso concreto veio a provocar a morte da vítima ou
gravíssimas ofensas à saúde ou integridade física.
De acordo com a teoria da adequação, se não fosse visível o ferimento
produzido, não era de esperar o resultado previsível à sendo que o
agente seria apenas acusado de ofensas à integridade física – não se
imputaria a morte.
- Suponhamos, agora, que o agente sabia dessa especial fragilidade física,
aí já passa a ser previsível. Deste modo, já se imputaria aqui o homicídio.
§ As regras da experiência medem-se em função das circunstâncias
conhecidas em geral pelas pessoas, sobre o caso concreto, e
também dos conhecimentos especiais do agente.
• Com isto, não estamos a confundir o ilícito com a culpa –
está-se a apenas a falar da adequação da conduta na sua
objetividade, para produzir um resultado.
o A culpa tem que ver com a censura, e, como se
sabe, o agente pode até ser inimputável ou esteja
numa situação de não exigibilidade.

o Para operacionalizar esta teoria fala-se no juízo de prognose póstuma – é


uma prognose feita à posteriori.
§ O juiz tem que fazer uma espécie de “viagem no tempo”, colocar-
se no momento e nas circunstâncias em que o agente atuou e, em
face disso, fazer um juízo se era previsível, pelo menos como
consequência não impossível, a produção da consequência como
não resultado.
• Este conteúdo essencial da teoria da adequação como
critério da imputação jurídica – diz-se que este já não é
um problema de causalidade (causalidade naturalística é o
1º pressuposto e é resolvido à luz da teoria da
equivalência das condições).
• Aqui, no âmbito da teoria da adequação, é um problema
de valoração.

148
o Está-se a circunscrever, de entre todos os
processos causais naturalísticos possíveis, aqueles
que relevam para o dto penal.
o E, só relevam aqueles que deixem antever no juízo
de prognose póstuma, a verificação do resultado
como consequência da conduta ou pelo menos não
imprevisível.

Ø Assim viveu a doutrina durante muito tempo. Até que, em finais do século XX,
surgiu a Teoria da Conexão do Risco, que é a teoria maioritária hoje em dia,
mas que o Prof. Dr. Almeida Costa discorda.
o É a teoria que a doutrina moderna veio introduzir e que conta com o
apoio maioritário da doutrina, em particular Dr. Figueiredo Dias.
§ O grande autor que introduziu esta teoria foi Klaus Roxin.

o Esta teoria vem dizer que existem ainda muitas situações em que, à luz,
seja da teoria da equivalência das condições e, depois, do corretor da
teoria da adequação, o resultado se deve imputar e, todavia, essa
imputação não corresponde ao sentido das valorações jurídicas, sendo
necessário introduzir + limites valorativos, que excluem imputação do
resultado à conduta, em relação a casos que, da atuação conjugada da
teoria da equivalência das condições e da teoria da adequação resultaria a
imputação.

o A teoria da conexão do risco caracteriza-se por conservar as doutrinas


anteriores, juntando-lhe um elemento novo trazido pela conexão do risco.
Do ponto de vista formal, há várias construções – Roxin, autonomiza 2
momentos; Figueiredo Dias, 3 momentos – seguir-se-á o esquema
apresentado por Figueiredo Dias à haverá que cumprir,
cumulativamente, 3 momentos.
§ Primeiro momento à é constituído precisamente pela teoria da
equivalência das condições, integrada pelo tal critério das
condições conforme as leis naturais: é problema de determinar se,
no plano dos factos, aquele resultado foi ou não causado pela
aquela conduta. É um requisito mínimo, que se percebe no
quadro do DP do facto.
• Eu só posso imputar alguma coisa alguém quando no
plano da causalidade foi efetivamente produzido pela
conduta do agente- teoria da equivalência das condições.

§ Segundo momento: já não estamos à procura do nexo causal


naturalístico, esse já está resolvido. É o nexo de adequação – no
fim de contas, é a teoria da adequação. Neste segundo nível, Dr.
Figueiredo Dias vai restringir a imputação aqueles casos em que,
de acordo com as regras da experiência, da normalidade do
acontecer, atendendo aos conhecimentos gerais, mas também aos

149
acontecimentos específicos do agente, o resultado se apresente
como consequência previsível, ou pelo menos não impossível.
• No entanto, os autores diziam que há muitos casos em que
o resultado se deve imputar tendo em conta essas duas
teorias e, mesmo assim, afigura se injusto responsabilizar
o agente.
o Deste modo entra-se no terceiro escalão.

§ Terceiro escalão: Teoria da conexão do risco: há casos em que na


conduta há nexo causal, nexo de adequação e a imputação do
resultado contrariaria as regras jurídico criminais.
• Enuncia 4 situações que funcionam, pela negativa, são 4
corretores que excluem a imputação em relação à conduta
em relação às quais havia nexo de causalidade e de
adequação, limitando a teoria da adequação.
o Corretor do risco permitido à nas sociedades
modernas e complexas existem atividades que
apesar de perigosas, apesar de deixarem antecipar
a possível lesão do bem jurídico, continuam a
existir, por exemplo o caso do tráfego automóvel e
da indústria química.
§ São situações de condutas que são lícitas e
úteis às sociedades, mas que envolvem
certos perigos e riscos para os bens
jurídicos.
§ Deste modo, o legislador nestas áreas
estabelece regras de cuidado, estabelece
limites ao exercício de certas atividades
pertencentes a esses setores de atividade
perigosos (por exemplo regras do código
da estrada).
• E, portanto, ao estabelecer estas
regras o legislador diz que sempre
que a atividade perigosa for
exercida no respeito dessas normas
de cuidados, a conduta em si
mesmo será lícita pelo que não será
imputado o resultado.
• Só quando agente ultrapassa as
regras de cuidado é que será
responsável pela sua conduta.

o Corretor da diminuição do risco/Princípio do risco


diminuído à dois amigos vão escalar uma
montanha; e um vai à frente e outro atrás com

150
alguma distancia, o que vai atras vê uma pedra que
se desprendeu e que vai atingir o amigo
magoando-o gravemente; e por qualquer meio o
amigo de trás consegue desviar a pedra, magoando
não a cabeça, mas a omoplata, destruindo-a.
§ De acordo com os critérios da teoria da
adequação e da teoria da equivalência das
condições, este é um efeito previsível e
teríamos que imputar ao amigo a ofensa à
integridade física consistente da fratura da
omoplata.
• Todavia é consequência injusto e
gritante – o que a teoria da
diminuição do risco vem dizer é
que não se imputa o resultado
quando a produção desse resultado
foi meio para evitar um dano mais
grave.

§ Estes autores dizem que quanto ao dano do


ombro verifica-se o nexo causal, também
há nexo de adequação pois ele previu e é
adequado, era consequência não
impossível atingi-lo no ombro.
• Seria absurdo responsabilizar o
agente por uma lesão que foi
indispensável e necessária para
evitar a lesão mais grave do bem
jurídico.
• Não se imputa o resultado quando a
produção do resultado ainda que
consequência causal e adequado,
seja um meio para evitar uma lesão
mais grave de um bem jurídico.

o Comportamento lícito alternativo à casos em que


o agente atuou ilicitamente, prova-se, à posteriori,
que mesmo que atuasse licitamente, o resultado
teria sido o mesmo.
§ Caso do cirurgião que pratica certas
diligências de má prática médica e o
doente morre.
§ Vem-se a provar, à posteriori, que mesmo
que o médico respeitasse as boas práticas
jurídicas ele morreria à mesma.

151
• Neste caso não se imputa o
resultado, sendo que a conduta
continuando a ser ilícita, o agente é
punido apenas nos termos da
tentativa.
o A tentativa só é punível a
título de dolo, o que
significa que, quando o
agente atuasse com dolo,
seria punido apenas por
tentativa.
o A tentativa não é punível a
título de negligencia, por
isso o corretor do
comportamento lícito
alternativo implica a
impunidade do agente.

• Há o desvalor da ação pois


desrespeitou a regra, mas não se
verifica o desvalor do resultado
pois ele acontecia de qualquer
forma.

o Princípio do âmbito de proteção ou fim da norma


à suponha-se que há, devido à proximidade um
cruzamento perigoso e com o objetivo de evitar
acidente, uma placa que limita a velocidade a
50km/h.
§ O fim da norma é impedir acidentes devido
ao perigo rodoviário - o senhor A vai a
70km/h e rebenta um pneu e galga o
passeio e atropela uma pessoa.
§ O sentido da norma não tinha que ver com
o rebentamento de pneus, ele vai ser
punido por ultrapassar o limite de
velocidade, mas o resultado não lhe pode
ser imputado pois esse limite de velocidade
estava lá apenas para evitar acidentes e não
tinha que ver com o perigo do
rebentamento do pneu.
• Não lhe vai ser imputado o
resultado atropelamento em virtude
do rebentamento do pneu. Contudo,
se em virtude dos 70km/h, não
travou a tempo e teve um acidente

152
no cruzamento, teve um resultado
que a norma pretendia evitar e o
resultado é lhe imputado.
• O âmbito de proteção da norma
respeita sim a evitar perigos de
acidente, sendo que o agente
apenas será punido por excesso de
velocidade.

Teoria geral dos delitos de ação dolosos (continuação)


o Teoria da conexão pelo risco: a imputação do resultado à conduta passa
por três momentos sucessivos que têm de ser preenchidos
cumulativamente.
§ Primeiro, há que verificar se se há um nexo causal naturalístico
definido nos termos da teoria da equivalência das condições. Mas
isto não chega.
§ Depois, temos de verificar se se preencheu o nexo de adequação,
conforme aos pressupostos da teoria da adequação.
§ E, por fim, resta-nos analisar o nexo da conexão pelo risco.

§ Quatro corretores da conexão pelo risco:


• Corretor do risco permitido;
• Corretor da diminuição do risco;
• Corretor do comportamento lícito alternativo;
• Corretor do âmbito da proteção da norma.

o O prof. Dr. Almeida Costa DISCORDA desta perspetiva:


§ Discorda, logo na base pela adoção da teoria do ilícito pessoal.
• O que está aqui em causa na imputação objetiva é
determinar a atuação juridicamente relevante.
o A imputação objetiva não é um problema
exclusivo dos crimes materiais. à Coloca-se
também nos crimes formais.
Ex.: Pense-se na hipótese de autoria mediata em
relação à invasão de domicílio. Muitas vezes, o
crime é imputável não aquele que executa a
conduta criminosa, mas àquele que está por detrás
dele, que o comanda.
- Supõe-se que alguém, usando coação, faz com
que o autor imediato invada o domicílio.

• Portanto, o problema da imputação objetiva põe-se em


relação a todos os crimes e traduz-se em saber qual os

153
requisitos que deve revestir o nexo que liga o agente
ao facto criminoso, para que ele lhe possa ser
imputado, isto independentemente de o crime
praticado ser um crime formal ou um crime material.

§ A partir daqui, tem-se uma segunda crítica: se é este o


critério, então o critério de imputação não pode estar na teoria
da adequação (o 2º escalão da conexão do risco).
Ex.: um farmacêutico vende uma substância abortiva para a
prática de um aborto que não é permitido por lei. É previsível
que o ato de venda tenha como consequência a prática do
aborto.
- Significa isto que podemos praticar a prática do aborto ao
farmacêutico?
. Não. Este beneficia apenas do domínio da liberdade da
venda da substância.
• Os crimes dolosos caracterizam-se por uma simetria/
correspondência entre o lado ativo e passivo entre o lado
objetivo e subjetivo.
o Os crimes dolosos traduzem-se do lado subjetivo
no conhecimento da realização do crime.
§ Só se pode falar de crime doloso, quando a
realização objetiva do ato, i.e., a lesão ou
colocação em perigo do bem jurídico é
obra da vontade do agente – só aí se pode
dizer que a prática do crime dependeu da
vontade do agente e, por isso, é a
concretização do seu próprio dolo.
• No nosso exemplo o farmacêutico
só tem em mãos o domínio da
venda do medicamento e não a
prática do ato abortivo.

§ Resumindo e antecipando conceitos: O verdadeiro critério da


imputação objetiva dos crimes dolosos é o DOMÍNIO DO
FACTO, há um nexo de dominabilidade – só podemos dizer que
o facto é imputável a título de dolo, quando da vontade do agente
dependeu o «se», o «quando» e «como» da prática do crime.
• Há uma diferença muito grande entre nexo de
dominabilidade e o puro nexo de previsibilidade.
o Por isso, e é esta a 2ª crítica a dirigir á teoria da
conexão do risco, é que o critério base da
imputação objetiva (que é a teoria da adequação

154
para a teoria da conexão do risco) não exprime o
desvalor do crime doloso.
§ O critério da imputação objetiva do crime
doloso tem de ser no domínio do facto, que
tem importa também um juízo de prognose
póstuma, mas que é diferente.
• Também aqui o juiz vai “viajar no
tempo”, no entanto fará uma
pergunta diferente: “não se era
previsível que a esta conduta viesse
a suceder-se a prática do ato?”;
perguntará ainda: “se atendendo às
circunstâncias do caso aquela
conduta dava ao agente o efetivo
controlo o se, o quando e o como,
dele dependia ou não a prática do
crime.”.

§ Existe ainda uma terceira critica: bem vistas as coisas, o critério


da imputação objetiva, na teoria da conexão do risco, reduz-se à
teoria da adequação, que já se viu, é insuficiente.
• Verdadeiramente os corretores não são critérios de
imputação objetiva à têm que ver com a delimitação do
tipo.
Ex.: Voltemos ao caso dos dois amigos que vão escalar e que
A para tentar salvar B de uma pedra que lhe ia provocar a
morte fatal, desvia uma pedra e acerta-lhe na omoplata,
destruindo-a.
- Os autores dizem que neste caso, nos termos da teoria da
adequação, tem que se imputar a destruição do ombro. Só que
vai se excluir essa imputação.
. O critério da diminuição do risco não tem a ver com a
imputação do resultado. Para falar de conexão do risco é
necessário que a fratura do ombro seja imputável ao amigo,
em termos de previsibilidade. Pode se imputar, mas exclui-se
o ilícito.
Isto porque se diz que o tipo legal de ofensas à integridade
física não pode abranger uma conduta que causa uma ofensa à
integridade física, mas como meio para evitar outra mais
grave.
. o que está aqui em causa não é o nexo entre a conduta e o
resultado à este nexo existe e, por isso, se levanta o
problema, o que está em causa é o elemento de valoração.

155
Por outras palavras, é dizer que esta conduta, quando
praticada nestas circunstâncias, não é ilícita.

• O mesmo se diga para o comportamento lícito alternativo.

o Em alternativa à conexão do risco, o Prof. Dr. Almeida Costa considera


que o problema deve ser colocado de outra forma e que a imputação
passa, no âmbito dos delitos dolosos, a depender de dois momentos
diferentes:
§ Um primeiro momento, que é um verdadeiro nexo de imputação
jurídica – domínio do facto – só posso imputar um crime (formal
ou material) a partir do momento em que a verificação/
preenchimento do tipo é obra da vontade do agente;
§ 2º requisito à Causalidade naturalística: o prof. faz intervir este
requisito só em último lugar, uma vez que não basta uma conduta
que propicia o agente o domínio do facto;
• É necessário, no quadro de um DP do facto, que a conduta
seja a causa efetiva da sua produção.
o Aqui, o Prof. Dr. Almeida Costa aceita a teoria da
equivalência das condições, integrada pelo critério
da condição conforme às leis naturais.

Ø O sentido do ilícito doloso – imputação no âmbito dos delitos dolosos


o Problema não se restringe à imputação do resultado à conduta – não se
restringe aos crimes materiais.
§ O problema de imputação objetiva respeita à determinação/
definição do nexo que tem de existir entre a conduta e a
verificação do crime, para que o possamos considerar obra do
agente.
• O dolo é conhecimento e vontade da realização do tipo,
daí que necessariamente o ilícito doloso só possa
compreender os factos que são realização da vontade do
agente.
o Portanto, o critério basilar que exprime o desvalor
da ação característico do ilícito doloso e, por isso,
tem de ser o critério da imputação objetiva e
aplicável tanto aos crimes materiais como aos
crimes formais é o domínio do facto.

§ Posto isto, o domínio do facto exige um juízo de prognose


póstuma análoga da teoria da adequação.
• Contudo, é diferente, uma vez que a teoria de adequação
exprime um nexo de previsibilidade.
o No entanto, há situações em que um determinado
crime é previsível, sem, todavia, se poder dizer a

156
respeito dele que constitui a concretização de uma
decisão da vontade do agente.

• O juízo de prognose póstuma à realização do facto faz


com que também o juiz tenha de “recuar ao tempo da
prática do ato”, sendo que a pergunta que se faz será a
“será que é previsível o resultado como consequência
desta conduta?” (teoria da adequação).
o Ora, aqui será uma pergunta diferente: “naquela
situação, atendendo às circunstâncias do caso,
aquela conduta dá ao agente ou não o controlo
sobre «se», «quando» e «como» - se dá o domínio
do facto ou não?”
§ É este o critério de imputação objetiva.

§ Como segundo requisito, surge o nexo de causalidade definido


nos termos da teoria da equivalência das condições.
Este critério vale tanto para os crimes materiais como para os crimes formais, i.e.,
quanto aos crimes materiais, o problema adicional da imputação do resultado se
subordina este mesmíssimo critério – é saber se o agente, com a sua conduta, tem ou
não o domínio sobre a prática do ato e a subsequente produção do resultado.
- É uma perspetiva alternativa à teoria da conexão do risco e que comporta
apenas 2 momentos:
o Momento do domínio do facto – a determinação do nexo pessoal
objetivo que tem de interceder entre a conduta do agente e verificação do
crime;
o Verificação do efetivo nexo causal entre essa mesma conduta e a
produção do evento.

Ø Quanto aos critérios da conexão do risco, qual o seu papel?


o Estes critérios não têm a ver com a imputação objetiva, mas sim com a
definição da conduta penalmente relevante, com a definição do âmbito
do tipo.
Ex.: Voltando ao exemplo da montanha, se o que ia atras consegue
desviar a pedra que colocaria, porventura a morte, e consegue desviá-la
para o ombro, causando com isso a fratura da omoplata, é evidente que
lhe estamos a imputar este resultado. Só falamos de diminuição do risco,
porque, de facto, este resultado (partir a clavícula) é imputável, nos
termos do domínio do facto, à conduta do agente.
- O que se passa é que se entende que o sentido do tipo de incriminação
do crime de ofensas à integridade física, não abrange estas situações.
§ O sentido do ato de ofensas à integridade física é o de lesar a
integridade física, não é a de diminuir o risco, atenuar a lesão.

157
• E, por isso, imputa-se ao agente o ato de diminuição do
risco, mas diz-se que esta conduta, com este resultado não
preenche o tipo.
o E, considerações análogas poderíamos fazer para o
comportamento lícito alternativo.

o São, no fim de cotas, estes tipos corretores do risco são, não critérios de
imputação objetiva, mas causas de exclusão da ilicitude.
§ Quando se verificam, não há sequer o desvalor da conduta para
ser subsumível a um tipo incriminador em causa à a sua
verificação é, por isso, uma causa de exclusão da tipicidade do
facto.

Imputação objetiva: a interrupção do nexo causal, causalidade cumulativa e


causalidade alternativa
Ø Interrupção do nexo causal: são situações em que existem dois processos
causais, que concorrem entre si para a produção de um resultado, mas um deles
antecipa-se a outro e produz o resultado.
Ex.: o senhor A e o senhor B, sem saberem um do outro, aplicam à vítima (C)
veneno, porque a querem matar. Contudo, o veneno do senhor A, ele aplica-o
em 1º lugar, mas é um veneno mais lento. O veneno do senhor B, apesar de
aplicado depois, ultrapassa o outro da produção do próprio resultado.
Nestas situações de interrupção do nexo causal e nesta situação em concreto,
dado que o veneno que produziu efetivamente a morte foi o veneno do senhor B,
o resultado da morte só será imputável ao senhor B.
- O senhor A será apenas punido por tentativa de homicídio.
o Falta aqui o requisito do nexo de causalidade em relação à conduta do
senhor A.
§ A conduta do senhor A era, nos termos da teoria da conexão do
risco, adequada a produzir o crime.
§ Nos termos da conceção do prof. Almeida Costa, a conduta do
senhor A era apta a dar o domínio do facto ao agente.
• Todavia, só em relação à conduta do senhor A é que se
manifesta o nexo causal, pelo que o resultado morte só
será imputado à conduta do senhor A ou do senhor B
(daquele que produziu a morte), o outro só será punido
por tentativa.

Ø Causalidade cumulativa

158
Ex: o senhor A e o senhor B querem matar o senhor C e escolhem o veneno, e
cada um aplica a sua dose. Só que cada uma das doses, isoladamente
considerada, não era apta para produzir a morte. Se tivesse só um aplicado, o
senhor A não morreria. No entanto, as duas doses juntas vêm a produzir o
resultado.
- Como resolver estes casos de causalidade cumulativa?
. DEPENDE, existem três sub-hipóteses:
o Se o senhor A e o senhor B não sabem do projeto criminoso um do outro
à aqui no se pode imputar o resultado, porque as condutas serão
adequadas ou aptas a dar o domínio do facto, mas não produzem
efetivamente o resultado, pelo que os dois serão punidos a título de
tentativa (tentativa inidónea ou impossível, nos termos do ART.23º/3
CP).

o O senhor A aplica o veneno sem saber que o senhor B fez o mesmo, mas
o senhor B viu o senhor A a aplicar a dose de veneno e sabe que a dose
do senhor A é insuficiente e, então, aplica-lhe aquele bocadinho de
veneno que lhe falta, para que a conduta seja eficiente para produzir a
morte.
§ É evidente que cada uma das doses continua aqui, por si só, a ser
insuficiente, mas a situação muda, porque o senhor B aplicou
uma dose que isoladamente era insuficiente, mas ele sabia que a
não a estava a aplicar isoladamente, mas estava a aplica-la apenas
para acrescentar o que faltava para dar ao veneno o carater letal
que pretendia.
• Aqui, a consequência será diferente:
o O senhor A, que não sabia do senhor B, continua a
ser punido por tentativa inidónea ou impossível.
o Já o senhor B será punido a título de consumação,
quer à luz da teoria da adequação, que está
subjacente à teoria da conexão do risco, porque ela
é adequada a produzir o resultado em função das
circunstâncias do caso.
§ O mesmo se diga no quadro da doutrina do
prof. Almeida Costa, na doutrina do facto –
o senhor B ao aplicar a parte de veneno
que lhe faltava, ele passa a ter domínio
sobre a produção do resultado morte.

o O caso de os dois atuarem concertadamente, mediante acordo à em


COAUTORIA – dois agentes ou mais acordam, entre si, colaborar na
realização de um crime.
§ Nestes casos de coautoria, há uma imputação recíproca do
comportamento de cada um dos agentes aos demais – é como se
cada um isoladamente considerado tivesse praticado o crime.

159
Ex: o senhor A e o senhor B são sobrinhos de um tio rico e, para
herdar rapidamente e tornar o seu projeto menos visível,
combinaram entre si ir envenenando-o aos poucos.
- Neste caso, eles vão ser responsabilizados pelo crime na sua
globalidade, como se o tivessem praticado isoladamente.

Ø Causalidade alternativa: é uma situação difícil e que, no entendimento do prof., a


doutrina tem defendido uma situação pouco correta.
Quais são os casos da causalidade alternativa?
o São os casos em que duas pessoas de forma independente, sem saberem
um do outro, praticam atos que por si só são adequados para produzir o
resultado, só que em Tribunal, não se consegue provar qual das duas
condutas produziu efetivamente o resultado.
Ex (1): o senhor A aplica uma dose de veneno, que é apta a produzir a morte
e o senhor B também aplica uma dose de veneno apta a produzir a morte.
Prova-se em tribunal que a morte foi causada por um dos venenos, mas não
se sabe qual.
Ex (2): o senhor A e o senhor B têm um grande inimigo: o senhor C, que
costuma ir todas as tardes ver uma propriedade na aldeola onde vivem e cada
um deles põe-se escondido, um do lado direito e outro do lado esquerdo do
caminho que a vítima (C) costuma fazer para ir ver a tal propriedade.
E, pelas coincidências do acaso, disparam os dois ao mesmo tempo, nem
deram um pelo outro, e um acerta no coração e outro acerta na cabeça.
Qualquer dos tiros era, por isso letal. à Só que não se consegue provar em
tribunal qual dos dois tiros produziu o resultado.
o E, qual é a solução da doutrina?
§ Na doutrina maioritária, e em Processo penal vigora o in dúbio
pro reo, pelo que necessariamente, neste caso, se não se pode
provar qual dos dois tiros ou dos venenos, produziu a morte, não
se pode imputar a morte a nenhum dos agentes, pelo que os dois
serão apenas punidos por tentativa.

o O prof. Almeida Costa discorda desta solução: Se o fundamento da


atenuação da tentativa é a existência de um menor alarme social, que em
geral, é um argumento que é valido, neste caso não o é. O alarme social
é, no fim de contas, a impressão na comunidade.
§ O que é facto, é que nesta situação verificou-se um resultado, em
consequência de duas condutas que eram idóneas a produzir o
resultado.
• Portanto, significa que falta esse elemento de menor
alarme social que justifique a atenuação da pena da
tentativa por referência à consumação.

160
o E, por isso, na base desta fundamentação, falta
aqui o fundamento da aplicação da figura da
tentativa, pelo que os agentes devem ser os dois
punidos pelo crime consumado.

Ø Tipo subjetivo (do ilícito doloso): refere os elementos de natureza subjetiva que
interferem naquele ilícito.
o O tipo subjetivo incriminador doloso é constituído, por definição, pelo
próprio dolo.
§ E, o dolo é entendido como o conhecimento e vontade de realizar
o tipo ilícito, por oposição à negligencia.
• Na negligencia o agente não quer praticar o ilícito típico,
mas por descuido ou leviandade, sem querer lesa ou põe
em perigo o bem jurídico.

o Quanto ao ilícito doloso, o elemento subjetivo por excelência é o próprio


dolo, caracterizado por conhecimento e vontade de realização do tipo
objetivo à o agente representa todos os elementos constitutivos do tipo
objetivo na situação material e, depois, quer realizar/ há um ato de
vontade para realizar o ilícito típico.
§ Este é o elemento geral do tipo subjetivo incriminador do ilícito
doloso.
• Em casos especiais, o legislador consagra ainda elementos
subjetivos especiais (certas intenções, p. ex., na burla é
preciso também uma intenção de enriquecimento e não
somente o dolo, certos aspetos do carater, certas
tendências).
o Estes elementos especiais respeitam a casos
particulares.

o Por excelência, o elemento comum imprescindível para termos um ilícito


doloso é o próprio dolo. O dolo comporta assim (aqui a doutrina é
unanime):
§ Elemento intelectual: traduz-se no conhecimento.
• O agente tem de saber que numa determinada
circunstância estão preenchidos, em concreto, os
elementos integradores do tipo objetivo em que estão.
Ex: o senhor A está à caça e vê um vulto atras de um
arbusto e julga que é uma peça de caça, dispara e mata.
Vem-se a ver e era uma pessoa. Ora bem, temos de excluir
aqui o dolo do homicídio porque ele não queria matar
ninguém, ele julgava que estava a disparar contra uma
peça de caça.

161
- A sua conduta será, porventura, censurável, mas não a
título de dolo, talvez tenha havido negligencia, mas falta o
elemento intelectual (o dolo).
§ Elemento volitivo: o agente quer praticar esse crime.
§ Elemento emocional (acrescentado pelo prof.): seria um elemento
da culpa doloso e que se traduziria na tal expressão de uma
atitude de contrariedade ou de indiferença perante o “dever ser”
jurídico-penal.

o É evidente que esta posição é prisioneira do entendimento do dolo como


um dolo natural, que vem do sistema clássico.
§ O dolo natural é o puro nexo psicológico que liga o agente ao
facto.
• Porém, no quadro de uma correta compreensão do ilícito
pessoal, o entendimento do dolo não pode ser visto desta
forma.
o A diferença entre o plano do ilícito e da culpa não está no substrato do
objeto de valoração.
§ Em ambos os casos nos tínhamos a mesma unidade o subjetivo-
objetiva:
• Tanto o juízo de culpa, como o juízo de ilicitude, incidem
sobre o mesmo objeto: aquele facto doloso.

§ O que varia é o critério de valoração: no plano do ilícito valora-se


aquela situação como ato humano em geral e atribui-se o sentido
que teria se tivesse sido praticado por qualquer pessoa (plano
objetivo).
• Ao passo que no plano da culpa estamos a entendê-lo
como ato do concreto agente e a valorá-lo tomando em
consideração as características do concreto agente (plano
subjetivo e pessoal).

§ Também no ilícito, ainda que medido à luz do critério do homem


medio, a pratica consciente e voluntária do ilícito exprime uma
atitude de contrariedade ou de indiferença com o dever ser
jurídico-penal (elemento emocional).
• Este sentido emocional do ato a um nível do juízo de
ilicitude dolosa é um elemento implícito, pois é o sentido
de um ato como ato humano em geral.
o Este elemento emocional, permitirá ultrapassar
muitas das contradições que a tradicional doutrina
do ilícito pessoal em matéria de erro.
Tendo em conta estes elementos, ir-se-á começar pela caracterização do elemento
intelectual:
Ø Elemento intelectual – Traduz-se no conhecimento da factualidade típica.

162
o No caso do furto o agente tem de ter a noção que a coisa que ele se está a
apropriar é alheia.
§ Se ele julga por equívoco que é sua ele não está a praticar um
furto.
• Falta o elemento subjetivo que, neste caso, é o dolo.

o Este conhecimento abrange toda a factualidade típica, toda a descrição


constante do tipo incriminador objetivo:
§ O objeto da sua conduta é uma pessoa humana;
§ Estar perante uma coisa móvel e alheia;
§ Tem de representar a aptidão causal para ofender ou colocar em
perigo esse mesmo bem jurídico - tem de ter conhecimento dessa
factualidade típica.

o Na descrição da factualidade típica, o legislador utiliza na maior parte


das vezes elementos descritivos, mas também elementos normativos.
§ O elemento descritivo limita-se a descrever o pedaço da realidade
objetiva – é um conceito descrito apto à mera subsunção.
§ Contudo, muitas vezes o legislador utiliza também elementos
normativos, que consistem num apelo a juízos de valor.
• Para descrever a uma realidade fáctica, em vez de utilizar
conceitos descritivos, utiliza conceitos normativos (que
envolve ele próprio a referência a determinada situação
fáctica).

o O problema que se coloca em relação aos elementos normativos é que


grau de conhecimento deve exigir-se?
§ Se se trata do elemento normativo de índole ético social, o agente
tem de representar o substrato fáctico associado a esse elemento
normativo de índole técnico social.
• O problema é quando o agente lança mão de conceitos
normativos de índole técnico jurídica, regra geral
pertencentes a outros ramos de direito (boa-fé, bons
costumes, ato administrativo, etc).
• Coloca se o problema se nestes casos de elementos
normativos de índole técnico jurídico para afirmar o
elemento normativo do dolo vamos exigir um
conhecimento específico técnico jurídico à assim não
pode ser, porque a maioria das pessoas não são juristas,
uma que se assim fosse, só juristas especializados é que os
poderiam cometer a título de dolo.

o Posto isto, na doutrina se generalizou uma fórmula: em relação aos


conceitos de índole normativos de índole técnica jurídica, devia exigir se
tão só um conhecimento à esfera do homem comum/ leigo, um sentido
associado pelo não jurista esses mesmo conceitos.

163
§ Beleza dos Santos (prof. prefere esta perspetiva) dizia que em
relação aos conceitos normativos de índole técnico jurídica se
existia tão-só que o agente tivesse consciência dos efeitos
práticos que se ligam a esses conceitos.
• O homem comum não conceptualiza - quando se fala de
propriedade ligamos aos efeitos práticos de se ser
proprietário de qualquer coisa.
o Portanto, quanto a estes conceitos normativos de
índole técnico jurídico de que o legislador lança
mão, devemos apenas exigir para se afirmar o
elemento intelectual do dolo que o agente
represente na situação, na formulação de Beleza
dos Santos, que o agente atualize os efeitos
práticos da conduta.

Nota: Quanto aos elementos de índole técnico jurídica está em


causa a sua expressão fáctica, a factualidade e não sentido
pelo próprio elemento normativo à isso tem a ver com
elementos normativos, com o erro sobre a ilicitude.

Importará perguntar que tipo de conhecimento é este? É o conhecimento ao nível


da consciência refletiva ou será ao nível daquilo que se viria a designar de co-
consciência?
o A atuação inconsciente leva implícito um conjunto de conhecimentos
que estão ao nível da co-consciência, mas que rapidamente podem ser
atualizados ao nível da consciência refletiva.
Ex.: Quando conduzimos um automóvel e metemos uma mudança são
aspetos da nossa vida consciente que estão implícitos a qualquer
comportamento.
§ Estes são os conhecimentos ao nível da consciência refletiva.
• Estes conhecimentos levam implícitos todo um conjunto
de conhecimentos acompanhantes, que podemos dizer que
fazem parte do elemento intelectual – a todo momento
podem ser atualizado e estão implicados em toda e
qualquer decisão consciente do individuo.

§ Para efeito de afirmação do elemento intelectual do dolo, o


conhecimento que se exige não é apenas um conhecimento
atualizado, ao nível da tal consciência refletiva, abrange também
os factos incluídos na tal co-consciência.
• Deste modo, temos de determinar se o agente, em ato,
representa ou não os elementos da factualidade.
o Se os representa, então está preenchido o elemento
intelectual.

164
E quando falta o elemento intelectual?
o Temos o chamado erro sob a factualidade típica, que na nossa lei vem
designado como erro sob as circunstâncias de facto à ART. 16º/1 CP.
§ O nº1 é um preceito longo que abrange duas coisas – vamos ater-
nos a um desenho do erro sobre a factualidade típica.
• Diz que o erro sobre elementos de facto (elementos
descritivos) ou de direito (elementos normativos de índole
técnico jurídica, cujo conhecimento exigido é o
conhecimento à esfera do leigo) de um tipo de crime, ou
sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente
indispensável para que o agente possa tomar consciência
da ilicitude do facto, exclui o dolo.
o Se falta o elemento intelectual, falta o dolo.

§ O que sucede é o seguinte:


• Nestes casos em que ao agente atua em erro sobre as
circunstâncias de facto, o regime jurídico encontra se no
ART. 16º/3 CP à Isto quer dizer que o erro sobre as
circunstâncias de facto, na parte em que corresponde à
ausência do elemento intelectual de dolo, exclui o dolo.
o Contudo, isto não significa a impunidade.
§ Significa que o agente pode ser punido a
título de negligência.

o Esta punição a título de negligência fica dependente do preenchimento


cumulativo de dois requisitos:
§ Requisito formal – por razões de necessidade de pena a punição
da negligência é excecional – ART.13º.
• Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos
especialmente previstos na lei, com negligência.
o Isto porque se entende que a negligencia não
exprime a contrariedade e indiferença perante o
«dever ser» penal.
§ O agente quer praticar um facto lícito, não
é de forma voluntaria que viola bens
jurídicos.
• Só nos casos mais graves é que se
torna necessário punir a
negligencia.

§ Requisito material – é preciso que se verifique o pressuposto


material da negligência, que é a chamada violação do dever
objetivo de cuidado.
• Pelo simples facto de viver em sociedade estamos
obrigados, em todos e cada um dos momentos da nossa

165
vida, a manter o grau de atenção, o grau de tensão
psicológica necessária para antecipar as consequências
dos nossos atos e para nos abstermos das ações que
podem lesar bens jurídicos.
o Aí radica o fundamento e a expressão do desvalor
da ação característico do delito negligente, que o
opõe e o distingue do crime doloso.
§ Na negligência há apenas um descuido,
uma leviandade, censurável, mas menos
censurável que o dolo (não exprime a tal
contrariedade aos valores jurídico-
criminais) e só punível a título excecional.

o Voltando à temática do erro sobre a factualidade típica, é excluído o dolo


– não será punido a título de dolo à isso resulta da parte final do ART.
16º/1.
§ E só é punível a título de negligencia – ART. 16º/3.
• Contudo, para isso, é necessário verificarem-se
cumulativamente os 2 requisitos.

o Nisto se traduz o regime geral o erro sobre as circunstâncias de facto/erro


sobre a factualidade típica.
§ Como modalidades de erros intelectuais existem outras.
• Esta, prevista no ART. 16º/1 primeira parte é a mais
simples, mas existem outras modalidades de erro que não
estão previstas na lei, mas cujo regime resulta do
funcionamento das regras gerais atendentes à natureza do
dolo e natureza do ilícito.
o Estas modalidades especiais de erro intelectual são
várias:
§ Erro sobre o processo causal;
§ Erro na execução;
§ Erro sobre a pessoa e o objeto;
§ Dolo generalis.

Ø Erro sobre o processo causal


o O senhor A quer matar o Senhor B por afogamento. O senhor A sabe que
o senhor B passa por uma ponte e quer atira-lo da ponte abaixo, e assim
o faz.
§ O senhor B não morre por afogamento porque quando cai à água
já se encontra morto. Provou-se em tribunal que ele morreu em
virtude do embate nos pilares da ponte que lhe causou morte
imediata.
• Temos um desvio do processo causal – ele quer matar por
afogamento, mas mata com o embate.

166
• A doutrina, neste tipo de situações, sugere duas grandes
posições:
Ambas partem de uma ideia o Solução da tentativa;
que as torna indefensáveis: o Solução da consumação.
- Partem da assunção do
dolo do tipo como um dolo
natural, ou seja, um dolo que
se esgota no conhecimento e
vontade de realização
daquela concreta
factualidade.

o Na base deste entendimento, a dita solução da tentativa dizia que nestes


casos nunca se poderia punir o agente pelo crime consumado a título de
dolo.
§ Só se poderia punir por um concurso de crimes.
Ex.: no exemplo dado anteriormente - a tentativa de crime de
homicídio por afogamento, em concurso com o homicídio
negligente pelo embate na ponte.
• Esta solução aplicar se ia a outras hipóteses:
o Suponhamos que A quer ofender B dando-lhe um
soco na cara e que, na base de uma esquiva
previsível, vem a atingir-lhe no tórax.
§ Fala-se novamente num concurso de
crimes à ofensa à integridade física por
tentativa em concurso com uma ofensa à
integridade física negligente.

o Trata se de uma distorção da realidade – não


corresponde ao sentido das valorações jurídico-
criminais.
§ É irrepreensível do angulo da coerência
interna: Se o dolo é conhecimento e
vontade daquela factualidade típica, não
podemos imputar, a título de dolo, uma
factualidade típica diferente da que foi
representada pelo agente.

§ Houveram várias doutrinas a criticarem, mas foi este absurdo


nesta solução que tinha consequências práticas inaceitáveis.
• Já estudamos que a negligência é punida a título
excecional – só quando o legislador o declarar.

167
o Deste modo, nestes casos, sempre que o crime não
fosse punível a título de negligência, a regra de
concurso já não poderia ser punida.
§ Apesar de te produzido a lesão do bem
jurídico, o agente só seria punido por
tentativa.

§ Por outro lado, a punição da tentativa também é excecional.


• Só quanto ao crime consumado corresponder a pena
superior a 3 anos de prisão ou o legislador expressamente
o declarar à o que poderia levar à assunção da
impunidade.

§ Outro exemplo absurdo é o seguinte: O crime de dano quando se


reporte a bens ou ao culto religioso é agravado.
• Suponhamos que alguém queria destruir uma estatueta
religiosa num templo, disparando sobre a estatueta, não
acertando na estatueta, mas no seu suporte
correspondendo no mesmo resultado, acabando por partir
a estatueta.
o Segundo esta doutrina o agente não poderia ser
punido por um crime de dano qualificado doloso
consumado.
§ Teria de ser punido pela tentativa de dano
consumado com um crime de dano
negligente.
• A tentativa de dano qualificado em
concurso com o dano negligente.

o Só que o dano não é punível a título negligente e


ele vai ser punido a título de tentativa.

• A solução é absurda porque distorce a realidade da vida e


leva a soluções insustentáveis.

o Isto levou a generalidade da doutrina a aderir à solução da consumação


à no seu resultado a solução da consumação chega a uma solução
satisfatória, dizendo que quando houver um desvio do processo causal e
o agente venha a atingir o mesmo bem jurídico, produzindo o resultado
que queria, só que por meios do através de um processo causal diferente,
haverá que perguntar se o processo causal efetivamente ocorrido era ou
não uma consequência previsível da conduta – cabia ou não ainda no
perigo típico da conduta.
Ex.: quem atira alguém de uma ponte, este ato pode ter várias
consequências, e todas elas são previsíveis:

168
- ele pode morrer por afogamento;
- pode morrer por embate nos pilares;
- pode morrer por um barco atropelado;
- poder nem morrer.
Tudo isto são consequências previsíveis do crime típico, inerente à
consumação.
§ A teoria da consumação dizia que, ainda que através de um
processo causal diferente do que foi projetado pelo agente, o
resultado se viesse a verificar, ainda que de acordo com o
processo causal que constituísse a concretização do perigo tipo da
conduta, o erro não relevava à o agente seria responsabilizado
dentro dos quadros da unidade criminosa, i.e., pelo crime doloso
em causa.
Ex.: No nosso exemplo o agente seria punido na mesma, a morte
foi produzida por um agente causal que é concretização pelo
perigo típico da conduta à O agente seria condenado por
homicídio doloso.
• Só assim não sucederia, se não se tratasse de um perigo
típico.
Ex.: Imaginemos que a vítima chega água vivo e tenta
nadar para a margem, e aparece um tubarão que o comeu -
o aparecimento de um tubarão, por exemplo, nas águas
quentes do Porto não cabe nas consequências previsíveis
da conduta.
- Neste caso, ele seria apenas punido por tentativa, já que o
resultado provém de uma causa que não era antecipável.
. O ataque do tubarão não é uma consequência adequada
da conduta. à É uma consequência política-
criminalmente aceitável.
§ Embora esta doutrina conduza a resultados aceitáveis, ela é
insustentável no plano dogmático, já que estes autores partem da
conceção do dolo do tipo como um dolo natural.
• O dolo é conhecimento e vontade daquele concreto
resultado, com aquele processo causal concreto que foi
pensado pelo agente.
o Eles admitem que o processo causal não é
conhecido pormenorizadamente.
Ex.: Aquele que envenena não sabe quais são os
processos biológicos que se passam dentro da
vítima.

169
§ Conhece os efeitos gerais do ato e o
sentido global do ato.

§ Portanto, a solução da consumação parte desse entendimento do


dolo.
• Estes autores consideram, dentro dos efeitos gerais e do
sentido global do ato, preenchido o perigo típico, não
apenas quando se trate uma variação de uma das possíveis
consequências do processo causal que cabe no perigo
típico da conduta, alargando-a a situações que constituem
processos causais independentes.
o Embora conduza a soluções aproximadamente
corretas esta solução da consumação é
dogmaticamente imprestável por ser incongruente.
§ Essa incongruência parte do dolo do tipo.

Ø Conceção do Prof. Almeida Costa - Está harmonizada com a conceção do ilícito


pessoal.
o No plano do ilícito nós estamos a valorar a situação da conduta como se
tivesse sido praticada pelo homem médio, i.e., sentido do ato humano em
geral.
§ Não estamos aqui a falar do dolo do concreto agente, mas sim do
dolo do homem médio se tivesse nesta situação.
• No plano do ilícito pessoal aquilo que temos de fazer é
transplantar os elementos intelectuais evolutivos do
concreto agente para a cabeça do homem médio.
o Se o homem médio quisesse realizar esta conduta
nesta situação o que é que ele representaria como
consequência da sua conduta?
Ex.: Voltemos ao exemplo da ponte: o homem médio sabe a
altura que tem a ponte, sabe que quer atirar a ponte abaixo.
- O homem médio antecipa uma série de consequências para o seu
ato. à O seu ato pode ter uma multiplicidade de consequências e
todas são consequências típicas da sua ação.
. O homem médio sabe que a vítima pode vir a morrer de várias
formas, e até pode nem morrer, sofrendo só ofensas à integridade
física.
- Como ato humano em geral, no plano do ilícito pessoal doloso,
o ato de atirar outrem abaixo de uma ponte pode ter como
consequência a morte, ou tão-só ofensas à integridade física ou
pode até não ter nada. E, quaisquer destes processos causais
alternativos, cabem no dolo do homem médio.

170
o A este propósito podemos falar do dolo alternativo do homem médio:
quando alguém representa que a sua conduta pode preencher um crime
ou outro ainda.
§ Diz-se que, independente do crime que ele antecipou como
consequência possível da conduta, este crime consumado é-lhe
imputável.
• É este dolo do homem médio que caracteriza o elemento
subjetivo dos crimes dolosos.

§ Deste modo, sempre que o processo causal efetivamente


ocorrido, ainda que não tenha sido aquele que tinha sido querido
em 1º lugar pelo agente, mas caiba na previsibilidade do homem
médio, no âmbito do dolo do homem medio, ele será
responsabilizado a título de dolo.
Ex.: Ele queria matar por afogamento, mas morre pelo embate nos
pilares à será punido tão-só pelo crime doloso consumado.
o O problema põe-se quando não há identidade típica:
Ex.: Ele queria matar, mas a vítima consegue nada até à margem,
provocou-lhe apenas ofensas à integridade física. Como é que vamos
resolver o caso?
§ Aqui convoca-se uma figura do concurso aparente legal ou por
normas, preenche mais do que 1 tipo legal de crime à deve-se
recorrer à solução de consolução que se traduz em subsumir
aquele tipo legal que melhor retratar o desvalor intrínseco do ato.
Ex.: Suponhamos que ele queria matar por afogamento, mas
acaba por não matar por afogamento, sendo que a vítima acaba
por sofrer apenas ofensas à integridade física.
- O agente será punido por ofensas à integridade física
consumadas ou deverá ser punido por tentativa de homicídio?
. Tentativa de homicídio à é + gravemente punida que as
ofensas à integridade física consumadas.
• O ilícito doloso é uma unidade objetiva-subjetiva e, destas
duas figuras, aquela que exprime melhor o desvalor do ato
é sem dúvida a figura da tentativa de homicídio onde esta
presente o elemento subjetivo da vontade de matar.
o Entre as duas figuras, este dolus alternativo do
homem médio, deverá ser punido pela tentativa de
homicídio.

§ Dentro da solução pessoal objetiva deverá imputar-se o crime


consumado, sempre que ele couber dentro da previsão do homem
médio.

171
• O sentido objetivo do ato é aquele.

§ Se há identidade típica ele é punido nos quadros da unidade


criminosa – é, p. ex., homicídio doloso consumado.
• Se é uma consequência diferente e que leva a que não haja
identidade típica, aí funcionará a regra do concurso
aparente legal ou por normas.
o E se não era previsível?
§ Caso do tubarão: aí ele será punido pela
tentativa do crime projetado. à Seria
punido pela tentativa de homicídio.

A solução a que o prof. Almeida Costa chega para o erro sobre o processo causal vai ser
a mesma para uma figura que está próxima, embora a generalidade da doutrina não a
trate como tal: o erro na execução.
Ø No erro sob o processo causal o agente ofende o mesmo objeto, só que através
de um processo causal diferente daquele que projetou.
o No erro da execução o agente, devido a uma execução defeituosa, atinge
um objeto diverso.
Ex.: A quer matar B, dispara sob B e acerta em C àhá um desvio sob o
processo causal só que atinge um objeto diverso.

§ A doutrina maioritária inclina-se para solução do concurso:


• Ele vai ser punido pelo crime projetado a título de
tentativa e a título consumado a título de negligência.
o Com todas as dificuldades associadas: desde logo,
o resultado pratico de a tentativa só ser
excecionalmente punida, em relação a crimes que
não forma consumada sejam punidos com pena
superior a 3 anos; e a negligência também só é
punida excecionalmente, o que pode conduzir a
situações insatisfatórias, nomeadamente, à
impunidade do agente;

§ Posição do Prof. Almeida Costa: verdadeiramente estas situações


de erro na execução não tem autonomia em relação às de erro no
processo causal.
Ex.: A está a uma distância grande e quer matar B, sendo que este
se encontra a conversar com C à janela. Suponha-se que A aponta
na direção da cabeça, mas acerta no coração.
- Ele atinge o mesmo objeto, mas com um processo causal
diferente que projetou.

172
Que diferença tem esta situação em relação àquela em que o erro
de 40 cm faz com que a bala não atinja B, mas sim C.
- O homem médio não representaria a possibilidade de atingir C?
à tinha de representar.
No quadro do dolo do homem médio ele tinha de representar
várias hipóteses: acertar um órgão vital; não acertar um órgão
vital; falhar o tiro; acertar na pessoa ao lado, etc.
. O desvalor do ato é o mesmo. O sentido do ato é o mesmo.
- Deste modo, a situação do erro na execução, em que o agente
atinge um objeto diferente do inicialmente projetado, devam ter a
mesma solução das situações de erro sobre processo causal.
. A figura do erro do processo causal, do ponto de vista do
regente da cadeira, abrange também as situações de erro na
execução ou as situações que são autonomizadas como de erro na
execução.
. O facto de o agente atingir o mesmo objeto ou outro objeto
não atinge o sentido da antinormatividade da conduta – também
aqui o problema será o recurso ao critério do dolo do homem
medio (“que sentido é que o homem medio daria a esta conduta?
Que consequências associaria a esta conduta?” à se na base da
situação fosse de prever, à luz do critério do homem medio, que o
tiro tanto poderia ter a consequência de acertar no A de diferentes
formas, como no B, a solução deve ser a mesma que
Casos especiais de erro intelectual à não estão regulados expressamente na lei,
mas cuja solução resulta dos pp gerais:
o Erro sobre o processo causal
o Erro sobre a execução;
o Erro sobre a pessoa ou sobre o objeto.

o Erro sobre a pessoa ou sobre o objeto


Ex (1).: O senhor A quer matar o senhor B e sabe que ele passa sempre
na mesma Rua. Esconde-se e quando vê um vulto a aproximar-se, que
parece ser o vulto do sr. B, dispara e mata.
- Todavia, vem a verificar- se que não era B, mas sim C. ele queria matar
B, mas matou C. à errou sobre a pessoa que queria atingir.
Ex (2).: A quer furtar uma caixa de metal e julga que essa caixa é de
latão, mas afinal é de ouro. Ele quer furtar uma caixa de latão de valor
insignificante que integraria um furto simples.
- Todavia, vem a furtar uma caixa de ouro. à A graduação da
responsabilidade pelo furto, entre outros critérios, depende do valor da

173
coisa furtada. Pelo que o fruto da caixa de ouro integra um furto
qualificado.
Como resolver estes casos?
§ Há aqui que distinguir consoante o crime projetado e o crime
consumado sejam subsumíveis ao mesmo tipo legal de crime ou,
pelo contrário, não se verifique identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado.
• Afirmamos identidade típica sempre que o crime
projetado seja subsumível ao mesmo tipo legal do crime
consumado, que era diferente daquele que o agente
desejava realizar.
o Não há identidade típica quando o crime projetado
e o crime consumado não cabem no mesmo tipo
legal.
§ O que está aqui em causa é a questão de
saber se o crime projetado e o crime
consumado cabem no mesmo tipo
incriminador.

§ No 1º exemplo havia identidade típica à ele queria matar B e


matou C, ele queria praticar um homicídio simples e praticou um
homicídio simples com a única diferença de ter atuado esse
homicídio numa pessoa diversa do que aquele que pretendia.
§ No 2º exemplo, não temos identidade típica. à Ele quer em
ambos os casos furtar a caixa de latão. O crime projetado cabia
no furto simples, que tem uma pena menor do furto qualificado a
que é subsumível o crime consumado.
Este é o primeiro ponto de partida para a solução sobre o erro da pessoa ou sobre
o objeto.
o Quanto aos casos em que há identidade típica a doutrina é unânime à o
agente vai ser punido por um crime consumado a título de dolo, ou seja,
dentro de uma unidade criminosa.
§ O argumento tem que ver com o facto de que a norma do
homicídio não prevê que se mate A, B ou C.
• A norma do furto não proíbe que se atente contra a
propriedade de A, de B ou de C.
o As normas proíbem qualquer conduta que atende
contra o bem jurídico vida ou propriedade
independentemente da identidade do titular do
bem em causa.

§ Sempre que há identidade típica podemos dizer que ele preenche


o tipo incriminador do tipo doloso em causa.

174
Ex.: A queria matar B, mas matou C à isso não releva para o
desvalor da própria conduta – ele matou uma pessoa.
- Quando há identidade típica entre os crimes projetados e crimes
consumados, a doutrina é unânime em punir o agente.

o O problema surge quando não há identidade típica entre o crime


projetado e o crime consumado:
§ A quer furtar uma caixa de metal e julga que essa caixa é de
latão, mas afinal é de ouro. Ele quer furtar uma caixa de latão de
valor insignificante que integraria um furto simples.
§ Todavia, vem a furtar uma caixa de ouro. A graduação do furto
depende do valor da coisa furtadaà Pelo que o fruto da caixa de
ouro integra um furto qualificado.

Como punir nestes casos em que o agente realiza um crime que não cabe
no mesmo tipo legal que ele projetou?
Existem várias posições:
§ Em primeiro lugar, a doutrina portuguesa começou a tratar estes
casos no quadro da unidade criminosa.
• O Dr. Cavaleiro Ferreira dizia que o agente deveria ser
punido pelo crime consumado a título de dolo.
o Uma solução que parece contrariar os
pressupostos do DP da culpa.
Ex.: O agente quer furtar uma caixa de latão, quer realizar um
furto simples e vem a realizar um furto qualificado.
- Vamos imputar-lhe a título de dolo algo que ele não quis
realizar.
Estamos a responsabilizar a título de dolo o agente algo que não
representou e não quis à e, por isso, estamos a violar os
pressupostos da culpa.
§ Já o Dr. Eduardo Correia dizia que sempre que não houvesse
identidade típica entre o crime projetado e o crime consumado à
o agente devia ser punido pelo agente projetado, como se tivesse
sido consumado.
• Esta posição viola o princípio do DP do facto, dado que
estamos a imputar ao agente um facto que na verdade não
se verificou.
Ex.: vamos supor que A quer furtar uma caixa de metal,
achando que ela é de ouro, mas afinal ela não é – É de latão.
O agente quer realizar o furto da caixa de ouro, mas, todavia,
consuma um furto simples.

175
- Para o Dr. Eduardo Correia ele iria ser punido pelo crime
projetado, ou seja, pelo furto qualificado.
Estas duas posições foram abandonadas.
o Atualmente, a doutrina, seguindo a doutrina maioritária na Alemanha,
consagrou a chamada SOLUÇÃO CONCURSAL.
§ No seguimento de Dr. Figueiredo Dias, a doutrina maioritária
portuguesa diz que nestes casos de erro sobre a pessoa e o objeto,
em que não se verifique a identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado à o agente deve ser punido pelo
concurso da tentativa do crime projetado – a título de dolo – em
concurso com o crime consumado – a título de negligência.
• Verdadeiramente esta doutrina, ao partir o crime numa
situação de concurso, desde logo perverte o sentido/
unidade da situação e o sentido do ilícito do caso e leva a
dificuldades práticas à vazios de punição.
o A punição da tentativa é excecional e a punição da
negligência também é excecional, o que significa
que se o crime projetado não for punido a título de
tentativa e o crime consumado não for punido a
título de negligência, haverá vazio de punição.

§ Leva ainda a consequências absurdas:


Ex.: A quer praticar um furto simples e vem a praticar um furto
qualificado. A, dentro desta solução, que diz que ele tem que ser
punido pelo concurso de crimes, só poderá ser punido a título de
tentativa de furto simples, já que o furto não pode ser punido a título
de negligência.
- Esta solução, para além de não refletir a unidade de sentido que é a
concreta de situação, conduz a absurdos.

o Posição do prof. Almeida Costa à joga aqui o conceito de dolo do


homem médio e a compreensão de que no conteúdo do dolo do tipo
interferem o elemento emocional, o elemento volitivo e o elemento
intelectual.
§ Esta posição aponta, ao contrário da posição maioritária, para o
tratamento dos casos concretos no quadro de uma unidade
criminosa à para isso temos que convocar o conceito de dolo do
homem médio.
• No plano do ilícito o que determinados é o sentido da
conduta como se fosse praticado por qualquer pessoa.
Ex.: Caso da Caixa de latão à o agente queria furtar uma caixa de latão,
mas afinal ela é de ouro. Aqui interessa o sentido do ato como ato

176
humano em geral. Não avaliamos ainda o desvalor do ato daquele
concreto agente.
- Avaliamos o sentido daquele ato como ato humano em geral à critério
do sentido do ato como se ele tivesse sido praticado pelo homem médio.
Ele quer furtar uma caixa de latão, mas afinal ela é de outro. Perante esta
situação, se fosse o homem médio a atuar será que ele também erraria?
Ele também veria uma caixa de latão ou uma caixa de ouro?
- Se de facto o homem médio, perante aquela situação, representasse
erroneamente que a caixa era de latão, então o sentido de
antinormatividade aos olhos de todas as pessoas seria um furto simples.
Se as generalidades das pessoas caíssem aqui no erro temos aqui um
crime de furto simples.
- Na hipótese inversa se o homem médio visse que era uma caixa de
ouro, então aí temos o ilícito típico do furto qualificado, não importando
se o agente era inimputável ou estava numa situação de não
exigibilidade, uma vez que isso se mede ao nível da culpa.
Ex.: Imaginemos que ele não quer furtar uma caixa de latão, mas sim
uma caixa de ouro, mas aquilo que ele julga que é ouro é latão.
- Se o homem médio achasse que era latão, aí temos furto simples porque
o sentido social é um furto simples à No plano do ilícito aquilo que
temos é um furto simples.
- Se o homem médio também errasse, i.e., a generalidade das pessoas
olhando para aquela caixa ficaria convencido que era de ouro.
. Não se verificando o resultado, porque de facto o agente apenas furtou
erradamente uma caixa de latão, ele seria punido por uma tentativa de
furto qualificado.
. Havia o desvalor da ação, porque ele queria praticar um furto
qualificado, mas não há desvalor do resultado, pelo que seria apenas
punido por uma tentativa de furto qualificado.
Ë Sintetizando: na conceção do Dr. Almeida Costa, perante as situações de erro
sobre a pessoa ou objeto em que não há identidade típica aquilo que temos que
fazer é questionar qual o sentido do ato se praticado pelo homem médio e
atribuímos ao ato o significado que teria na conceção do homem médio.
o Com uma única exceção: se a representação do homem médio não tenha
correspondência com o resultado (e aqui ele será punido pela tentativa do
crime projetado).
§ Se houver identidade típica entre o crime projetado e o crime
consumado, aí o erro não releva, sendo ele punido pelo crime
consumado pelo título de dolo.
• Se não houver identidade típica devemos questionar se o
homem médio com esta representação teria errado ou não

177
teria errado, em função do resultado qualificar o caso
como se fosse praticado pelo homem médio.
Depois do erro sobre pessoa e objeto importará estudar outra figura, que é talvez a que
suscita mais duvidas na dogmática à Dolus generalis.
Ø Dolus generalis.
o A generalidade da doutrina avança várias posições. à A doutrina em
relação a nenhuma delas fica satisfeita.
§ O prof avança com uma posição que também não o satisfaz
plenamente, apenas se julga que será um “mal menor” em relação
às demais soluções avançadas.

Antes disso: a que situações práticas o dolus generalis se reporta?


Ex.: A quer matar B com uma paulada. B fica caído inconsciente no chão e A
acha, de facto, que matou B. Ele não está morto, encontra-se vivo, mas A, o
agressor acha que o matou e quer se ver livre do corpo. A pega em B e atira-o ao
rio. B acaba por morrer em virtude do afogamento.
o As situações de dolus generalis (= dolo geral) reportam-se a estes casos
em que o agente produz o resultado pretendido, mas produ-lo, não em
resultado da conduta que ele projetou, mas em virtude de um ato
posterior (via de regra, praticado como ato de encobrimento).
- Tanto os atos de execução como os atos de encobrimento relevariam
para o dolus generalis.
§ Vamos ver que as soluções avançadas na doutrina assentavam
numa analogia com o erro sobre o processo causal.
• A doutrina diz que estamos perante uma situação análoga,
já que o agente produz o resultado pretendido, só que
através de um processo causal diferente daquele que
causou.

§ A jurisprudência alemã maioritária diz que é previsível que


depois da prática do crime haja atos de encobrimento.
• Este erro sobre o processo causal é um erro irrelevante.

§ Outra doutrina vem dizer que nem sempre é previsível. O agente


pode praticar ou não praticar. A morte resultante de ato de
encobrimento pode ser ela própria imprevisível.
Ex.: A quer matar B à paulada. B fica apenas inconsciente.
B quer se desfazer do corpo e leva-o para uma lixeira. No
caminho para a lixeira, A sofre um acidente e B acaba por
morrer não da paulada, mas sim do acidente. à será
punido só por tentativa.

178
§ Outros autores vêm dizer que o encobrimento pode ser previsível
ou não, tendo de fazer depender isto do facto do agente já ter
projetado ou não o ato de encobrimento.
• Se já projetou, podemos considerar no seu todo o
processo criminoso (atos de execução e o ato de
encobrimento) e ver se na sua globalidade este processo
era adequado ou não a produzir o resultado.

§ Não faltam autores que avançam diretamente para solução


concursal.
Todas estas soluções assentam no paralelismo do dolus generalis
com o erro sobre o processo causal.
- Prof. considera todas insuficientes.
o Na perspetiva do Dr. Almeida Costa a analogia deve ser feita com o erro
sobre a pessoa ou o objeto.
Ex.: O senhor A que dá uma paulada a B, convencendo-se que o deixou
morto. Mas abandona-o.
Um amigo dele vê o sucedido e tendo de encobrir A pega no cadáver e
atira-o ao rio.
- Nesta situação quanto ao senhor A teríamos uma tentativa de
homicídio.
- Quando ao segundo momento, realizado por um terceiro à caso de erro
sobre o processo causal em que não há identidade típica.
O esconder ou destruir o cadáver é o crime de profanação de cadáver do
ART. 254º CP. O amigo apenas pretendia profanar o cadáver, mas sem
saber acaba por consumar o homicídio. Ele julga que está a atuar sob um
homem morto, mas está a atuar sob um ser vivo. Assim temos um erro
sob a pessoa e o objeto. Isto quando aquele que pratica o ato de
encobrimento é pessoa diversa do que aquele que que deu a paulada.
-- E quando é a mesma pessoa que deu a paulada a praticar o ato de
encobrimento? à A situação é a mesma.
Temos uma tentativa de homicídio quanto à paulada dada. Porém,
relativamente ao segundo acontecimento à o ato de encobrimento – aqui
o agente erra quanto à pessoa ou objeto. Por outras palavras, há um
segundo momento em que o agente erra sob a pessoa ou objeto que deve
ser resolvido consoante o referido atrás:
. se aderimos à posição tradicional será a solução concursal,
porque aqui não há identidade típica. Isto que era válido para o
caso de o ato de encobrimento ser realizado por terceiro continua
a ser válido quando o ato de encobrimento é praticado pelo autor
da agressão.
179
. Se seguirmos a posição do Prof. Almeida Costa a solução será
dada pelo quadro da unidade criminosa. Devemos questionar se o
homem médio também erraria.
- se o homem médio também veria naquele corpo um corpo morto
à Deste modo, o agente seria punido pela tentativa de homicídio
em concurso com a profanação de cadáver.
- Se, por outro lado, o homem médio não errasse, qualquer pessoa
olharia para aquela pessoa e veria que ele estava vivo. Então qual
seria o sentido do ato? à Seria de um homicídio consumado.
Para determinar o elemento intelectual do dolo ou a falta dele, vamos analisar uma
última modalidade de erro à ERRO SOBRE AS PROIBIÇÕES.
Ø Verdadeiramente o erro sobre as proibições não é um erro sobre as
circunstâncias de facto – o agente tem um incorreto conhecimento do
circunstancialismo fáctico em que atua.
o Embora represente corretamente esse circunstancialismo fáctico, não
toma consciência do caracter ilícito daquela conduta.
o Este erro sobre as proibições está paredes meias com o erro sobre a
ilicitude, que se traduz numa situação em que o agente tem o correto
conhecimento do circunstancialismo fáctico, só que não atualiza/
representa o caracter ilícito da conduta.
§ A diferença está na diferente natureza das proibições dos ilícitos
de um caso e noutro.
• Ilícitos como matar, furtar, etc, tratam-se de ilícitos que
estão desenhados na lei há muito tempo e que, por isso,
são dotados de uma grande constância histórica e que,
nessa medida, as pessoas logo os apreendem através dos
processos de integração social normais – a criança vai
apreendendo esses conteúdos de ilícito.

§ Simplesmente, como vimos desde o início, o Direito Penal


intervém em todos os setores de atividade social sempre que
estejam em causa lesões graves de bens jurídicos fundamentais
que não possam ser acautelados através de sanções de outros
ramos do Direito e, nessa medida, há o fenómeno das
NEOCRIMINALIZAÇÕES à condutas lícitas, ou pelo menos
indiferentes para o Direito, que se vêm a revelar que afinal são
socialmente danosas a ponto de justificarem a intervenção do
Direito Penal.
• Este fenómeno pode observar-se, essencialmente, no
âmbito do Direito Penal secundário.
• E estas proibições, por um lado, pela sua novidade e, por
outro lado, pelo facto de estarem ligadas a conhecimentos
muito especializados de ordem técnica e científica,
escapam ao conhecimento do homem comum (o seu

180
conhecimento não é dado através dos processos de
integração social normal).
Ex.: devido a investigações científicas demonstra-se que
há uma nova partícula com uma influência terrível no
buraco de ozono e em virtude disso o legislador impõe a
utilização de um novo filtro adicional nos escapes dos
automóveis, punindo criminalmente quem não aplicar esse
filtro adicional.
- Suponha-se que A, fiel ao Direito, não conhece essa
proibição e entra no seu automóvel, que não tem esse
filtro. É evidente que ele atuou com o conhecimento
correto da situação, o que ele ignora é o caráter proibido
de andar com o automóvel sem o tal filtro adicional no
escape.
Esta situação é muito diferente, embora tenha em comum
o conhecimento da realidade fáctica e a ignorância da lei,
do erro da ilicitude em que o agente ignorava ilícitos há
muito interiorizadas na consciência axiológica comunitária
(dotados de grande constância histórica).
o Ora, é esta a situação do erro sobre as proibições.

§ E o que o nosso legislador, na esteira da doutrina portuguesa,


nomeadamente na esteira do Dr. Figueiredo Dias, autonomiza
estas situações no sentido de dizer: se o facto doloso e o seu
sentido é exprimir uma atitude de contrariedade ou de indiferença
por oposição frontal ao dever jurídico-penal, é evidente que nas
situações em que estamos perante as tais proibições de caráter
técnico ou especializado o agente não revela essa atitude de
contrariedade.
• Quanto muito o que lhe pode ser censurado é um
descuido/ leviandade de não se ter informado
devidamente.
• O que aqui há não é um erro moral/emocional/ de
valoração no sentido de que haja uma desconformidade
entre a consciência axiológica individual daquele concreto
agente e a consciência axiológica comunitária, pelo que a
conduta do agente não exprime uma atitude de
contrariedade perante os valores jurídico-criminais à o
que exprime é a tal atitude, quando muito, de leviandade.

o É por isso que a doutrina, embora as situações de erro sobre as


proibições não sejam um erro sobre as circunstâncias de facto, diz que há
aqui um erro intelectual e, nessa medida, o regime do erro sobre as
proibições deve ser o mesmo do erro sobre a factualidade típica.

181
§ Ao contrário do erro da ilicitude que se reporta às tais proibições
dotadas de consciência comunitária e que exprimem uma atitude
de contrariedade ou indiferença punível a título de dolo, nos
termos do ART. 17.º CP.
§ O erro sobre as proibições está regulado no ART. 16.º/ 1,
segunda parte. Na primeira parte vimos que estava regulada a
situação mais simples do erro sobre as circunstâncias de facto,
mas depois desta parte vem o erro sobre as proibições «O erro
(…) sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente
indispensável para que o agente possa tomar consciência da
ilicitude do facto, exclui o dolo.».
• Exclui o dolo, porque o dolo envolve a expressão de uma
atitude de contrariedade ou de indiferença perante um
dever ser penal, repita-se.
o Assim, neste caso, não existe essa atitude, apenas
sendo censurável o descuido/ leviandade – numa
palavra, ele apenas poderá ser punido a TÍTULO
DE NEGLIGÊNCIA. E isso mesmo diz o ART.
16º/3 CP.

§ Quer dizer que o erro sobre as proibições, embora seja diferente


do erro sobre as circunstâncias de facto, tem isto em comum – é
um erro intelectual que não exprime um erro de valoração; e,
nessa medida, subordinado ao mesmo regime do erro sobre as
circunstâncias de facto: EXCLUI-SE o DOLO e o AGENTE, a
ser PUNIDO, é a título de NEGLIGÊNCIA.

o Tem de estar aqui presente os requisitos formal e material em que


assenta a punição a título de negligência:
§ Requisito formal – ART. 13.º CP à temos de estar perante um
crime que, em abstrato admita a punição a título de negligência
§ Requisito material à resulta do ART. 15.º CP, onde o legislador
carateriza a própria figura da negligência, que é esse erro se ficar
a dever à violação do ‘dever objetivo de cuidado’.

o Portanto, no erro sobre as proibições, tal como no erro sobre as


circunstâncias de facto, o agente NUNCA será punido a título de dolo; e
a punibilidade a título de negligência só poderá ocorrer nos termos do
ART. 16.º/ 3 CP quando verificados os pressupostos gerais da
negligência.
Ainda a propósito do erro sobre as proibições importa reter um aspeto em que o
professor Almeida Costa tem discordância em relação à doutrina tradicional e que, mais
uma vez, concretiza o tal entendimento do dolo do tipo (dolo do homem médio), que
comporta tanto o elemento intelectual, como o volitivo e o emocional – sendo este
último que agora importa.

182
Ø É que, para a doutrina tradicional, que assimilava o dolo do tipo ao dolo natural,
nestas situações de erro sobre as proibições havia um dolo natural à esgota-se
no conhecimento e vontade da factualidade típica e o que é facto é que ele
conhece os factos integradores do tipo objetivo da infração em causa.
o Por isso, os autores diziam que nestas situações de erro sobre as
proibições temos um ilícito doloso, só que depois, no plano da culpa, o
agente só seria punido por culpa negligente.
§ Esta posição foi seguida por vários autores, nomeadamente por
Figueiredo Dias, que a divulgou em Portugal.

o Ora, isto leva ao absurdo e a uma contradição entre o conteúdo do ilícito


e o conteúdo da culpa.
§ No fim de contas, nestas situações, para a doutrina tradicional,
nós tínhamos um ilícito doloso que depois ia ser punido a título
de culpa negligente.

o Deve dizer-se que esta posição ignorou que 24 anos depois o seu próprio
fundador veio dar ‘o dito pelo não dito’. Todavia, ninguém ouviu isto e,
seja como for, esta é uma solução anacrónica.
§ No quadro do Direito Penal do facto, a culpa é sempre a culpa
por um determinado facto ilícito, pelo que não faz sentido falar
numa culpa negligente por um ilícito doloso (posição que o
fundador desta tese reivindicou os tais 24 anos mais tarde).

Ø Ora, nenhuma destas dificuldades resulta no quadro da conceção do professor


Almeida Costa.
o Como se sabe, no plano do ilícito estamos a avaliar o sentido do ato
como ato humano em geral, como se tivesse sido praticado por qualquer
pessoa.
§ Nesse sentido, ao nível da avaliação da situação fáctica, vamos
atender tanto aos elementos intelectuais, como aos volitivos e aos
emocionais do agente à a um sentido do ato.
• E o que é facto é que, medido à luz do homem médio,
ficcionando que o autor em causa tinha as características
do homem médio, nestes casos de erro sobre o processo
causal logo no plano do ilícito temos de concluir que o
homem médio, para conhecer da ilicitude, tinham de lhe
mostrar a própria lei.
o São as tais normas particularmente especializadas,
cuja apreensão não resulta dos processos de
integração social normal, pelo que só conhecendo
a norma é que o agente poderia ter consciência da
ilicitude do facto.

o Nesta medida, sempre que o homem médio não conhecesse a própria


norma, verdadeiramente a sua ignorância nunca expressaria a tal atitude
de contrariedade ou de indiferença perante um dever ser penal.
183
§ Exprimiria, à luz do homem médio, a mesmíssima atitude de
descuido ou leviandade.

o Portanto, nas situações de erro sobre as proibições, logo no plano do


ilícito, não temos nenhum dolo, uma vez que o sentido do ato como ato
humano em geral não é o do ato doloso (não exprime a desconformidade
da consciência axiológica individual com a consciência axiológica
comunitária).
§ Medido à luz do critério do homem médio, exprime o
DESCUIDO ou LEVIANDADE, o que significa que nestes casos
nós temos um ILÍCITO NEGLIGENTE.
• Desta forma garante-se uma congruência entre o sentido
de culpa e o sentido de negligência exigidos no quadro do
Direito Penal dos factos.

Desta forma garante-se uma congruência entre o sentido de culpa e o sentido de


negligência exigidos no quadro do Direito Penal dos factos.
Ø Elemento volitivo
Contudo, vimos desde o início que, para haver dolo, não basta o elemento intelectual
que consiste no conhecimento e na atualização dos elementos integradores do tipo
objetivo; é necessário que o agente queira realizar o próprio ato.
E vamos ver que é neste elemento da voluntariedade da conduta que reside o elemento
que, em última análise, vai permitir que nas zonas de franja se distinga o ilícito doloso
do ilícito negligente.
o O dolo traduz-se, portanto, no conhecimento e vontade de realização do
tipo à o crime é uma unidade subjetivo-objetiva que no âmbito dos
crimes dolosos se traduz numa congruência entre o lado objetivo e
subjetivo do crime:
§ O agente projeta o crime e depois quer realizar o crime, sendo
que este projeto e conhecimento e vontade de realização do crime
traduzem-se na efetiva realização desse projeto de crime.
• Só que esta vontade pode traduzir-se de várias formas.
E no âmbito deste elemento volitivo distinguem-se três modalidades de dolo:
o Dolo direto (direto de 1º grau)
§ O dolo direto é quando o crime é a finalidade imediata e principal
da conduta.
§ Quando falamos em dolo, em geral, estamos a pensar no dolo
direto: A quer matar B, por isso dispara e mata.
• A realização do crime é a finalidade primeira da atividade
do agente.

o Dolo necessário (direto de 2º grau)

184
§ Quando, em primeira linha, o agente não quer praticar um ato
ilícito (quer realizar outra finalidade), simplesmente o crime
surge como um efeito necessário ou muito provável dessa mesma
conduta.
• Aqui fala-se de um dolo necessário, uma vez que o crime
não é uma finalidade primeira, mas sim uma consequência
dessa mesma conduta.
o fala-se em consequência, quer dizer que é
consequência da realização do fim primeiro, que
até pode ser lícito ou indiferente para o Direito –
NÃO É MEIO.
Ex.: alguém que mata o polícia que está à frente do banco
para depois assaltar – dolo direto.
• O dolo necessário é um efeito necessário/lateral do fim
prosseguido pelo agente.

o Dolo eventual
§ Aqui o crime surge, igualmente, como um efeito lateral ou
secundário, mas que ao invés do dolo necessário, no dolo
eventual há uma diferente probabilidade.
• Vimos que no dolo necessário temos um efeito inevitável/
necessário ou muito provável, ao passo que no dolo
eventual é tão só um efeito possível dessa mesma
conduta.
Ex.: o senhor A detesta o senhor B, que tem uma casa de
campo que visita às vezes nas férias. O senhor A decidiu
incendiar a casa de B.
- Sucede que o senhor B tem lá o vizinho a guardar o seu
automóvel, e o senhor A sabe disso. Além do mais, o senhor
B tem lá uma empregada de limpeza que vai lá de vez em
quando e em alturas que não são certas.
Neste contexto, A QUER DESTRUIR A CASA de B à fá-lo
pelo fogo.
- Temos aqui DOLO DIRETO em relação à casa;
- Quanto ao automóvel do vizinho temos um DOLO
NECESSÁRIO à ele não quer queimar o automóvel,
contudo o ódio por B fá-lo prosseguir o incendio na casa.
. Quer dizer, embora não seja a finalidade da sua conduta
destruir o caso do vizinho, é uma consequência necessária
(muito provável) da conduta de lançar fogo à casa de B;

185
- Mas além disso, se, por mero caso, estava lá a empregada,
que falece em virtude do incendio à DOLO EVENTUAL,
uma vez que temos uma consequência tão só possível

o Deve dizer-se que, de acordo com a doutrina mais recente, esta


classificação das modalidades do dolo não tem que ver com qualquer
elemento quantitativo, no sentido de dizermos que um é mais grave que
outro e que, por isso, deve ser punido mais gravemente que o menos
grave.
§ De acordo com a doutrina pacífica, verdadeiramente esta
distinção tem apenas que ver com a definição do âmbito do
elemento volitivo do dolo, no sentido de dizer que o elemento
volitivo necessário para que possamos falar num dolo do tipo
pode abranger tanto as situações de dolo direto, como dolo
necessário e dolo eventual à e tão-só isso.
§ Quanto à gravidade maior ou menor do dolo do agente, será algo
a valorar-se em concreto.
• São pensadas situações em que um dolo eventual pode ser
mais grave que um dolo necessário e situações em que um
dolo necessário é tão ou mais grave que um dolo direto.
o É, portanto, uma definição que contende com o
âmbito de delimitação dos casos em que se admite
falar do elemento volitivo do dolo, não
importando, de princípio, qualquer hierarquização
valorativa entre estas modalidades de dolo.

o PROBLEMA à distinção entre dolo eventual e negligência consciente.


§ Aqui suscitam-se alguns problemas, porque são figuras que estão
‘paredes meias’.
No dolo eventual o agente representa o resultado tão só como
possível; e na negligência consciente também.
• Aliás, o todas as modalidades de dolo estão reguladas no
ART. 14.º CP, sendo que depois vemos que no ART.
14.º/3 CP está o dolo eventual, que pode ser comparado
com a negligência consciente, que está no ART. 15.º,
alínea a) CP.
- No ART. 14.º/ 1 temos o dolo direto;
- No ART. 14.º/ 2 temos o dolo necessário;
- No ART. 14.º/ 3 temos o dolo eventual à é neste elemento da
conformação que está, nos termos da própria lei, a distinção entre dolo
eventual e negligência consciente.

186
o Em ambos os casos o agente representa o crime como uma consequência
tão-só possível da conduta; a diferença está num ELEMENTO
SUBJETIVO: «mas atuar sem se conformar com essa realização».
§ Nem sempre assim foi no passado – havia quem pretendesse estas
situações de dolo eventual e situações de negligencia consciência
com base num critério objetivo – terroriza da verosimilhança (Dr.
Figueiredo Dias chama teoria da probabilidade). à foi uma
teoria que foi abandona por não dar um critério preciso para a
distinção.

o Devemos ser muito cautelosos nesta situação de fronteira entre o dolo


eventual e a negligência consciente, porque, como já vimos, o
qualificarmos um caso de dolo ou de negligência, para além de a
negligência ser sempre menos punida que o dolo, significa que, por força
do ART. 13.º CP, muitas vezes é a fronteira entre a punição e a
impunidade. à É que a punição da negligência é EXCECIONAL, sendo
que, para todos os efeitos, a negligência consciente é sempre modalidade
de negligencia.
§ Assim, em muitas vezes, qualificarmos o caso de dolo eventual
ou de negligência consciente estabelece, então, a fronteira entre a
PUNIÇÃO e a IMPUNIDADE.
• Foi em virtude da insegurança do critério da
verosimilhança (de distinção entre possibilidade e
probabilidade), que no fim de contas deixava tudo nas
mãos de um juiz, que a doutrina optou por um critério
subjetivo.

o Houve várias formulações: anteriormente era a teoria da aceitação,


depois veio a fórmula positiva de Frank, mais tarde houve a teoria da
conformação, sendo que todas elas apontam para o mesmo.
Assim, vamos ter em conta a teoria atual da TEORIA DA
CONFORMAÇÃO.
§ A teoria da conformação diz que, perante o mesmíssimo
elemento intelectual (em ambos os casos o agente apresenta a
consequência como tão só possível) nós vamos qualificar o ato
como dolo eventual ou negligência inconsciente consoante o
agente se conforme com o resultado.
• Se estivermos perante a seguinte afirmação «aconteça o
que acontecer, eu vou levar adiante a minha conduta» -
neste caso o agente sobrepõe os seus interesses ao dever
ser jurídico-penal e, nessa medida, releva a tal atitude de
contrariedade ou indiferença perante o dever ser jurídico-
penal, que é caraterística do dolo.
o Portanto, o agente conforma-se com o resultado.
Aqui estamos perante DOLO EVENTUAL.

187
§ Diferente é a negligência consciente. Aqui o agente representa o
resultado da mesma forma como possível, todavia, ele atua
porque está convencido de que, naquela situação, e apesar de
tudo, tudo irá correr bem.
• i.e., o agente representa na mesma o crime como uma
consequência possível da conduta, mas só atua porque
está convencido de que naquele caso o resultado não se
vai consumar, isto é, não se conforma com a produção do
resultado.
o Nesta medida, a doutrina diz que o agente não
revela a tal atitude de contrariedade ou de
indiferença perante o dever ser penal; revela tão só
uma atitude de descuido ou leviandade, que é
caraterística da NEGLIGÊNCIA.
§ Portanto, nesta diferença radicaria a linha
de fronteira, de acordo com a teoria da
conformação, entre dolo eventual e
negligência consciente.

Contudo, isto leva-nos a levantar a questão: mas e se o agente não toma posição?
o É que para a teoria da conformação as coisas são muito claras no sentido
de que o agente toma uma posição expressa, mas muitas vezes nas
situações da vida as pessoas não chegam a tomar posição.
Então o que devemos fazer?
§ Houve na doutrina várias tentativas: houve quem o tentasse
explicar através da fórmula de Frank, ainda que um pouco
deturpada.
• Segundo esta fórmula, nestes casos em que o agente não
toma posição haveria que fazer uma ficção e perguntar o
que é que o agente teria decidido se, em vez de
representar o resultado tão só como possível, o tivesse
representado como uma consequência necessária e
inevitável do seu comportamento.
o Quer dizer que se vai ficcionar que naquele caso
se estava perante uma situação de dolo necessário
e não de dolo eventual.
o E se, em face das características e da
personalidade do agente, se chegasse à conclusão
de que, se ele tivesse visto que era um efeito
inevitável da conduta, não teria avançado então
estaríamos perante uma negligência consciente.
o Se, pelo contrário, na mesma situação, atendendo
às caraterísticas da personalidade do agente,
concluíssemos que este teria na mesma avançado
seria, então, dolo eventual.

188
• Esta posição é afastada, porque contraria o Direito Penal
do facto, uma vez que estaríamos verdadeiramente a punir
o agente, não por aquilo que ele fez, mas por aquilo que
ele é, isto é, em função de uma personalidade.

o É por isso que, em relação a estes casos intermédios em que o agente não
toma posição, é de seguir a fórmula da dupla negativa do Doutor
Eduardo Correia, que diz que quando o agente, representando o resultado
como possível, só atua porque confia que o resultado não se vai verificar,
estaria a atuar, segundo uma negligência consciente, dado que este não se
conforma com o resultado – ELE SÓ VAI ADIANTE COM A
CONDUTA PORQUE ACREDITA QUE O RESULTADO NÃO SE
VAI VERIFICAR.
§ Ora, se isto é negligência então o dolo tem de ser o contrário e
abranger tudo aquilo que não está compreendido na negligência.
• Daí que o Doutor Eduardo Correia venha dizer que no
dolo temos abrangidas tanto as situações em que ele toma
posição e se conforma, como as situações em que ele não
toma posição.
o Isto, porque o Direito Penal se contende com
lesões de bens jurídico essenciais, ou seja, com
lesões graves de bens jurídicos essenciais, pelo
que o não tomar posição é já expressar uma atitude
de contrariedade ou de indiferença perante um
dever ser penal, que é caraterística típica do dolo.

§ Portanto, tudo aquilo que não for negligência consciente, isto é,


todas aquelas situações em que o agente não confie que o
resultado não se vai verificar, serão de dolo eventual.
§ E é esta a formulação em que Eduardo Correia diz que no dolo
eventual cabem todas as situações em que o agente não confie
que o resultado não se vai verificar.
• Crê-se que é esta fórmula do Doutor Eduardo Correia que
deve continuar a ser mantida na interpretação do ART.
14.º/ 3 e do ART. 15.º/ 1, alínea a) [o mesmo é dizer:
interpretar a fórmula da conformação].

o Vamos ver que desde logo esta distinção ab initio é uma distinção que
tem que se por logo no âmbito do ilícito típico.
E essa era uma dificuldade que os autores do ilícito pessoal, que aderiam
ao ilícito doloso, mas que reconduziam o dolo ao dolo natural NÃO
PODIAM ULTRAPASSAR.
§ Repare-se que o dolo natural é conhecimento e vontade de
realização de um tipo, o elemento intelectual e o elemento

189
volitivo acabam por ser os mesmos no dolo eventual e na
negligência consciente.
• Em ambos os casos o agente conhece a conduta e conhece
que possivelmente ela pode conduzir à realização de um
crime, mas quer a conduta à o que significaria que para a
doutrina do ilícito pessoal que reconduz o dolo do tipo ao
dolo natural não distinguia no plano do ilícito entre o dolo
eventual e a negligencia consciente (era uma distinção só
no plano da culpa).
o Encontramos, por isso, aqui a contradição que
encontrávamos no caso do erro sobre as
proibições: nos casos de negligência consciente
estar-se-ia a punir a título de culpa negligente a
prática de um tipo doloso.

o É obvio que esta contradição desaparece a partir do momento em que


reconduzamos o dolo do tipo ao tal dolo do homem médio, que abrange
tanto o elemento intelectual, como o volitivo e o emocional.
§ Será atendendo a este ELEMENTO EMOCIONAL que dizemos
que o homem médio, se tivesse praticado aquele ato
conformando-se estava a revelar a tal atitude de contrariedade, ao
passo que se não se conformasse não estava a expressar o sentido
de ilícito doloso (teríamos um ilícito negligente).

o É claro que esta situação está prevista na lei, pelo que, nos termos do
princípio da legalidade temos que obedecer a esta teoria, porém há fortes
críticas, porque quer queiramos quer não, na distinção entre dolo
eventual e negligência consciente o que nós estamos a fazer é punir
diferentes modos de ser.
§ Em ambos os casos o agente representa o crime como uma
consequência possível e quer realizar essa conduta – a
conformação ou não tem depois que ver com o modo de ser, com
o caráter da personalidade (‘é o otimista inveterado ou o
pessimista doentio’).

- Será isto suficiente no quadro do Direito Penal do facto para se admitir uma
distinção?
- E depois, no ponto de vista político-criminal questiona-se: o que é que é mais
perigoso do ponto de vista social?
o O sujeito que naquele caso atuou e se conformou com o resultado, dado
que é o tal pessimista doentio
§ Ou aquele outro que é um otimista inveterado, para o qual nunca
há problemas e ‘para a frente é que é o caminho’.

o O Doutor Figueiredo Dias já põe isto em causa e o professor vai no


mesmo caminho, no sentido de que importaria estabelecer aqui, quanto à
hierarquização do desvalor pessoal da conduta, não a classificação
190
bipartida que temos hoje (dolo e negligência), mas estabelecer uma
HIERARQUIZAÇÃO TRIPARTIDA:
§ Dolo de resultado à que seria o dolo de resultado e que
abrangeria o dolo direto e o dolo necessário
§ Negligência (tout court) à que se esgotaria na negligência
inconsciente, isto é, nos casos em que o agente não representa
sequer o perigo da conduta
§ Dolo de perigo à conglomeraria as situações que hoje
autonomizamos sobre o dolo eventual e a negligência consciente,
dado que em ambos os caos o agente representa o perigo e quer a
conduta.
Depois, o que concerne à distinção entre dolo eventual e negligência
consciente é algo que tem que ver com os motivos da conduta, mas
isso é algo para ser apreciado ao nível da culpa e não ao nível do
ilícito.
Em ambos os casos teríamos um dolo de perigo e acabava-se com
esta distinção que levantou já muitos problemas na doutrina,
chegando-se a uma solução mais correta.

Ë Nota: isto não é mais do que uma proposta que tem duas vozes a favor, mas para
já nós temos uma lei e o princípio da legalidade criminal tem de ser respeitado,
pelo que continuamos a ter de distinguir no âmbito do dolo as três modalidades
(direto, necessário e eventual) e a ter de contrapor o dolo eventual à negligência
consciente na base da teoria da conformação.
o Na interpretação da teoria da conformação deve ser mantida a fórmula da
dupla conformação do Doutor Eduardo Correia para distinguir entre dolo
eventual e negligência consciente.
Quanto ao elemento volitivo é ainda necessário que se fale noutras figuras e noutras
situações, desde logo na figura do dolus alternativus: uma conduta pode levar a um
crime ou a outro e o agente conforma-se com qualquer deles; a figura do dolus
antecedens e a do dolus subsequens.

Ø Para terminar o elemento volitivo do dolo haverá que falar de 3 categorias:


o Dolus alternativus ou dolo alternativo;
o Dolus antencedens ou dolo antecedente;
o Dolus subsequens.

Ø O dolo alternativo verifica-se quando o agente prevê como possível


consequência da sua conduta ou o preenchimento de um crime ou outro.
o A sua conduta em alternativa pode conduzir ou à verificação de um
resultado ou à verificação de outro resultado e o agente conforma-se/
aceita, conforme qualquer 1 destes resultados e leva por diante a sua
conduta.

191
Como punir o agente neste caso?
o Terá de ser punido a título de dolo, uma vez que para todos os efeitos o
agente conhece e quer como consequência da sua conduta, ainda que em
termos alternativos, a produção de um resultado ou de outro.

Levanta-se a questão de COMO deverá ser punido:


o A doutrina alemã divide-se fundamentalmente por 3 orientações, sendo
que o Dr. Almeida Costa defende uma 4ª orientação.
o A 1ª posição (posição dominante na doutrina alemã) é a de punir o
agente nas situações de dolo alternativo pelo concurso ideal dos 2
crimes.
§ O concurso ideal é uma figura que está prevista no par. 52º do CP
alemão e que não tem correspondência entre nós.
§ Esse par. diz que nestes casos o agente deve ser punido, de entre
os 2 crimes alternativos, pelo crime + grave (pela moldura penal
do crime + grave).
• Todavia, a pena não pode descer abaixo do mínimo
admitido da moldura penal do outro crime que não vai
aplicado.

§ Não é aplicável esta posição entre nós, pelas razoes acima


indicadas.

o A 2ª posição traduz-se em punir o agente pelo crime consumado à é a


posição defendida, entre nós, pelo Dr. Figueiredo Dias.
o A 3ª posição manda aplicar sempre/ punir o agente com a pena do crime
+ grave.
o O dr. Almeida costa opta por uma outra opção, convocando a figura do
concurso aparente legal ou de normas, que já se falou a propósito do
regime proposto para o erro sobre o processo causal.
§ Esse concurso aparente legal ou de normas não é um concurso de
crimes, uma vez que estamos apenas perante um crime.
• O concurso de crimes aparece quando o agente pratica
vários crimes e vai ser julgado por todos eles no âmbito
do mesmo processo – ART. 30º - e a respetiva punição
nos ARTs. 77º e 78º CP. à é concurso efetivo de crimes;
• Nas situações de concurso aparente legal ou de normas
temos apenas 1 crime que é subsumível a vários tipos
legais à temos um concurso de normas e que, do ponto
de vista do concurso de crimes será aparente, já que é uma
situação de unidade de infração.

§ Relativamente às múltiplas situações de concurso aparente legal


ou de normas, estabelecem-se relações entre essas mesmas
normas e o agente será punido apenas por 1 delas.

192
• Deve ser punido por aquela que melhor exprimir e se
ajustar ao desvalor jurídico-criminal da concreta situação
(do ato em causa).

§ Isto leva a que o agente, voltando à situação de dolo alternativo,


deva ser punido por aquela norma/ tipo legal aplicável ao caso
que melhor exprima o desvalor do ato e, portanto, melhor proteja
os bens jurídicos em causa.
Ex.: suponha-se que o agente vai praticar um ato e vê 2 pessoas à
distância a conversarem. O agente quer matar apenas delas, mas
acaba por acertar na outra à ele conta com essa possibilidade e
conforma-se com esse resultado.
- Agora suponha-se que 1 dessas pessoas é pai/ parente do agente,
que é um dos fundamentos do homicídio qualificado à dentro
desta ótica o agente será punido nos termos do homicídio
qualificado consumado.
Se acertou no que não era parente será punido pela tentativa de
homicídio qualificado.

• De acordo com a perspetiva do regente da cadeira, que


acaba por levar a soluções paralelas à da última posição
da doutrina alemã – punir o agente pelo crime + grave e a
consolução leva, por via de regra, a punir pelo tipo legal
mais grave, uma vez que é o que melhor reflete o desvalor
jurídico-penal da situação.

§ Sintetizando, nas situações de dolo alternativo, em que o agente


prevê como possível, em alternativa, um resultado ou outro, o
agente vai ser punido nos quadros de uma unidade criminosa por
1 só crime, mas será punido ao nível ou no quadro do tipo legal
que melhor exprime o desvalor do ato, que melhor reflete/ retrata
o desvalor do ato à por regra, é o tipo legal que contempla a
sanção mais grave.
Isto, quanto ao dolus alternativus, mas ainda no âmbito do elemento volitivo, deve-se
falar em 2 figuras à dolus antecedens e dolus subsequens.
Ø Para simplificar, ir-se-á utilizar o mesmo exemplo do Dr. Figueiredo Dias para
caracterizar o dolus antecedens:
Suponha-se que o dono de uma casa vê o assaltante entrar e decide mata-lo oy
atingi-lo, só depois de ele consumar a infração, i.e., só depois de se apoderar de
algum dos objetos que constituem o seu património.
Suponha-se agora que ao tirar o revolver, ainda não quer disparar, mas tira-o de
forma descuidada e a arma dispara-se e atinge o assaltante, antes do momento em
que pretendia realiza-lo.

193
- neste último caso não podemos imputar o crime a título de dolo à o que
verdadeiramente há aqui é um ato negligente, uma vez que o dolo é conhecimento e
vontade da realização do tipo legal.
. o projeto do agente era tão-só disparar e atingir o agente depois dele consumar o
furto, depois da subtração do património. Ele acaba por realizar o ato em momento
anterior e de forma não intencional, não dolosa, pelo que, necessariamente, o dolus
antecedens não releva, nestes casos.

Ø A outra hipótese será o dolus subsequens – nestes casos o agente realiza


negligentemente o crime.
Ex.: suponha-se que alguém está a praticar o tiro ao alvo e não repara que há
pessoas na proximidade, atras de um arbusto e atinge a vítima. Depois, dirige-se
ao local e vê que a vítima era um seu inimigo, que até tencionava matar noutra
altura.
- isto não releva à não nos esqueçamos que o crime doloso é unidade subjetiva-
objetiva, pelo que se tem de verificar o conhecimento, vontade de realizar a
factualidade típica/tipo objetivo.
Nesta circunstância não cabem no dolo nem as meras intenções nem os meros
desejos à o dolo tem de se traduzir no conhecimento e vontade de realização do
crime.
Em qualquer dos dolus (antecedens ou subsequens) falados, à conduta não preside a
vontade de perpetrar o crime.
- no caso de dolus antecedens a arma disparou-se, porventura por negligencia, no
momento anterior ao que o agente pretendia faze-lo. Portanto, só será punido, quanto
muito, a título de negligencia.
- no dolus subsequens, embora a situação seja diferente a solução é a mesma à ele não
pretendia, no momento em que disparou a arma, atingir ninguém. Apenas à posteriori se
congratulou com o resultado, mas isto não constitui o dolo à falta o elemento volitivo
do dolo, pelo que o agente só poderá ser punido por negligência, se se verificarem os
pressupostos.
Terminamos o elemento volitivo e, com isso, a caracterização do dolo do ilícito típico.
Importará falar de elementos especiais do tipo subjetivo.
Elementos especiais do tipo subjetivo
Ø Em regra, ao nível do ilícito típico doloso, o legislador basta-se com a
verificação do dolo do agente (conhecimento e vontade de realização do tipo
objetivo).
o Todavia, em certos casos especiais exige, para o preenchimento do tipo
subjetivo, elementos adicionais:
§ Especiais intenções;
§ Especiais motivos;
194
§ Especiais impulsos afetivos;
§ Que o facto traduza certas características da atitude integradora.

Ex.: no furto não basta que o agente queira subtrair coisa movel alheia –
é necessário que o faça com intenção de apropriação, com intenção de a
fazer sua.
- na burla não basta o dolo de produzir o dano no património da vítima à
ele produz esse dano com intenção de enriquecer propriamente ou
alheiamente.
- nos crimes sexuais não basta a prática de ações pudicas à é necessário
que lhes presida uma intenção libidinosa.
Ø Qual é a diferença entre elementos subjetivos e o dolo?
o O dolo encontra correspondência no tipo objetivo à nos crimes doloso,
via de regra, há correspondência ou simetria entre tipo objetivo e o tipo
subjetivo.
§ Aquele que o agente projeta e quer é aquilo que realiza no plano
exterior.
o Portanto, o dolo é conhecimento e vontade de realização do tipo
objetivo:

o Estes elementos subjetivos especiais adicionais do tipo subjetivo dolos


não tem correspondência no tipo objetivo.
Ex.: na burla exige-se que o agente atue com intenção de enriquecimento,
mas não é necessário haver um enriquecimento para que haja um crime
consumado à basta o empobrecimento da própria conduta.
§ Estes elementos subjetivos so podem ser compreendidos através
do estudo da Parte Especial.
§ Obviamente que a doutrina discute, é uma matéria polemica, por
várias razoes:
• Desde logo, a classificação constante da doutrina que
classifica estes elementos especiais do tipo subjetivo em
intenções, motivos, impulsos afetivos ou características da
atitude interior.
o Há uma grade sobreposição entre elas, uma vez
que são categorias extrapenais, que vem
essencialmente da psicologia e da psiquiatria - e a
que a doutrina recorre apenas para caracterizar
descritivamente estas situações de elementos
subjetivos especiais.

• Mas depois a doutrina discute sobretudo se estes


elementos pertencem ao ilícito ou à culpa. Logo aí não
faltam vozes que põem em causa que ao atender aos

195
elementos da subjetividade, por serem conceitos
imprecisos, põem em causa a certeza e segurança na
aplicação do dto penal.
o Por outro lado, no plano substancial poe em causa
o modelo do dto penal do facto, uma vez que
parece que se está a punir um modo de ser, certas
tendências, certos aspetos da interioridade do
agente que não deveriam ser considerados no
quadro do dto penal do facto.
§ Assim, esses autores defendem a sua
abolição.

o Importará reter que, por via de regra, o tipo subjetivo dos crimes dolosos
esgota-se no dolo do tipo e, portanto, no dolo tal qual como o
caracterizamos e cujo regime já foi analisado.
§ No entanto, excecionalmente, o legislador, a propósito de certos
crimes, pode exigir elementos subjetivos especiais à especiais
intenções, especiais motivos (ex.: homicídio qualificado – matar
por razões económicas ou por odio racial), e características da
atitude interior (certo modo de ser, a crueldade, brutalidade, total
insensibilidade), que interferem na modelação do tipo subjetivo
do ilícito doloso.
• Sempre que o legislador exigir esses elementos
subjetivos, sempre que faltar 1 deles, não temos um crime
em causa.
o A distinção entre tipo objetivo e subjetivo, no
quadro de uma doutrina do ilícito pessoal, é uma
distinção artificial, uma vez que assim como o
ilícito doloso é uma unidade subjetivo-objetivo, à
também o tipo incriminador doloso, enquanto
expressão desse ilícito objetivo, é também uma
unidade subjetivo-objetivo.

• Só dividimos em tipo objetivo e subjetivo por razões de


clareza de exposição e, por isso, sempre que falte um
qualquer elemento do tipo subjetivo (ou o dolo ou 1 dos
elementos subjetivos especiais) ou do tipo objetivo, a
conduta não preenche o tipo incriminador doloso em
causa.

196
Os tipos justificadores – causas de exclusão da ilicitude/ilícito
A matéria dos tipos justificadores está relacionada com certas figuras que representam
contratipos. Isto é, uma determinada conduta preencheu um tipo incriminador, contudo,
existem circunstâncias adicionais que retiram a circunstância criminal e a conduta deixa
de ser considerada ilícita.
Ex: Furtar é proibido, mas alguém pode furtar em estado de necessidade. Matar é
proibido, mas se for em legitima defesa é permitido, desde que preenchidos os necessários
pressupostos previstos na lei.
Neste seguimento iremos falar da Teoria Geral dos Tipos Justificadores, analisando os
princípios comuns a todos os tipos incriminadores. Todavia, é necessário recuar e fazer
uma revisão do que demos anteriormente.

Revisão…
O conceito material de crime é reconduzível, de acordo com as duas funções do direito
(função de conformação/ordenação e função de proteção/garantia), às normas de
determinação dirigidas a impor um comportamento futuro dos cidadãos. O núcleo do
crime radica, portanto, no desvalor da ação, na contrariedade da conduta à norma de
determinação. Isto não significa que o desvalor do resultado não releva, mas assume um
papel secundário.
Neste sentido, todo o crime tem de ser uma conduta humana violadora de uma norma de
determinação, sendo que a doutrina autonomiza como expressões do desvalor da ação 4
espécies de crimes: crimes dolosos e crimes negligentes e crimes por ação e crimes por
omissão. Esta ideia de crime levou à autonomização das dogmáticas dos crimes
anteriormente citados. Desta forma, a construção geral do crime surge dividida em, pelo
menos, três grandes capítulos: teoria geral do crime doloso, a teoria geral do crime
negligente e a teoria geral do crime por omissão.
Esta teoria geral do delito trata-se de uma decomposição analítica do conceito material de
crime. Já falamos da teoria geral do crime doloso, mas não a terminamos. De facto,
começamos por decompor a ideia de ação dolosa, que se traduz num crime onde se
verifica uma convergência entre o lado subjetivo (dolo – aquilo que o agente projeta
realizar) e o lado objetivo do crime. Esta unidade objetiva-subjetiva vai ser decomposta
nos seus elementos constitutivos. Neste contexto, vimos que a as várias categorias do
sistema vão avançando do menos exigente para o mais exigente, sendo que em 1º lugar
temos de ter uma ação humana, isto é, tem de existir uma intencionalidade de uma
manifestação do agente (neste sentido, os atos reflexos, os sonambulismos não contam
para a verificação de uma ação humana).
Contudo, verificamos que a ação humana não é suficiente para determinar o crime, é
necessário que a ação seja ilícita típica. Neste sentido, o tipo mais não é do que os juízos
de valor subjacentes à lei. Já o ilícito típico corresponde ao ilícito típico pessoal, em que
interfere a subjetividade do agente. O ilícito pessoal distingue entre ilícito doloso e o
ilícito negligente.
No ilícito estamos a determinar o ato humano em geral (objetivo). Na culpa estamos a
avaliar o sentido pessoal-subjetivo enquanto ato daquela concreta pessoa. Devido a
197
caraterísticas pessoais do agente, um certo comportamento ilícito pode não ser culposo.
Ex: o Sr. A dispara sobre um órgão vital do Sr. B. Ora, trata-se de um ato de homicídio
doloso (ato humano em geral – sentido objetivo). Mas, suponhamos que aquele Sr. A era
inimputável – temos um ilícito doloso, mas não temos uma culpa dolosa, pois este ato
integra uma das causas de exclusão da culpa. O que varia do juízo de ilicitude e culpa é o
critério de valoração.
Voltando ao conceito de ilícito típico não separamos o ilícito do típico, tendo, neste
sentido, sempre um ilícito típico (doloso).
Ora, nos tipos incriminadores, de que já falamos, o legislador descreve essa unidade
objetiva-subjetiva em que consistem os vários ilícitos típicos dolosos.
Assim, o tipo é composto de elementos objetivos e subjetivos e, ao nível do tipo
incriminador estudamos primeiro o tipo objetivo e depois o tipo subjetivo. Mas,
salvaguardamos que esta distinção é artificial, apenas se justificando em termos
pedagógicos, porque na verdade o tipo é uno, na medida em que é uma unidade objetivo-
subjetivo.
Por fim, acabamos a matéria do 1º semestre analisando os casos especiais do tipo
subjetivo.

Com isto terminamos a matéria do tipo incriminador. Agora estudaremos os tipos


justificadores. O facto de uma conduta ser subsumível a um tipo incriminador, não
significa que essa conduta seja necessariamente ilícita. Por exemplo, matar é proibido,
mas matar em legitima defesa é permitido, desde que preenchidos os pressupostos
exigidos na lei.
As causas de justificação ou os tipos justificadores representam uma espécie de
contratipos, ou seja, o legislador descreve situações excecionais que excluem o desvalor
jurídico penal à conduta que é subsumível ao tipo incriminador. A determinação do
carater lícito ou ilícito de uma situação concreta não pode resultar apenas da sua
subsunção ao tipo incriminador, pois é preciso que ela seja subsumível a um tipo
incriminador, mas que não caiba em nenhum tipo justificador. Trata-se, portanto, de uma
relação complementar entre o tipo incriminador e o tipo justificador, uma vez que os tipos
incriminadores e os tipos justificadores concorrem para a determinação da ilicitude
concreta.
Desta forma, os tipos incriminadores concorrem para a determinação dos ilícitos de forma
concerta (o tipo incriminador define as características dos crimes, que define o concreto
ilícito que está em causa. Desenha e carateriza o específico conteúdo desta espécie de
ilícito e que distingue dos demais crimes) e positiva (para termos esse ilícito é preciso que
a conduta preencha o tipo incriminador).
Já no que respeita aos tipos justificadores estes concorrem para a determinação dos ilícitos
de forma geral, na medida em que se aplicam a uma multiplicidade de espécies ilícitas,
de crimes e, negativa, dado que a conduta não pode preencher os elementos constitutivos
do tipo justificador em causa.
Por isso, o ilícito típico é compreendido nos termos da teoria do ilícito pessoal,
concretizando-se nos tipos incriminadores e nos tipos justificadores.
198
A doutrina, embora entenda que os tipos incriminadores e justificadores concorrem para
a definição da ilicitude, trata separadamente os dois tipos porque as diferenças estruturais
destes dois tipos concorrem para a definição da ilicitude. Assim, esta autonomização
justificasse porque os dois tipos estão sujeitos a regimes diversos no que respeita ao
mecanismo da analogia. A analogia funciona de forma mais ampla para os tipos
justificadores. De facto, as limitações ao intérprete não funcionam na mesma medida para
os tipos incriminadores, sendo mais ampla no caso dos tipos justificadores. Nos tipos
incriminadores, por razoes de certeza e segurança do direito, justifica-se a regra do art.3º
e 29º do CPA, que proíbe o recurso à analogia em matéria de agravação da ilicitude. Nos
tipos justificadores, que excluem a ilicitude, admite-se o recurso à analogia (legis ou iuris
– criação de tipos justificadores supralegais). O recurso à analogia em matéria de
justificação, não pode restringe o âmbito de aplicação do tipo justificador. Ou seja, toda
a solução que envolva uma restrição do âmbito de aplicação do tipo justificador, fica
sujeita ao mesmo regime de analogia dos tipos incriminadores.
O recurso à analogia é amplamente permitido no âmbito dos tipos justificadores.
Em suma, os tipos incriminadores e os tipos justificadores não são categorias separadas,
existindo entre os dois tipos uma relação de complementaridade, mas por razoes
pedagógicas iremos separá-los e autonomizá-los para melhor os compreender. Assim,
ambos os tipos são a concretização do juízo de ilicitude e concorrem de forma
complementar para justificação ou negação da ilicitude ao nível dos casos concretos.
Passaremos agora à Teoria geral dos tipos justificadores, onde iremos analisar os
princípios gerais e os aspetos comuns a todos os tipos justificadores:
• Princípio da unidade da ordem jurídica (art.31º do CPA) – é a ideia da unidade
da ordem jurídica. Um ato considerado ilícito num ramo do direito tem de ser
considerado ilícito em todos os demais. Ou seja, entende-se por unidade da ordem
jurídica um ilícito unitário comum a todos os ramos do direito. Este não pode ser
o entendimento da ordem jurídica, pois esta doutrina contradiz a matriz do DP,
pois a intervenção do DP é subsidiária. Existem muitas condutas ilícitas noutros
ramos do direito (ex: violação de um contrato) que não têm relevância penal.
Assim, a doutrina maioritária nega essa ideia de ilicitude unitária comum a todos
os ramos do direito. Neste sentido, alguns autores entendem esta unidade da OJ
em sentido negativo que parte da autonomia do ilícito penal dizendo que o DP,
devido ao carater subsidiário da sua intervenção, não pode considerar ilícitas
condutas tidas como toleradas pelos outros ramos do direito.

O prof. discorda desta posição porque no âmbito do DP podem existir condutas


que são consideradas ilícitas, mas que não são consideradas ilícitas noutros ramos
do direito e vice-versa. De facto, este entendimento assenta em pressupostos
errados: todas as situações consideradas ilícitas pelo DP também são consideradas
ilícitas pelos outros ramos do direito. Na verdade, existem diversas condutas que
são consideradas ilícitas para o DP, mas que não são ilícitas para outros ramos do
direito (ex: crimes de perigo). Ainda que o âmbito da ilicitude penal seja inferior
aos restantes ramos do direito, a verdade é que há condutas ilícitas no DP, que não
são ilícitas noutros ramos do direito. Este princípio da unidade da ordem jurídica

199
deve ser entendido não como uma unidade de sobreposição, mas como uma
unidade de congruência entre o ilícito penal e o ilícito de outros ramos do direito,
tal como existe essa congruência nas funções do direito.

Se a unidade da OJ deve ser vista como unidade de congruência levanta-se o


problema de saber qual é o fundamento material para a afirmação da ilicitude ou
para a sua exclusão, que é o que a doutrina denomina de “sistematização das
clausulas de justificação”. Neste âmbito, costuma opor-se as teorias monistas (o
fundamento das causas de justificação seria um só. São a concretização em
situação materialmente diversas de um único princípio material de justificação,
são concretizações da mesma ideia) às teorias pluralistas (as diferentes causas de
justificação assentam em fundamentos materiais diversos).

A doutrina monista apontava para a doutrina que viria a ser a doutrina dominante
– princípio da prevalência de interesses/principio da ponderação de interesses –
toda a conduta que apesar de preencher o tipo incriminador, lesa-se um bem
jurídico menos valioso para salvaguardar um BJ mais valioso seria licita. Depois,
havia outra teoria dentro desta doutrina que se designava de teoria do fim ou da
maior vantagem do que o prejuízo em que, ainda que a conduta preenchesse um
tipo incriminador deixava de ser ilícita sempre que configurasse em concreto a
configuração de um fim justo. Contudo, esta teoria apresenta falhas, na medida
em que é imprecisa e apresenta uma fórmula vaga que não é operatória num plano
dogmático. Contudo, é através do princípio da ponderação dos bens e prevalência
do BJ mais valioso perante o menos valioso que assenta o fundamento para os
monistas

A teoria dualista dizia que o princípio da ponderação de interesses funcionava


para a maioria das causas de justificação, exceto para as situações de
consentimento do ofendido (consiste em que alguém, em relação a um bem de que
é titular e que é disponível, consente a própria lesão). Neste caso deixa de existir
BJ, não havendo qualquer ponderação de interesses, mas sim uma ausência de um
interesse jurídico penal relevante porque o seu titular consente na lesão no bem.
Assim, deve assentar no princípio da ponderação de interesse e prevalência do BJ
mais valioso, prevalecendo o mais valioso e o princípio da carência ou ausência
de interesse, que é o fundamento material do consentimento do ofendido.
Esta doutrina vigorou muito tempo entre nós, sendo defendida nomeadamente por
Eduardo Correria, mas a doutrina da ponderação dos interesses voltou a afirmar-
se com Figueiredo Dias, dizendo que mesmo no consentimento o princípio da
ponderação dos interesses funciona. No consentimento do individuo há um
conflito de interesses entre o valor da liberdade de disposição de bens e o interesse
da OJ na preservação de bens jurídicos, havendo também no consentimento, um
conflito de interesses que deveria ser resolvido pelo princípio da ponderação de
interesses, mas ao nível da definição dos bens que eram ou não eram disponíveis.
Assim, nem todo o consentimento releva, na medida em que têm de estar em causa
BJ disponíveis.
O legislador determina quais são aqueles bens jurídicos que estão ou não sujeitos
à livre disponibilidade do titular (bens disponíveis VS bens indisponíveis). Esta
200
doutrina e o Dr. Figueiredo Dias entende que também no consentimento do
individuo, o princípio da ponderação dos interesses e prevalecia do mais valioso
se aplica. O prof discorda de todas as teorias anteriormente referidas porque elas
assentam na teoria do ilícito objetivo (desvalor do resultado) e não no ilícito
pessoal (desvalor da ação) – apenas considera o desvalor do resultado.
O regime da legitima defesa confirma a discórdia do prof. porque ela traduz-se na
situação em que a alguém que tem a sua esfera jurídica em perigo, e que não tem
acesso em tempo útil aos meios de proteção normais, recorrer às suas próprias
forças protegendo o seu bem jurídico causando danos na esfera jurídica do próprio
agressor. A legitima defesa pode funcionar, desde que verificados certos
pressupostos, podendo funcionar mesmo quando se traduz na preservação de um
BJ menos grave para proteger um BJ mais grave.
Esta situação não pode ser explicada no quadro do princípio da ponderação dos
interesses, pelo que o prof. discorda de todas essas teorias.

Atualmente, avançou-se outra teoria: é a defesa da OJ no geral na pessoa do


defendente, dizendo que a legítima defesa não se limita a defender o concreto BJ
ameaçado, estando também a prosseguir objetivos de prevenção geral e especial,
pois ao atuar sobre o agressor evita-se que muitas agressões ilícitas fossem
praticadas. Ora, o prof discorda, pois, o agressor quando decide ou não agredir,
na prática, não vai fazer esta ponderação. O único bem jurídico protegido é o BJ
ameaçado, não cabendo na concretização do princípio da ponderação de
interesses. Assim, encontramos a comprovação da critica do prof. na medida em
que o princípio da ponderação de interesses como princípio geral não cabe no
âmbito do ilícito pessoal, isto é, no desvalor da ação.
A ideia do prof é outra – a justificação é a negação da ilicitude, pelo que o
fundamento material tem de ser o mesmo fundamento material subjacente à
ilicitude. No quadro do ilícito pessoal pauta-se pelas exigências mínimas para a
convivência comunitária, pelo que só viola esta norma de determinação quando
estamos perante uma situação em que era exigível ao homem medio não violar
essa norma. Desta forma, a justificação baseia-se nas exigências mínimas da
convivência comunitária. A inexigibilidade objetiva é por isso o fundamento
material.
Na base do princípio geral como fundamento material de toda a justificação está
a inexigibilidade objetiva (a própria conduta deixa de consubstanciar um desvalor
da ação da própria conduta), pelo que o prof admite a ponderação de princípios
intermédios como a ponderação de interesses. A justificação é a negação da
ilicitude, pelo que só temos uma conduta ilícita quando existe uma violação de
uma norma de determinação que era exigível ao homem medio que não a violasse.
Este é o ponto de vista do prof. quanto ao fundamento material da justificação
(princípio da não exigibilidade objetiva como justificação).

Intervém aqui elementos subjetivos das causas de justificação ou não? - SIM


Ex: Um Sr. que ao partir o vidro salva o vizinho de uma fuga de gás, sem ter essa intenção,
pois na verdade apenas queria aborrecê-lo partindo a janela. No entanto, sem saber estava
a salvá-lo de morrer intoxicado.

201
Nestas situações, a doutrina dizia que estava admitida a justificação do ilícito, pelo que o
agente sairia impune. Contudo, esta solução é absurda porque o sentido da conduta era o
da produção de um dano, pelo que o agente devia ser punido. Se o núcleo do ilícito esta
no desvalor da ação (ilícito), para sabermos se a conduta estava ou não justificada, temos
de atender aos elementos subjetivos do agente, isto é, à culpa. Ora, a generalidade dos
tratados modernos reconhece que a todas as causas de justificação tem de existir um
fundamento comum: o agente saber e quer realizar aquela conduta justificativa, isto é, o
conhecimento do agente de que está a atuar a coberto de uma causa de justificação, que
desempenha ao nível do tipo justificado a mesma função que o dolo representa no tipo
incriminador.
Devemos distinguir nas causas de justificação entre tipo objetivo (elemento comum a
todos eles) e o tipo subjetivo (definição da realidade subjetiva de cada tipo justificador).
Por exemplo, desde que o agente conheça a situação e estiverem preenchidos os seus
pressupostos, a legitima defesa está preenchida. Assim, é de restringir o elemento objetivo
de todas as causas de justificação ao facto de o agente saber que está a agir em legitima
defesa. O princípio da justificação não pode ser apenas atinente ao desvalor do resultado
– princípio da inexigibilidade objetiva. Neste sentido, se faltar o elemento subjetivo
(conhecimento do elemento de justificação), não existe justificação do ilícito.
Existe depois a ideia de que também os tipos justificadores comportam um elemento
objetivo (descrição da situação fáctica de cada tipo justificador) e um elemento subjetivo
(o conhecimento da situação de justificação. Quanto ao tratamento dos casos em que falte
o elemento subjetivo não há unanimidade. Assim, no art.38º/nº4 do CP, que se reporta
apenas ao consentimento do ofendido, a doutrina maioritária diz que este nº4 é um
princípio geral que se aplica a todos os tipos justificadores, pois, se ele não sabe que está
a atuar ao abrigo de um tipo justificador vai ser punido por uma situação análoga à
tentativa. Ora, o agente não conhece que está a atuar a coberto de um tipo justificador
pelo que não há tentativa, mas há uma situação análoga à tentativa, na medida em que há
um desvalor da ação, mas a que não se segue o desvalor do resultado, pois no plano
objetivo aquele dano foi um dano necessário para preservar um BJ mais valioso.
O que sucede quando há o desconhecimento da justificação? A conduta é ilícita porque
não temos tipo justificador. Mas, o agente vai ser punido e, em que termos? Como vimos,
a doutrina maioritária diz que esta situação é análoga à tentativa, pelo que o agente deve
ser punido a título de tentativa. Embora não se trate de uma situação de tentativa, é
análoga à tentativa porque houve um desvalor da ação, mas não um desvalor do resultado.
O FD diz que de facto é análoga à tentativa, pelo que é de aplicar o regime da tentativa,
ou seja, quando se trata de um crime que não e punível a título d tentativa, o agente deve
sair ileso.
Sempre que faltar o elemento comum de todos os tipos justificadores, o agente será
punido a título de tentativa. Todavia, o prof discorda porque entende que sempre que
faltar o elemento subjetivo o agente deve ser punido a título de consumação.
Ex: O Sr. A tem um inimigo (sr. B) e sabe que ele vai todos os dias a um café e faz-lhe
uma espera para o matar. Efetivamente mata-o, mas vem a provar-se à posteriori que o
sr. B também estaria preparado para o matar, mas que ele foi mais lento a disparar. De
acordo com a doutrina tradicional, esta situação levaria a que o agente, sem saber, estaria

202
a atuar sobre legitima defesa, pelo que o agente seria punido apenas por tentativa. Mas,
esta solução é absurda porque há um desvalor de intenção, há um desvalor de ação e há
um desvalor do resultado. Assim, no quadro do ilícito pessoal estamos a avaliar o desvalor
da ação naquela concreta situação. O que valoramos é o sentido do ato e, neste caso temos
desvalor do crime doloso consumado, pelo que ele deve ser punido a título de consumação
(opinião do prof.). E, o que vem previsto na letra da lei no art.38º/nº4 do CP, não vale? E
o princípio da legalidade?
Ex: Um senhor muito abastado e solteirão, que apenas tinha como descendentes os seus
sobrinhos, possuía moedas valiosas e, pediu ao seu mordomo que as entregasse a um dos
seus sobrinhos favoritos. Contudo, esse sobrinho, numa situação de aperto económico e
sem saber da intensão do seu tio de lhe doar as moedas, assalta a casa e rouba as moedas,
sendo apanhado. O ato do tio dizer ao mordomo que aquilo é para o sobrinho já implica
a renuncia ao seu património sobre as moedas. Trata-se de consentimento, pelo que aqui
não há desvalor do resultado, dado que o tio já repudiou esse património. Ora, o que temos
é um desvalor da ação a que não se segue um desvalor do resultado, pelo que a solução
do art.38º/nº4 do CP apenas se justifica no consentimento do ofendido, mas já não se
justifica na legitima defesa, por exemplo. No consentimento não há desvalor do resultado,
mas nas outras situações de causa de justificação existe desvalor de resultado. Assim,
exceto nestas situações de consentimento que devem ser punidas a título de tentativa, as
restantes situações devem ser punidas a titulo de consumação dolosa (opinião do prof.).
Neste sentido, no âmbito da teoria da culpa limitada, devemos distinguir, nos tipos
justificadores, duas situações: o erro sobre as circunstâncias de facto (art.16º/nº2 e nº3
do CP) e o erro sobre a ilicitude (art.17º do CP)
O erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação trata-se da situação inversa à
falta do elemento objetivo. No erro sobre os pressupostos de uma causa de justificação, o
agente julga que está a atuar numa situação de justificação, mas não está.
Ex: no Carnaval há uma pessoa que tem o hábito de passear depois do jantar e um seu
amigo quer lhe fazer uma partida. O amigo disfarça-se de bandido com uma pistola falsa,
mas o homem dispara convencido de que estava a ser agredido e de que estaria a agir
sobre legitima defesa. Ora, trata-se de um erro sobre os pressupostos de justificação. E,
nestes casos, a maioria da doutrina distingue entre erro intelectual e erro de
valoração/sobre a ilicitude/moral, ou seja, distingue entre erro sobre as circunstancias de
facto previsto no art.16º/nº2 do CP ( “erro sobre um estado de coisas” - esse estado de
coisas são os pressupostos fácticos de uma causa de justificação) em que o agente apenas
pode ser punido por negligencia, nos termos do art.16º/nº3 do CP, desde que se verifiquem
os requisitos formal (art.13º do CP - o crime admitir a negligencia) e o requisito material
( art.15º do CP - o erro dever-se a ausência do dever objetivo de cuidado).
Depois temos o erro sobre a ilicitude previsto no art.17º. Nestes casos trata-se de um erro
sobre os contornos da ilicitude, sobre os limites da causa de justificação.
Ex: O Sr. A é imigrante e veio para Portugal de férias para construir uma casa no seu país
de origem (Portugal). O Sr. A contrata o mestre de obras, que lhe diz que precisa de um
adiantamento para as despesas de construção e o sr. A paga e volta para o pais onde é
imigrante. Quando no ano seguinte volta a Portugal, deparasse com a ausência das obras.

203
Na pretensão de resolver o seu problema, o Sr. A vai a casa do mestre de obras e este não
está, mas ele vê um quadro valioso que se encontra na sua casa e leva-o, convencido que
estaria a agir em legitima defesa do seu património, e convencido que a legitima defesa
recobre esta situação. Mas, a legitima defesa não cobre estas situações, dado que os
direitos de crédito não se podem exercer por legitima defesa. O Sr. A erra sobre a ilicitude,
e não sobre as circunstancias de facto, pelo que o ato se for censurável é punível a titulo
de dolo. Aqui o agente tem um concreto conhecimento dos factos, mas erra sobre os
contornos da ilicitude.

Concretos tipos justificadores previstos no Cód. Penal


Legítima defesa: art. 32º+ 33º do CP: alguém está a ser alvo de uma agressão, e na
impossibilidade de recorrer à força publica (em pp vigora o monopólio estadual) para
preservar o BJ em causa, o agente pode recorrer às suas próprias forças. A LD traduz se
numa espécie de contra-ataque sobre o agressor. A LD não é o dto de recorrer à vingança
nem sequer fazer justiça pelas suas proporias mãos. A finalidade é suster a agressão, e
dessa forma preservar o BJ em causa. O recurso a meios de autotutela é excecional. A
doutrina agrupa os requisitos da LD em dois grupos:
Requisitos da agressão:
v Tem de se traduzir num comportamento humano agressivo, afastando se os
fenómenos naturais e comportamentos de animais.
v Mesmo quanto ao comportamento humano tem de ser uma atuação juridicamente
relevante (exclui se os atos reflexo; os atos praticados de forma inconsciente e sob
coação física.) A agressão tem de ser consciente e livre. A agressão poderá ser
imputável a uma pessoa individual ou pessoa coletiva. A ação em DP pode
traduzir se num comportamento positivo ou omissão (Ex.: Mãe que não alimenta
o filho e o está a deixar morrer).
v Tem de ser uma ação que ponha em causa interesses juridicamente protegidos do
próprio ou de terceiro (privados ou interesses públicos). Há uma corrente doutrinal
que pretende restringir a LD a bens jurídicos individuais. O prof discorda. O Dr.
Figueiredo Dias bem como o prof, entende que não há limitação ao exercício de
LD para defesa de BJ individuais ou públicos.
v A agressão tem de ser ilícita. A ilicitude da agressão como requisito da legitima
defesa não tem de ser especificamente penal.
v A agressão tem de ser atual (iminente e em execução). Não pode estar consumada.
Quanto à iminência não tem de se esperar pelo início da tentativa. Para a LD não
é necessário esperar pelo início da tentativa. Se for evidente que outrem vai
agredir logo nesse momento o defendente pode desencadear os mecanismos da
legítima defesa. Dois problemas quanto ao início da execução:
1. Meios antecipados de defesa (por exemplo redes eletrificadas; placa de
aviso “Cuidado com o cão”) - têm de estar montados e devidamente
assinalados de modo a só atuar perante a agressão. Ex.: Só quando alguém

204
entra em casa é que o cão intervém. A atualidade existe porque é perante
uma agressão.
2. Hipóteses de legitima defesa preventiva: Ex.: Imaginemos uma estância
de ski. Num restaurante, duas pessoas combinam um assalto às casas na
estância. O dono do restaurante apercebe se e para evitar a lesão do BJ
(não há possibilidade de recorrer à força publica porque há um forte nevão
que impossibilita a circulação de carros) mete um comprimido na bebida
dos assaltantes e estes adormecem só acordando no dia seguinte. Há
possibilidade da legitima defesa. O Dr. FD coloca algumas restrições, na
medida em que as hipóteses de legítima defesa em DP são excecionais. O
prof não concorda. Considera que neste caso não é colocado em causa o
requisito da atualidade. Se o dono do restaurante não consegue em tempo
útil recorrer à força publica e evitar a lesão do BJ em causa, o prof admite
a possibilidade da legítima defesa preventiva (com base numa
interpretação restritiva).
Nota: Quanto ao termo da agressão entende se alguns problemas ao nível patrimonial:
quanto ao furto- o furto consuma se com a subtração da coisa e ter como objetivo fazer
sua a coisa. Quando o assaltante coloca as joias na mochila ele já consumou o furto? O
dono não pode atuar? Pode sim atuar em legítima defesa. Para efeito de LD a infração só
esta consumado quando o agente já esta a retirar da coisa furtada as utilidades normais
que o proprietário retiraria. Assim mesmo que ele tenha já as joias na mochila o dono da
ourivesaria pode intervir. Mesmo que ele tenha corrido até sua casa, o dono da ourivesaria
pode intervir com base na legítima defesa.

Requisitos da defesa:
v Requisito subjetivo geral (comum a todos as causa de exclusão) o agente tem
de saber que esta a atuar coberto pela legitima defesa. Se o agente não sabe falta
o requisito subjetivo. O ato é ilícito. Não há legítima defesa. Aplicação
analogicamente do art. 38º/4 do CP: o agente será punido tão só pela tentativa: há
um desvalor da ação a que não se segue o desvalor do resultado. assim só há
desvalor da ação juridicamente relevante. O prof discorda. Defende que há
desvalor da ação, desvalor do resultado e desvalor da intenção.
v Requisito da necessidade do meio: diz se que de entre todos os meios disponíveis
ao agente ele deve recorrer ao estritamente necessário; aquele que for menos
gravoso. A LD não é o dto à vingança, mas sim um dto vinculado a uma finalidade
específica: evitar a lesão do BJ. Este requisito deve ser valorado perante as
situações concretas. O legislador e a doutrina dizem que necessária à defesa será
o meio que naquela concreta situação atendendo a todas as circunstâncias se
mostre adequado, de acordo com o padrão do homem médio. A doutrina sublinha
que entre os meios de defesa a ponderar pelo defendente não deve intervir a
possibilidade de fuga. Que ideia está aqui em causa? Fundamento material de LD:
a inexigibilidade objetiva: não é exigível a uma pessoa que está no gozo dos seus
dtos que tenha de ceder a uma agressão ilícita. Reconhece se o dto de perante

205
aquela agressão possa responder e não tenha de recuar. Dentro da LD há que
procurar de acordo com este requisito da necessidade do meio a forma menos
gravosa para proteger o BJ da agressão, sendo que não se deve contar com a
possibilidade de fuga. Quando falta a necessidade do meio (ou seja, se o agente
vai para além do necessário), não há LD e o comportamento é ilícito- “excesso
intensivo de LD”.
Na terminologia mais antiga distinguia se:
o excesso extensivo (erro sobre os pressupostos de facto do tipo justificador-
art. 16º/2 do CP- o agente só poderá ser punido a título de negligência
(com os requisitos preenchidos devidamente);
o excesso intensivo – verifica se sempre que o agente vai para além do
estritamente necessário para a defesa- aqui há que distinguir entre duas
hipóteses de excesso intensivo:
1. Excesso intensivo de natureza asténica: tem que ver com estados
asténicos: medo, pavor, susto. Assim o defendente perde a noção das
medidas das coisas indo para além do necessário à defesa;
2. Excesso intensivo de natureza esténica (estados de afeto esténicos-
raiva, furor, vingança- vão para além do necessário com o intuito de
fazer justiça pelas próprias mãos.
Esta classificação logrou consagração no CP- art. 33º - está regulado o excesso
intensivo. No art. 33º/2 o legislador reporta se ao excesso intensivo asténico.
Mas a todo o excesso asténico? Parece que não. O medo e o susto são
censuráveis? Podem sim. Pensemos no caso das pessoas que receberam
preparação especial para lidar com situações de crise (caso do nadador-salvador;
bombeiro…). Há pessoas que tiveram preparações especiais em que lhes é
exigível mais do que é exigido ao homem comum. É esta possibilidade de censura
a que se reporta no nº2 do art. 33º. Aqui teremos de medir a censurabilidade em
função das características da posição sociocultural do agente. O nº2 fala apenas
então do excesso intensivo asténico não censurável. E se for censurável? Onde
está regulado? Está no nº1 do art. 33º- regime geral do excesso intensivo seja ele
esténico, ou asténico (remete para os arts. 73º e 74º do CP). Sempre que
estivermos perante o excesso intensivo de natureza esténico ou asténico
censurável aplicamos o nr. 1 do art. 33º. No nr. 2 do art. 33º está apenas o excesso
intensivo asténico não censurável. A própria lei diz que o agente fica impune. A
doutrina diz que está em causa uma ideia de inexigibilidade: a doutrina enuncia
como causa de exclusão da culpa. A exclusão da culpa fica a dever se ao
circunstancialismo exterior. A exclusão da culpa pode ficar a dever se a fatores
endógenos internos ou fatores endógenos externos (que leva à exclusão total da
culpa ou então para atenuação da culpa). A doutrina tradicional que diz isto cai
numa contradição. Quando é censurável e não censurável? Quando cai no critério
do homem médio. Aquilo que a doutrina diz que exclui a culpa não exclui a culpa-
exclui sim a própria ilicitude- apela para a inexigibilidade objetiva que é causa
de exclusão da ilicitude. Assim este art. 33º na parte que se considera que
intervém critérios do homem médio (homem fiel, leal ao Direito) temos uma
causa supralegal de exclusão da ilicitude. A nossa lei fala de exclusão da culpa,
ou seja, esta a falar de inexigibilidade subjetiva, só que antes desse juízo, temos
de verificar se aquela situação à luz do homem medio é censurável ou não. Se
206
chegamos à conclusão de que a luz do homem médio o medo era aceitável então
exclui se a ilicitude.
Esta posição da legitima defesa conduzia a soluções insuportáveis à luz do senso
comum, logo a doutrina estabeleceu limitações.
Exemplo: um velho tem um pomar de macieiras perto de uma escola e as crianças furtam
uma maçã, e ele ralha. Certo dia decide disparar sobre uma criança quando lhe rouba uma
maçã - estão aqui preenchidos os requisitos da legitima defesa? Contraria o sentimento
de justiça e para evitar isto a doutrina introduziu como limite, a teoria do abuso do
direito. Os direitos são atribuídos com um sentido, como realização de justiça, logo a
legitima defesa não podia cobrir uma situação injusta como a do exemplo. A legitima
defesa passou a ter a clausula de segurança que é o abuso de direito. É uma clausula geral
que não se adequa à certeza e segurança do direito penal. A doutrina evolui para a teoria
dos limites éticos sociais à LD. Tanto a teoria dos limites ético sociais como a teoria do
abuso de direito eram limites exteriores. Foi isso que mudou da teoria dos limites éticos-
sociais para a teoria atual. A teoria atual importou a teoria dos limites éticos sociais
para dentro, considerando-a limites intrínsecos. Acrescentou-se um terceiro
requisito à legitima defesa que é a necessidade de defesa/justiça da defesa.
v Requisito da admissibilidade normativa ou justiça da própria defesa: o
conteúdo deste terceiro requisito concretiza se nas mesmas situações tipo no
quadro da teoria dos limites éticos sociais. Este terceiro requisito é designado
pelos alemães e por Figueiredo Dias de necessidade da defesa.
Situações que já estavam enunciadas na teoria dos limites éticos
sociais: quando a agressão é não culposa: pensemos na agressão de um
inimputável- pensa se que deve haver da generalidade das pessoas uma
maior tolerância. Embora não se negue o recurso à LD estabelecem-se
limites, ou seja, quando o defensor não poder furtar-se ao confronto. Por
exemplo quando o inimputável se dirige a agredir verbalmente alguém-
neste caso deve se restringir e negar se a possibilidade de recorrer à LD
sempre que o agente poderá furtar se ao confronto. Podemos ainda ir mais
longe e falar- se dos casos da negligência. A punição da negligência é
excecional. Nas situações da negligência ele não tem consciência que está
a praticar um caso ilícito. O agente só poderá recorrer à LD se a pessoa
não puder furtar se ao confronto;
Posições especiais: entre o agressor e defendente existe uma relação
própria: nestes casos deve haver restrições. Não se nega o recurso à LD.
Deve haver uma limitação. A mesma que enunciamos para aqueles casos
em que a agressão não é culposa. Assim só admitimos ao recurso à LD
quando o agente não possa furtar-se ao confronto.
Agressões provocadas: alguém provoca outrem e em função da agressão
o outro agride-o.
A doutrina nestes casos distingue duas hipóteses: provocação pré-
ordenada: tem como objetivo gerar uma agressão e depois agir a coberto
da LD. Aqui a doutrina é unânime e nega a possibilidade de LD. A defesa
do agente não será então no quadro da LD, mas sim no quadro do estado
de necessidade defensivos (estudaremos mais adiante- reter que esta figura

207
tem requisitos mais apertados); provocações que não foram pré-
ordenadas: por exemplo, chamar nomes ao Presidente do clube rival- aqui
há uma provocação simples. O agente não pretende desencadear uma
situação de LD. Esta situação afeta a LD? A doutrina aqui é unânime e
entende que para se legitimar o recurso à LD é necessário o preenchimento
de dois requisitos: a conduta tem que caber num tipo incriminador
(injurias, difamações, calúnias) - ou seja a provocação tem que revestir um
comportamento penalmente relevante; a resposta do provocado tem que
ser próxima com a provocação para se poder dizer que é uma resposta
próxima da provocação- só ai a provocação exclui a LD. Mais uma vez o
agente só poderá defende se no quadro do estado de necessidade
defensivo.
Quando se verifica uma crassa desproporção entre o valor do BJ
ameaçado e aquele que é sacrificado para salvaguardá-lo: a LD não
assenta no pp da ponderação de interesses, mas há limites. Quando essa
desproporção é abissal, é evidente- não cabe na cabeça de ninguém admitir
o sacrifício da vida humana para salvaguardar um BJ de diminuta
importância (caso do idoso e do seu pomar). Os dtos do proprietário serão
acautelados, mas isso será problema do DC. Da perspetiva penal nega se
a LD.
Suscitado pelo art. 2º/2 da convenção europeia dos dtos do homem:
parece que veio pôr em causa a possibilidade de se lesar BJ mais valiosos
para se proteger BJ menos valiosos. Este art.2º/2 apenas funciona em casos
de LD em auxílio de terceiro exercido por força da ordem. Em relação a
estes não pode haver sacrifício do valor da vida para salvaguardar
interesses patrimoniais

Artigo 32.º
Legítima defesa
Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
Confirma todos os elementos a propósito da legítima defesa: prevê a LD exercida para
defesa de interesses próprios ou de terceiro; requisito da agressão- comportamento
humano atual e ilícito e quanto à defesa a mesma tem que ser um meio necessário
Estado de necessidade
Traduz-se na situação de alguém se deparar com uma situação de bem jurídico em perigo,
próprio ou de 3º, p afastar esse perigo, na impossibilidade de recorrer a outro meio
(nomeadamente, à força pública) a reage/ salvaguarda o bem jurídico à custa da esfera
jurídica de terceiro (que nada teve a ver/ contribuiu com a situação de perigo). Este 3º
está na livre fruição dos seus dtos.
Com isto estamos a circunscrever a parte inicial da configuração do Prof. à configuração
tradicional do estado de necessidade. É o chamado, hoje, estado de necessidade ofensivo.

208
Este estado de necessidade ofensivo, que era o desenho tradicional do Estado de
Necessidade – tradicionalmente, o estado de necessidade era definido nos manuais de
autores como Cavaleiro Ferreira e Eduardo Correia, restringido a esta situação de estado
de necessidade ofensivo. Ofensivo porque, como foi referido, se traduzia precisamente
na salvaguarda de um bem jurídico próprio ou alheio que está em perigo à custa/ através
da ofensa da esfera jurídica de 3º que nada tem a ver com a situação.
No entanto, p/ a doutrina moderna o estado de necessidade hoje não se restringe ao estado
de necessidade ofensivo – fala-se no estado de necessidade defensivo, que foi uma figura
introduzida na Alemanha e, depois, acolhida entre nós p/ resolver um problema de uma
lacuna resultante, não do regime do estado de necessidade, mas do regime da própria
legitima defesa.
Estado de necessidade ofensivo
Aquele que até há algumas décadas esgotava a figura do estado de necessidade.
Verdadeiramente é uma causa de exclusão da ilicitude/ tipo justificador ou tão-só uma
causa de exclusão da culpa? De início (séc. XIX – Feuerbach) compreendiam o estado de
necessidade tão-só como uma causa de exclusão da culpa. Referia-se a este propósito, um
exemplo de escola, a Tábua de Carnéades.
Ex.: tínhamos 2 náufragos e um deles estava agarrado a uma tabua de madeira que apenas
suportava o peso de uma pessoa.
O outro naufrago, p/ se salvar tirava a tabua de esse outro colega, sendo que com isto
estava a salvar a sua via, e no mesmo passo a lesar a vida de outrem, que morreria afogado.
A doutrina entendia este caso como um caso que envolvia ilicitude: o ato do agente ia
implicar a morte, a lesão do bem jurídico vida do outro.
Todavia, excluía-se a culpa com base numa ideia de coação psicológica, i.e., ele estaria
numa situação em que, devido ao circunstancialismo exógeno não era exigível outro
comportamento, da parte do DP, ao concreto agente.
Por isso estas situações de estado de necessidade, entendia-se, que excluíam apenas a
culpa. É a chamada Teoria Subjetiva do Estado de Necessidade.
Pelos meios do séc. a escola penalista Egliana, inspirada pela filosofia de Eagle, vem,
todavia, pôr em causa esta ideia dizendo que ao menos em algumas situações, quando
estivesse em causa a salvaguarda da vida ou da integridade física, portanto, de bens
jurídicos pessoas à custa de bens jurídicos patrimoniais, o estado de necessidade retirava
o valor objetivo do ato, excluindo a própria ilicitude do ato (Teoria Objetiva do Estado
de necessidade)
Nesta luta de escolas (Teoria objetiva vs. Teoria Subjetiva) viria a resultar, nos finais do
séc. XIX, aquela que ainda hoje é a doutrina maioritária – Teoria Diferenciada do
Estado de Necessidade.

209
Esta teoria vem dizer que o estado de necessidade, nem é só uma causa de exclusão da
culpa, nem só causa de exclusão da ilicitude, pode ser uma coisa ou outra, consoante as
circunstâncias do caso.
Para distinguir estas duas situações recorre ao pp da ponderação de interesses.
Diz que: numa situação de conflito de bens de estado de necessidade, o agente
salvaguardar o bem jurídico mais valioso à custa do menos valioso, o estado de
necessidade EXCLUI a ilicitude e, nesse caso, estar-se-á perante o estado de necessidade
objetivo, justificante (causa de exclusão da ilicitude).
É também designado na nossa lei, no ART. 34º CP, de Dto de Necessidade, i.e., porque
as causas de justificação dao um verdadeiro dto a agir.
Ao invés, sempre que na situação de estado de necessidade o agente salvaguardar um bem
jurídico menos valioso ou tão valioso quanto aquele que sacrificava, o estado de
necessidade só poderia excluir a culpa e, nesse caso, estar-se-ia perante um estado de
necessidade subjetivo ou desculpante (ART. 35º CP).

Nota: Percebe-se a logica: o DP tem por objetivo a tutela de bens jurídicos, portanto,
sempre que:
o O bem jurídico protegido for mais valioso, traduz-se numa situação conforme às
valorações criminais, querida pelo legislador penal.
o O bem jurídico protegido, que pode ser um bem jurídico 3º, tão valioso ou menos
valioso que o que se está a sacrificar, a situação será sempre ilícita, quando muito
poderá excluir-se a culpa se não for exigível outro comportamento ao agente.
Diz-se neste sentido que o estado de necessidade subjetivo é uma concretização
da ideia de não exigibilidade como causa de exclusão da culpa.
Para nós, nesta matéria, só nos interessa o estado de necessidade objetivo/ justificante ou
dto de necessidade, por só esse constituir um tipo justificador.
Quanto à fundamentação deste estado de necessidade objetivo justificador concorrem 2
ideias:
- O pp da ponderação de interesses ou de bens e da prevalência do interesse mais
valioso sobre o menos valioso.
- Por outro lado, está associado a esta ideia uma ideia de solidariedade humana e social.
No fim de contas, o que traduz no estado de necessidade é que alguém (o tal 3º) está na
paz jurídica a gozar dos seus dtos vai ter de suportar a lesão de um interesse seu, em
favor de um interesse de 3º. (Isto numa situação em que ele em nada contribuiu p/ a lesão
do bem jurídico).
É também atendendo a esta ideia de solidariedade humana que irão funcionar algumas
limitações ao estado de necessidade, uma vez que esta solidariedade tem limites.

210
Isto por estarmos no campo de DP onde se estabelecem as exigências mínimas à
convivência em comunidade e, portanto, só é exigível ao 3º que o suporte ate determinado
limite.
Uma outra ideia a sublinhar é que o facto de se afirmar que o pp que de forma imediata
subjaz ao estado de necessidade objetivo justificante é o pp da ponderação de interesses
ou de bens e da prevalência do interesse mais valioso sobre o menos valioso. É o pp
da inexigibilidade objetiva
À luz dos critérios de justiça social e, sobretudo, do critério de justiça e das opções
jurídico-criminais subjacentes ao sistema, o legislador entendeu que não é exigível a
ninguém que, perante uma situação de perigo p/ um bem jurídico mais valioso se deixe
de o salvaguardar à custa de um menos valioso (ainda que esse bem jurídico seja de 3º).
O que significa que, neste caso, o 3º vai ter que suportar essa lesão do seu bem jurídico,
embora depois possa (e deva) ser indemnizado pelos danos sofridos.
Estado de necessidade ofensivo no CP – ART. 34º:
o Desde logo, tem de haver uma situação de perigo p/ interesses juridicamente
protegidos do agente ou de 3º. Terá que se considerar o valor do concreto bem
jurídico, naquela concreta situação, atendendo não apenas à dignidade do bem
jurídico em abstrato, mas sobretudo à gravidade da lesão p/ o concreto bem
jurídico.
Nota: interesses juridicamente protegidos podem não consistir com interesses
juridicamente tutelados – podem estar em causa interesses que não tenham tutela
penal e que apenas sejam protegidos por outro ramo de dto à também a sua tutela
está recoberta pelo estado de necessidade.
o Esse interesse jurídico tem, então, que estar em perigo – é um perigo atual. Só
quando não for possível o recurso à força publica. Essa atualidade é aqui entendida
num sentido mais lato que a atualidade na legitima defesa. Admitem-se, aqui, os
chamados perigos duradouros. Ex.: pense-se num prédio que a ameaçar ruir –
existe um perigo de vir a cair. Estes perigos duradouros são designados na
doutrina como perigos relevantes p/ efeitos de estado de necessidade.
o A conduta tem de ser adequada a evitar o perigo – é obvio que só será legitima
pelo estado de necessidade, uma conduta que se mostre, na situação, atendendo às
circunstâncias da situação se revele adequada/ idónea a suster esse mesmo perigo.
o O agente pode atuar: na prossecução da defesa de um interesse próprio ou de
um interesse de 3º
o Requisito subjetivo geral de todas as causas de justificação: o agente tem de
atualizar/ representar, naquele momento, que estão preenchidos na situação, todos
os requisitos do estado de necessidade. Se faltar este requisito subjetivo, falta o
estado de necessidade e, consequentemente, a justificação e a conduta é ilícita. A
dúvida surge, tão-só, quanto ao modo como se deve punir o agente. A doutrina
maioritária entre nos aplica, analogicamente, o ART. 38º/4, que é um artigo
relativo apenas ao consentimento do ofendido, a todas as causas de justificação.
partir daí entende que nas situações em que o agente atua acoberto de uma causa
de justificação sem o saber (é o caso) será punido apenas com a pena

211
correspondente à tentativa, por haver um desvalor de ação a que não sucede, por
motivo estranho ao agente, um desvalor de resultado.
Dr. AC discorda da doutrina afirmando que este artigo apenas se aplica ao
consentimento, pelo que, concordando com a velha ideia de Welzel, em relação a
todas as outras causas de justificação, quando falte o elemento subjetivo (o
conhecimento por parte do agente da situação de justificação), o agente deverá ser
punido pelo crime consumado.
Como a própria lei o diz o artigo vem enunciar requisitos adicionais:
o Al. a) à «criar voluntariamente» - o que é isto? A doutrina e a jurisprudência,
unanimemente, interpretam restritivamente a palavra voluntariamente,
reconduzindo-a à ideia de PREORDENAÇÃO. Dizem que esta alínea apenas
exclui do estado de necessidade os casos em que a situação de perigo foi
preordenadamente criada pelo agente. Pelo contrário, já entendem que o perigo
pode ter sido criado voluntariamente, desde que não haja preordenação, esse
perigo não exclui o estado necessidade
Ex.: o sr. que vive junto a um troço de estrada com muitas curvas e gosta de fazer
competições consigo próprio de provar que consegue fazer o trajeto em pouco
tempo.
A doutrina entende que se deve admitir, neste caso estado de necessidade, tanto
mais porque aqui está em causa a tutela de bens jurídicos essenciais e de bens
jurídicos mais valioso do que os que tem que destruir.
Na parte final desta alínea estabelece-se uma restrição, admitindo-se, mesmo nas
situações de preordenação o recurso ao estado de necessidade. Quais são esses
casos? Pode suceder que o agente preordenamente crie uma situação de perigo,
não em relação a um bem jurídico próprio, mas em relação a um bem jurídico de
3º.
Ex.: suponha-se que alguém lança fogo a um jardim de uma casa que não lhe
pertence, para depois poder ir à casa do vizinho, a pretexto da situação de perigo,
rebentar-lhe a porta/ causar-lhe danos p/ ir buscar uma mangueira.
Houve preordenação, mas nestes casos, entendeu o legislador, na esteira alias do
que já entendia a doutrina portuguesa, de que nestes casos se deve continuar a
reconhecer o recurso ao estado de necessidade.
O agente será julgado pela colocação em perigo de bem jurídico e afins, mas
reconhece-se, de facto, o dto de necessidade de ir buscar os meios necessários p/
preservar o bem jurídico de 3º em causa.
o Al. b) – é a consagração em letra de forma da própria teoria diferenciada do estado
de necessidade e do seu critério basilar que é o da ponderação de interesses. Para
se reconhecer o estado de necessidade como causa de justificação é necessário
que o bem protegido seja «sensivelmente/ manifestamente mais valioso».
Deverá, aqui, atender-se às valorações gerais de todo o ordenamento – à
dignidade/ importância dos bens jurídicos em confronto, atendendo aos critérios
de justiça subjacentes ao DP, mas também a toda a ordem jurídica e,
nomeadamente, ao Dto Constitucional.
A doutrina defende ainda que deve atender-se à importância em abstrato dos bens
jurídicos em conflito, devendo-se atender à gravidade da lesão que resultará em
concreto p/ e outro bem jurídico, sendo certo que o que interessa é uma
212
ponderação em concreto que resultam da situação. Por isso, pode suceder que,
em concreto, um bem jurídico que abstrato será incomparavelmente mais valioso,
possa ser sacrificado p/ proteger outro menos valioso.
Ex.: suponha-se que num museu há uma importantíssima uns mosaicos romanos
com um valor cultural insubstituível – têm valor patrimonial enormíssimo, mas
também um valor cultural irrecuperável.
Suponha-se que certo dia rebentou um cano e o conservador do museu p/ evitar
que agua fosse p/ esse setor onde estão os mosaicos romanos, teve de fechar de
modo estanque uma ala do museu durante 2h p/ que os técnicos reparassem a tal
fuga de água. Só que ao fechar a ala, privou a liberdade de uma excursão de
turistas que estava a visitar o museu – no fim de contas, realiza o ilícito de
sequestro. Ninguém duvida que o valor da liberdade, como bem jurídico pessoal
essencial, é superior ao valor patrimonial em abstrato. Todavia, em concreto,
temos que atender à concreta lesão: o que estamos a dizer não é que vamos privar
a liberdade em detrimento de bens patrimoniais. Vamos privar a liberdade
somente durante 2h p/ evitar uma perda irreparável no plano cultural e uma perda
astronómica no plano patrimonial. Teríamos de afirmar que o conservador atuou
acoberto do estado de necessidade. É possível lesar bens jurídicos pessoais, p/
salvaguardar bens jurídicos patrimoniais, ao contrário do que resulta do dto civil.
o Al. c) - “c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção
à natureza ou ao valor do interesse ameaçado”. As ideias subjacentes ao regime
do estado necessidade são, então: a ponderação de interesses e a ideia da
solidariedade humana. Esta solidariedade humana tem limites. Pode suceder que
estejam preenchidos todos os requisitos expostos até agora e, todavia, não é justo
exigir ao terceiro, que nada tem que ver com a situação, que suporte essa mesma
lesão - admissibilidade normativa ou justiça na defesa.
Ex: há um paciente que precisa urgentemente de um transplante de um rim, mas
o paciente pertence a um grupo imunológico muito restrito e, ainda não foi
possível encontrar um dador compatível.
Contudo, o medico que o está a tratar sabe que o diretor do Hospital possui um
sistema imunológico compatível com o paciente.
Esquecendo a ilicitude desta situação, imaginemos que o medico pede ao diretor
o rim e ele nega.
Porém, o medico não fica por aí e, aproveitando um momento em que encontra o
direito sozinho, anestesia-o e procede à retirada do órgão. A ninguém parece
admissível a solução, uma vez que o comportamento do medico consubstancia
uma intromissão/ invasão inadmissível à integridade da pessoa, violando o valor
da autonomia pessoal.

Onde é que vamos encontrar aqui o critério? Até onde?


A posição tradicional era de negar a admissibilidade da ação em estado de necessidade
sempre que houvesse uma intromissão/ invasão grave e irreversível da integridade física

213
- «my body is my castle». Na base desta ideia, proibia-se, inclusivamente, a colheita de
sangue.
Esta situação (recolha de sangue/ medula óssea) é diferente, dado que o sangue é
renovável e, se o sangue foi colheito com todas as condições de higiene e medicamente
exigidas, trata-se de uma invasão insignificante.
Neste sentido, o critério é de que deverá atender-se ao carater insignificante, à ausência
de sequelas para o terceiro (vítima da agressão), e, nesses casos admite-se o Estado de
Necessidade e como sacrifício exigível à concreta vítima.
A agressão do terceiro tem de ser insignificante e, têm de ser respeitadas todas as
condições exigíveis (no caso do sangue – higiene, recolha feita por um profissional, etc.).

Estado de Necessidade defensivo - que foi uma 2ª modalidade que a doutrina introduziu,
que visou colmatar uma lacuna resultante do regime da legitima defesa.
Para que fiquemos com noção global desta matéria e da teoria diferenciada consagrada
no CP, devemos ler o ART. 35º/1 CP:
«Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo atual, e não
removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade
do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias
do caso, comportamento diferente.»
O nº1 restringe o estado de necessidade subjetivo ou desculpante, restringe o efeito de
exclusão da culpa (no nº2 ver-se-á que é diferente) a bens jurídicos de caracter pessoal,
quando se verifique uma situação de perigo p/ um determinado bem jurídico.
Retirando as especificidades quanto ao bem jurídico, a situação do estado de necessidade
subjetivo ou desculpante é a mesmíssima, são os mesmos requisitos do ART. 34º CP.
A diferença está no bem jurídico, ou melhor, na relação/ na ponderação dos bens jurídicos,
dos interesses em confronto.
No ART. 34º é «sensivelmente superior»; ao passo que no 35º tem que se verificar 1 de
3 hipóteses:
1) Ou o bem jurídico protegido é menos valioso;
2) O interesse protegido é tão valioso quanto o sacrificado;
3) Ou, mesmo que o bem jurídico protegido seja mais valioso não é sensivelmente
mais valioso do que o sacrificado.
Por isso, não se verifica o pressuposto da al. b) do ART. 34º, que é a tal consagração em
letra de forma da teoria diferenciada do estado de necessidade.
Nota: o primeiro problema que se deve tratar na hipótese concreta é saber se o bem
jurídico (e não é o bem jurídico em abstrato), é a concreta lesão do bem jurídico protegida
é, ou não, sensivelmente mais valiosa.
Pode bem dar-se o caso em que o bem jurídico protegido tem uma destas naturezas do
35º/1 e sendo uma lesão mais valiosa não se poderá utilizar o 35º à terá que se usar o
214
34º que se aplica independentemente da natureza dos bens jurídicos em confronto
(pode ser o sacrifício de um bem jurídico matrimonial para a salvaguarda de um pessoal;
pode ser a inversa, etc).
O 34º, ao contrário do artigo que regula o estado de necessidade no CC, não estabelece
limitações quanto á natureza do bem jurídico, o funcionamento do estado de necessidade
como tipo justificador assenta tão-só num critério quantitativo, que é a exigência de que
o bem jurídico protegido seja sensivelmente mais valioso do que os sacrificado.
Isto compreende-se porque o 34º exclui a ilicitude e o 35º exclui a culpa. Só colocamos
os problemas de a culpa na eventualidade do comportamento ser ilícito.
Se houver exclusão da ilicitude ou se puder faze-lo, o problema do 35º nem sequer se põe.
O ART. 35º suscita outra questão: costuma ser enunciado como causa de exclusão da
culpa e, como a próprio texto diz «quando não for exigível outro comportamento».
Os autores veem no 35º uma concretização da ideia da inexigibilidade subjetiva, que
tradicionalmente é apontada como causa de exclusão da culpa.
A exclusão da culpa pode ficar-se a dever essencialmente a 2 ordens de fatores:
Ø A fatores de ordem endógena/ interna: prendem-se com as qualidades do próprio
agente (é a inimputabilidade)
Ø A circunstancialismos situacionais/exteriores: que retiram ao DP a possibilidade
de censurar a conduta, porque à luz dos critérios do DP, esse circunstancialismo
exterior de crise torna não exigível aquele concreto agente que atue de forma
conforme ao dto.

É nesta aceção, como concretização desta ideia da não exigibilidade subjetiva que a
doutrina fala do estado de necessidade do ART. 35º como uma causa de exclusão da
culpa.
Todavia, contrariamente a este ponto de partida, se analisarmos a generalidade da
doutrina quando escreve sobre este último artigo, a doutrina pretende enunciar um critério
preciso p/ se avaliar se é exigível ou não, responde quase sempre que:
- Considera-se exigível aquilo que se considera ao exigível ao homem honesto e fiel ao
dto, que é o homem medio.
- Isto é uma contradição por referência à qualificação da inexigibilidade da causa da
exclusão da culpa, uma vez que o que está em causa na culpa é saber se é exigível aquele
concreto agente, em função das suas concretas características, qualidades e capacidades.

Significa que a doutrina tradicional está a confundir 2 coisas:


Está a confundir o juízo de culpa com o juízo de ilicitude pessoal. Viu-se que o ilícito
pessoal procura o desvalor pessoal objetivo do ato, valorando o ato com o sentido que
teria se tivesse sido praticado pelo homem medio. Significa que a doutrina quando está a
pretender enunciar o critério da inexigibilidade subjetiva está é a enunciar o critério do

215
ilícito pessoal. É na base desta ideia, e à semelhança do já falado excesso intensivo de
legitima defesa do 33º CP, que o regente diz que aqui se deve falar de um estado de
necessidade justificante supralegal. Estado de necessidade justificante supralegal, que
embora moldado sobre o desenho fáctico do 35º, respeita a situações em que ao homem
medio, nesse caso concreto, não fosse exigível comportamento diverso, i.e., assente no
critério da inexigibilidade objetiva.

Com isto, o regente da cadeira vem dizer que no nosso dto existem 3 estados de
necessidade:
o Estado de necessidade objetivo justificante, consagrado no ART. 34º;
o Depois existe um estado de necessidade objetivo justificante, moldado sob o
desenho fáctico do ART. 35º, mas aferido à luz da inexigibilidade objetiva;
o Depois existe o estado de necessidade desculpante, expressamente previsto no
ART. 35º.
Para percebermos esta figura devemos voltar à LD: a LD é um contra-ataque contra o
agressor. O titular do bem jurídico ou quando estejam em causa bens jurídicos de terceiro,
aquele que está a atuar em auxílio de terceiro. Vendo o bem em perigo, iminente ou em
execução, p/ o preservar, na impossibilidade de recorrer à força publica, reage contra o
próprio agressor, contra a própria fonte de perigo.
A agressão pressuposta na LD, diz a lei e a doutrina, tem que ser uma agressão ilícita.
Como é que se vai caracterizar esta ilicitude?
Antigamente caracterizava-se esta ilicitude da agressão, como pressupostos da LD, nos
quadros do ilícito objetivo: era o dano ou o perigo do dano e não interessava se esse
perigo resultava do comportamento humano ou de comportamentos de animais.
Mais tarde restringiu-se que só pode ser uma agressão derivada de um comportamento
humano e tem de ser uma ação humana p/ efeitos jurídico-criminais (atos reflexos,
descargas nervosas, etc, não relevam p/ estes efeitos).
Perante isto esta restrição do âmbito da LD, resultante de uma alteração do conceito de
ilicitude como requisito da LD, trouxe vazios de punição, melhor trouxe insuficiências
do regime de LD p/ os casos concretos.
Ex.: suponhamos que alguém está para ser atropelado e a única forma de evitar o
atropelamento é disparar para uma das rodas. Com isto, altera a trajetória do automóvel,
evita ser atropelado, mas o carro vai contra uma arvore e o condutor sofre lesões à sua
integridade física.
Se o condutor ia de facto para atropelar temos então uma agressão ilícita pelo que não
haveria problema de aplicar a LD.
Suponhamos agora que o automóvel vai contra o agente, não por o querer atropelar, mas
porque apanhou uma mancha de óleo na estrada. i.e., o tal atropelamento não resultava
de uma atuação voluntaria do condutor, mas resultava da situação de óleo na estrada.

216
Neste caso o condutor estava dentro do risco permitido e esta conduta seria licita. Logo,
a agressão em causa era uma agressão licita. Assim o ato do peão disparar contra as rodas
já não poderia ser justificado com base na legítima defesa.
Todavia, todos compreenderão que não havia justificação p/ as duas hipóteses:
è Perante a situação concreta, o peão não tem como distinguir se o agressor age
intencionalmente ou não. Vê-se perante a iminência de ser atropelado e então
dispara (tem a mesmíssima reação nos dois casos). Qual a razão para
considerarmos a conduta justificada numa situação e noutra não?
è Foi esta insuficiência que levou os autores a introduzirem a figura do estado de
necessidade defensivo. Portanto, o estado de necessidade defensivo recobriria
todas aquelas situações em que o agente protege o bem jurídico, não à custa de
terceiro (como era o caso de estado de necessidade ofensivo), mas protege o bem
jurídico, próprio ou de terceiro, à custa da esfera jurídica do agressor.
A única diferença entre as situações de estado de necessidade defensivo e as
situações de LD está na natureza da agressão:
ð Num caso a agressão é ilícita em termos de LD;
ð Noutros casos a agressão é licita e temos estado de necessidade defensivo.
O que significa que hoje em dia, perante um caso concreto, para saber se se trata
de uma situação de Estado de necessidade ou LD temos que nos questionar:
À custa de quem é que o agente protege o bem jurídico?
a) Se for à custa de um terceiro que nada teve que ver com a situação, trata se de EN
ofensivo;
b) Se o agente defende o bem jurídico à custa da esfera jurídica do agressor temos
que nos questionar se a conduta é licita ou ilícita.
i) Se for ilícita estamos perante uma situação coberta pela LD;
ii) Se for lícita estamos perante uma situação coberta pelo EN defensivo.
Quanto à compreensão do estado de necessidade defensivo existem, todavia, 2
entendimentos:
Na Alemanha o EN defensivo foi introduzido por uma causa de justificação supralegal,
com requisitos próprios, construído pela jurisprudência e doutrina.
Entre nós houve autores que pretenderam/ pretendem consagrar no ordenamento jurídico
português o EN defensivo nessa veste de causa de justificação supralegal, apontando-lhe
requisitos próprios (nomeadamente quanto à ponderação de bens), i.e., procuram uma
posição intermedia entre o EN do 34º CP e LD. Viu-se na al. b) do 34º o EN exige que
o bem jurídico protegido seja sensivelmente superior (o oposto da LD).
O regente entende que, a admitir-se a figura do EN defensivo, deveremos seguir a
posição do Dr. Figueiredo Dias, dizendo que deve ficar sujeito ao regime do EN
ofensivo.
Em relação ao EN defensivo deve continuar a valer a teoria diferenciada, nos
mesmíssimos moldes estabelecidos no 34º e 35º; i.e., também o estado de necessidade
defensivo pode funcionar ou como tipo justificador (causa de exclusão da ilicitude) ou

217
como causa de exclusão da culpa, sendo que a diferença reside na exigência da al. b) do
34º.
Também p/ excluir a ilicitude no EN defensivo o bem jurídico protegido tem de ser
sensivelmente/ manifestamente mais valioso.
Esse admitir-se ou não esta figura depende menos do regime do próprio estado de
necessidade do que do regime da LD.
O regente considera que a introdução desta figura surgiu p/ colmatar a deficiência de
regime, resultante de uma deficiente interpretação do requisito da ilicitude da agressão da
LD. O regente, partidário do ilícito pessoal, crê que a ilicitude deve ser entendida de outro
modo: p/ medir o desvalor do comportamento do agente e não p/ medir o desvalor da
agressão, do pressuposto do comportamento do agente. Crê que uma adequada
conformação do regime da LD torna desnecessário a existência desta figura do EN
defensivo.

Nota: do angulo do desvalor de ação daquele que vê o automóvel a aproximar-se (no


exemplo supramencionado) é o mesmíssimo, por não ter a possibilidade de verificar se a
agressão é intencional ou não. O se avalia na LD não é a agressão (esse é um plano de
saber se o agressor é punível ou não) – o que estávamos a averiguar é o desvalor da
conduta do defendente.
Este desvalor da conduta do defendente é o mesmo, quer a agressão seja intencional por
parte do condutor ou não intencional.
Por isso, o regente entende que o requisito da ilicitude da agressão deve ser definido como
o puro dano ou o perigo do dano p/ o defendente ou de um terceiro.
No próprio regime da LD já há limitações no caso da agressão não ser culposa a que
muitos autores alargam p/ situações em que o agente atua de forma negligente não dolosa,
quando de todo em todo o agente não puder furtar-se ao confronto. Limitações desta
índole já não serão suficientes, quando sejam aplicáveis ao caso, p/ garantir a justiça da
solução nas hipóteses em que a agressão é também licita, no sentido do ilícito pessoal não
foi intencional? O Prof. pensa que sim e que, portanto, não há qualquer lacuna, não
havendo necessidade de se chamar à colação o EN defensivo.
Nota: a admitir-se estas figuras, tem sempre que se verificar o elemento subjetivo em
que a sua falta tem as mesmas consequências que têm a propósito de toda e qualquer
causa de justificação.

Conflito de deveres
O agente está vinculado a dois deveres, mas só pode cumprir um deles. O que
significa que se cumpre um, viola o outro, ou se cumpre o outro, viola o 1º. Durante
muito tempo pensou se que esta situação se reconduzia à situação de estado de
necessidade. Ex.: o medico tem dois doentes, mas só tem remedio para um deles.

218
Os deveres não valem por si. Devemos questionar-nos quais dos BJ subjacentes aos
deveres em confronto é o mais valioso e o menos valiosos. Assim quando o BJ subjacente
ao dever que o médico prosseguiu fosse sensivelmente mais valioso, excluía se a ilicitude.
Na base deste raciocino dizia se que o conflito de deveres não tinha autonomia já que era
reconduzível ao Estado de necessidade e mais concretamente à teoria diferenciada do EN.
Esta logica que em parte é verdadeira falha num ponto: esta situação é diferente do EN e
isso reflete se no estabelecimento de uma diferente teoria diferenciada. No EN o agente
é livre de atuar ou não atuar. Ele não é obrigado a atuar. A OJ só lhe dá o dto de atuar
quando o BJ protegido é sensivelmente mais valioso. No conflito de deveres ele não é
livre de atuar ou não atuar. Ele tem o dever de intervir e se não intervier é punido. No EN
se ele não intervier, simplesmente sofre o dano
Ex.: Suponhamos que dois acidentados precisam da intervenção do medico para
sobreviver. Já que o agente não é livre de atuar, a equação da teoria diferenciada é outra
e por isso deve se excluir a ilicitude sempre que o bem protegido é mais valioso que o
bem sacrificado ou se os valores em causa têm o mesmo valor. Isto mesmo nos diz o art
36º/1 (Não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres
jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual
ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar). Assim é um tipo justificador. Exclui a
ilicitude quando o dever prosseguido é mais valioso mas também quando tem igual valor
ao dever não cumprido/sacrificado

Quanto à determinação do conflito de deveres, e de quando estamos perante uma


situação de conflito de deveres importa reter que só releva para este efeito deveres
jurídicos (não revelam deveres morais); quanto à ponderação de deveres, o prof entende
que temos de olhar para as consequências em concreto do incumprimento de um dever e
de outro dever- pode suceder que a lesão de um dever leva ao sacrifício de um BJ que até
é em abstrato mais valioso, mas em concreto seja menos valioso.
Ex.: Suponhamos que um médico tem dois acidentados- os dois precisam da sua
intervenção para sobreviver. O incumprimento de um dever e de outro tem o mesmo
resultado. Só que infelizmente o medico repara que um dos acidentados é um filho. Para
o Dr. Eduardo Correia e o Dr. Figueiredo Dias, ao dever geral do medico de tratar os
doentes acresce o dever especial de cuidar do filho- assim o dever de salvar o filho é
um dever mais especial do que o outro. O prof discorda já que no plano do DP só está em
causa a preservação de bens jurídicos relevantes. Assim deverá atender se apenas ao
cumprimento ou incumprimento dos deveres em causa. A partir do momento que se
chegue à conclusão que são deveres idênticos porque a consequência era a mesma, nestes
casos há que deixar a decisão à liberdade dos médicos. Esqueçamos a relação entre pai e
filho- ele tem de escolher um deles. Nesta opção de consciência deixemos o homem livre.
Quanto à ponderação dos deveres em conflito deve atender se as consequências
resultantes do incumprimento de um dever e de outro
O Conflito de deveres para funcionar como tipo justificador tem que ser um conflito de
deveres jurídicos, não se trata de deveres morais. Alguma doutrina (alemã) diz que têm
que ser dois deveres de ação, porque quando os deveres tiverem sinal diverso (isto é, um
dever de ação e um de omissão), isso já não é situação de conflito de deveres, mas de

219
estado de necessidade pois o que há é o dever concreto de atuar e o dever de respeito
geral.
Ex.: O caso do museu em que os canos vão contaminar as obras - o diretor do museu tem
o dever de atuar para salvar o museu (fechar a ala), mas também tem o dever de não
sequestrar as pessoas. Aqui tem de atuar, é obrigado a fazê-lo. Seguindo a doutrina
tradicional, o professor não aceita a restrição do conflito de deveres aos casos em que os
conflitos de deveres têm um idêntico sinal. Esta posição pode levar a situações difíceis -
exemplo de um hospital que só tem 1 ventilador a que um doente já está ligado e há um
outro doente que chegou e que também precisa. Ambos doentes precisam do ventilador
para sobreviver. O medico pode desligar o ventilador do doente para o ligar ao outro
doente? Perante o dever de salvar o bem jurídico e o dever de não lesar o bem jurídico,
este de não lesar sobrepõe-se sempre.

Consentimento do ofendido
O consentimento do ofendido consiste no facto de o titular do BJ admitir/consentir na
lesão do BJ. Quando se trate de BJ disponíveis, o titular do BJ pode consentir na lesão
desse mesmo BJ. Tradicionalmente, a doutrina encara esta situação como uma causa de
exclusão da ilicitude.
A doutrina entende que, tratando-se de BJ disponíveis, quando o titular consente na sua
lesão, necessariamente deixa de haver um BJ penalmente relevante. Esta ideia fortificou-
se e fala-se hoje que o consentimento é uma concretização da liberdade de disposição
sobre bens que se se sobrepõem ao interesse da OJ global na preservação de BJ, sendo
esta a ideia que subjaz na doutrina maioritária, que tem por base a teoria monista – pp. da
ponderação de BJ ou de interesses (seleção de entre todos os BJ penalmente tutelados dos
que são disponíveis, havendo uma ponderação de interesses: por um lado, o interesse do
Estado na preservação de BJ e por outro lado, a liberdade do particular dispor os seus BJ).
Quanto à natureza atribuída ao consentimento existem várias posições:
o O consentimento seria uma causa de justificação (Eduardo Correia)
o Paradigma dualista (Costa Andrade e Figueiredo Dias) – o consentimento pode,
nuns casos, intervir como causa de justificação, sendo que nestas situações esta
doutrina as denomina de “consentimento”, mas noutros casos intervém como uma
causa de exclusão da tipicidade do facto ao qual a doutrina se denomina de
“acordo”.
Qual o critério para distinguir o consentimento do acordo? O consentimento é feito pelo
titular do bem e, é congruente com o próprio sentido da lei e da tutela do BJ. Ex: Alguém
pede a outrem que lhe parta o relógio.
No acordo o agente realiza o próprio BJ. Ex (1): No caso em que alguém convida outra
para entrar em casa – o BJ em causa é a privacidade. Ora, a sua privacidade faz-se na
relação com o outro e, o consentimento de alguém que convida outro a entrar está a
realizar o próprio BJ. Ex (2): uma cirurgia – os tratamentos médico-cirúrgicos melhoram
a saúde da pessoa, pelo que se trataria de um acordo.

220
Esta doutrina distingue, dentro do consentimento, dois tipos: consentimento propriamente
dito e o consentimento que intervém como uma exclusão do tipo incriminador (o ato
consentido é congruente com o BJ).
o Almeida Costa + Roxin – o consentimento, em qualquer circunstância, é sempre
uma causa de exclusão da própria tipicidade (exclusão da tipicidade do facto).
Estes autores têm por base a conceção personalista dos BJ disponíveis, que são
aqueles que estão à liberdade de disposição pelo seu titular– os BJ disponíveis
valem pelo conteúdo ou titularidade que propicia à pessoa. A partir do momento
em que o legítimo titular prescinde desse BJ, verdadeiramente deixa de existir o
BJ penalmente relevante porque o BJ vale como expressão dessa liberdade de
disponibilidade
O consentimento abrange apenas a conduta ou o resultado? Esta questão coloca-se no
âmbito dos crimes materiais, que são aqueles que apenas se consideram perfeitos quando
se verifica o resultado da conduta. Ora, Almeida Costa e a doutrina maioritária diz que
necessariamente o consentimento abrange todas as consequências que lhe sejam
imputadas, ou seja, abrangendo também o resultado.
Requisitos do consentimento:
Ø Tem de se tratar de BJ disponíveis (art.38º/nº1 do CP), que estejam
compreendidos na liberdade de disposição da pessoa e em relação aos quais a OJ
deu prevalência da disposição do seu titular em detrimento da sua preservação da
OJ global desses BJ. Exclui-se do consentimento, os BJ do Estado e os BJ supra-
individuais (Ex: atentado ao sistema monetário, segurança do Estado, etc.).
Quais os BJ disponíveis? o valor vida (a vida é indisponível em relação a terceiros
– Ex: o suicídio não é punido) e os direitos de personalidade elementares (Ex:
redução à escravatura).
Quanto aos BJ de natureza patrimonial e em relação à integridade física
(art.149º/nº1 do CP) é admitido em geral, o consentimento.
Ø Clausula dos bons costumes (art.38º/nº1 do CP) – exclui a relevância do
consentimento, mesmo quando se trate de BJ disponíveis, quando o ato consentido
se traduza numa lesão grave e irreversível de BJ de carater pessoal, desde que essa
lesão não tenha por objeto salvaguardar interesses de igual ou superior valor
(art.149º/nº2 do CP): pode estar-se perante um ato que contenda apenas com BJ
disponíveis e mesmo assim a nossa legislação excluir a relevância do
consentimento, quando contrariar os bons costumes. No passado os bons costumes
estavam relacionados com a moral comum. Hoje, defende-se que os bons
costumes estão restringidos: mesmo estando em causa BJ disponíveis o
consentimento não releva quando a lesão consistir numa lesão grave e irreversível
de um BJ (Ex: tirar o fígado para ficar mais leve).
Ø O consentimento é uma concretização da liberdade de disposição de bens, que tem
de assentar numa manifestação livre, seria e esclarecida (art.38º/nº2 do CP).
Teoria da direção de vontade – se o consentimento é um ato de liberdade de
disposição do seu titular o que releva é a direção de vontade do próprio titular. O
consentimento tem de ser anterior ao ato consentido. Para alem disso, tem de ser
um ato de vontade sério, livre e esclarecida (tem de ter capacidade para consentir,
mas que capacidade é esta? A doutrina penal entende que o consentimento precisa

221
da capacidade natural – entender o sentido do ato consentido, apenas com o limite
formal dos 16 anos estabelecido na lei – art.38º/nº3 do CP). A vontade não pode
ser coagida (diz-se que só releva a coação jurídico-penalmente relevante – que
caiba no tipo legal de coação ou de ameaça, as restantes não relevam) ou assentar
em erro. Existem duas situações de erro:
• erro que foi provocado pelo beneficiário do consentimento – sempre que
o beneficiário estiver induzido em erro, o consentimento não releva. Mas,
este erro provocado pelo beneficiário só releva se incidir sobre o concreto
BJ;
• erro que não foi produzido pelo beneficiário do consentimento – neste caso
o erro em pp. não exclui a relevância do consentimento. Nós só
entendemos o consentimento através da sua expressão, por exemplo, a
partir de uma declaração expressa. Todavia, se o titular do bem emitir uma
declaração de vontade, mas o agente saber que ele está em erro, pelo que
o consentimento não relevaria e deveria negar-se o consentimento, apesar
de a declaração de vontade apontar nesse sentido – mas a eficácia pratica
desta teoria será pouco relevante porque será difícil prová-lo devido ao pp.
in dubio pro reo.
Ø Requisitos de forma (ausência) – art.38º/nº2 do CP: o consentimento pode ser
prestado por qualquer forma e por qualquer meio que seja adequado a exprimir a
vontade seria, esclarecida e livre– palavras, ações, etc. Não existem requisitos de
forma. Mas, o consentimento pode também resultar de atos concludentes –
consentimento tácito. Pode ser expresso, quando há um ato de vontade, por
palavras orais ou escritas ou por gestos; ou consentimento tácito – expresso
através de atos concludentes.
Ø Requisito comum (requisito subjetivo) – art-38º/nº4 do CP: é necessário que o
agente saiba que esta a atuar numa situação de consentimento. no art.38º/nº4 do
CP – o ato é ilícito, mas será punido a título de tentativa. Esta regra justifica-se na
base da conceção personalista do BJ. De facto, os BJ disponíveis valem não por
si, mas como instrumentos para a realização da pessoa, deixando de haver
desvalor do resultado e somente desvalor da ação. Na doutrina há uma diferença.
FD e AC entendem que esta remissão é em geral para todo o regime da tentativa
porque a situação é análoga a título de tentativa, ou seja, quando o agente não
conhecer a situação de consentimento é lhe aplicável o regime da tentativa e
quando a lei o preveja. Costa Andrade diz que é sempre punido a título de
tentativa. O prof. entende que este art.38º/nº4 do CP apenas se aplica para o
consentimento. A doutrina maioritária entende que este artigo se aplica para todos
os tipos justificadores.
A par do consentimento efetivo ou real/ tout court de que estivemos a falar, em que o
agente seja de que forma for manifesta efetivamente a sua vontade, permitindo o ato que
lesa o BJ. Mas, há situações em que a doutrina identifica o consentimento presumido –
art.39º do CP, para as situações em que o titular do BJ não está em condições para prestar
o seu consentimento, mas o agente, no sentido de o favorecer, presume o seu
consentimento. O agente atua em “Estado de necessidade de decisão”, pois não pode obter
em tempo útil uma declaração expressa do seu consentimento. Assim, diz-se que o
consentimento presumido produz os mesmos efeitos do consentimento real.

222
Qual o critério que o agente deve atender para o consentimento presumido? Critério
daquele homem concreto ou o critério do Homem médio? O consentimento é a expressão
da liberdade do agente, é a liberdade de disposição sobre os bens, pelo que o critério tem
de ser o do Homem concreto.
Impõe-se ao agente que ele refaça/ficcione a vontade do legitimo titular se conhecesse a
situação e pudesse exprimir o seu consentimento. Mas, a nossa lei diz que o
consentimento só produz efeitos quando for razoável supor que o titular teria consentido
(art.39º/nº2 do CP). Ou seja, não se pode exigir ao agente o impossível, ele tem de
respeitar aquela que seria a vontade do agente, mas dentro do que seria razoável, caso não
a saiba de forma expressa ou tácita.
Os requisitos do consentimento presumido são os mesmos do consentimento
real/propriamente ditos, acima citados (art.39º/nº1 do CP).
O art.150º, art.156º e art.157º do CP – consentimento e tratamento médico cirúrgicos
O art.150º do CP afirma que as intervenções no corpo, desde que sejam as indicadas de
acordo com as legis artis e de acordo com os códigos deontológicos, desde que tenham
uma função terapêutica e desde que realizadas por médicos não se consideram ofensas à
integridade física. O art.156º/nº1 do CP tem subjacente a proteção de que BJ? é a
liberdade, porque ninguém pode ser curado à força. Neste caso, quando há consentimento
exclui-se a própria tipicidade, que para o FD é um “acordo”. Este consentimento tem de
preencher os mesmos requisitos do consentimento em geral. O art.156º/nº2 do CP – o
medico pode atuar, no próprio interesse do doente, desde que seja presumível que o
doente consentiria nessa intervenção diferente da que estava planeada.
Ex: uma pessoa tenta o suicídio e vai parar ao hospital, poderia presumir-se que ele
quereria morrer – está provado que na esmagadora maioria dos casos de suicídio, à última
da hora o agente arrepende-se e quer ser salvo. E aqueles que não se arrependeriam? Na
dúvida, como o medico não pode saber qual a posição do suicida, o médico pode sempre
salvar, pois a maioria queria tratamentos. Se ele o deixa morrer, não há retorno.
Falaremos agora de outras figuras que são apontadas pela doutrina como causa de
exclusão da ilicitude, mas que para o prof. são causas de exclusão da tipicidade do
facto.
Obediência hierárquica – caso do superior hierárquico dentro da AP que dá ordem a um
inferior hierárquico e que essa ordem origina a prática de um crime. Havia duas teorias
- Teoria da hierarquia – valores de ordem, disciplina da AP. Defende que o funcionário
era obrigado a obedecer e, nestes casos a obediência hierárquica era uma causa de
exclusão da ilicitude
- Teoria da legalidade – o Homem não é autómato, pelo que sempre que seja ilegal deve
recusar a ordem.
Estas posições antagónicas deram lugar a uma tese maioritária (art.271º/nº2 e nº3 da CRP
+ 36º/nº2 do CP), que distingue entre os casos em que a ordem conduz à prática de uma
ilicitude não penal, que dá origem ao direito de respeitosa representação. Diferentemente
quando a ordem conduzir à prática de um crime/ilícito penal, o agente tem o dever de
desobedecer, de não cumprir a ordem, pois se o fizer será corresponsabilizado juntamente

223
com o superior hierárquico (art.36º/nº2 do CP). Mas, a responsabilidade doo inferior
hierárquico, mesmo nestas situações, pode ser excluída: art.37º do CP – as pessoas têm
formações diferentes e pode acontecer que o inferior hierárquico não saiba que aquela
conduta consubstancia um ilícito penal, para além de que supõe que o superior hierárquico
não o iria mandar cometer um crime. este artigo contempla um caso especial de erro sobre
a ilicitude, cujo regime geral se encontra no art.17º do CP. Assim, exclui-se a culpa e a
pena do concreto funcionário. A outra situação especial: o pp. geral deve ser o de
obediência hierárquica, mas apesar de tudo isso, o futuro do funcionário e a manutenção
do cargo e a consequente subsistência da sua família está em larga medida nas mãos do
superior hierárquico, não sendo exigível ao funcionário à luz do Homem médio que
desobedeça – inexigibilidade objetiva. Mas, trata-se de situações excecionalíssimas e
apenas se aplicam a crimes de diminuta gravidade.

Atuações oficiais
No cumprimento dos seus deveres funcionais os funcionários públicos (policias,
investigadores, etc.) às vezes são obrigados a praticar atos típicos, que seriam ilícitos se
fossem adotados por particulares. Ex: invasão domiciliaria, intromissão nas
comunicações, etc.
O prof. discorda que seja uma causa de exclusão da ilicitude, mas sim exclusão da
tipicidade. Se a conduta não for realizada, a conduta típica seria na mesma ilícita porque
se o oficial não fizer uma busca domiciliária estará a incorrer num crime de corrupção,
p.e. Ou seja, estas atuações nem sequer são subsumíveis a um tipo incriminador, pois
essas condutas são realizadas no cumprimento de um dever funcional.
Autorizações oficiais
São casos que contendem com matérias de risco permitido. São setores de atividades que
comportam utilidade social e comportam também riscos, pelo que a lei estabelece alguns
limites e controlo dessas atividades especialmente perigosas, mas essenciais para a
sociedade.
Estas autorizações oficiais traduzem-se em situações quem a autoridade administrativa
estabelece o risco permitido (Ex: licença de condução).
Nem sequer está a cometer uma conduta ilícita, pelo que não são causas de exclusão da
ilicitude, mas sim de exclusão da tipicidade do facto como o prof. Almeida Costa
defende).
O direito de correção dos pais
O direito de correção respeita ao facto de que a preparação do menor para uma vida adulta
responsável possa passar por restrições de direitos, que seriam subsumíveis a um tipo
legal de crime, mas desde que se trate de restrições moderadas e desde que exercidas em
vantagem do menor, diz-se que se exclui a ilicitude da conduta.
Ou seja, os castigos moderados exercidos com o objetivo de preparar o menor para uma
vida adulta responsável– exerce-se no âmbito da adequação social.
224
Ex: um pai diz que, de castigo, o filho não sai à noite durante uma semana. É sequestro?
NÃO, porque nem sequer preenche o tipo incriminador. Para o prof. trata-se de uma
exclusão da tipicidade do facto e não de exclusão da ilicitude, pois nem constitui um
crime.

Culpa
Quanto à culpa, o sistema que nós temos hoje, é em longa medida contributo dos vários
sistemas que tivemos.
o Um dos contributos do sistema clássico é sem dúvida o conceito normativo de
culpa- conceito psicológico de culpa- nexo psicológico que liga o agente ao seu
bem. Não permitia a distinção entre imputáveis e inimputáveis, nem os atos
praticados em estado de inexigibilidade e exigibilidade, nem sequer abrangia a
negligência inconsciente.
o O sistema normativista/neoclássico ultrapassou esta situação. Introduzindo o
conceito normativo de culpa. A culpa era um juízo de censura dirigido ao agente
que praticou o ilícito típico quando podia não ter praticado. Assim dolo e
negligência mais do que diferentes estruturas psicológicas eram verdadeiros graus
de censura. Este conceito normativo de culpa salvo opiniões minoritárias integra
ainda hoje a conceção dominante quanto ao conceito de culpa.

Houve alterações já que a ciência jurídica vai evoluindo, mas a matriz essencial é esta:
compreensão de culpa como juízo de censura dirigido àquele concreto agente.
Problema essencial: só podemos censurar algo a alguém quando essa pessoa é
responsável por aquilo que realizou. Questão da liberdade humana: voltemos a uma
questão do sec. XIX em opunha se
teoria da vontade- entendia que o homem era livre. Na resposta ao acontecimento
exterior o homem teria liberdade de escolha. A escolha dos motivos dos atos. Na
escolha reside o espaço de liberdade de cada pessoa. É verdade que esta liberdade
esta condicionada. No entanto reconhecia que o homem tinha um espaço de
liberdade em que se decidia sobre si mesmo. Neste espaço de liberdade afirmaria
se a liberdade. O órgão da liberdade seria a vontade;
teoria da representação defendia se o determinismo da conduta humana-as
regras causais que explicavam os fenómenos da natureza entendia em estes
autores que regiam o comportamento humano.

Há autores que negam a liberdade humana. O problema de liberdade humana é um


problema de verdade de adesão. O prof. Almeida Costa entende que a experiência de
todos os dias nos traz a experiência da própria liberdade.

225
O prof. parte da ideia de liberdade como verdade de adesão. A culpa é uma estrutura
essencial para a dogmática penal. O prof adere a um conceito normativo de culpa. Este
conceito normativo de culpa tinha uma dificuldade que perpassou todo o sistema
neoclássico. Sem dúvida que a culpa era censurabilidade, mas qual era o substrato desse
juízo de culpa? A culpa não se resumia ao nexo psicológico volitivo. Era um juízo de
valorização sobre determinadas situações em que se verificava o nexo psicológico. Este
conceito não permita distinguir a negligência consciente e o dolo eventual.
Mais grave do que não explicar esta diferença é que este conceito normativo de culpa,
não explicava a negligencia inconsciente porque aqui não há nenhum nexo psicológico.
Muitos autores do conceito normativo de culpa vieram defender uma de duas coisas:
muitos deles diziam que a negligência inconsciente não é uma forma de culpa e há outros
autores que procuraram um qualquer elemento do dolo na negligencia. Este conceito
normativo de culpa permitiu um salto: salto esse que corresponde à configuração que
ainda se mantém do conceito normativo de culpa- o que se censura é a atitude que o agente
tem, ou melhor que o agente revelou com a prática do facto perante o dever ser jurídico
penal. De todo o modo com esta viragem, deixou de ser pressuposto de culpa a verificação
do nexo psicológico. Esta viragem deu-se nos inícios do séc. XX- falava se da culpa pelo
sentimento e depois impos se a culpa pela atitude e a culpa da personalidade. É evidente
que também existem autores que adotam postura positivista/naturalística/determinística.

No fim de contas todos nós nos pequenos e grandes momentos da vida perante a situação
concreta temos a possibilidade/liberdade/capacidade de decidir a nossa conduta em
concreto. Todos nós somos responsáveis também por aquilo que nos vamos tornando.
Assim nesta ideia radica maioritariamente o conceito normativo de culpa. É evidente que
este conceito normativo de culpa assenta nesta ideia da liberdade, não um livre-arbítrio,
mas tão só uma liberdade condicionada/um determinismo relativo.
Aludindo à teoria de FD que ente a culpa enquanto culpa da pessoa – mas, para o prof.,
esta teoria de FD recobre uma posição determinista. FD afirma que em concreto todos
nós agimos daquela maneira e não poderíamos agir doutra forma, porque é da nossa
natureza. Ou seja, no momento da prática do facto o agente não é livre, mas ele é
responsável pelo seu próprio modo de ser, pois o Homem decide-se a si mesmo por aquilo
que vai ser. Roxin critica FD dizendo que há momentos que nos transformam, mas não
são esses momentos que nos definem. Ou seja, ninguém decide ser de determinada forma.
A teoria de FD acaba por ser uma teoria determinista porque o autor nega a teoria da
vontade, dizendo que não é demonstrável cientificamente. Para o prof. trata-se de uma
engenharia doutrinal jurídica.

Dois pontos essenciais:


ð o facto de falarmos na culpa em nada contradiz a conceção unilateral/unívoca da
culpa. A culpa é pressuposto e limite da punição mas não é fundamento. Este
conceito normativo de culpa deve ser entendido na conceção unilateral/unívoco
da culpa- não há pena sem culpa nem a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Mas pode haver culpa sem pena. Ou a pena ficar abaixo da culpa. Porquê? Porque

226
se pretende proteger os BJ essenciais. A culpa é tão só um limite devido a uma
ideia de humanidade das próprias penas.
ð reforçar de novo os termos que se contrapõe o ilícito e a culpa no quadro de uma
teoria do ilícito pessoal. Enquanto no ilícito doloso procuramos o conteúdo
pessoal implícito ao ato, na culpa procuramos o desvalor pessoal subjetivo do ato.
Assim o juízo de ilicitude pessoal corresponde a um juízo de culpa do homem
médio. Na culpa estamos a fazer um juízo pessoal subjetivo que atende as
especiais características do agente. O prof. considera que o juízo de culpa funciona
pela negativa. As características da culpa funcionam pela negativa. O juízo de
exclusão da culpa é um juízo de negação do ilícito.
No ilícito pessoal determinamos o sentido pessoal objetivo da situação, ao passo
que a culpa procura avaliar o sentido da conduta enquanto ato daquele concreto
agente, o que pode levar a que a afirmação do ilícito não se siga da afirmação da
culpa.

A culpa avalia se pela negativa, dai a dogmática da culpa avaliar se pela negativa.
Destaque para três paradigmas:
o falamos de um paradigma biopsicológico- conceção dos
positivistas/determinista- para esta conceção o homem não é livre. A reposta de
cada um de nós aos estímulos da realidade exterior é uma resposta condicionada
causalmente. A distinção do inimputável seria apenas uma anormalidade, uma
reação diferente. Assim nega se a liberdade e a vontade. A inimputabilidade traduz
se numa doença psíquica que se entedia que tinha substrato biológico, o ADN do
inimputável não seria livre provocando sim uma reação diferente. A
inimputabilidade representava uma doença psíquica com substrato psicológico.
Se não há liberdade de vontade, então a anomalia teria que conter apenas com
aspetos intelectuais. Era uma doença psíquica que afetava as capacidades de
compreensão e/ou de avaliação.
o orientação maioritária: paradigma normativo- parte se da ideia de liberdade
dentro do indeterminismo relativo- a inimputabilidade pode refletir se tanto ao
nível das capacidades de representação como capacidades volitivas. Teria que ver
com uma anomalia psíquica que afetasse ou a capacidade de avaliação do ilícito
ou a capacidade de se determinar de acordo com essa avaliação. Para se falar da
inimputabilidade teria se que se verificar uma qualquer afetação que afetasse as
capacidades intelectuais ou volitivas do agente (anomalia psíquica e essa anomalia
teria que ter consequências no plano normativo. Este elemento normativo traduz
se no facto da sequência da anomalia psíquica o agente fosse incapaz de distinguir
o lícito ou o ilícito ou então que não fosse capaz de se determinar de acordo com
essa avaliação. Esta orientação é a que melhor se adequa ao texto da lei portuguesa
e é esta a perspetiva do curso. A estes dois paradigmas surgiu o paradigma
compreensivo
o Paradigma compreensivo- decorrência direta da compreensão da culpa do Dr.
FD: este paradigma nega que o homem em concreto seja livre. Ele é responsável
sim pela sua natureza, pelo homem como é. Mas se assim é neste plano, não há
diferença entre imputáveis ou inimputáveis. O Dr. FD diz que a inimputabilidade

227
não tem que ver com a existência de liberdade. Dado esse diferente
funcionamento, essa diferente forma do inimputável reagir- a sua conduta não é
compreensível como ato humano em geral. O comportamento do inimputável não
seria compreensível como ato humano. Assim o problema da inimputabilidade é
um obstáculo à culpa, já que o inimputável seria apenas uma espécie de caixa
negra impenetrável pelo juiz. Assim, esta é a natureza da inimputabilidade que
faria com que o juiz mais do que excluir o juízo de culpa não tinha meio de
penetrar na logica do inimputável.
Esta perspetiva é uma decorrência da conceção da culpa do Dr. FD. Mesmo na prática é
pouco verossímil. Um ato de um menor de 16 anos não é compreensível? Claro que é
compreensível. No fim de contas estamos perante um exercício de engenharia jurídica.
Por tudo isto e na base da negação da culpa do FD vamos aderir ao paradigma normativo
e que esta em consonância com o conceito normativo de culpa de que partimos.
Fundamentalmente são três as causa de exclusão da culpa:
Inimputabilidade:
§ inimputabilidade em razão de anomalia psíquica (art 20º do CP)
Art. 20º/1: É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no
momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo
com essa avaliação. Dois elementos do paradigma normativo: tem que haver anomalia
psíquica e esta por si não basta. Só releva a anomalia psíquica que tenha reflexos no
comportamento do agente. Assim para ser inimputável é necessário a anomalia psíquica
e que esta tenha repercussões no comportamento do agente, na sua relação com o
ordenamento jurídico penal. O juízo de inimputabilidade é duplamente concreto.
O Dto Penal é o Dto Penal do facto- ou seja avalia o facto praticado. A par de uma
inimputabilidade permanente há inimputabilidades transitórias. O que o juiz tem de
determinar é se no momento da prática do facto o agente estava ou não em estado de
inimputabilidade. É também um juízo concreto atendendo ao tipo de crime em causa. O
agente é inimputável em relação àquele concreto ilícito típico. A inimputabilidade
respeita a uma particular espécie de crimes (há agentes que são inimputáveis em matéria
de crimes sexuais e já não o são quanto a crimes patrimoniais).
Art 20º/2: Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica
grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado,
tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou
para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída. Existem
situações em que o agente sofre de anomalia psíquica que afeta a sua capacidade de
avaliação e/ou volitiva, mas não a retira totalmente. Não lhe retira a capacidade de atuar
conforme a sua avaliação, mas esta diminuída. São zonas em que o agente ainda é
imputável, mas essa capacidade esta diminuída (Inimputabilidade diminuída). A nossa
lei dá a possibilidade ao juiz mediante as circunstâncias do caso concreto na base do que
for melhor para o delinquente, o juiz pode optar por o considerar imputável ou pelo
contrário aplicar lhe medidas de segurança considerando inimputável.
O Art 20º/3 e 4 levanta problemas de interpretação.

228
Art. 20º/3 - A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas
pode constituir índice da situação prevista no número anterior. Refere-se aqui a
capacidade para ser influenciado ou não influenciado pelas penas como critério de
distinção entre imputável e não imputável. Não há contradição nenhuma se lermos com
atenção. O facto de o agente ser influenciado ou não pelas penas é um mero elemento de
prova a par de outros elementos de prova possíveis. Não basta este critério para
fundamentar a qualificação de alguém como inimputável. O facto de ele ser influenciado
ou não influenciável é apenas um indício. Em segundo lugar, mesmo nesta qualidade de
indício a capacidade para ser influenciado pelas penas é apenas um indício a para
inimputabilidade diminuída. Assim além de ser tão só um indício. é um indício que só
funciona para a inimputabilidade diminuída.
Art. 20º/4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido
provocada pelo agente com intenção de praticar o facto. Diz respeito à figura da ação
que não foi livre no momento em que foi executada, mas livre na causa. É o caso de
alguém que se coloca premeditadamente em situação de inimputabilidade para praticar
um crime e por isso invocar a exclusão da culpa.
Nota: A medida de segurança pode ser renovada. Findo o tempo determinada na sentença
se o agente continuar a revelar perigosidade a medida pode ser prorrogado. O que
significa que haverá possibilidade de prolongamento indeterminado dessa mesma medida
de segurança. Sempre que é possível os advogados procuram puxar os seus clientes para
o domínio da inimputabilidade. Pode suceder que o agente tenha sido perigoso no
momento da prática do facto e no momento do julgamento já não e perigosos, assim não
haverá aplicação da medida de segurança, à luz do pp da necessidade da medida de
segurança. Esta situação da actio libera in causa: o agente no momento da prática do
facto não era livre (porque por exemplo bebeu bebidas alcoólicas, porque consumiu
drogas) mas a verdade é que ele era imputável no momento em que elaborou todo o
projeto criminosos. Assim a ação foi livre na causa. Assim ele será tratado como
plenamente imputável.
Esta situação difere de uma situação do art 295º/1 do CP: Quem, pelo menos por
negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo
de bebida alcoólica ou de substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto ilícito
típico é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
Aqui a situação é próxima da que descrevemos, mas a sanção é diferente. Aqui a pena é
mais branda. A diferença reside no momento da pré ordenação. No art 20º/4 ele coloca se
nessa situação como forma de usufruir da exclusão da culpa. No caso do art 295º agente
tem o dolo em relação ao colocar se na situação de inimputabilidade- p.e o meu clube
ganhou o campeonato por isso vou embriagar-me- dolo/negligência da sua própria
situação de inimputabilidade. Neste caso não houve no entanto preordenação. Este art
consagra um crime de perigo abstrato- que só é punido quando se verifica o dano. O
legislador pune a embriaguez para evitar que se pratique o crime, mas só pune quando se
verifica o dano. O dano é condição objetiva de punibilidade. Há quem diga que esta
condição é uma comprovação a posteriori da situação de perigo. Ou seja, daquela
inimputabilidade perigosa

229
Os autores dizem que há aqui um desvio ao juízo de culpa que deve reportar-se ao
momento da prática do facto e nesse momento é inimputável. Para resolver esta situação
surgiram 2 doutrinas para explicar: a teoria da exceção e a doutrina do delito.

Actio libera em causa - no momento da prática do facto não era livre, era inimputável,
mas foi livre na causa, comandou com toda a liberdade o processo que conduziu à sua
colocação numa situação de inimputabilidade e a coberto desta, à prática de um crime. A
ação livre na causa já causou dificuldades na doutrina: o juízo da culpa deve ser feito em
concreto e reportando-se ao momento da prática do facto, e, portanto, a culpa do agente
deve ser averiguada no momento da prática do facto. Nos casos do 20º/4, no momento da
prática do facto ele não é livre. Assim haveria uma situação de exceção- teoria da
exceção. Aqui há exceção pois faz-se retroagir o momento da censurabilidade ao
momento em que o agente ainda é livre, ainda é imputável. Quanto à teoria do tipo esta
alargava o tipo até ao primeiro ato em que o agente começou a embriagar-se ou a tomar
o estupefaciente.
O prof considera que não há problema nenhum. A solução a que a o prof chega é análoga
à da teoria da exceção, considerando que temos de autonomizar dois problemas: a
demarcação do facto penalmente relevante (não é quando está a beber que está a praticar
o crime de homicídio que planeou praticar), imputação a um concreto agente deste início
de execução da tentativa em que o intercriminis adquire relevância penal (alguém realiza
um crime por intermédio de outrem. Nas situações de autoria mediata, o autor mediato dá
a ordem ou controla o comportamento do outro num momento anterior à própria execução
e não há aqui nenhum problema que exija uma especial construção como a teoria do tipo
ou da exceção. Nem podemos dizer que é uma exceção porque a autoria mediata não são
exceções, são situações contempladas no nosso direito. A demarcação do facto
penalmente relevante surge no âmbito da tentativa que só é punida quando há o começo
da execução, ou seja, quando o agente inicia uma conduta que de forma direta vai
conduzir à consumação do próprio crime. O ato de execução só começa quando o agente
avança imediatamente para a prática do crime - exemplo de movimento que, sem quebras,
vai conduzir ao crime. Nas situações de actio libera em causa, com este argumento
afastamos a teoria do tipo.

§ Inimputabilidade em razão da idade: art 19º do CP (16 anos)


Art. 19º: Os menores de 16 anos são inimputáveis.
Porquê 16 anos? A fixação dos 16 anos é correta: sem dúvida que o menor antes dos 16
anos já tem a perceção das coisas. Há que reconhecer que há uma menor responsabilidade,
por outro lado por razões de humanidade é permeável às más influências e às boas
influências. Assim por razões de prevenção e humanidade, é favorável retirar o menor do
projeto degradante que é o processo penal. Independentemente dos 16 anos ser um limite
bom ou mau há um elemento na legislação que cria alguma contradição. Estes limites
formais são exigidos pelas próprias exigências de segurança do DP. Quanto à
incongruência que é tratar uma pessoa com 16 anos + 1 dias e outro com 16 anos – 1 dia
a nossa lei estabeleceu regimes de passagem a montante e na jusante.

230
A montante, temos a lei tutelar educativa (lei 147/1999) estabeleceu um regime para os
menores delinquentes. Esta lei tem dois tipos de medidas: medidas assistenciais (que
respeitam aos menores em risco) e medidas tutelares educativas (para os menores entre
os 12 e 16 anos que pratiquem ilícitos penais). Estas medidas são menos severas do que
as penas, privilegiando a vertente da reintegração social do menor. Todavia apesar de
serem menos severas contemplam um quantum de sofrimento no sentido da sua
responsabilização. Estas medidas tem um carater responsabilização. Estes menores
continuam a ser tratados como inimputáveis.
A jusante: O DL 401/82 contempla o regime aplicável aos chamados jovens adultos, entre
os 16- 21 anos- este DL estabelece um regime menos pesado – um regime que privilegia
tanto em nome do valor da humanidade e também à luz da prevenção especial positiva
deixam antever uma mais fácil reintegração social são medidas sobretudo viradas para a
reintegração social para o jovem delinquente. Claro que isto não invalida que não se
considerem questões de defesa social
Inexigibilidade
Contende com fatores exógenos. A inexigibilidade reporta a situações que devido às
caraterísticas do circunstancialismo exógeno não era exigível àquele concreto agente
atuar de acordo conforme ao direito- trata se de inexigibilidade subjetiva- tem de reportar
se às características pessoais do concreto agente.
Enquanto a inimputabilidade é uma causa de exclusão da culpa que contende com as
características internas do agente, a inexigibilidade contende com as características
exógenas do agente. De acordo com a ideia do mínimo de intervenção do DP entende-se
que em certas situações limite o legislador não pode exigir outro comportamento ao
agente (Ex: náufragos). A inexigibilidade foi introduzida do conceito normativo de culpa,
e entende-se enquanto causa de exclusão da culpa. A inexigibilidade foi sujeita críticas,
mas esta figura permaneceu no DP, sendo admitida pela generalidade da doutrina.
A doutrina alemã contemporânea, embora reconheça a inexigibilidade não a reconhece
como causa de exclusão da culpa. Na Alemanha existem três vertentes:
Uns entendem que a inexigibilidade deve pautar-se segundo a ideia do Homem
médio, sendo uma causa de exclusão da ilicitude, pelo que sempre que à luz do
Homem medio não fosse exigível outro comportamento, deixaríamos de ter um
facto jurídico-penalmente relevante.
A posição maioritária na Alemanha continua a colocar a inexigibilidade em sede
de culpa, mas apenas enquanto causa de desculpa (atenuação da culpa) e não uma
causa de exclusão da culpa – na verdade o agente poderia agir de forma diferente,
não há uma total exclusão da culpa, existindo ainda algo censurável no agente,
mas o facto nestes casos, tem um facto penalmente diminuto, pelo que há uma
desculpa ao agente pela OJ – para alem da exclusão da diminuição da culpa
resultante da coação psicológica decorrente de uma situação de culpa, o
comportamento praticado em EN sacrifica um bem para sacrificar outro bem, pelo
que o sacrifício do bem surge como meio para preservar outro bem – retira-se
gravidade ao próprio ilícito, e consequentemente à culpa. Estamos perante uma
atenuação da ilicitude e atenuação da culpa - desvalor diminuto, pelo que estamos
perante uma causa da desculpa, justificando-se que o legislador se desculpa o ato.

231
Daqui resulta uma consequência: há uma renúncia excecional da OJ à punição do
crime. Assim, a doutrina vem dizer que a inexigibilidade só funcionaria nos casos
expressamente permitidos na lei (lei portuguesa: excesso intensivo, asténico, não
censurável da LD, EN objetivo/desculpa, conflito de deveres subjetivo ou
desculpa, obediência hierárquica desculpante – art.37º do CP – em circunstancias
excecionalíssimas a situação de vida em que se encontra o funcionário ele obedeça
a uma ordem, apesar de ela constituir um crime, p.e, precisa de medicamentos
para a mulher, não podendo de todo perder o seu emprego). Sendo a
inexigibilidade uma causa de desculpa deve atender às características do concreto
agente. Contudo, os alemães não fazem assim: adotam uma perspetiva geral-
objetiva – a inexigibilidade é auferida de acordo com a culpa do Homem médio
(se esquecemos as características do concreto agente e os – estamos a atribuir à
situação um desvalor que teria se praticada pelo homem médio, havendo uma
contradição na doutrina alemã. Este entendimento acaba por se reconduzir à
primeira perspetiva – ao adotar o critério do Homem médio estão a assumir a
inexigibilidade objetiva
Roxin contesta a posição anterior – deve analisar-se a culpa em geral, e depois a
necessidade de pena (o DP visa tão só prevenir a prática de crimes - pode
acontecer que havendo culpa não há um facto penal relevante). Não se trata de
uma causa de exclusão da culpa, mas sim de uma causa de exclusão da
responsabilidade.
Na doutrina portuguesa a inexigibilidade continua a ser entendida como uma causa
geral de exclusão da culpa. Contudo, a doutrina portuguesa ao defender a inexigibilidade
como causa de exclusão da culpa cai numa dupla contradição:
ð Esta doutrina diz que não há uma causa geral da inexigibilidade e que a
inexigibilidade só funciona nos casos expressamente previstos na lei – se a
inexigibilidade só pode funcionar nos casos previstos por lei, não há uma
verdadeira causa de exclusão da culpa (o pp. da culpa entende-se que está
plasmado na própria CRP – sempre que o juiz perante o caso concreto entende
que o agente atuou sem culpa deve excluir a punição ao agente. Assim, seria
inconstitucional que, ainda que em concreto, o juiz entendesse que o agente não
tinha culpa, teria de o punir).
ð Para além disso, a doutrina portuguesa fala de uma inexigibilidade média,
devendo atender-se a um critério pessoal objetivo, isto é, às capacidades e
características do Homem médio. Todavia, a culpa contende com um plano
emocional-psicológico do concerto agente. Aqui parece haver uma confusão entre
os momentos do ilícito e da culpa o que conduz a que os autores, a propósito do
art.33º do CP e do art.35º do CP, na medida em que interpretam estes artigos na
base do Homem medio, estão a admitir, sem se aperceberem, dois tipos
justificadores supralegais: o conteúdo de antinormatividade (crime) deve aferir-se
em função o Homem médio (inexigibilidade objetiva).
Temos de distinguir entre dois tipos de inexigibilidade. A inexigibilidade deve ser
entendida como uma causa geral de exclusão da culpa – há exemplos padrão expressos
no CP que não esgotam os casos em que a inexigibilidade subjetiva pode atuar como
causa de exclusão da culpa. O que está em causa no conceito normativo de culpa é o juízo
de censura, mas o determinante no juízo de culpa não é a possibilidade de ter feito de
232
outra forma, mas sim a amplitude do juízo de censura em que a culpa se traduz num
quadro de um conceito normativo de culpa, pois atendendo aos critérios de justiça, o
legislador entendeu que naquela situação não se justifica e não é legitimo, devido ao
princípio do mínimo de intervenção do DP, dirigir um juízo de culpa ao concerto agente:
§ Inexigibilidade objetiva: o conteúdo da antinormatividade deve aferir-se em
função do Homem médio. Medida na base das capacidades, características e
qualidades do Homem médio
§ Inexigibilidade subjetiva: no âmbito da culpa, só esta é admitida, porque a culpa
é uma concretização das características e capacidades do concreto agente (plano
psicológico-emocional do concreto agente). Só esta pode ser considerada como
causa de exclusão da culpa. Medida na base das capacidades, características e
qualidades do concreto agente.

Concretizações da inexigibilidade na lei:


Estado de necessidade subjetivo/desculpante - Art.35º do CP
O EN subjetivo ou desculpante é uma causa de exclusão da culpa, pois o facto é ilícito,
mas não será imputada a culpa ao agente pela conduta.
Art.35º/nº1 do CP - a situação subjacente a este EN é uma situação análoga à do EN
objetivo. No corpo do art.34º do CP: tem de haver um perigo e, esse perigo tem de ser
atual, a ação tem de ser idónea para afastar o perigo. Se houver a possibilidade de recorrer
à força publica ou a outros meios para impedir a lesão do BJ, a situação não estará
justificada.
A doutrina faz valer aqui o requisito da alínea a) do art.34º do CP, considerando que deve-
se considerar as condutas voluntarias/preordenadas no âmbito do EN subjetivo. Se a
situação de perigo foi criada sem preordenação, a doutrina entende que pode verificar-se
a inexigibilidade – continua, portanto, a valer aqui também o requisito da alínea a) do
art.34º do EN objetivo. Já no que respeita às alienas b) e c) do art.34º do CP não se aplica
no âmbito do EN subjetivo do art.35º do CP.
É ainda exigido o requisito subjetivo comum – é exigível que o agente saiba que está a
agir a coberto de uma situação de EN, isto é, no âmbito de uma causa de exclusão da
culpa.
Também aqui parece que uma pessoa pode atuar em EN subjetivo em auxílio de terceiro,
mas a lei deixa ao juiz a faculdade de averiguar, em concreto, se essa situação é suscetível
ou não de desencadear uma coação psicológica idêntica à que se verificaria se o BJ fosse
do próprio.
E se faltar o conhecimento do requisito subjetivo ou se errar sobre o mesmo? Estaríamos
perante um erro sobre as circunstâncias de facto (art.16º/nº2 do CP). A doutrina fala, a
este propósito, na tese da inexigibilidade, segundo a qual se o agente erra sobre a
representação, haveria que perguntar se a situação representada do agente, que é falsa,
caso fosse verdadeira fundamentava ou não a inexigibilidade – caso a representação do
agente, embora falsa, não fosse fundamentada pela inexigibilidade, o agente era punido a
título de dolo, caso contrário, o agente não seria punido. Outra parte da doutrina (Roxin)

233
fala que estes erros que condicionam a representação do agente, embora a situação
representada não corresponda à realidade, se houver lugar à censura do agente, o mesmo
seria punido, contudo, a título de negligencia, tendo de se verificar os dois requisitos
formal e material da negligencia.
Destas duas doutrinas surgiu outra (a atualmente adotada): que questiona se a
representação do agente, se fosse verdadeira, era inexigível ou não? se a representação
não fundamentava a inexigibilidade, o agente era censurado – nestes casos apenas por
negligencia, sendo necessária a verificação dos respetivos requisitos formal e material.
Se, por outro lado, a representação do agente, embora não verdadeira, fundamentaria a
inexigibilidade, o agente age de facto convencido que estava a atuar no âmbito de uma
causa de exclusão da culpa, pelo que não há dolo. Contudo, ele pode ser responsável pelo
erro na representação da inexigibilidade. É nestes termos que devemos interpretar o
art.16º/nº2 do CP, pois este inclui não só as causa de justificação como as causas de
exclusão da culpa– “ou a culpa do agente”.
O art.35º do CP restringe o âmbito do EN subjetivo ou desculpante aos casos em que o
BJ em perigo fosse a vida, integridade física, etc, isto é, a BJ estritamente pessoais. Mas,
o art.35º/nº2 do CP expande o âmbito dos BJ em causa, estendendo também a BJ não
pessoais.
§ “Desde que se verifiquem os requisitos do nº anterior” – tem de se verificar os
requisitos até agora mencionados (art.35º/nº1 + corpo do art.34º + art.34º/a)).
§ Há também lugar, em regra, a uma “atenuação especial da pena” (art.72º e 73º do
CP).
§ Mas, excecionalmente o agente pode ser “dispensado da pena”. A redação
originaria de 1982 não era igual à que hoje encontramos no CP (dizia que o agente
podia ser isento de pena). Nesta matéria a doutrina diverge:

Eduardo Correia dizia que a inexigibilidade pode atuar como causa de exclusão da culpa
ou como causa de atenuação da culpa. Nos BJ pessoais do nº1 do art.35º do CP, a coação
psicológica produz sobre o agente uma causa de inexigibilidade capaz de afastar a culpa.
Já nos BJ não pessoais, em regra, nestas situações a inexigibilidade atua como causa de
atenuação da culpa. Mas, EC dizia que excecionalmente, atendendo às circunstâncias do
caso, mesmo não sendo BJ de carater pessoal, a situação em concreto poderia constituir
uma causa de exclusão da culpa.
Figueiredo Dias dizia que a inexigibilidade nunca pode, fora dos casos em que estão em
causa BJ pessoais, excluir a culpa, mas apenas atenuar a culpa, pelo que quando estão em
causa BJ de natureza não pessoal, a inexigibilidade só atenua a culpa, pelo que esta
impunidade (“o agente ser dispensado de pena”) do agente não se fundamenta. Contudo,
Figueiredo Dias entende também que, em determinadas circunstâncias, quando em causa
estejam BJ não pessoais pode haver lugar a dispensa de pena, por razoes de necessidade
da pena.
Almeida Costa concorda com ambas as perspetivas. No âmbito da perspetiva de EC
dizendo que excecionalmente, atendendo as circunstâncias do caso, pode a situação da
inexigibilidade constituir uma causa de exclusão da culpa, mas no âmbito dos BJ pessoais

234
a que se refere o nº1 do art.35º do CP. Por outro lado, também concorda com a perspetiva
de FD, pois está de acordo com o facto de a pena poder ser excluída por questões de
necessidade de pena – dispensa de pena.
A inexigibilidade que está prevista no art.35º/nº1 (“age sem culpa”), é uma
inexigibilidade subjetiva, apesar de a doutrina falar (como acima referimos) da culpa
objetiva do Homem médio – pelo que a doutrina está a criar causas de exclusão da culpa
supralegais. Verdadeiramente temos três EN: EN objetivo/justificante (art.34º) – O BJ é
sensivelmente mais valioso, EN subjetivo/desculpante (art.35º do CP) – O BJ protegido
é ou menos valioso, ou tão valioso, ou mais valioso, mas não sensivelmente mais valioso
do que o sacrificado, EN justificante (inexigibilidade subjetiva) – funciona como
concretização da inexigibilidade subjetiva (não cabe no art.34º nem 35º do CP)
NOTA: Quando o BJ sacrificado é um BJ pessoal não significa que estamos
obrigatoriamente no âmbito do art.35º do CP, pois esta situação do art.35º do CP só
funciona no âmbito de situações ilícitas.
O conflito de deveres subjetivo/desculpante
Pode funcionar tanto como causa de exclusão da culpa como causa da exclusão da
ilicitude (como anteriormente verificamos).
No conflito de deveres o agente não é livre de agir, pois está perante dois deveres
conflituantes que o vinculam. O conflito de deveres funciona como causa de exclusão da
culpa e, no âmbito da inexigibilidade subjetiva quando o dever protegido for superior ao
sacrificado. O art.36º/nº1 do CP apenas fala do conflito de deveres objetivo/justificante e
não o subjetivo/desculpante (que é o que aqui estamos a falar).
Ora, o conflito de deveres subjetivo/desculpante é aplicado por analogia ao regime do
art.35º do CP – é aqui que podemos contemplar as situações excecionalíssimas de
obediência hierárquica. A obediência hierárquica não exclui a ilicitude (art.36º/nº do CP),
mas existem situações excecionais em que o funcionário se pode encontrar numa situação
de inexigibilidade. É de referir que nestas situações a ilicitude tem de ser de diminuta
gravidade. O agente sabe que esta a praticar um ilícito, mas a situação em que se encontra
exclui a culpa do agente.
O excesso de LD intensivo/excesso nos meios– art.33º do CP
A LD exige a necessidade do meio – na impossibilidade de recorrer à força publica, o
agente pode recorrer às suas próprias forças, mas deve ater-se ao estritamente necessário
para evitar a lesão do seu bem.
Art.33º/nº1 do CP – este artigo fala do excesso intensivo de LD que torna o ato ilícito,
mas pode haver uma “atenuação especial da pena” (art.72º e 73º do CP) que se
fundamenta numa ideia de inexigibilidade enquanto atenuação da culpa. Isto porque em
qualquer circunstância, o ato resultou de uma ação ilícita, estando o agente a agir contra
o próprio agressor – há uma atenuação da culpa baseada no pensamento da
inexigibilidade.
Art.33º/nº2 do CP – devemos distinguir, desde logo, entre excesso intensivo de natureza
asténica (pessoas tímidas, não agressivas, mas perante o medo ou susto da agressão

235
perdem noção – medo, susto) e excesso intensivo de natureza esténica (raiva, furor,
cólera, vingança – o excesso deve-se a estados agressivos).
Este nº2 do art.33º do CP diz que quando se trate de um estado intensivo asténico não
censurável (p.e. pessoas que receberam uma preparação especial para agir perante uma
situação de crise, a situação de medo ou susto é censurável – situações de exigibilidade
intensificada), o agente pode ficar impune (consagração da ideia da inexigibilidade
enquanto exclusão da culpa).
No nº1 do art.33º do CP está o regime geral do excesso intensivo (seja asténico ou
esténico). No nº2 do art.33º do CP prevê-se a exceção dos casos de exercício asténico não
censurável (o censurável está no nº1).
Mas, quando é censurável? A doutrina aponta para a ideia do Homem médio. O prof. diz
que isto não pode ser porque se não estaríamos perante uma causa supralegal de exclusão
da culpa, dado que a culpa se afere em relação ao concreto agente (deve-se ponderar o
caso concreto).

Erro sobre a ilicitude não censurável


A terceira causa de exclusão da culpa dolosa, no âmbito da teoria geral do sistema dos
crimes de ação dolosos, é o erro sobre a ilicitude não censurável previsto no artigo 17.º
CP.
Importará, antes de mais, enunciar o que é que aqui está em causa, fazendo um
contraponto com o erro sobre a ilicitude/ sobre a factualidade típica– o erro sobre as
circunstâncias de facto que já estudamos a propósito do tipo subjetivo incriminador
doloso.
Nesse sentido, já aludimos à questão. O erro sobre as circunstâncias de facto verifica-se
com uma defeituosa representação do agente do circunstancialismo fáctico em que atua.
Nessa medida, regulado no artigo 16º CP, exclui-se o dolo e o agente apenas poderá ser
punido a título de negligencia desde que verificados os pressupostos formal e material,
i.e., que o crime em abstrato admita a punção a título de negligencia, que sabemos que de
acordo com artigo 13º CP, é excecional à só é admissível quando expressamente prevista
pelo legislador; depois o requisito material, que o erro se fique a dever a descuido ou
leviandade penalmente relevante à i.e., à violação do dever objetivo de cuidado, que é o
fundamento da negligencia penalmente relevante.

Ora, no erro sobre a ilicitude o agente tem um correto conhecimento sobre o


circunstancialismo em que atua (não está em erro sobre o circunstancialismo do facto),
só que não se apercebe da natureza ilícita do ato – julga que está a praticar um
comportamento permitido quando este não o é.
Deparamo-nos com um problema análogo ao do erro sobre as proibições (artigo 16º/2,
2ª parte) – também aqui (no erro sobre as proibições) o agente tem um correto
conhecimento sobre o circunstancialismo de facto em que atua, só que não representa a
ilicitude do ato.

236
Só que aqui o que está em causa são proibições cujo conhecimento é indispensável para
que o agente se aperceba da ilicitude do ato – são proibições predominantemente do DP
secundário, que contendem com conhecimentos especializados que escapam ao homem
comum.
Como se disse, não é preciso estudar para saber que matar é proibido, por exemplo – trata-
se de ilícitos que já estão consolidados na história e a sua apreensão por parte dos
indivíduos resulta dos processos de integração sociais normais (estão consolidados na
consciência axiológica comunitária).
O mesmo não sucede em relação a condutas predominantemente do DP secundário (mas
não só), em que estão em causa condutas que violam bens jurídicos essenciais, mas trata-
se de ilícitos que contendem com conhecimentos especializados (que não são dados pelos
processos de integração social normal) e daí que o agente só possa aperceber-se da sua
ilicitude, perante o conhecimento explicito da norma à ou porque viu no DR ou porque
alguém o informou (ex.: norma que obriga à utilização de novos escapes automóveis;
impõe regras novas para o tratamento de resíduos industriais).
É evidente que o homem conformista/ o homem respeitador dos valores jurídico-
criminais, apesar da sua atitude ser uma atitude de respeito pelo DP e pelos seus valores,
ele so se pode aperceber do caracter ilícito da conduta mediante o conhecimento explicito
da norma.
É por isso que, sendo embora um erro diferente, porque o agente tem um conhecimento
correto da factualidade típica, o nosso legislador equiparou o regime do erro sobre as
proibições, ao erro sobre a factualidade típica ou erro sobre as circunstâncias de facto.
É um erro intelectual – este erro não exprime nenhuma atitude de indiferença ou
contrariedade ao dever ser penal, quando muito exprime uma atitude de descuido ou
leviandade perante o dever ser penal.
Numa palavra, exprime a atitude de descuido ou leviandade caraterística da negligencia.

Por isso, logo no plano do ilícito excluímos o dolo, pelo que as situações correspondentes
ao erro sobre as proibições correspondem a um ilícito negligente.
Ao homem medio, no plano do ilícito estamos a valorar a conduta como ato humano em
geral. Como se tivesse sido praticado pelo homem medio e em relação ao homem medio
não é de esperar estes conhecimentos, ele poderá tomar conhecimento deles através do
conhecimento da própria norma.

Por isso, logo se exclui no plano pessoal objetivo do desvalor do ato o dolo e por isso o
agente só pode ser punido a título de negligencia
É no fim de contas esta razão material que levou o legislador na 2ª parte do artigo 16º/1
CP a equiparar o regime do erro sobre as proibições ao regime do erro sobre a factualidade
típica ou circunstâncias de facto.

237
Assim, o agente só poderá ser punido, como se diz no nº3 do artigo 16º, a título de
negligencia, só quando verificados os requisitos gerais da punição da negligencia
(requisito formal + requisito material).

O que de diferente se verifica no erro sobre a ilicitude, que estamos a estudar agora como
causa de excussão da culpa, por referência ao erro sobre as proibições?
A diferença está na própria natureza das proibições – na natureza dos ilícitos em causa.
No âmbito do erro sobre as proibições estamos perante ilícitos sem ressonância ético
social (cujo conhecimento não é dado pelo processo de integração social normal), ao
passo que no erro sobre a ilicitude estamos perante os tais ilícitos já interiorizados ao
nível da consciência axiológico-comunitária.
Precisamente por isso nas situações de erro sobre a ilicitude, no plano do ilícito, temos
um ilícito doloso à situações em que o homem medio tinha as capacidades para se
aperceber do carater ilícito – daí que se necessariamente se não apercebe, revela uma
atitude de oposição frontal aos valores jurídicos criminais, que é a atitude caraterística do
dolo.
Por isso, logo no plano do ilícito, temos um ilícito doloso, ao contrário do que verificamos
no âmbito do erro sobre as proibições de que se trata de um ilícito negligente.
® Portanto, valorada a conduta subjacente ao erro sobre a ilicitude ao nível do
critério do homem médio, nos temos um ilícito doloso.
® Contudo, para termos um crime não é suficiente termos uma conduta ilícita, e
neste caso ilícito doloso, é necessário que seja também culposa.
Pode bem suceder que aquela conduta praticada em erro sobre a ilicitude (aquele ilícito
objetivo) não seja censurável ao agente devido às suas particulares qualidades/
características. i.e., não era exigível àquele concreto agente que, naquela concreta
situação, se apercebesse da ilicitude do ato à temos uma situação de ilícito objetivo a
que não corresponde uma culpa subjetiva.
É esta a situação de erro sobre a ilicitude, que leva à consideração do erro sobre a ilicitude
quando não censurável ao concreto agente como uma causa de exclusão da culpa – artigo
17.º, n.º 1 CP.
Estamos no âmbito do DP da culpa, sem culpa não há crime. Logo, não há culpa e não
haverá punição. Nisto consiste a consagração do erro sobre a ilicitude não censurável
como causa de exclusão da culpa.
E se for censurável? Se for censurável o erro – essa situação do erro sobre a ilicitude
censurável está regulada no artigo 17.º, n.º 2 CP.
Convém, contudo, atender às duas grandes construções nesta matéria:
Teoria do dolo – defendida pelos autores do sistema neoclássico ou normativista
(Eduardo Correia e Mezger): a teoria do dolo dizia que o erro sobre a ilicitude, se não for

238
censurável, não é punível; mas se for censurável só pode ser punido a título de
negligencia.
Isto pela razão de que o sistema neoclássico partia de uma conceção do ilícito objetivo,
onde, em regra, não havia a consideração da subjetividade do agente – tudo o que tivesse
a ver com a subjetividade do agente remetia pela culpa, pelo que o dolo e a negligencia
eram, exclusivamente, espécies e graus de culpa.
O dolo, nesta conceção, abrangia, portanto, não apenas o elemento intelectual e volitivo,
mas também emocional. O que significava que sempre que faltasse a consciência da
ilicitude, i.e., o agente atuasse em erro sobre a ilicitude, excluía-se o dolo – faltava o
elemento emocional, pelo que só poderia ser punido a título de negligencia.

Em suma, para a teoria (estrita/ extrema) do dolo, o erro sobre a ilicitude excluía o dolo,
o que significava que o regime do erro sobre a ilicitude seria idêntico ao regime do erro
sobre a factualidade típica.

Contra esta teoria se levantaram problemas e dificuldades de índole político-criminal –


é que a negligencia é apenas punível a título excecional (de acordo com o artigo 13º
CP), o que poderia levar a absolvições em massa.
O erro sobre as circunstâncias de facto é um erro intelectual, contendendo com o aspeto
mais mecânico da atividade mental, daí que a sua prova no processo seja mais fácil (o
agente viu-se confrontado com a realidade e não se apercebeu/ conhecimento daquela
circunstância); diferentemente se passa no erro sobre a ilicitude, que contende com
aspetos emocionais e valorativos (não podemos entrar na cabeça do agente para saber se
ele se apercebeu ou não da ilicitude, apesar de ter representado corretamente o
circunstancialismo fáctico em que estava a atuar).
Por isso, num processo inspirado pelo princípio do in dubio pro reo, levar a insolvências
em massa e com isso conduzir a situações político-criminalmente insuportáveis.

Depois, existe a razão de fundo/ critica de fundo desta doutrina: de facto a negligencia
tem o seu fundamento num dever objetivo de cuidado, num descuido/ leviandade e foi
esta a segunda grande critica: o não saber que matar é proibido, que furtar/ roubar é
proibido, etc. é um descuido?
Não, fica-se a dever a uma atitude interior do agente que está em conflito com os valorar
jurídico-criminais. Não revela uma atitude de descuido ou leviandade, mas sim uma
atitude de indiferença aos valores jurídico-criminais.
Circunstância que afasta a negligencia e a punição por responder à negligencia não
exprimam o real desvalor jurídico-criminal destas situações.
Foram estas as duas críticas fundamentais dirigidas à teoria do dolo estrito ou extrema,
tal qual surgiu na doutrina.

239
Como os próprios adeptos se aperceberam da justeza destas críticas, introduziram
algumas limitações ao seu ponto de partida, e com isso nasceu a chamada teoria do dolo
limitada ou mitigada. Em que é que consistiu?
® Mezger dizia que, em princípio, o erro sobre a ilicitude (erro sobre a proibição [no
singular]) exclui o dolo e, portanto, apenas se permitira a punição a título de
negligencia.
Contudo, existem, casos graves referentes àqueles bens jurídicos mais importantes
do DP (dentro dos bens jurídicos essencial que o DP protege, há uns mais
importantes do que outros) e, nesses casos, se o agente não se apercebe da ilicitude
está a revelar, mais do que uma «cegueira», uma verdadeira inimizade pelo
Direito.
Nessas situações, embora se exclua o dolo, ele deve ser punido a título de dolo –
com isto, ultrapassava-se a critica quanto aos sentidos jurídico-criminais do
caracter excecional da punição da negligencia e da negligencia não ser suficiente
para responder ao desvalor jurídico criminal da concreta situação.

® Eduardo Correia chegava ao mesmo resultado, mas procurava não sair tanto dos
quadros da teoria do dolo, o que dizia era o seguinte: sem dúvida que o erro sobre
a ilicitude exclui o dolo, e o agente só podia ser punido a título de negligência.
Todavia em relação a esses casos mais graves de inimizade pelo direito o agente
revelava não era apenas uma culpa negligente pelo facto, ma suma verdadeira
culpa negligente como modalidade da culpa na formação da personalidade.
Quer dizer, o erro sobre a ilicitude revelava que o agente ao longo da sua vida não
se tinha preparado para respeitar aquelas exigências mínimas à convivência
comunitária, que são as exigências que contendem com os valores mínimos
indispensáveis à convivência comunitária.
Nesse sentido, a negligencia que se punia com a que se punia o erro sobre a
ilicitude seria, não a negligência como modalidade do facto, mas sim a negligencia
geral para com o dto, como modalidade de culpa na formação da personalidade.
A partir daqui, EC dizia que esta negligencia geral pelo dto não está subordinada
ao limite do artigo 13º do CP, é punível a propósito de todos os crimes.

Punível como?
Punível com a moldura penal abstrata do crime doloso, ainda que especialmente atenuada.
Com isto, EC, sem sair dos quadros da negligencia, ultrapassava a tal dificuldade politico-
criminal, pelo que a negligência geral pelo dto, seria punida a respeito de todos os crimes,
sem estar subordinada ao artigo 13º e a pena correspondente seria mais grave (uma vez
que seria uma pena determinada dentro da moldura penal abstrata do crime doloso).
Estas duas orientações enfermam empenos inultrapassáveis:

240
þ Na verdade, Mezger pretende punir situações que diz que são de negligência, com
a pena dolosa. Logo aqui a grande dificuldade de encontra no pp da legalidade.
Se Mezger diz que o erro sobre a ilicitude exclui o dolo e só admite a punição a
título de negligencia, na lei alemã existe um artigo semelhante ao artigo 13º, que
restringe a negligência aos casos expressamente previstos na lei. Como é que
Mezger poderia alargar e continuar a dizer que estava a respeitar a lei alemã?
Qual a base legal para a solução?
Desde logo, esta doutrina parecia inadmissível à luz do princípio da legalidade.

þ O mesmo se dirá na teoria de EC que o que se está a punir no erro sobre a ilicitude
não é o erro, não é a negligência como modalidade de culpa do facto, é uma
negligencia geral do dto como modalidade de culpa na formação da personalidade
e que esta não está subordinada ao limite do artigo 13º e que vai ser punida dentro
da moldura dolosa. Onde é que isto está previsto na lei? Como vamos punir a
negligencia a título de dolo?
Estas doutrinas, embora procurassem colmatar o erro da formulação inicial da teoria do
dolo extrema ou estrita, sofriam deste empeno, desde logo, a sua inadmissibilidade à luz
do princípio da legalidade (não havia base legal para as mesmas, contrariavam a
regulamentação expressa tanto da lei alemã como da lei pt) e acresce a isto tudo a critica
fundamental: é que estes autores continuam a incluir estas situações no âmbito da
negligencia quando a negligencia não reproduz o desvalor do facto (atitude de total
divorcio face ao dever ser jurídico criminal).
Foi na base destas críticas que quer a doutrina do dolo estrita, como as doutrinas do dolo
limitadas foram abandonadas pela generalidade da doutrina. Em sua substituição nasceu
a chamada teoria da culpa.
A teoria da culpa surgiu ligada ao sistema finalista, e mais propriamente, a Hans Welzel.
A doutrina finalista, ao contrário da doutrina normativista partia do ilícito pessoal, pelo
que logo ao nível do ilícito típico distinguia o dolo da negligencia – sucedia que o dolo
do ilícito típico, para os finalistas e assim continua a ser para muita doutrina atual, se
resumia ao dolo natural (i.e., conhecimento e vontade de realização do tipo incriminador
[não havia qualquer elemento emocional]).
Portanto, aquele que atuasse com conhecimento e vontade de realizar o tipo incriminador
atuava a título de dolo, mesmo que atuasse numa situação de legitima defesa ou acoberto
de qualquer outra causa de exclusão da ilicitude. A conduta dele era dolosa, por ter
preenchido conscientemente e voluntariamente o tipo incriminador, só que depois poderia
vir a causa de justificação eliminar o desvalor do facto e torná-lo lícito. Ex.: alguém mata
alguém julgando que está a ser vítima de agressão quando não está – legitima defesa
putativa)à O que Welzel dizia e o que a teoria do dolo estrita dizia é que neste caso, ele
praticou uma ação dolosa, e o erro sobre as circunstâncias de facto das duas uma: ou é
censurável ou não, sendo que se o for o agente será punido a título de dolo (mas esta
censurabilidade só se poe em sede de culpa).
Em sede de ilícito, o dolo era o dolo natural, afirmamos o dolo desde que o agente tivesse
conhecimento da factualidade típica e vontade de realizar essa mesma factualidade típica.

241
O problema da falta de consciência da ilicitude não se punha aqui, somente depois em
sede de culpa, o que fazia com que a teoria do dolo extrema ou estrita conduzisse a um
regime demasiado severo e de resto desajustado, em função do desvalor do caso, porque
em função do que foi dito, esta teoria remetia para o erro sobre a ilicitude.
Portanto, para uma punição a título de dolo, todos os casos em que ou o agente não se
apercebesse do ilícito da conduta e, portanto, do sentido subjacente ao tipo incriminador,
como todo o erro sobre o tipo justificador, quer fosse um erro sobre os pressupostos
fácticos, quer fosse um erro sobre a ilicitude/ sentido e alcance do tipo justificador.
Esta solução, nomeadamente quando ao erro sobre os pressupostos fácticos, pareceu
excessivamente severa aos olhos da doutrina. Repare-se na situação de erro sobre a
legitima defesa (legitima defesa putativa): o agente que atua acoberto da legitima defesa
julga, erroneamente, que está a atuar de modo conforme ao Direito, pelo que a sua atitude
não é de contrariedade ou indiferença face aos valores jurídico-criminais (ele quer e julga
estar a praticar um comportamento lícito, apenas avaliou mal a situação), pelo que a única
censura que se lhe poderá dirigir terá que ver com a eventual atitude de descuido ou
leviandade tomada na apreciação do facto (negligência).
Foi isto que veio dizer a teoria da culpa limitada que, por referência à teoria da culpa
estrita/ extrema, que no âmbito do tipo incriminador e do tipo justificador há que
distinguir as várias espécies de erro, assim temos: erro sobre a factualidade típica, que
exclui o dolo e apenas admite a punição a título da negligencia quando censurável e o
erro sobre a ilicitude.
Por outro lado, a mesma distinção se tem que fazer no âmbito do tipo justificador: também
no tipo justificador o agente pode errar sobre os pressupostos fácticos e, nesses casos,
exclui-se o dolo e o agente só será punido se esse erro lhe for censurável a título de
negligencia. Como?
Inversamente, pode verificar-se um erro sobre o sentido da ilicitude e aí estaremos perante
o erro sobre a ilicitude que, se não for censurável, não há culpa e não será punido; se for
censurável, só poderá ser punido a título de culpa dolosa.
Ex.: um emigrante pagar 50.000 euros de adiantamento a um mestre de obras para que
este inicie um projeto de uma casa em Portugal.
O senhor quando chega a Portugal vê que o terreno está exatamente igual e ouve ainda
dizer que o mestre de obras tem dividas e, pega num quadro valioso do mestre de obras,
convencido de estar a atuar em legitima defesa do seu património (a LD não recobre as
situações de defesa de dtos de crédito) – não há um erro sobre as circunstancias de facto,
há um erro sobre o sentido e alcance da causa de justificação da legitima defesa, ou seja,
há um erro sobre a ilicitude da sua própria conduta, pelo que é um erro relativo ao tipo
justificador.
Por isso, verdadeiramente este é o alcance da teoria da culpa limitada. É por isso que,
quando tratamos do erro sobre o tipo justificador, dissemos que a nossa lei consagrava no
fundo a teoria da culpa limitada ou mitigada e que resulta da leitura conjugada dos artigos
16º/2 e 17º CP.

242
þ O artigo 16.º, n.º 2 CP (importa-nos a 1ª parte) – o erro sobre as circunstâncias
de facto do tipo justificador exclui o dolo e só pode ser punido a título de
negligência, nos termos do nº3 do mesmo artigo 16º – A NOSSA LEI AFASTA
A TEORIA DO DOLO ESTRITA.
þ Depois, o nº2 do artigo 17º confirma a consagração na nossa lei da teoria da culpa
limitada ou mitigada à se o erro sobre a ilicitude lhe for censurável, o agente
exprime a tal atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever ser jurídico-
penal, é punido com a pena aplicável a qual pode ser especialmente atenuada: se
o erro sobre a ilicitude for censurável o agente exprime a atitude característica da
culpa dolosa.
Sintetizando:
o Ao contrário da teoria do dolo dos normativistas (defendida por Mezger e por EC)
para a qual nas situações de erro sobre a ilicitude das duas, uma:
o Ou não é censurável – se não há censura, não há culpa, logo fica impune;
o Ou é censurável – neste caso seria punido tão-só a título de negligencia,
com todas as dificuldades que isso significava e que aludimos.
o Diferentemente, na teoria da culpa limitada ou mitigada, das duas, uma:
o O erro sobre a ilicitude não é censurável? – se assim for, não culpa, não
será punido.
o É censurável? – a ser censurável, será punido a título de dolo, uma vez que
a ignorância da ilicitude exprime a atitude de contrariedade ou de
indiferença perante o dever ser jurídico-penal característica da culpa
dolosa.
o O sentido da teoria da culpa limitada no confronto com a teoria da culpa originaria
(a teoria da culpa extrema ou estrita) consiste em afirmar que, tanto no âmbito do
tipo incriminador, como justificador, há que distinguir as várias espécies de erro:
o Por um lado, um erro intelectual/ um erro de conhecimento que contende
com o conhecimento do circunstancialismo fáctico em que o agente atua
– o agente tem um defeituoso conhecimento e que está regulado no artigo
16º, exclui o dolo e o agente a ser punido só o poderá ser a título de
negligencia, desde que verificados os pressupostos gerais.
o Por outro lado, um erro sobre a ilicitude, que é um erro de valoração/
moral, em que o agente evidencia uma desconformidade entre a sua
consciência axiológico individual e a consciência axiológico-comunitária
(ele não interiorizou os valores da comunidade, o mínimo indispensável
que o DP exige e nessa medida traduz a diferença ou contrariedade pelo
dever ser jurídico-penal). E este erro sobre a ilicitude ou não é censurável,
e aí não há culpa; ou a ser censurável terá de ser punido a título de
negligencia.
Esta teoria da culpa limitada está consagrada expressamente na própria lei portuguesa
como resulta da leitura conjugada do artigo 16º/2, 2ª parte, e 17º/2 CP.

Importará agora fazer uma referência para tornar as coisas mais claras:

243
þ Em primeiro lugar, o erro sobre a ilicitude não tem que ver com o conhecimento
da norma em geral/ em abstrato (ex.: saber que matar é proibido, furtar é proibido),
mas sim com o erro sobre o sentido de ilícito concreto – é atendendo aquela
concreta situação com aquelas concretas características que afirmamos o erro
sobre a ilicitude quando o agente não se aperceber em concreta da natureza do
ilícito em causa– ERRO SOBRE O ILICITO.
Ele erra sobre o concreto sentido de ilícito daquele caso concreto – até pode saber
que em abstrato há uma norma que diz que a conduta é proibida, mas não atualiza
na situação concreta esse conteúdo da norma.
Portanto, erra sobre o concreto sentido de ilícito daquela concreta situação.
þ Em segundo lugar, o erro contende com o sentido de ilícito penal – afirmamos
que estamos perante uma situação de erro sobre a ilicitude se o agente em concreto
não representar que aquela situação é um ilícito penal.
Pode pensar que é um ilícito contraordenacional, administrativo, etc, desde que
ele não represente o específico sentido de ilicitude penal daquele caso concreto,
estamos perante o erro sobre a ilicitude a submeter ao regime do artigo 17º CP.

Fotografia global das situações de erro:


ð Erro sobre as circunstâncias de facto: que pode respeitar às circunstâncias de facto
do tipo justificador e do tipo incriminador; Erro intelectual, exclui o dolo e o
agente a ser punido será a título de negligencia.
ð Erro sobre as proibições: respeita a proibições sem ressonância ético social, de
que o homem comum só se pode aperceber através de um conhecimento explicito
das mesmas. Por isso o nosso legislador entendeu (e bem) que se trata também de
um erro intelectual, que não se confundindo sobre o erro sobre a factualidade
típica, deve por essa circunstância ser submetido ao mesmo regime (2ª parte, do
artigo 16º). Exclui o dolo e o agente só será punido a título de negligencia nos
termos gerais, de acordo com o nº3 do mesmo artigo 16º.
ð Erro sobre a ilicitude – não tem que ver com o conhecimento do
circunstancialismo fáctico (aqui o agente tem um correto conhecimento do
circunstancialismo fáctico em que atua), mas ao contrário do erro sobre as
proibições, contende com ilícitos com ressonância ético-social – atitude de
característica da culpa dolosa. Neste caso, como manda o artigo 17º, o agente será
punido a título de dolo: quer esteja em causa o sentido de ilícito subjacente ao tipo
incriminador; quer esteja em causa o sentido de ilícito da concreta causa de
justificação, como o caso da LD dos dtos de crédito do exemplo dado
anteriormente. Neste caso o erro sobre a ilicitude, se for censurável, será punido
a título de dolo.
Com a adesão a esta teoria da culpa limitada, estão ultrapassadas as dificuldades que se
punham tanto à teoria da culpa estrita ou extrema (pela demasiada severidade a que
conduzia), quer às críticas à velha teoria do dolo e ao espaço de impunidade que abria às
soluções político-criminalmente insuportáveis a que conduzia.

244
Punibilidade
Vamos terminar a teoria geral dos delitos de ação dolosos, falando da última categoria: a
punibilidade.
Há muito que muitos autores que assinalam como último estrato da construção geral do
delito a punibilidade. Simplesmente, a punibilidade, tal como a vemos enunciada em
Belling era uma categoria que envolvia elementos muito heterogéneos: elementos esses
que a doutrina tinha alguma dificuldade em enquadrar, seja no plano do ilícito típico, seja
no plano da culpa.
São elementos heterogéneos que muitas vezes nada tinham que ver com a matéria penal
e, por isso, a doutrina remetia certos elementos que eram pressupostos da punição, mas
que havia dificuldade em incluir no plano do ilícito e da culpa.
A situação alterou-se, todavia, quanto à compreensão desta categoria da punibilidade.
Ora, alterou-se sobretudo no contexto do sistema teleológico-racional.
A estrutura básica do sistema teleológico-racional aproveitou em larga medida aquele
sistema que resultou da luta de escolas e quase que se implantou na década de 60 /70
como uma espécie de communis opinio, mas introduzindo um elemento novo.
Sobretudo por influência de Roxin, entendeu-se que se o conceito material de crime
resultava da ponderação cumulativa de considerações de dignidade penal de ordem
axiológico-jurídica, e, por outro lado, de necessidade de pena atinentes aos objetivos
politico-criminais da prevenção geral e/ou especial, então tanto a vertente da dignidade
penal como da necessidade de pena tinham de se projetar na construção geral do delito.
Portanto, se a construção geral do delito pretende enunciar os elementos constitutivos
desse conceito material de crime que está pressuposto e se na definição desse conceito
material de crime intervêm tanto considerações de dignidade penal como de necessidade
de pena, afigurava-se evidente que ao longo do sistema deveria haver concretizações/
projeções dessas mesmas ideias.
Na modelação de qualquer das categorias não intervinham considerações de necessidade
de pena e é isso que pretende fazer o sistema teleológico racional que surge sobretudo por
influência de Klaus Roxin.
Neste sentido, o sistema teleológico-racional, como disse um discípulo de Roxin,
verdadeiramente traduz-se numa nova metodologia/ num novo modo de construção
conceptual que pretende introjetar no sistema, para alem das considerações de dignidade
penal, as considerações de necessidade de pena.
São estas considerações de necessidade de pena que influem hoje sobretudo na categoria
da punibilidade como último estrato da construção geral do delito.
É esta a categoria geral do sistema teleológico-racional: introjetar considerações de
necessidade de pena. Só que o acordo dos autores começa e acaba aqui: quanto ao modo
como essas considerações de necessidade de pena deviam intervir na construção do
sistema há grandes divergências doutrinais.

245
Começando pela opinião de Roxin, este faz intervir essas considerações substituindo a
categoria da culpa pela categoria da responsabilidade. Roxin mantinha o sistema intacto
até ao plano do ilícito típico: ação, tipo incriminador, tipo justificador. Chegava à culpa
e substituía-a pela da responsabilidade. A averiguação da categoria da responsabilidade
passaria por 2 momentos:
§ Um primeiro momento era a averiguação da culpa nos moldes tradicionais;
§ Então, depois de averiguada a culpa e se chegasse à conclusão de que o agente
tinha atuado com culpa, haveria que passar a um 2º momento: momento da
necessidade de pena. Dizia Roxin que ao DP não interessa a culpa tout court,
apenas interessa uma culpa relativamente à qual haja necessidade de punição e
pode bem suceder que haja culpa e não haja necessidade de pena. Nesse sentido,
a categoria da responsabilidade seria como que concretização dentro do sistema
da conceção unilateral ou unívoca do pp da culpa.

Neste 2º momento da categoria da necessidade que aspetos atinentes à necessidade de


pena poderiam excluir a punição (se considerada)? Podemos falar de vários exemplos:
participação em rixa do artigo 151º. Para que a participação em rixa seja punida,
é necessário que dessa rixa resulte ou a morte de alguém ou uma ofensa à
integridade física grave. Contudo, para que participação em rixa (crime de perigo)
seja punida é necessário, então, que ela atinja um certo perigo. Como prova desse
perigo atende-se ao resultado. i.e., a exigência de que em concreto se tenha
verificado a morte ou ofensa à integridade física grave de alguém funciona como
meio de prova e, portanto, como critério de necessidade de pena em relação à
concreta rixa.
Outro exemplo é a incitação ao suicídio: para que seja punida é necessário que
haja a tentativa de suicídio ou a sua consumação.

Depois, e seria a segunda consideração de necessidade de pena, referiam-se à


criminalidade bagatelar: o DP só deve intervir quando estão em causa ofensas graves
de bens jurídicos essenciais. Isto porque em relação às pouco graves entende-se que não
haja necessidade de pena. Muitas vezes o legislador restringe a punição à exigência de
que a lesão ou o perigo para o bem jurídico sejam graves (seria uma 2ª concretização da
ideia da necessidade de pena).

Finalmente, surgia a desistência da tentativa: a tentativa traduz-se em alguém praticar


atos que são idóneos a produzir a consumação do crime, só que esta não se verifica por
motivo estranho ao agente. Ex.: sr. A dispara sobre o sr. B, mas é azelha e falha.
A generalidade das legislações estabelece que a desistência voluntaria da tentativa exclui
a punição, na base de razoes de prevenção.

246
Esta construção de Roxin, todavia, não teve grandes adeptos e a esmagadora maioria dos
adeptos do sistema teleológico-racional autonomizaram estas considerações de
necessidade de pena para uma categoria autónoma: punibilidade.
FD, em concordância com a opinião maioritária entre os autores adeptos do sistema
teleológico-racional, mantem o sistema intocado até ao momento do ilícito: ação, ilícito
típico, tipo incriminador, tipo justificador, culpa. Depois junta a categoria da punibilidade
onde interviriam exclusivamente as tais considerações de necessidade de pena atinentes
a pontos de vista de prevenção geral e/ou especial.
Foi para autonomizar as considerações de culpa das considerações de necessidade e, com
isso, manter a função de garantia da culpa em DP, que a generalidade da doutrina adepta
do sistema teleológico-racional, autonomizou as considerações de pena da culpa e com
isso introduziram o tal 5º escalão da construção geral do delito:
ü Ação;
ü Ilícito típico;
ü Tipo incriminador e Tipo justificador;
ü Culpa;
ü Punibilidade.

Dr. Almeida Costa discorda deste ponto de vista. Adere a um modelo que tem como
defensor Walter Zaachs.
Se o sistema é a decomposição analítica de uma ideia de crime previa (conceito material
de crime) e, na modelação desse conceito material de crime intervêm tanto considerações
de dignidade penal (atinentes ao desvalor do ato, à gravidade do ato tanto no plano
objetivo como no plano subjetivo da censura ao agente) e, por outro lado, intervêm
considerações de necessidade de pena (sejam elas de prevenção geral e especial), então
quer a dignidade penal como a necessidade de pena não podem estar acantonadas apenas
numa categoria/ num estrato do sistema.
Tem que se projetar ao longo de todo o sistema, intervindo na conformação de todas e
cada uma das categorias.
A ideia da necessidade de pena não deve intervir apenas no estrato dogmático nas
condições vistas, mas se que se projeta ao longo de todo o sistema na modelação de todas
e cada uma das categorias, não havendo razão para introduzir uma categoria autónoma.
AC reconhece, e aqui encontra-se de acordo com Roxin, a existência de uma categoria de
punibilidade para abranger algumas situações, a maior parte das vezes, provindas de
natureza extrapenal que são limitações à punição, que fazem com que deixemos de estar
perante um crime e, por isso, não cabem num juízo de ilícito e de culpa. Ex.: intervenções
parlamentares no sentido de que algumas condutas na vida corrente corresponderiam a
ofensas à honra, sejam consideradas adequadas.

247
Teoria geral do delito de ação negligente
Esta autonomização dos delitos de ação dolosos ou negligentes resultou da introdução da
conceção do ilícito pessoal - antes não havia a autonomização, era uma construção
unitária do delito. No quadro de um sistema clássico e neoclássico verdadeiramente a
contraposição do dolo e da negligencia só se verificava na culpa.
Com a introdução do ilícito pessoal, a contraposição do ilícito à culpa alterou-se: o ilícito
pessoal pretende já exprimir o desvalor pessoal objetivo do ato, i.e., o desvalor do ato
como ato humano em geral e isso permite, logo no plano do ilícito, autonomizar o ilícito
doloso do ilícito negligente.
Dito isto, começar-se-á a estudar a teoria geral dos crimes de ação negligentes.
Qual é o fundamento da punição da negligencia? – traduz-se na violação do chamado
dever objetivo de cuidado.
Pelo simples facto de viver em sociedade e de obter todas as vantagens que resultam da
vida em sociedade, o dever objetivo de cuidado manda que todos e cada um de nos em
todos os momentos da nossa vida mantenhamos a tensão psicológica/ o grau de atenção
necessário para prever/ antecipar as consequências dos nossos atos e desta forma
evitarmos os atos que possam vir a lesar ou a colocar em perigo bens jurídicos.
O dever objetivo de cuidado que é definido de acordo com o padrão do homem medio.
O DP rege-se por um pp de subsidiariedade que é o corolário do próprio pp da
proporcionalidade em sentido amplo do artigo 18º/2 CRP. Portanto, o DP exige o mínimo
indispensável à convivência comunitária – é o exigível ao homem medio.
Por outro lado, na base desta violação do dever objetivo de cuidado estamos já a assinalar
o ponto essencial que permite a contraposição do ilícito negligente ao ilícito doloso.
þ No facto doloso o agente tem conhecimento e vontade de praticar o crime,
exprimindo uma atitude de contrariedade ou de indiferença perante o dever ser
penal.
þ Ao passo que na negligencia, em princípio, o agente não quer praticar o crime, só
que por descuido ou leviandade acaba, de forma não voluntaria/ não dolosa, por
lesar ou colocar em perigo um bem jurídico. É também censurável, mas é menos
censurável porque o que ele revela não é uma atitude de contrariedade ou de
indiferença perante o dever ser penal característica do dolo, mas tão-só uma
atitude de leviandade ou descuido.
Isto explica o facto de quando a negligencia é punida, será sensivelmente menos
gravemente do que o dolo. Por outro lado, explica o caracter excecional da punição da
negligência que, de acordo com o artigo 13º CP, só é punível quando o legislador
expressamente o declarar.
Temos ainda a ideia da necessidade de pena, uma vez que se diz que a negligencia na
medida em que não revela a tal atitude de contrariedade ou de indiferença, mas tão-só
uma atitude de descuido ou leviandade perante o dever ser penal muitas vezes a ideia da
preservação dos bens jurídicos não requer uma sanção penal, a simples sanção civil é
bastante para acautelar os interesses em causa. É esta a razão que está subjacente ao

248
caracter excecional da negligencia, mas também subjacente à ideia de que a tentativa não
é punida a título de negligência, como resulta dos artigos 22º e 23º CP.
Duas distinções quanto à negligencia:
Uma primeira de ordem qualitativa, que distingue entre negligencia consciente e
inconsciente.
ü Na negligência inconsciente, devido a descuido/ leviandade o agente não
representa sequer o caracter perigoso do ato (artigo 15º al. b));
ü Depois, a negligencia consciente (artigo 15º al. a)) com o seu problema com a
contraposição ao dolo eventual. Aqui elemento intelectual é igual ao do dolo
eventual: o agente representa o resultado criminoso como tão-só possível, só que
atua confiante que o resultado não se vai produzir. Ao invés do dolo eventual em
que o agente representa o resultando como possível, mas atua não confiando de
que o resultado não se produzirá.
Para a doutrina maioritária qualquer das 2 modalidades da negligência seria concretização
da violação do dever objetivo de cuidado: o descuido ou leviandade levaria num caso a
que o agente nem sequer representasse o caracter criminoso da conduta. Noutro caso
levaria a que o agente, embora representando a possibilidade, ponderou mal as coisas e
confiou, quando não devia, de que o resultado não se ia produzir.
Depois temos uma segunda distinção de ordem quantitativa entre negligência tout court
e a chamada negligencia grosseira ou negligencia qualificada.
ü Esta distinção prende-se com a maior ou menor gravidade da violação do dever
objetivo de cuidado, que é um critério normativo que admite graduações. Nos
casos em que o descuido seja particularmente grave ou censurável fala-se em
negligencia grosseira ou qualificada.
ü Isto tem importância ou para a medida da sanção, porque o legislador muitas vezes
autonomiza a negligencia grosseira para agravar a sanção por referência à sanção
prevista para a negligencia tout court. Outras vezes, de acordo com o caracter
excecional da negligência que resulta do artigo 13º do CP, restringe a punição da
negligencia ao requisito de que seja grosseira.

O crime negligente é violação de uma norma de determinação: o dever objetivo de


cuidado é uma norma de determinação.
Se o objetivo é a proteção de bens jurídicos o legislador penal só pode fazer 2 coisas
cumulativamente:
o Por um lado, e esta será a norma de determinação subjacente ao delito doloso,
impor que ninguém pratique condutas atentatórias/ que lesem ou coloquem em
perigo bens jurídicos. Abster da prática de condutas que levem à colocação em
perigo ou à lesão de bens jurídicos: este é o conteúdo da norma de determinação
subjacente ao crime doloso.
o Por outro lado, temos o dever objetivo de cuidado, que será uma norma cujo
objetivo podemos enunciar da seguinte forma: ao longo da tua vida mantem o

249
cuidado necessário para antecipar o resultado das condutas e abstém-te daquelas
que possam lesar ou colocar em perigo bens jurídicos.
É esta ideia de crime negligente como conduta humana violadora de uma norma de
determinação, é este conceito material de negligencia que vai ter que estar subjacente à
construção geral do delito negligente.
Também aqui a construção geral do delito tem a mesmíssima função que a construção
geral do delito desempenhou no âmbito dos crimes dolosos:
ü Por um lado, permite aprofundar os vários elementos e aspetos da problemática
do crime negligente e tem a virtualidade pedagógica;
ü Mas o mais importante continua a ser o significado metodológico: caminho que
permite ao juiz averiguar se a situação cabe ou não neste âmbito, mas também
um caminho que potencia os valores de certeza e a segurança na aplicação do
direito (até em sede de recurso).
Decomposição analítica do crime de ação negligente
I. Ação
Aqui não há nada a acrescentar em relação ao dito anteriormente a propósito do conceito
de ação no âmbito da teoria geral dos delitos dolosos – conceito pessoal ou personalista
de ação.
Partimos então do conceito pessoal ou personalista de ação do primeiro Welzel, antes da
ação final: toda a exteriorização de uma intencionalidade de sentido. Ou, na formulação
de Belling: toda a exteriorização da vida consciente do individuo.
Na realidade a ação é isso mesmo: a expressão de um sentido. O eu é provocado por
acontecimentos exteriores e é a reação que comporta elementos cognitivos, mas também
elementos emocionais valorativos que constitui a ação.
Ex.: várias pessoas numa esplanada e alguém a passar cai – várias reações são possíveis:
indiferença, riso, ajuda, etc. Tudo isto são exteriorizações de uma intencionalidade de
sentido.
No plano dogmático cumpre as mesmas funções que cumpria nos crimes dolosos de
afastar logo numa primeira aproximação todas as situações, porque não são ações
humanas não podem integrar a violação de uma norma de determinação.
Nota: a norma de determinação tem como destinatários comportamentos humanos,
pessoas, e, portanto, não é ação: fenómenos naturais, comportamentos de animais, mas
também comportamentos humanos que não são ações para efeitos de DP – atos praticados
em estado de inconsciência (sonambulismo, hipnose, atos reflexos, etc) e atos sob coação
física.
Não basta a ação para termos crime, ela terá que ser:
II. Ilícito típico
Aqui continuamos a partir da conceção do ilícito pessoal que pretende exprimir o sentido
da conduta como ato humano em geral, com o sentido pessoal objetivo, ao invés de

250
relacionar com a culpa que se falará adiante, em que se analisa o ato do concreto agente
e, portanto, no seu sentido pessoal subjetivo (num desvalor que tem como ato daquele
concreto agente, com aquelas concretas capacidades, qualidades ou características).
Também aqui o ilícito típico é uma unidade subjetiva-objetiva que se vai traduzir no tipo,
que mais não é a expressão formal do específico conteúdo de ilicitude de cada delito
negligente.
Tipo objetivo
Também aqui o legislador, na modelação do tipo objetivo, joga/ combina 3 elementos:
® O agente;
® A conduta;
® Bem jurídico.
Quanto a cada um destes elementos podem fazer as distinções já feitas quanto às espécies
de tipicidade:
® Quanto ao agente:
§ Crimes comuns (que podem ser praticados por qualquer pessoa, o
legislador não estabelece qualquer exigência quanto às características do
agente);
§ Crimes específicos ou especiais (em que o legislador restringe o âmbito
dos destinatários daquele tipo a certas pessoas, que tem certas qualidades
profissionais ou institucionais ou têm uma especial relação com a vítima).
• crimes específicos puros ou próprios, quando a qualidade pessoal
do agente é elemento constitutivo da infração;
• crimes específicos impuros ou impróprios, quando a qualidade
especial é tão-só um elemento modificativo, i.e., agravante ou
atenuante do ilícito.

® Quanto ao elemento da conduta: desde logo, regra geral, a maioria dos crimes
são de execução livre ou não vinculada – o legislador basta-se com a prática de
um qualquer ato que se mostre idóneo de conduzir à lesão ou colocação em perigo
do bem jurídico; mas, embora de forma mais rara na negligência, é também
pensável que o legislador vincule o preenchimento do tipo a um determinado
modo de execução (a um modus operandi) – são os crimes de execução vinculada
ou não livre.
Por outro lado, ainda no elemento da conduta, podemos distinguir entre: crimes
formais ou de mera atividade, que se esgotam na prática de uma simples conduta
e crimes materiais ou de resultado, cuja consumação depende da verificação, para
alem da conduta, de um resultado material naturalístico que, sendo embora
consequência da conduta, é espácio-temporalmente autónomo em relação a ele.

® Quanto ao bem jurídico: também aqui há que distinguir crimes de perigo e crimes
de dano e, dentro dos crimes de perigo, os crimes de perigo abstrato, abstrato-
concreto // crimes de aptidão e concreto.

251
As diferenças surgem a propósito do tipo objetivo que é a imputação objetiva do
resultado à conduta. A doutrina hoje maioritária adere à chamada teoria da conexão do
risco e, a propósito dessa teoria da conexão do risco:
§ 1º nível – teoria da equivalência das condições integrada pelo critério conforme
ás leis naturais (problema da determinação do nexo causal);
§ Depois, de entre todos os casos em que se verifique este nexo causal, é preciso
verificar-se o nexo de adequação, diferido nos próprios termos da adequação. Só
se imputa o resultado quando, de acordo com as regras da experiência, da
normalidade do acontecer, a consideração dos conhecimentos gerais, mas também
dos conhecimentos específicos acerca da situação o resultado se apresente como
uma consequência provável, ou melhor dizendo, não impossível.
§ Finalmente, surge um 3º escalão que é um elemento novo que são o chamados
critérios da conexão do risco, no âmbito dos quais, apesar de estarem verificados
os requisitos anteriores (o nexo de causalidade e o nexo de adequação), entende-
se que à luz da valoração criminal não pode haver a imputação do resultado à
conduta. Nesse sentido, por razoes de simplificação adotou-se o enunciado dos 4
corretores da conexão do risco: Falou-se do critério do risco permitido; do
critério da diminuição do risco; do critério do comportamento lícito
alternativo e, finalmente, do critério do fim ou âmbito de proteção da norma.

O professor discorda desta conceção.


O professor considera que a teoria da conexão pelo risco verdadeiramente, não se aplica,
perverte o sentido do ilícito negligente. Perverte-o desde logo no 2º escalão (nexo de
adequação da teoria da adequação). Embora, discorde, é admissível a adoção do critério
da teoria da adequação no âmbito dos crimes dolosos, mas já não o é no âmbito dos crimes
negligentes.
De acordo com a teoria da adequação, como se viu, imputa-se o resultado quando de
acordo com as regras da experiência, atendendo aos conhecimentos gerais e específicos
do agente, o resultado se apresentar como consequência não impossível da conduta.
Ora, este critério é inadmissível nos delitos negligentes. O âmbito do dever objetivo de
cuidado é o âmbito mínimo à convivência comunitária.
Pode bem suceder que existam situações que, sendo de verificação não impossível
justifiquem uma justificação a título de dolo, mas já não a título de negligencia.
Ex.: Pense-se no exemplo de um prédio com 4 ou 5 andares e no último andar tem uma
varanda com uma grande grade de 10 m de extensão. Na base desse prédio existe uma
esplanada e alguém por não gostar da esplanada decidiu agredi-los, mas procurou um
meio que dissimulasse a sua intenção de o fazer. Esse gradeamento tem, numa das
extremidades, um suporte virado para o exterior que contem vasos. Então, em ordem a
levar por diante o seu projeto, o agente finge reparar uma barra desse gradeamento da
extremidade oposta para produzir vibrações que levem a que um dos vasos caia. Se isto

252
se provar, ninguém duvidará que imputar os danos à integridade física (o resultado)
das pessoas que estão na esplanada causados por aquela conduta a título de dolo.
Todavia, é bem pensável uma outra situação em que esse resultado já não seja imputável
a título de negligencia.
Temos a mesma situação anterior, mas o agente não tem objetivo nenhum de lesar as
pessoas da esplanada, apenas está a travar uma acesa discussão ao telemóvel e
descarregou a sua fúria dando um pontapé no gradeamento e, com isso, produz as tais
vibrações no gradeamento que levam também á queda do vaso.
Neste caso é pensável que este resultado, a quem não tenha intenção de o provocar, não
consubstancie a violação de um dever objetivo de cuidado.

O âmbito da imputação negligente é definido pelo próprio objetivo de cuidado, o


critério basilar da imputação objetiva negligente é o próprio dever de cuidado. O
dever de cuidado pode impor e funciona como previsão relativamente a situações que
deixam antever, aos olhos do homem medio, o perigo de lesar ou colocar em perigo bens
jurídicos. Só deverão imputar-se ao agente nos casos em que, atendendo ao
circunstancialismo fáctico em que o agente atua, logo se tornaria consciente e evidente
aos olhos do homem medio.

Contudo, as insuficiências da conexão do risco não se circunscrevem ao 2º escalão,


também o nível do 3º nível não se mostra adequado. Vamos ver que esses corretores são
inúteis, uma vez que já se encontram compreendidos no dever objetivo de cuidado e
outros são, pela própria natureza das coisas, inaplicáveis à negligencia.
® Quanto ao corretor do risco permitido sabe-se que respeita aos setores de atividade
lícitos, por trazerem vantagens à vida social, mas que são perigosos e que, em
relação a eles o legislador faz uma relação de custo benefício, de onde surge a
consagração de normas de cuidado.
No entanto, essas normas de cuidado são precisamente o conteúdo do dever
objetivo de cuidado, que é definido na base dos critérios de previsibilidade do
homem medio, mas em alguns casos é definido por normas legais e por normas
constantes de códigos deontológicos ou as legis artis ou, finalmente, certas
normas de natureza técnico-científica ligadas à profissão.
® O mesmo se diga do fim/ âmbito da proteção da norma, que é o fim/ âmbito do
dever objetivo de cuidado. Portanto, também o corretor já está compreendido no
dever objetivo de cuidado.
® No entanto, temos um que, pela própria natureza das coisas que não tem aplicação
no âmbito dos crimes negligentes que é o princípio da diminuição do risco. Ex.:
relembrar o exemplo dos amigos da montanha que desvia a trajetória da pedra
para causar uma ofensa menor à integridade física. A sua conduta foi causal e
adequada a produzir a fratura da omoplata, mas este pp diz que este resultado não

253
se imputa por ser meio para evitar um dano mais grave. Isto não é aplicável na
negligencia.
® Quanto ao corretor do comportamento lícito alternativo, que diz que se o agente
pratica um resultado, mas se vem a provar que mesmo que ele tivesse atuado
licitamente o resultado se teria produzido da mesma forma. No caso do dolo diz-
se não se imputar o resultado, sendo só punido a título de tentativa. No caso de
negligencia, diz-se que a tentativa não é punida a título de negligencia, logo não
é punido. Isto, nada tem que ver com a imputação objetiva, mas sim com a
delimitação geral do âmbito de relevância da negligencia (razões de necessidade
de pena).
É por isto que a teoria da conexão do risco não tem aplicação no âmbito da
negligencia.
Assim, a imputação objetiva no âmbito da negligencia depende, em suma, de 2 coisas:
® Desde logo e em primeiro lugar da violação do dever objetivo de cuidado: é o
critério basilar da imputação objetiva.
® Depois, do nexo causal naturalístico, uma vez que estamos no âmbito do DP do
facto e, portanto, só se pode imputar quando: Para alem da conduta encarnar o
desvalor característico da violação do dever objetivo de cuidado, tiver sido no
plano dos factos a causa efetiva do resultado.

Ora, estamos aqui no plano do ilícito, tem que ver com a determinação do desvalor pessoal
objetivo do ato que se pauta pelo critério do homem médio. O cuidado que seria exigível
naquela concreta situação ao homem médio. Que homem medio é este?
1. Durante muito tempo vigorou o critério do homem medio da posição socio-
existencial do agente. i.e., na sociedade existem estratos muito diferentes, com
graus de cultura, de experiência, formação muito diferentes e em relação aos quais
as exigências do DP têm também que ter critérios diferentes. Por isso, dizia-se que
o homem medio como critério de determinação do âmbito do dever objetivo de
cuidado devia respeitar essas diferenças e, portanto, é diferente o grau de
exigência que prende ao sábio por contraposição ao analfabeto (ex.:o medico
medio, o polícia medio, o juiz medio, o advogado medio.
2. Todavia, alguns autores adotam o critério do homem concreto. Este critério do
homem concreto, verdadeiramente não aponta para o homem concreto na sua
globalidade, sim o homem medio das capacidades instrumentais operatórias do
concreto agente. O que está subjacente a esta ideia é uma ideia de justiça. No fim
de contas, exigir daquele que pode dar mais, mais do que à pessoa comum.
Todavia, esta ideia tem apenas um inconveniente que justificou a introdução de
uma correção por Roxin, com a qual concorda FD:
® Em toda a sua pureza, o critério do momento concreto importaria que se
considerassem as capacidades acima da média, mas também as
capacidades abaixo da média. Por isso Roxin introduziu a correção de se

254
considerarem as capacidades acima da média do homem concreto apenas,
não já as que estão abaixo da média.
Este critério recorre ao chamado critério misto do homem medio: há o
critério residual, em que se recupera o velho critério do homem médio da
posição socio-existencial do agente. Por referência a este critério que é o
homem médio socio existencial, só se considerarão as capacidades acima
da média do homem concreto acima da média. Será através deste critério
misto que devemos definir o homem medio e definir as situações concretas
para a determinação do âmbito do dever objetivo de cuidado.
Isto em geral, mas temos que ver em concreto.
A doutrina juntou mais 2 elementos que intervêm na determinação no dever objetivo
de cuidado e que são 2 situações típicas que se reconduzem:
ü Por um lado, à figura da chamada negligencia na aceitação ou na assunção;
ü Em segundo lugar, ao chamado pp da confiança.

Negligencia na aceitação ou na assunção:


O que se verifica é o seguinte e começar-se-á por um exemplo: suponha-se que alguém
com idade vai a conduzir o seu automóvel e, devido a essa falta de reflexos e de visão,
atropela alguém numa situação em que o condutor normal não teria atropelado, foi devido
às suas insuficientes capacidades para a condução. No momento em que ele atropela, age
de acordo com as capacidades que tem e, portanto, parece que não lhe seria censurável a
conduta.
Todavia, ele é censurável, não no momento em que atropelou o peão em causa, mas no
momento em que iniciou uma atividade para a qual não tem as devidas capacidades.
Nestes casos da negligencia da aceitação ou assunção o momento da censura retroage ao
momento em que ele iniciou uma atividade para a qual não estava capacitado ou não tinha
as informações devidas.
A importância dos bens jurídico-criminais impõe que alguém só inicie uma atividade
quando tem as condições para a desenvolver adequadamente e sem perigos para bens
jurídicos.
Temos aqui algo de paralelo ao que se verifica no âmbito da actio liberum in causa,
aquando do estudo da inimputabilidade e mais concretamente o nº4 do artigo 20º do CP.
Na actio da liberum in causa no momento do ato ele é inimputável, não é censurável, mas
a censura retroage ao momento em que ele, em estado de plena imputabilidade projetou
o crime e pôs em marcha o processo.
Não sendo a mesma coisa, há aqui algo de paralelo, uma vez que a imputação do resultado
e a responsabilização do agente atende não ao momento em que se verificou a lesão do
bem jurídico, mas ao momento prévio em que ele iniciou a atividade para a qual não
estava preparado e em relação à qual, devido a essa falta de preparação era previsível que
pudesse vir a colocar em perigo ou lesar bens jurídico-criminais.

255
Pp da confiança
O pp da confiança vem dizer que o dever de cuidado manda que façamos a previsão dos
perigos que resultam da nossa conduta e apenas dela.
Em pp, o dever de cuidado não abrange o dever de prever perigos resultantes de condutas
de outras pessoas sejam elas dolosas ou negligentes, salvo quando na situação concreta
for evidente que a outra pessoa está a atuar ilicitamente (seja dolosa, seja
negligentemente).
Ex.: pense-se na condução automóvel. Alguém vai a conduzir no respeito pelas normas
do código da estrada, entra num cruzamento com prioridade, só que vem um carro da
esquerda e embate. Será que ele tinha a obrigação de prever esta conduta do condutor da
esquerda? Depende!
Vamos supor que era um cruzamento sem visibilidade – não poderia antecipar a vinda do
carro do lado esquerdo. Neste caso diz o pp da confiança que não se pode imputar o
resultado ao condutor, uma vez que se diz que nessa previsão se deve partir do
pressuposto de que todos os membros da comunidade se comportam conforme ao direito
e, portanto, não vão praticar nem condutas dolosas nem negligentes. O agente deve
confiar que os demais intervenientes na vida social também se comportam conforme ao
direito.
No entanto, temos a clausula de salvaguarda («salvo se for evidente») – suponha-se que
o cruzamento tinha plena visibilidade e que o homem viu que, do lado esquerdo, sem
prioridade, se aproxima o automóvel a uma velocidade tal que era impossível parar e
assim evitar o acidente. Neste caso, verifica-se esta hipótese da clausula de salvaguarda
em que era manifesto que o outro condutor estava a conduzir negligentemente/ contra o
direito, pelo que estando na mão do nosso homem evitar o acidente e este não o fizesse,
então já lhe seria imputado o resultado à seria responsabilizado a título de negligência
pelas eventuais ofensas a bens jurídicos decorrentes do acidente.
Uma última nota que se costuma suscitar a propósito do pp da confiança:
Caso da pessoa que vai a conduzir no pleno respeito pelas regras do código da estrada, só
que vai com uma taxa de alcoolémia superior a 1,2 g/l. E suponhamos até que esta taxa
de alcoolemia foi provocada negligentemente, uma vez que o agente se distraiu. Houve
já quem pretendesse dizer que, na medida em que ele está a praticar um crime negligente
(condução sob efeito de álcool), então não pode beneficiar do pp da confiança, uma vez
que já está a praticar um crime negligente.
Isto é errado. O crime de condução sob efeito do álcool é um crime de perigo abstrato.
Ora, no nosso exemplo o que se verificou foi que o perigo em causa foi o perigo daquele
acidente em concreto.
No âmbito desse crime concreto, o nosso homem apesar de ir com uma taxa de alcoolemia
superior em nada influiu na produção do acidente. Por isso entende FD, nestes casos, na
medida em que o estado de alcoolemia não tinha tido nenhum reflexo no estado do agente
naquele concreto acidente, deve continuar a beneficiar (se for caso disso) do pp da
confiança.

256
O agente apenas será punido pela condução sob efeito de álcool, mas não lhe será
imputado o resultado do acidente na base da violação do dever objetivo de cuidado.

Tipo subjetivo
Houve já quem pretende-se que na negligencia não há tipo subjetivo. É uma conceção
que assenta ainda na ideia da recondução do tipo subjetivo a um qualquer substrato
psicológico/ existência de um qualquer quid psicológico e, nessa medida, é ainda uma
revivescia do velho conceito psicológico.
O que esta doutrina diz é que nos crimes dolosos temos um nexo psicológico-volitivo – o
agente conhece e quer – há este facto psicológico subjacente à prática de qualquer delito
doloso.
Na negligencia consciente, diziam eles, que ainda se viria uma vez que o elemento
intelectual é o mesmo do dolo. Mas na negligencia inconsciente não existe. Portanto,
faltaria aqui um quid psicológico de uma qualquer representação da situação de perigo
para o bem jurídico. Isto é errado, uma vez que não se está aqui a tomar em consideração
a verdadeira função do tipo. O que o tipo subjetivo pretende é descrever a situação
psicológica do crime do agente que se pode traduzir precisamente na ausência de vontade
e de conhecimento.
É o tipo subjetivo da negligência inconsciente que caracteriza a situação psicológica do
agente no crime negligente inconsciente (ausência de representação e ausência de
vontade) e que o distingue dos casos da negligencia consciente (representação do
resultado como possível e ausência de vontade).
Portanto, faz todo o sentido falar do tipo subjetivo dos crimes negligentes, tanto no âmbito
da negligência consciente como na inconsciente.
Aqui também temos posições intermedias como a de Roxin e, entre nos, o Professor
Taipa de Carvalho que diz que: não há tipo subjetivo na negligencia inconsciente, mas
haverá na consciente, que é representação do resultado como possível e ausência da
vontade de realização.

Tipos justificadores
Os tipos justificadores comportam o desenho de certas situações que retiram o ilícito de
uma conduta do agente apesar desta conduta ser subsumível ao tipo incriminador
O problema que se põe é saber se também no âmbito dos delitos negligentes há lugar à
autonomização deste tipo da justificação. NÃO HÁ.
Há uma diferente estrutura do tipo incriminador doloso e negligente. O tipo doloso
descreve um processo exterior de produção de uma situação de perigo ou lesão de bem
jurídico. O que está em causa no âmbito do tipo objetivo incriminador doloso é a lesão
ou colocação em perigo de um BJ. O tipo incriminador negligente também descreve uma

257
situação exterior de lesão ou colocação em perigo de BJ. No entanto é necessário que a
conduta viole o dever objetivo de cuidado. No âmbito do tipo incriminador intervém o
dever objetivo de cuidado- critério delimitador do tipo incriminador negligente.
Este dever objetivo de cuidado tem o limite da inexigibilidade objetiva. É evidente que o
dever objetivo de cuidado manda prever as consequências dos nossos atos mas só
podemos prever até ao limite que nos impõe o dever objetivo de cuidado. Sucede que
sempre que não fosse exigível prever a consequência do ato não há violação do dever
objetivo de cuidado pelo que não há preenchimento do tipo incriminador.
Nós vimos que a posição do prof. AC ao contrário da doutrina maioritária reconduz o
fundamento dos tipos incriminadores ao pp da inexigibilidade objetiva. De acordo com o
que foi dito no âmbito da negligência este princípio da inexigibilidade objetiva vai intervir
logo na delimitação do tipo incriminador.
Assim todas as situações que dão lugar a aplicação dos tipos justificadores, aqui quando
transferidas para o âmbito da negligência levam à própria exclusão da tipicidade. Esta é
a posição do prof AC.
E a posição da maioria da doutrina? Esta é exposta de forma paradigmática por Roxin
(FD aproxima-se desta posição).
Esta doutrina maioritária aceita que na negligência há menos espaço para o
funcionamento dos tipos justificadores.
Todavia em certas situações limites seria necessário recorrer à figura da justificação para
evitar consequências dogmáticas que seriam contrárias à valoração jurídico criminal.
Esta posição assenta num equivoco. Todos os exemplos que dão a titulo excecional para
recorrer à justificação na negligencia são casos de dolo e não de negligencia. Os casos
que eles chamam para legitimar o recurso à negligencia são casos de dolo
Exemplos:
1. Quanto à legítima defesa: briga entre duas pessoas em que o defendente para se
defender do agressor da lhe um murro num braço. Com esse muro em vez de
acertar no braço acerta no queixo provocando uma locomoção cerebral. Diz Roxin
que o agente deveria ser responsabilizado por ofensas à integridade física
negligente. ERRADO. Esta é uma situação de erro sobre o processo causal. Ou
seja, temos uma conduta dolosa. Invocar este caso para dizer que a legítima defesa
aplica se à negligência é errado. Este é um perigo típico da conduta pelo que este
resultado é imputável a titulo de dolo.
2. Quanto ao Estado de Necessidade: Alguém por negligencia bebeu demais e está
com uma taxa de alcoolémia superior a 1,2 gramas de álcool por litro de sangue.
Este homem tem um acidente porque é obrigado a levar o amigo urgentemente ao
hospital. Dizem os autores que neste caso deveria se fazer funcionar o EN para
justificar esta conduta negligente. ERRADO. O agente atuou com dolo,
representando o perigo de ter o acidente devido à taxa de alcoolémia e pondera
esse perigo relacionado com o perigo do amigo que precisava de ir ao hospital.
3. Quanto ao Consentimento do ofendido: Um médico vai na rua e vê alguém que
tem uma síncope e tem que fazer uma intervenção cirúrgica sob pena da pessoa

258
morrer. De acordo com a legis artis o medico não reúne as condições necessárias.
No entanto, o medico intervém e salvou o paciente. Mas devido às condições
precárias, embora o paciente tenha sobrevivido ficou com sequelas para o resto da
vida. Os autores dizem que estamos perante uma situação de ofensas à integridade
física recorrendo ao consentimento presumido. E dizem que estamos perante um
caso que teremos que recorrer ao consentimento para evitar punir o médico por
integridade física negligente. ERRADO. O medico esta a atuar com dolo e
atuando com dolo justifica se invocar o consentimento presumido. Não faz sentido
invocar este exemplo para falar da aplicabilidade dos tipos justificadores à
negligência
4. Suponha se que A é caçador e vê um vulto atrasa do arbusto. Julga que é uma peça
de caça e dispara só que mata uma pessoa porque o vulto era um homem. De
acordo com o erro sobre a factualidade típica exclui se o dolo. Só que este homem
atro do arbusto estava lá para matar o caçador. Com isto, se o agente atuasse com
dolo estaríamos perante uma situação de LD. Ele não atuou com LD porque não
sabia estar a atuar perante uma situação de LD. Dizem os autores que deste modo,
a única forma de evitar a punição do caçador é aplicar a LD a uma situação de
negligência. Assim desde já deve se admitir que o agente deve ser punido a título
de negligência. Mesmo seguindo a logica dos autores que pretendem excluir a
ilicitude esta exclusão deverá ter a ver com uma razão de necessidade de pena
idêntica à que subjaz ao art 13º quanto à punição da negligência a título excecional
e quanto aos arts. 22º e 23º. Seria uma regra que diria qualquer coisa como isto:
“a negligência é uma situação menos grave, pelo que a negligencia não deve ser
punida sempre que a situação análoga de dolo também não seja”. Na base desta
regra poderíamos excluir a punição. No entanto o prof não aceita esta posição. O
agente deve ser punido a título de negligência. A circunstância de os autores
(Roxin e FD) pretenderem funcionar a justificação não faz o mínimo de sentido.
ainda que se admitisse excluir a punição, resultaria ainda da tal consideração
global de desnecessidade de pena que restringe a punição da negligencia em
comparação com os crimes dolosos.
Assim, na ótica do prof, não há lugar para a figura da justificação no âmbito da dogmática
dos crimes dolosos.

III. Culpa
Há também diferenças entre a dogmática dos crimes dolosos e negligentes. Partimos da
perspetiva do ilícito pessoal. No ilícito procuramos o sentido do ato enquanto ato humano
em geral (desvalor pessoal objetivo). Ao invés do que se passa na culpa: atendemos às
particulares qualidades, capacidades do concreto agente e valorá-lo como ato daquele
concreto gabinete e saber se é censurável àquele concreto agente (desvalor pessoal
subjetivo).
Também aqui no plano dogmático a culpa funciona pela negativa. Em pp, o ato ilícito é
também culposo já que a generalidade das pessoas preenche as características do

259
“Homem médio”. Em certos casos especiais verificam-se no agente desvios emocionais
quanto ao “Homem médio”. O “Homem médio” não é inimputável. São as causas de
exclusão da culpa. Vamos estudar a culpa negligente.
Na culpa nós vamos aferir as características pessoais subjetivas do “concerto agente”.
Vamos passar para a análise dogmática do conceito de culpa negligente e vamos estudá-
la no âmbito da exclusão da culpa negligente – situações que marcam uma exceção do
concreto agente com referência ao “Homem médio”, na medida em que o agente fica
aquém do “Homem médio”.
As causas de exclusão da culpa negligente são duas:
• A inimputabilidade (rever a matéria anteriormente lecionada) – contende com
fatores endógenos. Tem dois elementos (elemento biopsicológico – anomalia
psíquica; elemento normativo - impossibilidade de o agente avaliar a ilicitude da
situação ou de se determinar de acordo com essa avaliação).
Inimputabilidade por anomalia psíquica - O art.20º/nº4 do CP – está prevista a
actio liberum in causa – o agente coloca-se na situação de inimputabilidade para
depois criar uma situação para poder cometer um crime com base nessa
imputabilidade. A diferença esta no elemento da pré-ordenação – aqui não há
preordenação ao contrário do que acontece no art.20º/nº4 do CP. Parece que a
actio liberum in causa não pode funcionar na negligencia. na negligencia
inconsciente (não representa sequer o perigo da sua conduta) não se compreende
como alguém se pode pré-ordenadamente se colocar numa situação de
inimputabilidade para depois cometer um crime. considerações análogas podem
tecer-se para a negligencia consciente (confia que o resultado não se vai produzir)
então como se pode confiar que se está a pôr numa situação de inimputabilidade
para depois praticar um crime. Aplica-se sim o art.295º do CC
Inimputabilidade em razão da idade: vigoram por inteiro as considerações que
tecemos em relação ao dolo.
• Não exigibilidade – como causa de exclusão da culpa, a inexigibilidade é uma
inexigibilidade subjetiva – saber se naquela concreta situação, em relação ao
concerto agente, aquela conduta valora ou não, sabendo se se exclui a culpa ou
não, ou até atenuar a culpa.
De acordo com FD e com AC e de acordo com a Teoria da culpa limitada, o problema do
erro sobre a ilicitude não tem a ver com a negligencia - aquele que viola o dever jurídico
penal revela uma verdadeira inimizade e indiferença pelo Dto, pelo que está a agir de
forma dolosa. A problemática do erro sobre a ilicitude nada tem a ver com a matéria da
negligencia.
IV. Punibilidade
Esta categoria tal qual se coloca hoje surge no contexto do sistema teleológico-racional.
Resulta porque para a corrente maioritária dentro dos adeptos do sistema teleológico-
racional, sabemos que Roxin segue uma outra via em vez da culpa fala de uma categoria
da responsabilidade onde concentra tanto as considerações de avaliação de culpa como
as considerações de necessidade de pena. O professor defende uma posição contrária, as
considerações de dignidade penal e de necessidade de pena projetam-se ao logo de todo
o sistema e, portanto ao longo da conformação de todas as categorias. Não há razão para

260
concentra todas as considerações de necessidade de pena numa categoria autónoma no
fim do sistema, mas a opinião maioritária entre os adeptos consagra a punibilidade como
a tal categoria onde interviriam as tais considerações de necessidade de pena. É essa a
orientação maioritária entre nós. Aqui devemos seguir a posição que acharmos mais
adequada, mas talvez seja mais fácil adotar a posição maioritária. A posição de Figueiredo
Dias é de que as categorias do ilícito e da culpa se reportam ao desvalor intrínseco do ato
e, portanto, concretizam prioritariamente considerações de dignidade penal, razões
axiológicas, valorativas atinentes seja ao desvalor objetivo do ato (plano do ilícito típico),
quer seja ao desvalor subjetivo do ato (plano do juízo de culpa). Ao invés interviriam as
considerações de necessidade de pena interviriam apenas neste escalão da punibilidade.
Quais seriam essas considerações? Aqui vale com as necessárias adaptações tudo o que
dissemos a propósito dos crimes dolosos. Eram considerações que tinham que ver com as
considerações objetivas de punibilidade (o crime é um crime de perigo só que esse perigo
só é punido quando se verifica o dano, só que o dano não faz parte do crime porque ele é
de perigo, o dano está ali apenas para comprovar a gravidade do perigo, para comprovar
o conteúdo de ilícito do ato), para os adeptos desta doutrina, esta condição objetiva de
punibilidade seria a concretização de considerações de necessidade de pena. Falamos da
participação em rixa que pode ser um crime praticado a título de dolo ou a titulo de
negligencia, em relação ao qual depois se coloca o problema da condição objetiva de
punibilidade, ou seja, o agente só será punido desde que dessa rixa resulte ou uma lesão
da vida, ou uma lesão grave da integridade física de outra pessoa. Também podemos falar
aqui da embriaguez e intoxicação do artigo 295º, é um crime de perigo que se associa ao
facto de a pessoa estar em caso de inimputabilidade. Todavia, este perigo só é punido
quando em estado de inimputabilidade o agente praticar um outro ilícito típico. Esta figura
das condições objetivas de punibilidade pode funcionar quer nos crimes dolosos quer nos
crimes negligentes. A outra ordem de considerações seria resultante do chamado princípio
da insignificância que aponta para que, à luz do critério de necessidade de pena, não se
punam certos crimes quando a lesão do bem jurídico em causa for de diminuto valor, isto
está de acordo com o caráter subsidiário de ultima ratio de intervenção jurídico penal. Se
isto é válido para os crimes dolosos, por maioria da razão, este pensamento funciona ao
nível da negligência, desde logo quanto a questões do artigo 13º que não nega que nos
casos que não estão previstos na lei continue a haver lesões de bens jurídicos imputáveis
a título de negligência. Só que o legislador diz que a negligência é pouco grave, que se
exige o mínimo de intervenção, portanto não as vamos punir. Essas ações negligentes que
continuam a ser negligentes não relevam para o direito penal. É uma concretização da
ideia, desde princípio da insignificância. O mesmo para a tentativa, é pensável a
construção de uma figura paralela à da tentativa na negligência, a quase tentativa. É
pensável, mas o legislador diz não, a negligência é pouco grave de maneira que aqui só
punimos a negligencia sob forma do crime consumado, não da tentativa. Esta ordem de
modelação concreta dos crimes negligentes já na parte especial leva a que o legislador
prescinda da punição quando o dano no bem jurídico for diminuto ou o grau de perigo
para o bem jurídico for diminuto. Será também aqui uma concretização do princípio da
insignificância como concretização de uma ideia de necessidade de pena. No âmbito da
punibilidade dos crimes negligentes não há lugar para falar da figura da desistência da
tentativa, isto porque a tentativa não tem lugar no crime negligente, não releva a tentativa
no âmbito dos crimes negligentes e se não releva a tentativa também não releva como
consequência a figura da desistência da tentativa. Tirando esta figura do que os autores

261
falam no âmbito da punibilidade relativamente aos crimes dolosos, tudo o resto que
dissemos a propósito da punibilidade no âmbito dos crimes dolosos é também aplicável
aos crimes negligentes. Com isto terminamos a dogmática dos crimes de ação negligentes.
Crime agravado pelo evento
Esta figura contempla uma parte de dolo e uma parte de negligencia. Hoje em dia, esta
figura foi introduzida por influência alemã, no art.18º do CP. Esta figura veio substituir a
figura do preter intencional, que é muito menos abrangente do que agora possuímos no
art.18º do CP. Este é o caso em que temos um crime, isto é, o agente pratica esse crime e
consuma esse crime, só que em consequência vem a produzir-se um resultado adicional,
sendo que a lei atribui à produção desse resultado adicional um efeito agravante ao nível
da sanção aplicável.
Antes da vigência do CP de 1982, esta temática era considerada no âmbito da figura do
crime preter intencional (um crime que ia além do que era intencional).
O que era o crime preter intencional? Quando alguém cometia um crime doloso, mas
dessa conduta resultava uma conduta mais grave da que se pretendia. Ex: ofensas
corporais que daí advinha a posterior morte do agente (esta última não desejada). Ex:
abandono de menores – a mãe, em regra, para esconder filhos fora do casamento, deixava
o recém-nascido, pe., à porta do padre. Ora, ela só queria abandonar a criança, sendo esse
crime o de abandono. Só que durante a noite, o frio ou um animal mata a criança. Portanto,
a morte da criança estava para além da intenção, era um resultado que não tinha sido
querido pelo agente.
De acordo com as regras gerais, esta seria uma situação de concurso de crime: por um
lado, o crime doloso (ofensas corporais e abandono) + crime negligente (resultado mais
grave não querido pelo agente – morte).
FD dizia que este crime e tinha fundamentalmente 4 elementos:
• A prática de um crime fundamental doloso (só podia ser doloso), ou seja, tinha de
haver um primeiro crime praticado a título de dolo;
• A verificação de um evento mais grave, não recoberto pelo dolo do agente (evento
negligente)
• Este crime preter intencional era punido de forma mais grave do que a situação
de concurso e o fundamento dessa agravação estava ligada à particular gravidade
da negligencia, na medida em que se tratava de uma negligência
grosseira/qualificada (de acordo com as práticas da experiência deixava antever
como muito provável se não como necessário o resultado).
• Requisito da legalidade – o crime preter intencional só funcionava nos casos
expressamente previsto na lei. O crime agravado pelo evento tinha que estar
expressamente previsto na lei.
Assim, no crime preter intencional, o resultado agravante era imputável tão só à
negligencia, e tinha de ser grosseira.
O novo CP introduziu a figura do crime agravado pelo evento, que substitui a figura do
crime preter intencional.

262
Art.18º do CP (é uma norma sobre normas) – da leitura deste artigo resulta que esta figura
do crime agravado pelo evento abrange todas as situações de crime preter intencional e
adiciona outras. Quais os requisitos do art.18º do CP?
• Tem que ser um facto, que pode ser doloso- não diz somente doloso. A doutrina
inclui aqui também a possibilidade de se incluir a prática de um facto negligente
consciente. Exclui-se a negligencia inconsciente porque não faz sentido. Ex: se
alguém, em termos de negligencia inconsciente, dá um encontrarão a alguém,
causando-lhe com isso uma ofensa à integridade física e dessa ofensa à integridade
física vem a resultar na morte do ofendido, o agente não vai ser punido por ofensa
à integridade física negligente agravada pelo resultado morte. Ou seja, temos de
averiguar se a conduta não era adequada a conduzir ao resultado morte
• Haver lugar a um resultado agravante
• O evento agravante do crime preter intencional era sempre imputável a título de
negligencia. Aqui admite-se que esse resultado agravante possa ser imputado pelo
menos a título de negligencia, o que se pressupõe que também pode ser imputável
a título de dolo. Mas, isto parece absurdo (então, ele quer bater, mas depois quer
matar. Ele vai ser punido pelo crime de ofensas à integridade física, depois
agravado por um resultado de dolo? NÃO). A doutrina tende a restringir estes
casos de imputação a título de dolo a duas situações excecionais, em que pode ser
imputável a título de dolo:
֎ O evento pode não ter dignidade penal em si mesmo, isto é, isoladamente
considerado, não constitui um crime – Ex (art.177º do CP): alguém viola
com intenção de engravidar a mulher e acaba por engravidar. É punido a
título de dolo. O evento em si não é em si mesmo não é um crime
(gravidez). Ou seja, a gravidez, em si mesma, não é crime, mas quando
resultado de uma violação já é. Ou seja, nestes casos o resultado adicional
(gravidez) que, em si mesmo, não é crime, admitindo-se então que o
resultado agravante seja imputado a título de dolo.
֎ O legislador, muitas vezes, devido ao carater subsidiário da intervenção
do DP não pune todas as formas de dolo, só pune o dolo direito e o dolo
necessário e, já não o dolo eventual. Ou seja, falamos aqui dos casos em
que esse evento agravante é crime, mas individualmente considerada, nos
casos de dolo eventual, não seria o agente punido. O que a doutrina diz é
que se o evento agravante corresponder a um desses crimes em que o
legislador normalmente só pune o dolo direito e necessário, aqui no
contexto do crime agravado pelo evento, passa a imputar-se mesmo nos
casos de dolo eventual.
• Pp. da legalidade – as hipóteses de crime agravado pelo evento têm de estar
expressamente previstas na lei (Ex: art.147º, 177º, 285º do CP)
Assim, verificamos a inutilidade da manutenção da figura do crime preter intencional,
pois esta nova figura recobre todas essas situações e adiciona outras.
É de referir que só podemos aplicar este art.18º do CP desde que preenchidos os seus
requisitos – o art.18º do CP corresponde a uma norma sobre normas e contem os pp´s de
interpretação dos concertos crimes preter intencionais.

263
A TEORIA GERAL DOS CRIMES DE OMISSÃO
A lesão dos BJ pode ocorrer ou através de um comportamento positivo que atenta contra
um BJ que o lesa ou coloca em risco (ação) ou num comportamento negativo (omissão),
isto é, perante uma situação em que o BJ está em perigo, o agente não intervém, nada faz
para preservar esse BJ.
A omissão traduz-se em alguém que viola o dever de intervenção, traduz-se num non
facere, na medida em que o agente não intervém quando o poderia fazer para preservar
um BJ alheio.
O reconhecimento do crime de omissão passou por dificuldades:
Mundividência individualista liberal –no âmbito do Estado de Direito Liberal defendia-
se que o Dto devia proibir condutas que atentem contra a esfera jurídica de outrem.
Contudo, o Dto já não tem legitimidade para exigir um esforço pró-ativo, uma atuação
em sentido altruístico no sentido de preservar interesses jurídicos, BJ de outra pessoa.
Isso ficaria no âmbito da moral e não do Dto. Mas, dizer que alguém aja para defender
interesses alheios seria coisa da moral e não do Dto. Esta ideia esta hoje ultrapassada pelo
Estado de Direito social que assenta numa vertente solidarista – o DP intervém para
defender BJ essenciais e, em certas situações, ainda que não se confundindo com a esfera
da moral, há lugar a incriminação em certos casos da omissão de acordo com uma ideia
de solidariedade. Todavia, é necessário que haja uma delimitação precisa do âmbito da
omissão jurídico-penalmente relevante por exigências da ideia de legalidade, certeza e
segurança jurídica e também do próprio agente (quando é que o agente está ou não
obrigado a intervir), mas também no interesse das outras pessoas (do ponto de vista da
tutela da intimidade da vida privada).
É preciso ainda distinguir entre:
ð Omissões puras/ próprias – correspondem àquelas que estão expressamente
previstas na lei, sendo as que menos problemas levanta. O legislador, ao descrever
um determinado crime, descreve-o como uma omissão. É a própria conduta
omissiva que está descrita na lei. Ex: recusa de medico, omissão de auxílio
(art.200º do CP), desobediência.
Ou seja, a própria descrição do tipo legal na parte especial ou em legislação
extravagante, é a descrição de uma omissão, de um comportamento omissivo.
ð Omissões impuras/impróprias: refere-se a todos os delitos que estão descritos na
parte especial ou em legislação extravagante como comportamentos positivos. Ex:
A generalidade dos crimes como o homicídio, as ofensas à integridade física, o
furto, a burla, etc. Ou seja, o elemento gramatical da norma reporta-se a
comportamentos positivos (a crimes de ação). Todavia, entende-se que em certas
e determinadas circunstâncias, este desvalor da ação é equiparável ao desvalor da
omissão. Reporta-se a crimes que estão descritos na lei como comportamentos
positivos, equiparando o desvalor da omissão à da ação e, portanto, abrindo a
possibilidade desses mesmos crimes poderem ser imputados a título de omissão.

264
Casos ambivalentes/dupla relevância
Situações que suscitam a dúvida de se o crime foi praticado por omissão ou se foi
praticado por ação.
Exemplos:
o Alguém atropela outra pessoa, ele vai ser responsabilizado por ação, por ter
conduzido o carro contra a pessoa; ou vai ser por omissão, por não ter travado a
tempo
o O médico que desliga a máquina a que está ligado o doente, vai ser
responsabilizado por ação de ter desligado a máquina ou por omissão de não ter
continuado o tratamento.
São estes os casos de dupla relevância em que se suscita o problema de encontrar um
critério para saber se nestes casos devemos responsabilizar o agente ou por ação ou por
omissão. A questão é importante porque quando o artigo 10º estabelece alguns requisitos,
restringe a equiparação do valor da omissão à ação.
O âmbito da punição da omissão é menor do que o âmbito da punição da ação. O facto
de qualificarmos a conduta como omissão ou como ação pode significar a diferença entre
a punição e a impunidade.
Foram vários os critérios avançados na doutrina:
• O 1º de Roxin, é um critério causalista que não serve. O problema do direito penal
é um problema de valoração, o que está em causa é saber o sentido da conduta, se
tem o sentido de uma ofensa por ação ao bem jurídico ou por omissão. É um
critério que não é seguido pela generalidade da doutrina;
• Outra doutrina diz que devemos adotar o ponto de conexão relevante para a
responsabilidade. É uma formulação um bocado rebuscada. Estes autores querem
dizer que devemos atender ao sentido global da conduta e verificar se esse sentido
global da conduta à luz da valoração criminal tem um sentido de omissão ou tem
um sentido de ação. Esta doutrina ponta no sentido correto, mas a critica que se
lhe dirige é que é vaga, é imprecisa e não dá um critério dogmático operatório
para a solução dos casos concretos;
• Em terceiro lugar surgiu uma nova doutrina que perante esta dificuldade de
encontrar um critério material se resignou a encontrar um critério prático. Diz que
a responsabilização a título de omissão será a título subsidiário porque a regra é a
responsabilidade por ação e só quando a ação não for recondutível de todo em
todo a um crime de ação é que vamos admitir a omissão. Verdadeiramente esta
doutrina significa prescindir de um critério material para distinguir a ação da
omissão;
• O critério seguido é aquele que reconduz a decisão destes casos de dupla
relevância, de ambiguidade da conduta ao critério basilar da distinção entre ação
e omissão. Diz-se que sempre que o agente criou um perigo por ação ou agravou
o perigo, ele será sempre responsabilizado por ação, a omissão fica para os casos
em que o agente não teve qualquer interferência seja na criação, seja na agravação,
seja nas condições do perigo em causa, por isso só se lhe possa ser censurada uma
não intervenção para realizar a conduta.
265
Ainda dentro destas considerações introdutórias coloca-se o problema levantado por
Roxin: um crime de omissão pode ser praticado por ação?
Em larga medida este problema é suscitado pelo critério de Roxin nos casos ambivalentes.
Para quem siga a perspetiva acima indicada este problema não existe.
Ex.: caso de alguém que se embriaga pelo momento do ato não praticar o ato. Seria uma
espécie de omissio libera in causa. Roxin diria que há um ato positivo de ingerir bebida
alcoólica para depois não intervir. Neste caso temos um perigo de omissão. O guarda da
cancela dos caminhos de ferro que se embriaga para no momento oportuno não fechar a
cancela está a praticar um crime de omissão.
Assim com base no critério da vontade nos casos ambivalentes não faz sentido a figura
do crime de omissão praticado por ação.

Teoria geral dos crimes de omissão dolosos ou negligentes


Estamos a decompor o conceito material de crime (violação de norma de determinação).
Aqui a norma de determinação é o dever de atuar. Sendo que a violação do dever de atuar
encontra o seu núcleo no desvalor da ação. Deste modo vamos decompor analiticamente
e construir a teoria geral dos delitos de omissão.
Vamos tratar unitariamente a omissão dolosa e a omissão negligente
Vamos encontra as categorias essenciais com que trabalhamos nos delitos de ação
I. Ação:
Mais uma vez temos o conceito de Ação pessoal/personalista: manifestação exterior da
vida consciente do indivíduo. Afastamos desde logo todas as situações que não sejam a
exteriorização de uma intencionalidade de sentido. A ação abrange também a omissão ao
contrário do que vimos na ação causal do sistema clássico e no sistema finalista.
Para termos um crime não basta uma ação. É necessário que ela seja ilícita típica
II. Ilícito típico
A ilicitude é o juízo e valor subjacente a cada tipo. O elemento gramatical não vale por
si, vale apenas como meio de aceder ao espírito da lei. Perspetivamos este ilícito típico
no quadro do ilícito pessoal. Procuramos saber o desvalor que teria esta situação se
praticado pelo homem medio.
Também aqui o ilícito típico temos uma unidade objetiva- subjetiva. Tratamos os
elementos subjetivos e objetivos da omissão de forma separada
Tipo objetivo
São os mesmos elementos estruturantes

266
• Quanto ao agente: crimes comuns e crimes especiais- o agente pode delimitar a
omissão juridicamente relevante a uma certa categoria de pessoas ou impô-la à
generalidade das pessoas. Mais uma vez temos os crimes específicos
puros/próprios ou impuros/impróprios;
• Quanto à conduta, embora seja mais raro, mas é pensável podemos distinguir
entres crime de execução livre ou não vinculada. Regra geral os crimes são tipos
de crimes de execução não vinculada. Na omissão por via de regra apenas se exige
que o agente intervenha de qualquer forma para satisfazer o dever de ação em
causa. Mas em certos deveres por exemplo de instalações técnicas perigosas não
se exclui que o legislador exija que a ação respeite certo modus operandi. A
situação é rara, mas pensável. Ainda quanto à conduta podemos distinguir entres
crimes formas ou materiais. Para a consumação exige se para alem da consumação
a subsequente lesão ou colocação em perigo do BJ- resultado material. Ex.:
invasão de domicílio (art. 190º do CP);
• Quanto ao BJ continua a afirmar-se as mesmas distinções: a omissão pode ser de
perigo (abstrato ou concreto. Também há lugar para falar como espaço intermedio
de delito de aptidão) ou de dano.
Chamar a atenção para não confundir entre crimes formais e materiais com a distinção
entre crimes de perigo e crimes de dano.
Ex.: invasão de domicílio- pode ser praticada por omissão nos casos em que ao agente já
esta em casa de outra pessoa. A dá ordem a B para sair e ele não sai- temos aqui um crime
formal

Imputação objetiva do resultado à conduta


Devemos aqui distinguir o critério da imputação objetiva dolosa e negligente. Começando
por reportar à teoria da conexão pelo risco devemos salientar que na omissão a teoria da
conexão pelo risco reporta se apenas a dois elementos.
Aqui não tem lugar o elemento da causalidade- não há qualquer contributo causal do
agente para a situação de perigo do BJ. O agente limita se a não intervir.
Por isso os adeptos da teoria da conexão pelo risco uma tendência que existe na Alemanha
de ver na omissão o elemento da causalidade.
Mesmo na perspetiva da teoria da conexão pelo risco não há no âmbito da omissão que
falar no nexo causal naturalístico
Quanto aos outros elementos há apenas uma inversão logica:
- O agente estava na posição de adotar uma conduta adequada a evitar o resultado? Ex.:
A estava obrigado a salvar aquela pessoa. Mas ele não sabe nadar. Não esta na sua mão
levar a conduta adequada a evitar o resultado. Neste 1º critério temos o mesmo critério
da adequação só que perguntamos se ele estava em posição de adotar uma conduta
adequada à produção do resultado;
- Quanto ao terceiro escalão: com as necessárias adaptações aplicam se por inteiro à
omissão dolosa
267
Contraditoriamente estes autores aplicam se os mesmos critérios aos crimes dolosos e
negligentes
O prof parte de outra conceção.
Aplicar a teoria da conexão do risco aos delitos de omissão negligentes não parece correto
ao professor porque não se ajusta ao sentido da negligência.
A teoria da adequação não exprime o desvalor intrínseco da negligência e o critério de
imputação é o próprio dever objetivo de cuidado. A imputação aponta que este resultado
não impossível, mas pode suceder que no âmbito da negligência, o agente usando do
cuidado médio exigido ao homem médio não se aperceba da concreta situação.
Por isso aqui o critério tem que ser diferente do da teoria da adequação, é o próprio dever
objetivo de cuidado.
Quanto aos corretores: não é aplicável o da diminuição do risco, se não sabe que está a
produzir um resultado como é que sabe que quer produzir esse resultado para evitar um
resultado mais grave? Quanto aos outros corretores são inúteis porque já estão
compreendidos no dever objetivo de cuidado.
A propósito da imputação objetiva quando ao crime negligente, repetem-se aqui as
mesmas críticas aos que pretendem usar a imputação do risco objetiva nos crimes de ação
negligentes. A posição do professor é a de que repudia a teoria da conexão do risco quer
nos crimes dolosos quer nos crimes negligentes. Nos crimes dolosos o critério é o domínio
do facto e mais concretamente o domínio da não impossibilidade do facto. Ao passo que
nos crimes negligentes o critério é o próprio dever objetivo de cuidado.

É agora a este nível que se distingue aquelas duas modalidades de omissão que já
referimos. A omissão pura ou própria é aquela que está descrita no tipo legal de crime
previsto na lei (artigo 284º, 200º, 348º - exemplos), ao descrever o crime, o legislador está
a descrever um crime omissivo. Na omissão imprópria ou impura em que nós na lei
não temos uma descrição do crime em causa como uma omissão, muito pelo contrário, o
sentido imediato do elemento gramatical aponta para o legislador estar a falar de crime
de ação, só que existe uma cláusula geral de equiparação da omissão à ação, prevista no
artigo 10º.
As principais dificuldades colocam-se a propósito da omissão impura ou impróprias-
crimes previstos na lei sobre a forma de crimes de ação. A questão que se coloca é se
esses crimes podem ser praticados por omissão. São crimes cuja redação na lei apontam
para a punição por ação. Será que estes crimes podem ser praticados por omissão. No CP
no art. 10º estabelece-se uma clausula de equiparação da omissão a ação, e onde se
define o limite da omissão impura jurídico penalmente relevante
Nos termos do art. 10º/1 quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado,
o facto abrange não só a ação adequada a produzi-lo como a omissão da ação adequada
a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.
Logo aqui temos o pp geral da equiparação da omissão à ação. Mas desde logo
estabelecem-se limites.

268
1. Em 1º lugar terá que ser um crime de resultado: Temos aqui várias posições:
§ 1º posição- está-se a limitar esta equiparação aos crimes materiais- o
resultado será o resultado naturalístico da ação- a limitação da omissão
impura aos crimes materiais;
§ 2º posição: Deveria se entender o resultado no sentido material, da lesão
do BJ- aqui resulta da limitação da equiparação da omissão à ação aos
crimes de dano;
§ 3º posição: o aprofundamento das ideias da solidariedade levou a que
alguns autores alargassem o âmbito da equiparação: alargando aos crimes
de perigo concreto – assim por ao este conceito de resultado estão todas as
situações que afetem a tranquilidade do BJ. Assim estão abrangidas tanto
os crimes de dano, que lesam o BJ, como os perigos de perigo concreto
cuja consumação depende da verificação do crime efetivo em relação ao
BJ. A perspetiva do prof encaminha se no sentido da terceira orientação.
Esta referência ao resultado está a circunscrever a equiparação da omissão
à ação aos crimes de dano e aos crimes de perigo em concreto
2. O agente tem que estar na situação em concreto na posição de adotar essa conduta
de salvaguarda do BJ em perigo (possibilidade fáctica de intervir). É ainda
necessário que ele tenha na mão uma conduta que seja adequada a suster o perigo.
3. “Salvo se outra for a intenção da lei”: neste caso a doutrina e o prof. AC
autonomizam duas questões:
§ a impossibilidade normativa: o próprio legislador deixa claro que não quer
equiparar a omissão à ação. Pode suceder que o legislador entenda que não
deve exigir ao cidadão o comportamento ativo no sentido de salvaguardar
interesses alheios;
§ Atendendo à própria estrutura do crime pode não ser admissível fazer essa
equiparação. Ex.: crime de bigamia – pela própria natureza das coisas o
crime não admite a sua prática por omissão

De todo o modo estes requisitos enunciados no nº1 limitam se a balizar em abstrato o


âmbito da equiparação à ação. O nº1 define em abstrato quando é admissível a sua
equiparação. Quanto a saber se em concreto se deve fazer essa equiparação ou não rege
o nº2 do art. 10º
Ao abrigo do Art. 10º/2 a comissão de um resultado por omissão só é punível quando
sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse
resultado.
Chamamos aqui o dever de garante ou numa forma mais extensa o dever de garante
pela não produção do resultado- temos aqui o fundamento da equiparação da ação.
Não parece que sejam respeitadas as garantias de certeza e determinabilidade exigida pelo
pp da legalidade. Que dever jurídico é este? É de natureza penal, civil ou extrapenal? O
pp da legalidade exige uma lei prévia, estrita, certa. E quanto a este requisito do “certa”
coloca se a questão da determinabilidade. É da existência do dever de garante relevante
no plano da omissão que resulta a punibilidade ou não. Está em causa a fronteira entre
saber o que é crime e o que não é crime.

269
Neste sentido para concretizar o dever de garante há duas orientações:
o Teoria clássica/formal que enunciava três fundamentos do dever de garante: lei,
contrato, ingerência.
ü lei: Ex.: a relação de tutela e do curador;
ü contrato: Ex.: contrato do advogado e do cliente que o leva a acautelar os
interesses do cliente;
ü ingerência: prende se com as situações em que alguém cria um perigo para
BJ alheios – estará obrigado a remover esse mesmo perigo
Cedo a doutrina indicou que esta doutrina era estreita demais, que deixava de fora o dever
de solidariedade. Quanto à lei por exemplo fala se do dever de assistência dos cônjuges,
mas também existe dever de assistência em união de facto por exemplo. Também aqui se
geram relações de solidariedade que devem fundamentar um dever de garante, sendo que
sempre que algum deles esteja em perigo isso implica um dever de auxilio.
No contrato também se considera estreito demais. Ex.: caso da baby-sitter e do bebé.
Imaginemos que a baby-sitter vê que o contrato e nulo e abandona a criança. Esta situação
não é admissível. Deste modo a doutrina diz nos que não deve ser o contrato mas as
relações fácticas de confiança. O contrato ser nulo releva apenas para questões de dto
privado
Quanto à ingerência: a doutrina diz nos que há situações em que o agente apesar de não
ser ele a criar o perigo tem o domínio sobre determinados setores. Ex.: o gerente da
empresa que sabe que uma máquina está a dar choques e não avisa o trabalhador
Esta teoria formal não remete para o verdadeiro fundamento material da omissão impura
ou imprópria. Assim segue se uma outra via
o Teoria das fundações: esta teoria tem muitas variantes. Esta teoria material
procura arrumar as situações em que se verifica o dever de garante em dois grande
grupos:
ü para proteger BJ, e neste caso aquele que esta investido do dever de
garante tem de proteger BJ carecidos de tutela;
ü proteger não já aquele BJ, mas fontes de perigo- ou seja proteger que
determinada situação confiada à guarda do agente venha a lesar interesses
de terceiros
Em relação a estes dois grupos surgem 4 situações:
Em relação ao 1º grupo:
1. Relações de comunidade de vida: situações de pessoas que vivem com base de
relações de solidariedade (por exemplo relações entre pais e filhos; pessoas que
vivem debaixo do mesmo teto, que partilham apartamento);
2. Comunidade de perigos ou riscos: estamos na época dos desportos radicais-
sempre que as pessoas se juntam para realizar uma empresa de perigo gera se entre
eles um dever de garante, um dever de solidariedade;

270
3. Solução de guarda e vigilância: são as tais relações fácticas de confiança Ex.:
bebe e baby-sitter- alguém que assume funções de guarda e vigilância. Deste
modo esta obrigado a preservar esse bem e impedir que seja lesado;
4. Situação de monopólio: alguém que não tem relação com o BJ. Ex.: A decide ir
para casa por um caminho que passa pelo meio de um jardim. A vê um bebé num
lago e está se a afogar. A não tem relação com a criança. Todavia ele não tem
nenhuma relação mas basta um pequeno ato para salvar a vida da criança. A maior
parte da doutrina não aceita as situações de monopólio como fundamento do dever
de garante. O Dr. André Leite admite. FD não admite. O prof. AC admite já que
atendendo ao fundamento material da omissão e ao diminuto incomodo que é
salvaguardar um BJ de grande importante deve se admitir a situação de monopólio
atendendo à humanização do DP. Chamar a atenção para um ponto: só devemos
recorrer esta situação quando as hipótese concreta não couber nas restantes
hipóteses. Temos uma hierarquia de pp´s. Os três primeiros têm a mesma força
pelo que só poderemos ir para esta ultima situação desde que a situação não caiba
nas anteriores.

Quanto ao 2º grupo:
1. Velha ingerência que se mantêm: alguém que cria uma situação de perigo deve
impedir que se lesem BJ jurídicos criminais;
2. Situações de senhorio ou domínio: alguém é o dominus de determinado setor e
está obrigado a garantir que o funcionamento desse meio, desse mecanismos não
venha a lesar BJ alheios. Ex.: eu tenho um automóvel e sou obrigada a leva lo às
revisões de modo que não haja danos que possam prejudicar outras pessoas;
3. Situação limite do domínio de controlar condutas de terceiros: De acordo com
o pp da confiança ninguém pode prever condutas dolosas ou negligentes de outras
pessoas. Há casos excecionais em que há esse dever. O exemplo mais claro é
quando estão em causa inimputáveis.
ü Ex 1. O pai leva o filho a visitar o museu. O pai deve ter cuidado para que
a criança não estrague as obras de arte.
ü Ex. 2: Temos um hospital psiquiátrico em que havia um dos doentes que
apresentava comportamentos agressivos e o medico porque foi leviano
passou lhe mais uma licença para saída precária e ele saiu e matou 8
pessoas. Neste processo provou se que havia todos os indícios que ele
podia praticar este crime
4. Situação de monopólio: O Dr. André Lamas Leite não admite. FD admite neste
caso. Taipa de carvalho não aceita. O prof. AC aceita. Ex.: A costuma dar um
passeio à noite e existe uma oficina de pirotecnia. A vê na janela faíscas às 11 da
noite. Será de exigir que ele avise ou não avise? Podemos imputar estas lesões
pessoais a título de omissão impura ou imprópria? A doutrina diverge como foi
dito. O prof. AC crê que sim. Dado que em DP estão em causa lesões graves de
BJ essenciais, neste caso apenas se exige ao agente o incómodo mínimo: ou
atundo ele próprio ou chamando auxilio- bastar-lhe-ia chamar a policia ou os
bombeiros. Assim o prof crê dada a abissal desproporção entre os danos em causa

271
e o diminuto incomodo, deve se reconhecer a situação de monopólio. Só devermos
mais uma vez recorrer a esta hipótese em último caso

Por fim, ao abrigo do Art. 10º/3 a pena pode ser especialmente atenuada. Quanto à
atenuação especial da pena: remissão para os arts. 72º e 73.
O fundamento material é só um: à luz das convicções comunitárias o facto de alguém
atentar positivamente para lesar um BJ é mais grave do que uma omissão dirigida a salvar.
Assim no caso concreto o juiz em funções das circunstâncias do caso pode atenuar a pena
por comparação com a pena que cabia à ação.

Tipo subjetivo
Vamos começar pelo tipo subjetivo da omissão dolosa: o tipo subjetivo comum a todas
as ações dolosas é o dolo do tipo. O conhecimento e vontade de realização do ato, neste
caso, conhecimento e vontade de realização da omissão.
Este dolo comporta
• Um elemento intelectual;
• um elemento volitivo;
• um elemento emocional (ao contrário do que diz a doutrina, porque a omissão
aqui não é um puro dolo natural, não é uma estrutura psicológica, não se esgota
no nexo psicológico-volitivo entre o agente e o facto, neste caso entre o agente e
a omissão).

O juízo de ilicitude é um juízo de culpa sobre o homem médio que vem a determinar o
sentido do ato/omissão, como se tivesse sido praticado pelo homem médio. A prática
intencional, o conhecer e vontade de realizar, expressam, do âmbito e no plano do homem
médio, uma atitude de contrariedade ou de indiferença perante o dever-ser jurídico-penal.
Isto tem reflexos muitos importantes no âmbito do erro, sendo que aqui a propósito do
erro se aplica no essencial tudo o que dissemos para o erro dos crimes dolosos de ação.
Assim sendo, temos que distinguir quanto ao elemento subjetivo comum a todas as
omissões dolosas, um elemento intelectual que tem que se traduzir num conhecimento da
situação objetiva de perigo para o bem jurídico. Quanto a este conhecimento, é o
conhecimento da realidade típica.
O agente tem que atualizar na situação, toda a factualidade típica, todos os elementos
integradores do tipo omissivo em causa.
Aplica-se aqui tudo o que se disse a propósito do elemento intelectual do dolo aplicável
aos crimes de ação. Quando falta o elemento intelectual estamos perante uma situação de
erro sobre as circunstâncias de facto e aqui aplica-se o artigo 16º/2 - se o agente não
representa a situação de perigo em relação a um bem jurídico.

272
Ex.: pai que vai com o filho à praia e o filho leva uns calções de banho vermelho mas as
crianças sujam-se e na mochila leva um calção de banho amarelo, sem que o pai reparasse
a criança trocou o calção vermelho pelo amarelo. O pai de repente vê uma criança em
apuros na água, mas vê que a criança tem um calção amarelo e o calção do filho era
vermelho. Vê que é uma criança, mas não representa que está investido de um dever de
garante, é a tal situação de comunidade devida, é um dos fundamentos do dever de garante
na sua primeira modalidade, o dever de proteger um bem jurídico face a perigos
exteriores. Ele não representa que é o filho e, portanto, não representa que está obrigado
a ir salvar o filho. É um erro sobre a factualidade típica, ou sobre as circunstâncias de
facto. Exclui o dolo e o agente é punido a titulo de negligência se se verificam os
requisitos da negligência:
• formal (tratar-se de um crime que admita a punição a titulo de negligência);
• material (o erro ficar-se a dever à violação do dever objetivo de cuidado que é o
fundamento material da negligência).

Também aqui há lugar para falar dos casos especiais de erro intelectual, de erro sobre
as circunstâncias de facto. Podíamos relembrar situações sobre o erro sobre a pessoa ou
objeto, ou de erro na execução, ou de erro sobre o processo causal. São situações cuja
autonomização não tem grande relevo prático, já que as soluções virão a ser as mesmas e
assim tudo o que dissemos no âmbito dos crimes dolosos de ação é aplicável a estas
situações especiais de erro intelectual de que aqui podemos falar.
Também aqui podemos suscitar o erro sobre as proibições. Vale para ambos os casos
de omissão, contudo coloca-se mais para as omissões puras ou próprias, aqueles casos
previstos na lei e onde porventura se trate de situações que pela sua especificidade
escapem ao conhecimento do homem comum, cuja apreensão não cabe dentro dos
processos de integração social normal e que em relação aos quais o homem comum só
pode tomar conhecimento se dela lhe derem conhecimento explícito.
Por ser um erro intelectual a nossa lei equipara o regime ao erro sobre as circunstâncias
de facto que está previsto na 16º/1 2ª parte, cujo regime se aplica de idêntico modo aos
crimes de omissão.
Por outro lado, temos depois o elemento volitivo. Logo aqui temos que distinguir as
situações:
o dolo direto em que a omissão, o crime é o objetivo central da conduta do agente;
o dolo necessário em que o crime não é o objetivo central, é uma consequência
lateral, mas é inevitável, é necessária ou pelo menos muito provável;
o dolo eventual em que o agente representa o resultado tão só como possível mas
atua conformando-se com esse resultado.

Relativamente ao dolo eventual aqui continua a vigorar a teoria da conformação e também


o critério é o mesmo para a distinção entre dolo eventual (14º/3) e a negligência
consciente (15º/a).

273
• Na negligência o agente só atua porque confia que o resultado não se vai produzir.
• No dolo eventual ele não confia que o resultado não se vai produzir.
É a fórmula da dupla negativa e que o professor adere. A regra é de que as omissões
dolosas, sejam puras ou impuras, ao nível do tipo subjetivo apenas exigem o dolo.
Sempre que o legislador num elemento, na descrição do ilícito típico da omissão, no tipo
subjetivo, para além do dolo exigir especiais intenções, é evidente que a sua verificação
é necessária para que possamos falar do ilícito típico em causa. Se faltar essa intenção o
agente não preenche o tipo e por isso a conduta não é ilícita típica.
Importará agora falar do tipo subjetivo das omissões negligentes. aqui colocam-se os
mesmos problemas: distinção entre negligência consciente e inconsciente.
• Negligência consciente: agente representa o perigo como resultado tão só
possível, mas atua confiando que o resultado não se vai verificar;
• Negligência inconsciente ele não representa sequer a situação de perigo e portanto
não representa a necessidade de intervir para salvar o concreto bem jurídico;

Com base na nossa lei temos o artigo 14º/3 e o artigo 15º/a) CP, que distingue o dolo
eventual da negligência consciente, o que significa que temos apenas uma hierarquização
bipartida do desvalor pessoal das condutas: dolo (necessário, direto, eventual) e
negligência (consciente e inconsciente).
Tipo justificador
Distinguimos omissões dolosas de omissões negligentes:
Omissões dolosas: Alguma doutrina diz que não se levantam problemas do tipo
justificador porque, sobretudo na omissão impura ou imprópria que assenta no dever de
garante, grande parte das situações contempladas nos crimes dolosos de ação no âmbito
dos tipos justificadores estariam já contempladas na definição do próprio dever de
garante. O prof discorda. Sem dúvida que situações de justificação na omissão dolosa são
menos comuns, mas são igualmente pensáveis. Ex: alguém que tem um dever de garante
em relação a outra pessoa, mas essa pessoa decide matá-lo. Numa briga em casa, a pessoa
que o quer matar cai à água mas não sabe nadar, é uma pessoa com força física. Há um
perigo efetivo em relação ao que está investido no dever de garante de que o outro o mate,
logo ele não o salva, deixa-o morrer afogado. É uma situação de legítima defesa. Ainda
que as hipóteses da vida enquadráveis na justificação sejam raras na prática, nas situações
de omissão dolosa, são pensáveis e podem verificar-se.
Aqui, para os tipos justificadores funcionarão, com necessárias adaptações, os requisitos
que falamos para os crimes de ação dolosos:
• Requisito subjetivo comum a todos os crimes dolosos: o agente tem de conhecer
a situação de justificação.
• Tem de se verificar a propósito de cada situação com adaptações, os requisitos da
legítima defesa, estado de necessidade, conflito de deveres…

274
Quanto aos crimes negligentes:
Na ótica do prof continua a aplicar-se tudo o que dissemos a propósito dos crimes
negligentes de ação, ou seja, que o pensamento da justificação não faz sentido. Isto porque
a função que é desempenhada pelos tipos justificadores nos crimes dolosos é
desempenhada já dentro do tipo negligente, seja de ação ou omissão.
No crime de omissão temos a descrição de um procedimento exterior em que há uma não
intervenção do agente que vai resultar na lesão ou colocação em perigo do bem jurídico.
Sempre que apesar de se verificar essa situação exterior, a conduta na sua objetividade à
luz do critério do homem médio, não representar a violação daquele cuidado exigido à
generalidade das pessoas, essa situação não viola o dever objetivo de cuidado e não
preenche o tipo incriminador. Teremos então causas de exclusão da própria tipicidade
do facto. Como vimos nos crimes de ação dolosos, os tipos justificadores são
concretizações de uma ideia/princípio geral: a não Inexigibilidade objetiva. São
concretizações de um juízo de valor assente no homem médio: naquela situação não era
exigível ao comum das pessoas atuar diversamente, não era exigível o respeito pela
norma. Se o preenchimento do tipo incriminador negligente, seja ele de ação ou omissão,
depende da conduta descrita ou omissão referida no tipo, comportar a violação do dever
objetivo de cuidado, sempre que a situação for de não inexigibilidade, não há violação do
dever objetivo de cuidado. A situação descrita não envolve o dever objetivo de cuidado
e, portanto, exclui-se o próprio tipo incriminador.

Formas especiais do crime: tentativa; concurso de crimes e comparticipação (não vamos


tratar de todos estes temas)
Até agora estudamos depois dos princípios materiais, os fundamentos do DP, estudamos
a dogmática penal (a teoria geral do crime de ação doloso; de ação negligente e a teoria
geral do crime de omissão).

O que são as formas especiais do crime? Nelas costumam-se tratar 3 problemas: a


tentativa por contraposição à consumação, o concurso de crimes por contraposição à
unidade criminosa, e a comparticipação que é uma situação em que várias pessoas
colaboram para um evento criminalmente relevante.
Até agora detivemo-nos num crime perfeito em que o agente analisa os elementos de
ilícito típico e atua de forma culposa para o realizar de uma forma completa e consumada,
e vimos ainda a unidade do agente em que só um agente pratica outro. Mas nós sabemos
que o agente por vezes enceta a conduta criminosa e por motivo estranho à vontade dele
não consuma- tentativa; outras vezes comete mais do que um crime e no mesmo processo
vai ser julgado por essa pluralidade de infrações- concurso de crimes; e também na
prática de crimes pode haver “trabalho de equipa” - comparticipação.
Estas matérias eram tratadas à parte no domínio do sistema clássico ou positivista, e do
neoclássico/normativista, porque pelo facto de partirem do ilícito objetivo, estes autores

275
não conseguiam inserir nas categorias tradicionais, nomeadamente na contraposição do
ilícito à culpa estas figuras.
No caso da tentativa por exemplo, esta pode ser uma ofensa à integridade física simples
ou uma tentativa de homicídio, e para determinarmos o verdadeiro sentido de ilícito da
conduta, tínhamos que atender à subjetividade do agente, o que era inadmissível no
quadro destes sistemas. No caso dos concursos de crimes, por exemplo 7 facadas- 7
crimes ou um crime só? A resposta era: “depende da resolução do agente- se ele tomou a
resolução de agredir temos um só crime, mas se ele tomou uma resolução de dar X
facadas, depois para e volta a ter agredir- dois crimes”- a demarcação do ilícito depende
da subjetividade do agente e na comparticipação suscita-se o mesmo problema.
Isto significava que estes autores faziam depender o ilícito da subjetividade do agente que
para eles só podia ser considerada no plano da culpa, o que equivalia dentro dos quadros
do sistema clássico e neoclássico a fazer da culpa um pressuposto de ilícito, pulverizando-
se o sistema geral da construção do delito-estávamos perante formas especiais do crime
porque a propósito delas a dogmática era verdadeiramente diferente, misturando-se os
elementos objetivos e subjetivos, e fazia-se não do ilícito um pressuposto da culpa, mas
sim da culpa um pressuposto do ilícito. Isto quer dizer que tratar-se-iam de figuras a
propósito das quais a própria construção dogmática divergia da teoria geral do delito era
válida para a generalidade. Não é assim no quadro da doutrina do ilícito pessoal, pois
dentro dele estamos à procura do sentido pessoal-objetivo, do sentido de
antinormatividade da conduta se praticada por uma pessoa em geral, e logo aí nos
deparamos que a conduta é uma unidade objetiva-subjetiva, e distinguimos logo aí entre
ações dolosas VS negligentes.
A diferença entre este ilícito e a culpa, não tem a ver com o substrato ou objeto de
valoração, varia apenas o critério da valoração- vamos avaliar essa unidade à luz do
padrão do homem médio, ao passo que na culpa vamos determinar o sentido pessoal
subjetivo daquele ato à luz do concreto agente. Assim sendo, a consideração da
subjetividade do agente no âmbito da tentativa ou concurso de crimes não levanta
qualquer problema, não implica abandonar os quadros tradicionais ao nível da teoria geral
do delito. Verdadeiramente, a questão da tentativa, do concurso ou da coparticipação são
questões atendentes ao ilícito típico, e apenas mantemos o seu tratamento separado no
final do programa da disciplina pela complexidade que estas matérias têm. É por isso que
a expressão “formas especiais do crime”, no contexto de uma doutrina que parta da
conceção do ilícito pessoal, adquire um significado diverso do que tinha no passado. Não
está em causa a perversão das categorias gerais do delito, os planos são os mesmos, apenas
se autonomiza esta categoria pela sua complexidade.

Tentativa
A tentativa opõe se ao crime consumado, ou seja, quando o agente preenche a totalidade
dos elementos do ilícito típico. Na tentativa temos uma realização incompleta do tipo.

276
Ex.: A quer burlar B. Mas B é advertido e não transmite para a esfera de titularidade a
fáctica do está a ser burlado
A tentativa é uma extensão da punição. Existem casos em que o legislador alarga a
punibilidade à tentativa. Coloca se o problema do fundamento do alargamento. Colocam
se aqui duas teorias:
Teoria subjetiva: pretende ver na prática do crime uma vontade criminosa- a
manifestação de perigosidade do próprio agente; O fundamento da tentativa é reagir
contra a perigosidade do agente. Esta fundamentação não é admissível já que aponta para
o DP do agente. Assim de acordo com a teoria objetiva o fundamento da tentativa
decorre do perigo do BJ. Ao iniciar o comportamento perigoso, há a colocação em perigo
do BJ. Nesta situação de perigo reside então o fundamento da sua punibilidade.
Tratam se de razões de prevenção que servem de fundamento à extensão da punição da
tentativa. A punição é a título excecional. Apenas quando o legislador a admitir. A
tentativa só é punida a título de dolo. A nossa lei diz “decidiu cometer”. Ou seja, não é
punida a tentativa negligente. Embora no passado fosse pensável: falava se da “quase
tentativa” - alguém que “sem querer” violando o dever objetivo de cuidado pratica atos
perigosos a que não se segue a consumação.
Mesmo na tentativa dolosa a tentativa só é punida em relação aos crimes a que
corresponde na forma consumada uma pena de prisão superior a 3 anos- art. 23º- regra
geral- há exceções declaradas na lei. Ex.: art. 202º e sgs- o legislador diz expressamente
que a tentativa é punida.
o A tentativa só releva na forma dolosa
o A sua punição é excecional já que só é punida quando o crime em causa na forma
consumada tiver uma pena superior a 3 anos ou quando fora destes casos o
legislador puna.

Importa referir que na sua globalidade nós podemos isolar no iter criminis 4 fases:
o fase da chamada nuda cogitagiu/projeto criminoso: o agente no plano interno
projeta/pensa que se vai ou não cometer o crime. Estamos na fase dos atos
internos, dos pensamentos- do puro pensamento;
o fase da prática de atos exteriores: o agente está a praticar o crime- por exemplo
compra os utensílios para o crime- atos preparatórios que já se traduz num
comportamento exterior, mas que em regra nos termos do art. 21º a regra é que
são impunes: primeiro porque na maioria dos casos os atos preparatórios são
idênticos a atos lícitos. Ex.: A pode comprar uma espingarda para ir à caça. Torna
se difícil provar que esse ato preparatório visa a prática de um crime; em segundo
lugar: de acordo com o caráter subsidiário da tutela penal o DP só deve intervir
quando há lesão de BJ ou perigo próximo quanto a esse BJ. Em relação ao perigo
remoto em pp não releva para o DP. Ainda existe uma distância temporal e
especial para a realização do crime propriamente dito. Assim nos termos do art.
21º os atos preparatórios não são punidos. Há exceções, mas essas serão
consagradas na lei. Acrescente se que mesmo quando excecionalmente o

277
legislador pune os atos preparatórios pode faze lo considerando como crime
autónomo da lei. Ex.: contrafação de moeda; o legislador pune o ato preparatório
ainda como ato preparatório. Ex.: Art. 277º: Aqui o legislador declara estes atos
puníveis como atos preparatórios. A diferença é que se o legislador declara o ato
preparatório como ato preparatório ele para ser punido tem que ser consumado.
Diferentemente se o legislador estabelece a punição do ato preparatório como
crime autónomo e pode ser punido na forma consumada ou forma de tentativa
o fase da execução: o agente começa a praticar o ato de execução;
o fase da consumação

A distinção entre os atos preparatório e os atos de execução marca a limitação entre a


impunidade e punição.
Resulta que a tentativa que se traduz na prática de atos de execução que por motivo
estranho ao agente não chega à consumação. A tentativa diz respeito aos crimes dolosos.
Um crime doloso que pode ser de ação ou omissão já que a propósito dos crimes
omissivos podemos distinguir entre ação e omissão.
Comecemos pela tentativa nos crimes de ação dolosos:
Nesta base a tentativa é um crime doloso. Em relação ao crime doloso de ação tem que
se verificar quase todos os pressupostos para o crime de ação em geral. A propósito da
tentativa teremos que repetir quase tudo que foi dito para a teoria geral do crime doloso
de ação. Aqui temos que falar do conceito de ação. Por outro lado, a ação continua a
cumprir a função dogmática que lhe apontamos (afasta os fenómenos naturais e
comportamentos de animais ou comportamentos humanos que não são ação humana
relevantes para o DP).
Quanto ao ilícito típico não basta termos uma ação para termos um crime. Assim temos
um ilícito doloso- uma unidade objetiva subjetiva. Separamos aqui para mera clareza da
exposição o tipo objetivo e tipo subjetivo.
A falta do elemento subjetivo tem a mesma consequência da falta do elemento objetivo-
deixamos de ter um ilícito típico penalmente relevante.
Tipo subjetivo: exatamente igual ao tipo subjetivo do crime doloso consumado- temos
que ter dolo : que tem os mesmos elementos (elemento intelectual, volitivo, emocional).
Quando falta o elemento intelectual temos também o erro sobre as circunstâncias de facto.
Podemos também falar das situações especiais de erros sobre as circunstâncias de facto.
Quanto ao elemento volitivo a doutrina maioritária considera que releva para a tentativa
as hipóteses de dolo direito, necessário e dolo eventual. A tentativa abrange todas as
modalidades de dolo admitidas para o crime consumado. Há autores que poe em causa a
punibilidade da tentativa de dolo eventual. Para todos os efeitos com base na letra da lei
e de acordo com a doutrina maioritária estende-se à tentativa todas as formas de dolo
admitidas para a consumação.

278
Por norma o tipo subjetivo restringe se à exigência de dolo, mas pode existir casos em
que se exige especiais intenções, caraterísticas pessoas da personalidade etc.
O tipo subjetivo da tentativa é idêntico com o tipo subjetivo do crime consumado
correspondente.
As distinções põem se quanto ao tipo objetivo
Em 1º lugar refira se que temos que falar dos elementos estruturantes do tipo objetivo:
agente, BJ e conduta. Põe se as mesmas distinções
A diferença está no facto de a tentativa significar uma realização incompleta do tipo- o
agente pratica atos de execução a que não se segue a consumação por motivos estranhos
à vontade do agente
Quanto à estruturação do tipo objetivo é tudo igual bem como as mesmas especificações
que se colocam a propósito de cada estrutura.
Na tentativa há um preenchimento incompleto do tipo.
Há que distinguir entre a tentativa acabada e inacabada.
O agente pode ter uma execução incompleta porque não executou todos os atos. Ex.:
assaltante do banco que é detido pela polícia. Ainda não chegou ao cofre. Temos a
tentativa inacabada
Poder dar se o caso de o agente realizar todos os atos de execução, mas não realizar o
crime. Ex.: A quer matar B, dispara, mas falha.
No dto anterior distinguia se entre a tentativa e frustração. A tentativa era aquilo a que
chamamos de tentativa inacabada. A frustração seria a tentativa acabada.
O velho CP estabelecia uma diferença. Estas situações eram diferentemente puníveis.
A nossa lei hoje não estabelece diferença ao nível da pena abstrata entre a tentativa
acabada e a tentativa inacabada. Em concreto o juiz pode atender a par de outros
elementos ao facto da tentativa ser acabada ou inacabada.
Em suma, conclui se que o tipo subjetivo da tentativa é idêntico ao crime doloso
consumado. Quanto ao tipo subjetivo os elementos estruturantes e as classificações de
tipicidade são os mesmos. A diferença está no facto de na tentativa o agente não preencher
a totalidade do crime. Há apenas um perigo. A nossa OJ deste modo estabelece uma pena
abstrata única para a punição da tentativa. <

Como sabemos o iter criminis pode dividir-se em 4 fases essenciais, acima referidas. Aqui
vemos a importância de encontrar um critério seguro para distinguir os atos preparatórios
dos atos de execução, que consubstanciam a fronteira entre a impunidade e a punição. E
para distinguir entre atos preparatórios e atos de execução surgiram duas teorias:
1. Teoria subjetiva– ato de execução é todo aquele que expressasse uma vontade
séria, firme de praticar o delito, não importando a configuração exterior do ato ou
se ele é mais próximo ou afastado da consumação

279
2. Teoria objetiva – caraterização objetiva do comportamento.
§ Teoria formal objetiva – o ato de execução é aquele que esta descrito
textualmente. Esta teoria só funciona para os crimes de execução não livre
§ Teoria material objetiva – construída na base da teoria da adequação. São
atos de execução aqueles que são idóneos para produzir o resultado.
contudo, não basta ser idóneo, mas não se pode verificar nenhum corretor
da conexão do risco. Esta alteração foi introduzida pela teoria da conexão
do risco. O prof não concorda com esta perspetiva.
O que fez a nossa lei para distinguir entre atos preparatórios e de execução? Adotou um
critério misto.
Art.22º do CP:
® Art.22º/nº1 do CP: o agente tem de praticar atos de execução e não atos
preparatórios. Mas, de um crime que “decidiu” cometer – prática consciente e
voluntaria de um crime, afastando a negligencia (Elemento volitivo do dolo).
Afasta a punibilidade da tentativa a título de negligencia.
® Art.22º/nº2 do CP: o que são atos de execução? Vejamos as alíneas
a) Critério formal objetivo – aqueles que estão descritos no tipo de crime,
mas isto só vale para os crimes de execução vinculada. No final de contas
nesta alínea está o ato de consumação
b) Critério material objetivo para todos os restantes casos. Aqui também está
descrito, na verdade, o ato de consumação.
c) Critério material objetivo – esta alínea vem precisar alguns aspetos,
nomeadamente a perspetiva ex ante que explica o ato de execução. Na
Alemanha e historicamente por atos de execução entendiam-se os atos de
consumação. Mas, o início da tentativa não pode restringir-se aos atos de
execução. Foi por isso que a doutrina e o legislador sentiram a necessidade
de alargar o conceito de execução e da tentativa. Não se restringe aos atos
de consumação, mas quando o agente avançava imediatamente para a
execução e que sem quebras iria terminar no ato de consumação. Ex: Não
é quando prime o gatilho, mas quando pega na arma que, sem quebras,
levaria à consumação do ato. “É o avançar imediatamente” (Welzel).
O legislador afasta a teoria subjetiva e adota um critério objetivo, mas na alínea c)
especifica de forma mais precisa certas situações.
Assim, o legislador delimita a fronteira entre atos de execução e de consumação, que na
maior parte das vezes determina a impunidade ou a punição.
Tentativa inidónea ou impossível:
A tentativa inidónea ou impossível reporta-se a situações que, na prática, aquele ato nunca
podia levar à sua consumação.
Ex: alguém dispara, mas a vítima tem um colete anti bala.
Ex: Alguém procura envenenar usando um veneno em relação ao qual a vítima é imune.
Aquele dispara sobre a morte.

280
Mas, a tentativa idónea ou impossível é punível ou não? É que, na verdade o BJ nunca
esteve efetivamente em perigo.
A doutrina portuguesa admite, assim, duas modalidades de tentativa inidónea ou
impossível:
® Por inexistência do objeto – Ex: alguém está zangado com o vizinho e dispara
quando ele está na piscina, convencido de que estaria a apanhar sol, mas o vizinho
já estava morte por virtude de um ataque cardíaco. De acordo com a teoria da
aparência este comportamento era punível? SIM, porque aos olhos de todos
estaríamos perante um ser humano vivo.
® Por inaptidão do meio – é quando o meio, atendendo à realidade objetiva jamais
pode atingir a consumação.
Ora, o fundamento da tentativa é o perigo. Ex: O sr. A tem à escolha três venenos e
escolher um deles aleatoriamente, mas a vítima é imune a essa substância.
® Mas, numa perspetiva ex ante não há aqui um perigo? SIM, pois se ele tivesse
escolhido outro veneno poderia ter matado a vítima. Temos de aferir o perigo de
uma perspetiva ex ante. Esta situação, no final de contas, e de um ponto de vista
de aferição ex ante do perigo, não é diferente da tentativa idónea. Aplicar a alguém
uma substância venenosa é uma atitude perigosa. É por isso é que a generalidade
da doutrina declara em certos casos a punibilidade da tentativa inidónea ou
impossível. Entre nós esta doutrina traduz-se na teoria da aparência. Há quem
fale na teoria da impressão, mas essa não se justifica no quadro do DP português
que adota uma teoria objetiva da tentativa, ao contrário do DP alemão que adota
uma teoria subjetiva da tentativa. Na teoria da aparência, EC dizia que a
tentativa inidónea ou impossível é punível como tentativa sempre que haja
idoneidade/aptidão do meio ou quando o objeto da ação exista. É isto que nos
diz os art.23º/nº3 do CP - quando for aparente essa idoneidade, a tentativa é
punível. Assim, os atos que caracterizam a tentativa são atos de execução. Desta
forma, quanto ao art.22º/nº2 do CP devemos avaliar os atos de execução numa
perspetiva ex ante.
Art.23º/nº1 do CP – a tentativa só é punível quando o crime consumado correspondente
for punível com pena superior a três anos
Art.23º/nº2 do CP – a atenuação especial remete para o art.72º e 73º do CP
A tentativa é um crime doloso, estando subordinado à teoria geral dos delitos dolosos.
ü Tipo justificador: funcionam todas as causas de justificação e nos mesmos termos
que foram afirmadas para o crime doloso de ação consumada. A tentativa pode
ser recoberta pela LD, EN, conflito de deveres, etc. Os requisitos são os mesmos:
se a LD torna lícito o crime consumado, também justifica os atos de execução que
consubstanciam a tentativa.
ü Culpa: o juízo de ilicitude no âmbito da ação e no âmbito da tentativa têm o
mesmo objeto, a mesma valoração. Na culpa estamos à procura do desvalor
subjetivo do ato. Como a tentativa é um crime doloso, valem por inteiro as
considerações que tecemos sobre a culpa no âmbito do crime doloso consumado:
na inimputabilidade continua a aplicar-se o disposto no art.295º do CP. Quanto à

281
inexigibilidade e ao erro sobre a ilicitude vale o mesmo que tecemos
anteriormente.
ü Punibilidade: aqui vamos confrontar-nos com um problema – a doutrina
maioritária, quanto à punibilidade no âmbito dos crimes dolosos e no âmbito da
tentativa fala em três situações:
§ Condições objetivas de punibilidade
§ Bagatelas penais
§ Desistência da tentativa - que seria uma concretização da ideia da
desnecessidade de pena. A desistência da tentativa é um instituto que
exclui a punição do agente que tendo iniciado a execução, todavia, a OJ
dispensa a punição quando o agente interromper de forma voluntária a
execução e, com isso, evitar a prática do crime. A desistência está
subjacente à politica-criminal do incentivo para que o agente não consuma
o ato criminoso. Com este instituto, que garante aquele que praticou atos
de execução, a impunidade dá-se um incentivo para que desista. Assim, a
desistência da tentativa, consoante se trate da tentativa acabada ou
inacabada pode assumir contornos diferentes:
¬ Tentativa acabada – o agente comete todos os atos de execução, só
que por razão estranha à sua vontade, o crime não se consume. A
desistência da tentativa, no âmbito da tentativa acabada, exige
assim um comportamento ativo, que o agente desfaça o mal que
fez, em ordem a evitar a consumação.
Ex: alguém mete uma bomba num monumento nacional. Se ele
quiser desistir tem de ir lá desligar ou pedir as autoridades
competentes que o faça, ligando-lhes a informar da existência da
mesma e do local onde se encontra.
A doutrina fala aqui de um “arrependimento ativo” – o agente atua
positivamente para desfazer o mal que fez. O prof. AC considera
esta expressão equivoca porque a relevância da tentativa não tem
a ver com o arrependimento moral.
É de referir ainda que a desistência da tentativa tem de preencher
dois requisitos:
Ø Requisito objetivo: o crime não se tenha consumado.
Falamos da consumação material e não da formal
(veja-se adiante a justificação).
Ø requisito subjetivo – a voluntariedade da desistência.
Se alguém está a assaltar uma casa e vê a polícia e por
isso desiste, não há voluntariedade. Falamos de
voluntariedade no sentido de espontaneidade, o
abandono não pode ser coagido por razoes exteriores,
mas também não tem de ser um abandono por razões
nobres. A desistência tem de ser o abandono
espontâneo daquele concreto projeto criminoso.
¬ Tentativa inacabada – o agente pratica apenas parcialmente os atos
de execução. A desistência traduz-se na pura e simples omissão
dos atos de execução que falta praticar.
A concretização disto está consagrada nos arts.24º e 25º do CP
282
Art.24º do CP
ð Art.24º/nº1 do CP – “A tentativa deixa de ser punível quando o agente
voluntariamente (significa isto espontaneamente) desistir de prosseguir na
execução do crime (estamos perante a desistência tout court, isto é, da tentativa
inacabada), ou impedir a consumação (falamos aqui da tentativa acabada), ou,
não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não
compreendido no tipo de crime” (falamos aqui dos crimes de perigo, em que o
agente consuma o crime de perigo, mas não o crime de dano, impedindo a lesão
efetiva do BJ, que é o resultado que não está contido no tipo. Os crimes de perigo
são quase sempre crimes de tentativa. Tratando-se de um crime de perigo, apesar
de este ter sido consumado, e se depois o agente evitar que se consubstancie num
crime de dano, ele irá beneficiar do regime da desistência da tentativa. Aqui está
em causa a consumação material, isto é, a lesão efetiva do BJ).”
ð Art.24º/nº2 do CP – “Quando a consumação ou a verificação do resultado forem
impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é
punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.”.
Ex: é o caso de alguém que dispara sobre outra pessoa para matar, mas depois
arrepende-se e vai chamar uma ambulância. Contudo, quando volta um ao local,
um medico já o tinha visto e levado para um hospital– a consumação foi impedida
por um terceiro, mas provou-se que ele se esforçou seriamente para o evitar, pelo
que o agente beneficia do instituto da desistência da tentativa.
Art.25º do CP – “Se vários agentes comparticiparem no facto, não é punível a tentativa
daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado, nem
a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os outros
comparticipantes prossigam na execução do crime ou o consumem.”
ð Art.25º/1ª parte do CP – “Se vários agentes comparticiparem no facto, não é
punível a tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a
verificação do resultado (…)”. Pode haver lugar também à hipótese estarmos
perante um crime cometido em grupo e de só um dos elementos desistir. Ora, se
este elemento que desistiu impedir que os outros consumem o ato, este agente vai
beneficiar da desistência da tentativa e os outros vão ser condenados a título
consumado ou de tentativa.
ð Art.25º/2ª parte – “nem a daquele que se esforçar seriamente por impedir uma
ou outra, ainda que os outros comparticipantes prossigam na execução do crime
ou o consumem.”
É o caso daquele que desistiu, quer pôr termo à prática do crime, mas os outros
comparsas levam por diante o crime. Mas, se se provar que ele se esforçou
seriamente para impedir a lesão do BJ, embora os restantes prossigam na execução
do crime ou o consumem, ele beneficia da desistência da tentativa, e os outros
serão punidos por tentativa ou consumação.
Este instituto da desistência da tentativa surge por razoes politico-criminais, para evitar a
lesão de BJ. É uma concretização de uma ideia de necessidade de pena, intervindo neste
nível da punibilidade.

283
• Crimes de tentativa dolosos omissivos: também a omissão é crime e tanto a
omissão pura ou impura são suscetíveis que em relação a elas se faça a distinção
entre tentativa e consumação.
Pode uma pessoa não atuar e em virtude dessa sua não atuação não se verificar o
resultado. Mas, torna-se difícil determinar, pela natureza da omissão, quando
inicia a tentativa da omissão.
Welzel dizia que não se podia aqui distinguir entre tentativa acabada e inacabada,
existindo apenas a tentativa inacabada (tentativa inacabada - quando o agente
deixou esgotar a última possibilidade de intervenção).
Mas, a doutrina afastou este ponto de vista, pois na verdade não se censura
apenas o resultado, mas censura-se o desvalor da ação, admitindo a existência da
tentativa acabada (quando o agente deixou passar a última possibilidade de salvar
o BJ) e a tentativa inacabada (quando se verificasse uma alteração da situação de
perigo para o BJ. Ex. o filho está doente e os pais não chamam o médico. Ora,
enquanto a doença estivesse estável não havia início da tentativa, mas sim quando
houvesse uma agravação aguda da situação de saúde da criança. Se perante uma
alteração substancial agravada do perigo para o BJ o agente não intervém
estaríamos perante uma tentativa inacabada).
O prof. AC discorda porque considera esta doutrina insegura (o pai não é medico,
não sabe quando há um salto equitativo para chamar o medico ou não. O critério
do início da tentativa deverá ser outro. Para o prof. AC há início de tentativa de
omissão quando, perante uma situação de perigo grave para o BJ, pela atitude do
agente na situação se revelar evidente que ele não intervirá.
E quanto à tentativa acabada, faz sentido falar na sua existência? O que é isso da
última oportunidade? Parece uma ficção. Para o prof. AC também não faz sentido
falar numa tentativa acabada.
Na omissão, o prof. AC entende que, atendendo as características do crime
omissivo, não faz sentido distinguir entre tentativa acabada ou inacabada. Para
AC existe apenas a tentativa tout court por omissão acima referida pelo AC, ou
seja, quando perante uma situação de perigo grave para o BJ, pela atitude do
agente na situação, se revelar evidente que este não intervirá.
Quanto à desistência da tentativa na omissão – o agente acaba por intervir,
impedindo o resultado, aplicando-se os requisitos gerais da desistência da
tentativa, mas com as necessárias adaptações.

284

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