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Teoria da Lei Penal

O Direito Penal em Sentido Formal


BLOCO DE ESTUDOS DE TEORIA O Conceito de Direito Penal
É Direito Penal o conjunto das normas jurídicas que ligam certos comportamento humanos – os

DA LEI PENAL crimes – a determinadas consequências jurídicas privativas deste ramo de Direito. É a pena a
mais importante destas consequências e que só pode ser aplicável a quem tenha atuado e
atuado com culpa. A par das penas temos, também, as consequências jurídicas que, em vez de
Diogo Chiquelho (21545917) aplicáveis em função de culpa, são aplicáveis em função da perigosidade do agente, pelo que
falamos das medidas de segurança.
Núcleo de Estudantes de Direito Afirma o professor doutor Jorge de Figueiredo Dias que dado haver uma categoria de
Da Universidade Lusíada – Norte (Porto) consequências jurídicas composta por dois tipos essencialmente – a pena e as medidas de
segurança – então a designação Direito Penal aparenta ser demasiadamente estreita, pelo que
melhor será falarmos em Direito Criminal. Assim retira-se o caráter que aparenta dar quando
falamos em Direito Penal, ou seja, o relevar de uma das consequências jurídicas: a pena e quer-
se dar sim relevância à consequência base de tudo isto: o crime. Mas ao mesmo tempo, e dado
que a culpa é o elemento essencial da pena e como as medidas de segurança têm como base a
perigosidade do agente e não a culpa, então também não seria de se inserir as medidas de
segurança no Direito Criminal. Conclui-se que podem ser usadas quaisquer umas destas
designações, desde que não se perca em atenção que a “mera” designação não deve (nem pode)
só por si afastar uma ou outra consequência jurídica. Mas formalmente ainda temos de atentar
a uma questão: é que se chamamos ao nosso diploma legislativo de Código Penal então o nosso
ordenamento prefere a designação de Direito Penal.
Mas ainda analisando esta temática numa perspetiva teleológica e funcional podemos dizer que
preferimos Direito Penal, pois dá-se a entender que neste ramo do Direito tudo haverá de ser
função da especificidade da consequência jurídica. Mesmo que se defina o crime, a nossa
disciplina e este ramo do Direito só se caracterizam da maneira que se caracterizam caso para
cada comportamento ilícito se prevê uma consequência jurídica, pois é isto que nota a
pertinência deste ramo do Direito.
A isto que acabamos de dizer chamamos o ius poenale ou Direito Penal em sentido objetivo.
Mas ainda temos o ius puniendi ou Direito Penal em sentido subjetivo onde referimos o poder
punitivo do Estado resultante da sua soberana competência para tomar como crime certo
comportamento e a ele lhe associar uma sanção específica. Assim o Direito Penal em sentido
objetivo é a expressão e a o Direito Penal em sentido subjetivo é a execução do poder punitivo
do Estado.

O âmbito do Direito Penal


É normal na conceção atual que ao falarmos em Direito Penal nos referirmos imediatamente ao
Direito Penal substantivo. Mas, por vezes, refere-se também um Direito Penal em sentido
amplo ou um ordenamento jurídico-penal e que já abrange – para além daquele substantivo –
o Direito Processual Penal/Adjetivo/Formal e o Direito da Execução das Penas e das Medidas
de Segurança/Executivo. O Direito Penal Substantivo define os pressupostos do crime e das
concretas formas do seu surgimento ainda como a determinação das consequências que,
aquando da verificação de tais pressupostos, se aplicarão, pensando assim a conexão entre os
pressupostos do crime as respetivas consequências jurídicas. O Direito Processual Penal
regulamente juridicamente os modos de realizar praticamente o poder punitivo do Estado,
Universidade Lusíada – Norte (Porto) essencialmente através da investigação e da valoração judicial do crime indiciado. Já ao Direito
Penal Executivo atribuímos a regulamentação jurídica das execução da pena e/ou medida de
Direito – 2º ano
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Diogo Chiquelho (21545917)
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segurança do que foi decretado no momento anterior, ou seja, no processo penal, e de uma de supra/infra ordenação. É em nome da preservação de uma vida serena em sociedade que o
forma específica. Estado inflige consequências para a liberdade e património dos cidadãos. Assim admite a
doutrina – e tal é pacífico – que há uma estreita conexão entre o Direito Constitucional com a
teoria do Estado. Conexão que é reforçada pelo facto de as consequências de que já falamos
A Localização do Direito Penal no Sistema Jurídico representarem negações e limitações evidentes a direitos fundamentais das pessoas e, também,
pelo facto de ser necessário haver uma relação entre a ordem axiológica jurídico-constitucional
Direito Penal Intraestadual e Direito Internacional Penal e a ordem legal dos bens jurídicos que o Direito Penal ambiciona tutelar.
Apesar de ainda podermos afirmar que o Direito Penal é essencialmente um Direito
Intraestadual, dado encontrar as suas maiores fontes num âmbito interno e por ser aplicado
maioritariamente por órgãos nacionais, errado será afirmar-se, ainda, que Direito Penal é um
monopólio da legislação e iurisdictio dos Estados. Desde logo porque devido a um incremento
A Ciência do Direito Penal
da relevância do Direito Internacional em matéria penal, como por exemplo fontes como a Da “Enciclopédia das Ciências Criminais” à “Ciência Conjunta do Direito Penal”
Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou O crime é uma patologia social, uma realidade humana. Foi o perceber disto que levou a um
até o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que têm um conteúdo jurídico-penal e evoluir das ciências a pensarem o crime, como a sociologia, a psicologia, a genética, etc. Destes
aparentam um indiscutível relevo para a aplicação do Direito Penal. E entre estes “instrumentos” estudos relevam algumas teorias de vastas áreas e que importam notarem-se. Em primeiro lugar
podemos falar de tantos outros1. Para não falar do facto – já conhecido do Direito Internacional temos no campo da genética a perspetiva de Cesare Lombroso que defendia que se poderiam
até - onde temos princípios de Direito Internacional Geral que vigoram no ordenamento jurídico detetar os criminosos pela sua estrutura genética, o que significa que já se sabe quem são
português, ao lado ou até mesmo acima das nossas leis ordinárias. Para além disto, temos ainda apenas pela avaliação de critérios que se obtêm a olho nu. Construiu a sua teoria através das
a instituição do Tribunal Penal Internacional que vem aplicar o Direito Penal e penalizar numa vastas autópsias que fez, dado considerar ter achado que, por exemplo, o crânio de um
perspetiva interestadual, apesar das limitações para a proteção dos Direitos Humanos que isto criminoso tem uma certa configuração, etc. Lombroso chegou, assim, ao definir de tais critérios,
cria. ou seja, defende que a genética própria de um criminoso passa por este ter queixo comprido,
No sentido do Direito Penal a CRP é exaustiva (dentro dos possíveis). Logo ao art.24º limita-se o um cérebro mais pequeno, etc o que corresponde à evolução do homem contrária à evolução
alcance punitivo do Direito Penal no que concerne a uma eventual violação do direito à vida. O darwiniana: o atavismo. Desta forma, defende a existência do criminoso como alguém
n.2 deste artigo refere, assim, que não é permitido punir-se tal crime com pena de morte. O predestinado ao crime e, neste sentido, não existe a livre decisão. No plano da psicologia temos
art.27º, que consagra dois direitos fundamentais – o direito à liberdade e o direito à segurança Raffaele Garofalo que defendia a existência de causas psicológicas para o crime: a anomalia
– que têm uma constante relação com o Direito Penal no que toca ao dever estadual de nos psíquica. Escreveu uma obra em que aparece pela primeira vez a palavra criminologia sendo, em
defender do crime. É neste sentido que os sujeitos, através do contrato social, alienaram ao tal obra, referida apenas como sendo a psicologia criminal. Garofalo defende que as causas do
Estado parte da sua liberdade pessoal em função do garante da segurança. Assim, os cidadãos crime estão relacionadas com os aspetos psicológicos da pessoa. No plano da sociologia temos
legitimaram o Estado a restringir a liberdade pessoal, apesar do mínimo necessário, dessa Enrico Ferri, ativista e político muito envolvido no marxismo italiano e que estudou a sociologia
liberdade. É na sequência disto que o art.27º/2 faculta a pena de prisão. No mesmo sentido criminal. Para Ferri o criminoso é uma pessoa como qualquer outra, pelo que o que leva ao crime
surge o art.25º, que vem limitar as penas que a lei ordinária venha culminar de uma forma são as condições que a envolvem (como será o caso da fome e da miséria). Nos inícios do século
degradante, desumana e cruel. Seriam penas estas que atentariam a integridade pessoal. O XX formou-se a Escola Franco-Belga da Sociologia Criminal. Dentro desta, destacam-se
art.30º vem ainda reforçar esta matéria, mas agora numa visão da tempestividade das penas. Lacassagne, Tarde e Durkheim. von Liszt refere-se bastante a esta Escola e aos seus autores, a
Ora, as penas não podem ser ad perpetuam. Note-se ainda que este caráter perpétuo significa qual foi relevante para que a criminologia relevasse para o Direito Penal. Neste sentido,
apenas e só uma prisão “para o resto da vida”. Significa também que não serão admissíveis Lacassagne apresenta uma perspetiva idêntica à de Ferri, mas mais evoluída. Este último coloca
penas de grandes lapsos temporais.2 na sociedade a causa do crime, isto é, considera as causas sociais como causa do crime. Mas
Lacassagne afirmou que “cada sociedade tem os criminosos que merece, ou seja, dá até uma
O Direito Penal como parte do Direito Público
perspetiva a contrario sensu daquela que Ferri nos deu. Já Tarde defende as teorias da imitação.
O Direito Penal – e que esclarecido fique já – é um ramo de Direito Público. Isto porque a relação
Numa sociedade que começa a ser de consumo, os criminosos tinham uma imagem de sucesso
entre o Estado soberano e o particular submetido ao ius imperium daquele é uma nítida relação
e que viviam num ambiente luxuoso. Essa perspetiva que era, de facto, demonstrada por alguns
_______________________________________________________________________ criminosos podia provocar a imitação, dado a ambição humana de atingir aquele nível de vida.
Por último, Durkheim defende teorias mais complexas. Este autor teve uma grande influência
1. a título de exemplo: a Convenção para a Prevenção e para a Sanção do Delito de Genocídio ou a Convenção Contra
na sociologia em geral, mas especialmente na sociologia criminal. Durkheim colocou o acento
a Tortura e Outra Penas ou Tratamentos Cruéis, etc.
tónico sobretudo nas ciências sociais. Estas disciplinas que tiveram como objeto os crimes
2. Por exemplo: imagine-se aplicar uma pena de 40 anos a um sujeito com 30 anos. Obviamente que quando este
receberam de von Liszt a designação de “enciclopédia das ciências criminais”. Assim estas
saísse da prisão estaria completamente descontextualizado da evolução social, tecnológica, cultural, etc que se
disciplinas criminais devem ser ciências auxiliares ao Direito Penal, de maneira a que se perceba
sucedeu ao longo daqueles anos. A experiência, nestes casos, ditava que maior parte destes sujeitos por não se
conseguir integrar na sociedade acabava por cometer o suicídio. a aplicação da tarefa do Direito Penal. Estas ciências auxiliares podem oferecer uma vasta gama
de contribuições a que se perceba isto mesmo.

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
Teoria da Lei Penal Teoria da Lei Penal

O passar dos tempos ditou que uma mera dogmática jurídico-penal não era suficiente para o Foi nesta perspetiva ideológica que a ciência global do Direito Penal se ordenou e regeu, a qual
controlo social, dado que as taxas de criminalidade aumentavam por todo o lado. Surge a importa saber para se notar os motivos que levaram a tal hierarquização e secundarização da
política criminal, por mérito de von Liszt, que visou criar uma relação entre as várias visões do política criminal e da criminologia.
crime o que, consequentemente, levou ao surgimento ou enaltecimento da criminologia dado 2. No contexto do Estado Social e do Sociologismo Jurídico
que tal política criminal dependia do conhecimento empírico da criminalidade e dos seus níveis Mas isto não passa já de História. Aquele Estado de Direito Formal foi substituído pelo Estado
e causas. Esta união de pensamentos das várias ciências criminais levou à designação de ciência Social que atenuou as excessivas exigências que a legalidade formal impunha sendo que teve
conjunta (total ou global) do Direito Penal. Este era um modelo tripartido: em primeiro lugar como fundamento o promover a o realizar de condições de desenvolvimento harmonioso do
tínhamos a ciência estrita do Direito Penal (a dogmática jurídico-penal) que relatava os sistema social. Passou a ser a vertente social e sobrepor-se à vertente jurídica e é neste sentido
princípios que subjazem ao ordenamento jurídico, depois, e em segundo lugar, temos a que se falar de um divórcio entre a ciência social e a ciência jurídica.
criminologia que é tida como a ciência das causas do crime e da criminalidade e em terceiro Neste seguimento, deu-se a hora da independência das ciências que compunham a ciência
lugar temos a política criminal que refere von Liszt: “é o conjunto sistemático dos princípios global do Direito Penal, na medida em que a ciência conjunta era agora substituída pelo sistema
fundados na investigação científica das causas do crime e dos efeitos da pena, segundo os quais social ele mesmo e, assim, autonomizou-se a política criminal, autonomizou-se a criminologia
o Estado deve levar a cabo a luta contra o crime por meio da pena e das instituições com esta face ao Direito Penal e à sua dogmática.
relacionadas”. Esta posição levou com críticas de Karl Binding ao acusar esta conceção global - Esta é uma conceção é mais vantajosa do que aquela primeira na medida em que se entendeu
mas tripartida – de abandonar o solo firme da lei e do seu tratamento dogmático e sistemático que o jurídico e o dogmático são integrantes do sistema social sendo mesmo subsistemas
e levando os juristas a entrarem em terreno desconhecido. Apesar de tamanhas críticas, foi a daquele; que a política criminal não é, meramente, uma ciência auxiliar ao Direito Penal, assim
perspetiva que perdurou ao longo dos tempos e é a ela que ainda se recorre para se perceber o como se tornou claro que o Direito Penal é só um dos vários meios de controlo social. Contudo,
estatuto do relacionamento da dogmática jurídico-penal, da política criminal e da criminologia. isto obteve-se através de um custo que foi um completo antagonismo do que apresenta von
Liszt pelo que onde havia cooperação entre as ciências integrantes da ciência conjunta do Direito
A Evolução do Estatuto das Ciências Criminais Penal passou a haver uma plena relação de ignorância mútua. E isto cria problemas, na medida
O problema que se colocou a esta altura foi o entender-se o estatuto que dentro daquele em que nunca mais pôde o jurista recorrer às recomendações da política criminal para reformar
modelo global de Direito Penal tinha cada uma das três ciências, ou seja ficou por se perceber a o Direito Penal ou de recorrer à criminologia para perceber as considerações que provinham do
hierarquia e o modo de articulação entre si, devido essencialmente ao facto de a evolução ter conhecimento proveniente daquela. Em suma, não poderiam mais gozar de uma visão
oferecido diferenças aos supostos metodológicos assim como à compreensão do sentido, do dogmática no âmbito do sistema jurídico-penal.
objeto, etc e, ainda, devido ao facto de se pautar a evolução da compreensão do sistema social Assim, deu-se lugar a um curioso retrocesso e até, diria, paradoxal: é que o jurista preferiu ter
no contexto próprio de um Estado de Direito. a visão de von Liszt ao ter a política criminal e a criminologia como ciências auxiliares
1. No contexto do Estado de Direito Formal (liberal-individualista) e do positivismo competentes para o apoio à reforma penal.
jurídico O Estatuto das Ciências Criminais no quadro do Estado de Direito Contemporâneo
Apesar de tudo, von Liszt sempre considerou a dogmática jurídico-penal a ocupante do e de um sistema jurídico-penal teleológico, funcional e racional.
primeiro lugar da hierarquia nas ciências criminais. Isto, deu-se, para responder von Liszt à Estamos já perante um Estado de Direito Material Contemporâneo 3. É este o Estado capaz de
crítica já apresentada anteriormente que acusavam a sua teoria de desjurisdificação da ciência se deixar mover por motivos de justiça e para promover a realizar todas as condições políticas,
do Direito Penal e, ainda, deu-se dado à acusação de se substituir um sentido garantístico do sociais, culturais e económicas de desenvolvimento livre da personalidade ética de cada um. É
princípio da legalidade jurídico-penal e o significa de exigência de culpa por um entendimento esta a aceção lata de Estado Social, ou seja estamos perante um Estado de Justiça.
sociológico e moderno onde a política criminal conduz à legitimação da ordem jurídico-penal
para que esta se defenda dos agentes. Assim von Liszt tomou a dogmática jurídico- penal como 1. Dogmática Jurídico-Penal e Política Criminal
uma barreira que a política criminal não pode transpor. Esta dogmática jurídico-penal que A transformação da função da dogmática jurídico-penal
referimos deve entender o leitor que é o Direito Penal e foi nestes entendimentos que se A dogmática jurídico-penal ganhou outro entendimento. Agora o jurista não deve ser alguém
configurou a política criminal e assim a criminologia como sendo ciências auxiliares de Direito que se limita a tentar indicar lei que resolvam os concretos casos problemáticos e jurídicos da
Penal. vida sendo que tem, agora, a tarefa de procurar e encontrar a solução mais justa e mais
Sendo que von Liszt foi de uma era onde dominava o Estado de Direito Formal de vertente adequada para cada um dos problemas. A metodologia volta a ressoar onde releva agora o
liberal-individualista então o Estado é aposto a esquemas rígidos de legalidade formal, contudo pensamento do problema.
oposto a fundamentos axiológicos assim como a competência para definir o sentido e os limites Assim se recusa o dedutivismo conceitualista onde se extrai de estrutura ônticas ou lógico-
do crime não saiam da ciência estrita do Direito Penal, ou seja é competência das normas legais materiais pré-jurídicas a solução para os problemas jurídico-penais práticos. Isto foi recusado,
e dependia da vontade do legislador. Assim, a política criminal, associando-se à criminologia, pelo que passa a ser essencial o pensamento do problema e não se limitar a que se tirem ilações.
tinham o mero propósito e fim o de aconselhar e recomendar ao legislador diretivas para que _____________________________________________________________________________
este reforma-se o Direito Penal. 3. Entende-se, como Estado de Direito Material Contemporâneo, todos os Estados democráticos e sociais que mantêm

intocáveis a sua ligação ao Direito e respeitam um esquema rígido de legalidade sendo um Estado preocupado com
os direitos, as liberdades e as garantias das pessoas.

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
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Assim a dogmática toma a função de estabelecer a formulação de critérios que servirão para A Legitimação e as Finalidades das Penas
argumentar e contextualizar o discurso jurídico-penal.
Ao longo dos tempos pôs-se a querela de saber qual o fim das penas e o que as legitima, ou seja
Apesar de tudo isto, deve notar-se que o sistema jurídico-penal deve ser um sistema aberto, na
o que leva a sociedade - e qual o fundamento que ela usa – para que possa punir alguém por
medida em que deve estar constantemente atento às realidades e modificações sociais e em
ato que, socialmente e juridicamente, se considera errado, incorreto e desfavorável à
outros planos, de forma a que tenha oportunidade de se refazer aquando confrontado com os
comunidade de tal maneira que deve ser penalizado. É neste âmbito que importa estudarem-se
novos problemas que reclamam novas soluções. Assim, temos que para se determinar a
as várias teorias que foram surgindo ao longo dos tempos, nomeadamente as teorias absolutas
totalidade normativa deve o jurista estar atento a cada caso e aferir da sua problematicidade.
que versam sobre ideais retributivos e expiatórios ou as teorias relativas que versam sobre
A posição de domínio e transcendência da política criminal teorias de prevenção especial e teorias de prevenção geral. Assim, toda a ordem jurídico-penal
Tudo isto permitiu à política criminal tomar uma posição de transcendência e de domínio face à tem na sua base de construção uma teoria destas ou, então, uma combinação entre uma
própria dogmática. Disto resultam algumas consequências, as quais importarão notarem-se. pluralidade delas.
Em primeiro lugar, devem os conceitos básicos da dogmática determinados e definidos. Assim a
dogmática deve construir os seus conceitos enquanto unidades funcionalizadas à consecução As Teorias Absolutas: a pena como instrumento de retribuição
dos propósitos e das finalidades que o sistema jurídico-penal lhe exige. Em segundo lugar, passa Para estes pensadores a essência da pena criminal reside na retribuição, na expiação e na
a ser a política criminal a competente para definir os limites da punibilidade, num último compensação pelo mal que cometeu através do facto criminoso. Estamos perante uma função
termo. Mas dado que a política criminal visa atingir as finalidades que a si mesma se apõe exclusiva de se retribuir pelo facto que, no passado, se cometeu pelo que o que se ambiciona é
através do Direito Penal, então deverá fazê-lo através da consideração pelos princípios a justa paga e o justo equivalente desse facto cometido através da pena. Assim é a medida
estruturais daquele Direito. concreta da pena – e de outra forma não poderia ser para os retributistas – o facto que o agente
É por isto que a política criminal surge como uma ciência transpositiva, transdogmática, e trans- cometeu, pelo que há uma correspondência entre o crime e a pena. Historicamente isto seria
sistemática face a um qualquer Direito Penal Positivo. Como é a política criminal que define os alcançado pela lei de talião onde releva o conhecido brocardo: “olho por olho, dente por dente”,
limites da punibilidade será, consequentemente, ela a competente para definir todo o discurso sendo que facilmente se notará que pelo facto cometido deve-se penalizar exatamente do
legal e social da criminalização/descriminalização. Para além disto, importa que se note que a mesmo sentido -por exemplo, “bateu, levou” – contudo isto foi ultrapassado, sendo que se
política criminal constitui-se com recurso prévio ao sistema jurídico-constitucional, na medida reconheceu que a retribuição não poderia ser meramente fáctica, mas sim teria de ser
em que as finalidades e as proposições político-criminais devam, também elas, ser procuradas normativa. Mas isto colocou a questão de se querer perceber se a igualação deveria ser feita
e estabelecidas no quadro de valores que integram o consenso social que a CRP positiva e tem através do desvalor do facto ou através da culpa do agente, pois não se concluiu nada no que
o cuidado de mediar. toca ao perceber-se se tal igualação fáctica conseguia reparar o dano real cometido, etc. Neste
2. Dogmática jurídico-penal e criminologia sentido a visão retributiva passa a ter como objeto de impulso a culpa do agente, pois se se
Note-se que apenas uma política criminal disposta nos termos que ainda agora referimos é que quer “fazer a justiça” não fará sentido apor-se o ser humano à sorte fáctica da vida em
consegue ter uma capacidade para desempenhar uma função intermediária entre a criminologia sociedade, que jogam constantemente com valores pessoais. Assim, e neste sentido, trata-se o
e a dogmática jurídico-penal. ser humano na medida da sua liberdade e da sua dignidade o que conduziu ao princípio da culpa
Permitiu, desde logo, este contacto para que a criminologia “abrisse” horizontes, na medida em o que se tornou sendo como uma máxima a transportar pelo Direito Penal. Assim, transmite tal
que ao quebrar os entraves científicos e metódicos pode ter a sua perspetiva crítica o que fez princípio que não pode haver pena sem culpa e, ao mesmo tempo, a medida da pena não pode
alargar o objeto, passando do crime a ser um inteiro sistema de justiça penal. em caso algum ultrapassar a medida da culpa. Numa acessão bilateral do princípio da culpa a
Nos anos 60, surgem manifestações no âmbito da criminologia, das quais destacamos a teoria toda a culpa corresponderia uma pena e a toda a pena corresponderia uma culpa. Ora, no nosso
do Labeling Approach (interacionismo) de Becker onde a criminologia não assenta como ciência sistema, não temos esta acessão, porque nem a toda a culpa corresponde uma pena.
encerrada em um paradigma estritamente explicativo e etimológico, mas é, também, uma Opostamente temos acessão unilateral da culpa, e aqui já nos referimos a algo que o nosso
ciência compreensiva do fenómeno criminal na sua integralidade. Assim o objeto é, em larga ordenamento jurídico prevê dado que a toda a pena corresponde uma culpa e só, ou seja não
medida, o fenómeno jurídico-criminal. Neste sentido, não é passível que seja o sistema de justiça precisa de, necessariamente, haver uma pena quando haja culpa, sendo que, no nosso
a estigmatizar os sujeitos e a poder torna-los outsiders pelo que o facto de eles serem ordenamento jurídico, terá que, de facto, haver uma culpa para estar tal culposo face à
“rotulados” como agentes criminosos poderá levar a que estes construam a sua personalidade possibilidade de sofrer de uma pena. Contudo, e ainda, a culpa será o limite da pena, pelo que
e o seu caráter em redor desse mesmo rótulo social, o que fará com que seja a própria justiça a nunca será passível que se aplique a alguém uma pena superior à sua medida de culpa no ato.
criar criminosos. Por outro lado, deixa ainda a criminologia de se limitar ao estudo das causas Mas estas teorias devem ser recusadas. Em primeiro lugar porque não se deve tomar esta teoria
do ato criminoso e do agente sendo que passa também a abranger todo o sistema de aplicação como concretizadora dos fins das penas, mas sim penaliza-se sem finalidade aparente para cada
da justiça penal, nomeadamente através das instâncias formais, como a polícia, o MP, etc. caso, penaliza-se porque se cometeu um ato errado mas dissociado de um objetivo que pode
pautar-se distinto de caso para caso e em demasia subjetivo. Mais: toma-se como desadequada
a legitimação, a fundamentação e ao quanto ao sentido da intervenção penal, pois isto dar-se-
ia caso o Estado satisfizesse e proporcionasse condições de existência comunitária o que
asseguraria a cada pessoa o espaço necessário e possível a realizar-se livremente, na sua

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personalidade. E só assim pode o Estado dar-se ao direito de furtar-se de direitos, liberdades e tamanho receio em praticar tal facto e, assim, não o pratique. Assim, a intimidação individual
garantias dos seus cidadãos para assegurar os direitos das pessoas, da comunidade. levaria a que houvesse também um efeito de defesa social, na medida em que o sujeito era
Em suma, as posições de retribuição que foram explanadas anteriormente devem ser segregado da social o que neutralizaria a sua perigosidade social. Mas esta tipologia de
repudiadas, no sentido em que são inimigas de qualquer tipo de socialização do agente ou de prevenção não considera o ser em si, apenas pune-o na medida de o segregar e ameaçar o que
restauração da paz jurídica afetada pelo crime, sendo inimiga de ambições preventivas. desrespeita qualquer tipo de personalidade distinta e de caráter. Neste sentido, temos uma
acessão positiva da prevenção especial, onde o que é ambicionado é o tratamento das
tendências que conduzem ao crime – de uma emenda do criminoso e de uma reforma interior
e moral – através de uma adesão íntima do agente aos valores que conformam a ordem jurídica,
As Teorias Relativas: a pena como instrumento de prevenção respeitando sempre o modo de ser do agente e as suas conceções, sendo que o que se
Podemos desde já adiantar, e na sequência da forma como encerramos o tópico das teorias ambiciona é que ele, no seu caráter e na sua posição, consiga ter as condições necessárias a que,
absolutas, que as teorias relativas são teorias de fins, teorias que ambicionam, sim, oferecer um no futuro, consiga viver uma vida sem cometer crimes. Neste âmbito, quer-se lograr uma
fim a uma pena. socialização ou uma ressocialização do agente na vida em sociedade, pelo que tal inserção social
Para além de considerar que, de facto, deve ser a pena um momento desfavorável ao agente deve efetuar através do caráter do agente, com o reconhecimento dos valores sociais e dos bens
que com ela é punido, consideram os pensadores das teorias preventivas que se deve usar do jurídicos que não deve atingir. Isto é alcançável através de uma prevenção de reincidência, ou
mal cometido para atingir finalidades que vão mais longe do que as teorias de retribuição, ou seja quer-se dizer quando se fala em emenda ou de correção não podemos pensar nisto num
seja visa-se atingir a prevenção. Claro que foi logo criticada esta posição, essencialmente por âmbito coativo de substituição de conceções pessoais por outros próprios do ordenamento
retributistas, que afirmavam que naqueles moldes a teoria relativa tornava agente num objeto jurídico. O mesmo se pode dizer aos tratamentos clínicos e médicos, onde tal tratamento não
para alcançar o fins num contexto social, ou seja, a pessoa humana deixaria de ser tratada nesses deve ser coativo, não pode ser “à força”. Tudo isto representaria uma violação de princípios
moldes o que violaria a sua dignidade. Mas esta teoria foi afastada logo pelo argumento que o constitucionais e imperativos, como os dos arts. 1º, 13º/1 ou 25º/1 da CRP.
cidadão aceita aquele fim da pena, na medida em que a sociedade, para funcionar, tem de A Concertação Agente-Vítima
prescindir de direitos que lhe assistem e que são furtados pelo Estado em nome da sua eminente
Quando falamos da concertação agente-vítima passamos para um plano mais processual.
dignidade. Mas isto cria a questão de se saber se na aplicação da pena se deve respeitar a
Tratamos de bens jurídicos e da sua salvaguarda pelo que não pode haver momento de
dignidade do agente, enquanto pessoa humana. E claro será afirmativa a resposta. Neste âmbito
“negociação” das penas e no que toca àquelas matérias. Se o Direito Penal é um ramo de Direito
respondem os relativistas que tal trata-se já de uma questão de limites das penas o que se
Público, da relação de trio Estado-delinquente-vítima, releva a relação Estado-delinquente pelo
resolve através do recurso às teorias absolutas usando do princípio bilateral da culpa como
que o Direito Penal não quer o acordo, mas, sim, a aplicação de uma pena. Contudo, a prática
limitador da pena, ou seja o limite da pena é a medida da culpa, pelo que nunca uma pena
social refere que há momentos para se dar lugar a uma reparação de danos. Por exemplo, o
poderá ser superior à culpa do agente.
art.74º CP refere que se pode dispensar a pena mesmo havendo culpa, ou o art.51ºCP que refere
A Prevenção Geral a possibilidade de se suspender a pena onde será de se aplicar ou a suscetibilidade de se
Na acessão geral da prevenção que visam as teorias relativas, ambiciona-se atuar de uma substituir uma pena por outra, em função de uma ressocialização. Assim, referimos já uma
maneira psicologicamente sobre a generalidade das pessoas integrantes da comunidade com a justiça penal alternativa onde perante o litígio que se comete então exige a sociedade um
ambição de que estes se afastem da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela comportamento favorável à comunidade que foi afetada. A título de exemplo, note-se um crime
lei e da realidade no que toca à aplicação e execução efetiva de tal lei. Neste sentido ainda de furto a um lar de idosos, onde o juiz poderá sentenciar no trabalho comunitário num lar de
podemos ter formas de realizar esta prevenção: uma vertente negativa (e intimidadora) e outra idosos pelo que se aproxima o agente da vítima, visando-se a prevenção geral positiva.
vertente positiva (ou de integração). Naquele vertente negativa da prevenção geral intimidam-
se os sujeitos da sociedade, pois notam o sofrimento que foi infligido ao agente o que, Fins das Penas no Código Penal Português (o artigo 40º)
consequentemente, levaria a que não se cometam factos puníveis. Já no que concerne à O art.40º CP refere como primordial finalidade a prevenção geral positiva e, acessoriamente,
vertente positiva da prevenção geral ambiciona o Estado fazer notar na sociedade a confiança prevenção especial positiva, no seu n.1, sendo que o n.2 daquele artigo refere-nos que o
nos valores e na sua validade assim como na força da vigência das suas normas de tutela de bens legislador recorreu às teorias retributivas da culpa enquanto medida da pena a qual já se
jurídicos e, assim, da sua presença no ordenamento jurídico-penal. Assim, destina-se esta entenderá mais à frente.
vertente a que a sociedade acredite que o Estado reconhece, realça e protege os valores e os No que toca à prevenção geral positiva visasse a proteção dos bens jurídicos o que através do
bens jurídicos que, no caso concreto, foram afetados pelo agente de maneira a que se queira ato penal envia-se uma mensagem social. Assim, respeita-se – e de outra forma não poderia ser
mesmo transmitir uma inquebrantabilidade da ordem jurídica. Pretende-se dar um efeito de no nosso ordenamento jurídico e constitucional – a diferença da pessoa e do seu caráter.
confiança, de aprendizagem e de integração verdadeira e própria. Tornou-se ilegítimo o corrigir-se ao agente através de imposições à sua pessoa, ao incutir-lhe
A Prevenção Especial novos valores e tal é recusado, desde logo, pelo nosso ordenamento jurídico-penal. Neste
Na prevenção especial, temos como destinatário o agente, ambicionando que este não retorne sentido, passou a dar-se a entender ao agente que existem determinados valores que são
a cometer tais factos criminosos. Assim, numa acessão negativa da prevenção especial tal era superiores à sua própria personalidade singular e são esses valores os sociais. Dado que se
alcançável através do atemorizar o agente a um ponto em que o levaria a no futuro de ter ambiciona a reintegração do agente na sociedade temos complementarmente à prevenção geral

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
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positiva a prevenção especial positiva, contudo não estamos perante uma obrigação do Estado inimputável em sentença corresponder-lhe-á um internamento, segundo o art.91º/1 CP. O
no que toca a ser um fim que terá, assim, de ser atingido. Estamos perante uma obrigação de período da inimputabilidade é, normalmente, o correspondente ao tempo necessário “à cura”
meios, pelo que deve, de facto, aquando da execução da pena, o Estado proporcionar ao agente do agente, contudo o limite máximo que se configura é o mesmo que seria para a pena aplicável
condições que o impulsionem à ressocialização, contudo “caber-lhe-á àquele aproveitar”. O ao ato criminoso que o inimputável praticou (art.92º/2 CP). Mas tal poderia configurar um
Estado disponibiliza, cabe ao agente aproveitar. problema social, dado que o inimputável seria libertado da medida de segurança e poderia,
Quando falamos na retribuição da culpa é necessário atentar-se ao que se é dito, na medida em ainda, não estar curado e pronto à inserção social pelo que permite o Código Penal que se
que é necessária averiguar-se da culpa do agente, ou seja da sua ponderação prévia à prática do prorroguem os prazos por sucessivos períodos de dois anos, nos termos do art.92º/3. Note-se
ato – até porque tal releva para definição de imputável ou de inimputável – mas no sentido de que a CRP, no art.30º, proíbe as penas e as medidas de segurança com caráter perpétuo daí se
que a um certo nível de culpa possa corresponder um certo nível máximo de pena. Realce-se o verificar a pertinência do art.92º/2 CP e, assim, a “exceção” do art.92º/3.
máximo, ou seja, não quer dizer que a pena tem de corresponder diretamente e exatamente Posto isto, nota-se desde logo que a finalidade das medidas de segurança não será – pelo menos
nos mesmos moldes à medida da culpa, mas o que não pode, de todo, suceder-se é que haja a título principal – a prevenção geral mas o que visa, sobretudo, é a prevenção especial sendo
uma pena superior à culpa. Assim a retribuição pela culpa funciona como limite da pena e não aqui, numa perspetiva negativa de modo a que se defenda a sociedade daquele cidadão que
como um fim, propriamente dito, daquela. É nestes moldes que a retribuição da culpa nos é configura, assim, um perigo pondo em causa a segurança da comunidade. Contudo note-se a
passada pelo art.40º/2 CP. perspetiva positiva, que passa pela tentativa de cura do inimputável, pois o internamento, o
afastamento social, é feito num centro clínico de modo que a recuperação daquele sujeito é
uma preocupação do Estado. Note-se, ainda, que houve o cuidado de se pensar na vertente da
A Legitimação e as Finalidades das Medidas de Segurança prevenção geral mas num caso especial: por exemplo, caso se considere que certo inimputável
Quando nos referimos às penas estamos perante sujeitos dotados de saúde mental, com total não tem o caráter da perigosidade e, assim, nada lhe fosse aplicado então poderia haver um
capacidade para, no caso concreto, ser responsabilizado penalmente pela sua liberdade de momento de receio na comunidade e de revolta e recusa da sociedade pelo que, para
decisão. Aqui, o agente que cometeu o crime, teve consciência do que fez e é isto que legitima salvaguardar estra situação, prevê o legislador no art.91º/2 CP que caso fosse aplicável, pelo
a censura que lhe é feita, através do tribunal e em nome da sociedade. crime cometido, uma pena de prisão superior a cinco anos, então o período mínimo da medida
Importa notar-se que o legislador tomou os menores de 16 anos como inimputáveis, na medida de segurança será de três anos, mesmo tendo considerado o tribunal como que tal agente era
que os considerou como sendo, ainda, incapazes - mesmo que apenas parcialmente - de uma inimputável mas sem caráter de perigosidade.
correta e coerente ponderação dos valores sociais. Considera-se que estes ainda não têm a
maturidade que leva à consciência do agente e que, assim, possa responder pelos crimes que Relação entre as Penas e as Medidas de Segurança
praticou. É isto que nos indica o art.19º CP. Na atual sociedade temos os inimputáveis e os imputáveis, aos quais se aplicam medidas de
Será também inimputável um sujeito carente de boa saúde mental e psicológica o que poderá segurança e penas, respetivamente. Contudo, temos entre aqueles uma zona cinzenta onde
levar o mesmo a não ter capacidade de ponderar entre o bem e o mal, o correto e o incorreto e encontramos os imputáveis perigosos, onde se trata de um agente que dotado de culpa esta é
de fazer prevalecer os valores sociais que se superiorizam no seio da vida em comunidade. mais reduzida o que acresce ao facto de ter um caráter de perigosidade, ou seja, nota-se nele a
Poderá haver momentos em que este sujeito tenha impulsos que o levam a cometer crimes. É probabilidade de reincidência em atos criminosos. Carece de se saber qual a sanção aplicável a
isto que nos indica o art.20º CP. Mas a inimputabilidade deve ser avaliada nos termos que aquele este sujeitos.
artigo assim o expõe. A inimputabilidade que o art. 20º/1 CP refere é uma inimputabilidade Neste sentido, ao mesmo agente e pelo mesmo crime poderia ser aplicável uma medida de
biocientífica onde será avaliada a ilicitude pela falta de consciência na prática de certo ato. Note- segurança e uma pena cumulativamente, se uma perspetiva dualista seguisse o nosso
se que foi referido algo relevante: o ato ser certo/determinado o que quer isto dizer que a ordenamento jurídico. Mas assim não o é, pelo menos enquanto regra geral dado
inimputabilidade deve ter uma relação com o crime praticado, ou seja, e pondo noutros termos, salvaguardarem-se algumas (poucas) exceções, as quais já daremos conta mais à frente. Esta
a inimputabilidade só relevará aquando da prática do ato cuja prática foi dependente da cumulação é tratada através de um regime, a qual podemos, desde já adiantar, que faz
anomalia psíquica do agente, pois se tal não acontecer não se dará relevância à prevalecer no que toca à execução a medida de segurança e, só após esta, se aplica a pena. Isto
inimputabilidade. Já o art.20º/2 CP refere uma inimputabilidade político-criminal onde dá-se porque se um agente revela perigosidade então mais valerá ele estar num centro de
estamos perante um sujeito, com uma culpa mais reduzida, é suscetível de ser declarado como inimputáveis e, nesses moldes, cumprir a sua sanção e cumprir os fins da medida de segurança
inimputável em função de se lhe aplicar uma medida de segurança, pois naquele caso concreto do que penalizar-se imediatamente alguém que é dotado de certa anomalia psíquica. Findando
uma medida de segurança é bem mais adequada do que uma pena. No art.20º/3 CP temos uma o período da medida de segurança, então voltando o agente à “naturalidade” humano-social
consideração que deve ser notada: será mais adequada a aplicação de uma medida de segurança será de se lhe aplicar a pena, sendo que o período da medida de segurança é descontado no
em tais casos, dado ser o inimputável incapaz de entender o fim que a pena visa atingir, o que período da pena, dado a pessoa já não ser perigosa e quando estava internado já se encontrava
levaria a aplicar-se uma sanção inútil, pois não haveria a produção dos efeitos pretendidos com privado da sua liberdade o que, ao fim ao cabo, configura a vertente física da pena de prisão. A
a pena, claro, admitindo as exceções. este regime agora enunciado designamos por sistema de vicariato, dado que vicariato tem o
O que legitima a medida de segurança é a perigosidade do agente e, neste sentido, a defesa significado de “fazer as vezes de” onde o prazo de privação da liberdade (da medida de
da sociedade daquele agente que é suscetível à prática daquele tipo de atos, pois põe em causa segurança) fez as vezes da pena. Se um agente que cumpra uma medida de segurança ultrapasse
o direito à segurança que está constitucionalmente protegido. Assim, quem for declarado

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
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o período que cumulava com a pena então, e no mesmo sentido, apenas se lhe será de aplicar Imputáveis portadores de anomalia psíquica
a medida de segurança. Neste instituto, estamos perante casos de agentes que são imputáveis, contudo são, também,
Mas no nosso ordenamento jurídico isto não se sucede, dado sermos tendencialmente portadores de uma anomalia psíquica a qual os configuraria como inimputáveis. Apesar disto,
monistas. O ordenamento jurídico português segue a perspetiva monista, dado que apesar de não se consegue certificar que o ato que se cometeu tem algum tipo de relação ou de
prever penas e prever medidas de segurança (acessão dualista em sentido amplo) apenas aplica proveniência de tal anomalia psíquica de modos que nos termos do art.104º e 105º CP
ou uma pena ou uma medida de segurança (acessão monista em sentido restrito), ou seja as (dependendo ser a anomalia anterior ou posterior à prática do crime), permite que quem foi
penas e as medidas de segurança são concorrentes. condenado a uma pena de prisão possa cumpri-la em molde de internamento, como se fosse,
de facto, um inimputável. Contudo, neste âmbito, não podemos sequer fazer alguma
As “fugas” ao monismo comparação com o sistema dualista pois o que se dá aqui é meramente a execução da pena,
mas esta não deixa de ter o caráter de pena, apenas é cumprida como se de um inimputável se
As Penas Relativamente Indeterminadas
tratasse.
A Pena Relativamente Indeterminada é uma sanção que vem estragar o nosso monismo, daí
dizer-se que Portugal tem um Direito Penal meramente tendencialmente monista, na medida
que recebemos, aqui, uma perspetiva dualista. Já se entenderá melhor isto a seguir. O Conceito Material do Crime
Posto isto, quando referimos anteriormente aqueles imputáveis perigosos (agentes que para Para além de conhecermos um conceito formal será pertinente completar-se aquele com um
além de serem dotados de culpa, apesar de reduzida, têm ainda tendência para a reincidência, conceito material, o qual não nos é apresentado pelo Código Penal.
ou seja, são perigosos) procuramos perceber o que se lhes deveria aplicar a estas e a resposta Assim sendo surgiram várias perspetivas, as quais importa notarem-se.
poderá passar por uma PRI. Neste sentido, e tal pode retirar-se do 83º/1 CP: “Quem praticar A perspetiva positivista entende que as normas do Código Penal são adequadas desde que o
crime doloso (…)”, ou seja que cometer um ato criminoso sob o qual tem culpa e “(…) sempre processo legislativo esteja conforme ao previsto constitucionalmente. Assim desde que os
que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar acentuada trâmites formais estejam conformes então a lei é justa. Nestes moldes haverá facilmente lugar
inclinação para o crime (…)”, ou seja quem tiver, ainda, um certo nível de inimputabilidade e de a ser-se feito um juízo crítico, no sentido em que não se poderá considerar certa lei como sendo
perigosidade para a comunidade, é suscetível a que lhe seja aplicada uma Pena Relativamente justa apenas pelo facto de que os trâmites que a construíram eram os previstos
Indeterminada, que passa pela aplicação de uma pena – por ser o agente dotado de culpa – e constitucionalmente. É óbvio que o respeito pelos trâmites formais tem o seu grau de relevância
da aplicação de uma medida de segurança – por ser o agente perigoso. Nestes moldes o regime para uma organização do ordenamento jurídico, contudo não será legítimo resumir-se a isso o
é aquele sistema de vicariato que falamos no tópico anterior e que importará recordá-lo. facto de se considerar algo como sendo justo ou correto.
Contudo, para que seja aplicada uma PRI devem ser verificados alguns pressupostos. A saber: o Posta aquela perspetiva e consequentemente criticada, temos a perspetiva sociológica olha
art.83º/1 refere exatamente esses requisitos e que passam por estar-se perante um agente para a lei com costas voltadas aos trâmites formais. Para esta perspetiva, crime será tudo o que
reincidente e com culpa em tal reincidência (“tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes afete a sociedade, independentemente da lei. Mas esta perspetiva vem confundir um mal social
dolosos”), pelos quais foi punido em cada um com prisão efetiva por mais de dois anos (“a cada com o crime, oferecendo ao conceito de crime uma abertura demasiadamente extensa dado
um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efetiva, também por mais de dois anos”) e que que “qualquer coisa” era suscetível de se configurar como um ato criminoso. Assim, é descurada
está, ao momento, a ser julgado por ter cometido um crime doloso ao qual se deve aplicar a a gravidade do ato, a qual é essencial até nem que seja para que o agente pondere antes de o
pena de prisão efetiva por mais de dois anos (“Quem praticar crime doloso a que devesse cometer. Posto isto, não estamos perante um conceito que cumpra a função jurídica do Direito
aplicar-se concretamente prisão efetiva por mais de dois anos”). Penal dado banalizar-se o conceito de crime. Mais: aquele conceito passaria a depender
O cômputo do período da PRI é feito nos termos do art.83º/2 CP onde a uma pena, por imensamente de ideologismos pelo que, consequentemente, passaria a ser um conceito
exemplo, de seis anos deve ser aplicado um mínimo de dois terços daqueles seis anos, ou seja o altamente subjetivo.
mínimo da PRI será de quatro anos, e deve ser somado aos seis anos da pena um máximo de Na perspetiva moral-social evolui-se para a introdução da tal gravidade no conceito de crime
seis anos, pelo que a PRI, neste caso, seria no mínimo de quatro anos e com um máximo de doze onde um sujeito que não cumpre os mais elementares deveres do convício social então atua de
anos. Note-se, ainda, que nunca se poderá ultrapassar a pena máxima dos vinte e cinco anos. forma criminosa. É esta uma perspetiva mais liberal, dado que se criminaliza a violação pelo
mínimo ético, o que leva a que haja um maior arbítrio para o sujeito atuar, dado que nem tudo
A execução da pena e da medida de segurança o que é um mal social é, necessariamente, um crime. Apesar disto, esta perspetiva é abalada na
sociedade pós-moderna onde surgem os primeiros movimentos que não consideram a violação
O art.99º CP prevê exatamente o sistema de vicariato que, ao fim ao cabo, passa por aquilo já
do mínimo ético como sendo o que define o crime, mas acreditam sim que é a violação pelo
explicado anteriormente, ou seja, dado que será aplicado a um agente uma medida de
núcleo essencial do tal mínimo ético. Não havendo uma moral dominante, devido à enormidade
segurança e uma pena então estas são cumulativas, devendo reger-se nos termos do art.99º CP.
de comunidades e de culturas pelo o que se passou a considerar foi o relacionamento entre
Aqui, nos termos do art.99º CP, poderíamos partir logo a afirmar que estávamos perante um
estas morais, pois esta é uma sociedade plural. Assim, passamos a estar perante a perspetiva
sistema plenamente dualista, contudo tal não é verdade dado que se aplica uma pena por um
racional onde se toma como ato criminoso aquele ato que atenta os valores e os bens jurídicos
crime e aplica-se uma medida de segurança por outro crime, o que levará a uma cumulação de
transversais às culturas como por exemplo a vida ou a liberdade, etc pelo que estamos perante
reações penais mas que se dá por dois atos distintos que o agente comete.
um consenso intercomunitário. Nesta perspetiva surge o conceito de bem jurídico onde se falam
em valores penalmente protegidos. Nesta sequência, para reger-se o modelo de atuação do

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
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Direito Penal, ficou este aposto a um princípio da mínima intervenção necessária, pelo que precisamente e claramente, qualquer um o que era ou não crime então também facilmente se
atuando o Direito Penal contra os atentados aos bens jurídicos, por força do 18º/2 CRP só será contornava a lei e se aproveitariam as lacunas desta. Posto isto, a lei certa é um princípio
legitimo ao Direito Penal criminalizar atos caso tal criminalização for necessária e eficaz, com orientador ao legislador penal, mas não funciona como uma imposição àquele, pelo que este
vista a controlá-lo, ou a diminuí-lo ou até, utopicamente, findá-lo. tem a seu dispor conceitos indeterminados porque estes também são necessários, como já se
viu.
Falando, agora, no que é tocante à lei ser estrita passamos para o âmbito da aplicação da lei
O Princípio da Legalidade penal, ou seja, vemos já um plano que quer ver a forma de aplicação da lei penal. Historicamente
achava-se que no plano de interpretação não deveria haver lugar a interpretações extensivas ou
Nullum crimen, nulla poena sine lege a analogias. O art.1º/3 CP ainda prevê a impossibilidade de se recorrer à analogia, naqueles
Este enunciado em latim surge dos romanistas do séc.XIX e que traduz a não existência de um
termos ali definidos. Figueiredo Dias entende, no que concerne à interpretação extensiva, que
ato configurado como criminoso caso não haja uma lei que preveja, à altura do ato, que tal se
é legítimo o uso desta tipologia interpretativa, opostamente a Taipa de Carvalho, que considera
configura como tal e, assim, que tem um destino penal.
que se ultrapassaria a letra da lei penal, o que seria, portanto, inconstitucional. Afirma o Prof.
Nunca os direitos, liberdades e garantias ficariam, de facto, protegidos pelo Direito Penal caso
Figueiredo Dias que o antigo Código Penal previa taxativamente a proibição de interpretação
o Direito Penal não atentasse, em si mesmo, a certos aspetos que surgem inerentemente do
extensiva e tal não se sucede no atual Código Penal o que o leva a recorrer ao elemento
princípio do Estado de Direito. Ou seja, uma intervenção estadual arbitrária poderia levar a uma
histórico para anunciar que, atualmente, é possível a interpretação extensiva. Ainda mais,
intervenção não ponderada e excessiva o que violaria rapidamente e claramente os direitos,
considera que a interpretação extensiva nunca ultrapassa o que está escrito na lei, dado que
liberdades e garantias. Posto isto, um rigoroso princípio de legalidade urge para que não possa
só se atinge algum resultado interpretativo se se interprete a lei, pelo que o tal resultado
haver crime, nem pena que não resultem de uma lei que seja prévia, escrita, estrita e certa.
interpretativo a que chegarmos é o que está, de facto, na lei.
Atente-se, desde logo, ao art.29º CRP onde se configura este princípio, basilar para um Direito
Por último, referindo-nos quanto ao facto de a lei ser prévia, queremos, como indica a
Penal, e para a sua aplicação, num Estado que se diz de Direito.
designação “prévia”, fazer notar que deve anteceder ao facto uma lei que qualifique tal facto
No que concerne à lei ser escrita ambiciona-se afastar, desde logo, o direito costumeiro do
como crime, pelo que tal lei deve ser sempre anterior ao ato. Não se pode criminalizar um ato
Direito Penal, pois não é legítimo penalizar um ato pelo facto de num certo sítio conclui-se que
sem que antes haja um normativo legal e penal que preveja tal situação. Não seria legítimo
é costume que tal ato se configure como crime e, portanto, é penalizado. Mas do que isto releva
sequer penalizar alguém por algo que no momento da prática do ato não era censurável pelo
o facto de a matéria penal ser uma competência legislativa reservada relativamente à
plano jurídico. Isto tem implicações no que toca à aplicação da lei no tempo, tema que
Assembleia da República (165º/1/c) CRP). Mas, e retornando ao costume, importa não afastar
abordaremos à frente. Note-se que caso uma lei nova seja mais benéfica para o agente então
liminarmente o costume, dando-lhe importância em momento de interpretação, dado que
deve ser esta a aplicável, dado que os fins de prevenção especial e geral tomam-se menos
pode ser fundamento de descriminalizar, onde o jurista valora os factos e, para tal, atenta aos
exigentes pelo que seria excessivo aplicar uma sanção penal desnecessária e, assim,
usos e aos costumes, dado que certo ato num certo momento e respeitando, lá está, aqueles
desproporcional. Mas disto falaremos mais explicitamente no tema já a seguir.
usos e costumes, legitima a que tal ato seja admitido e, portanto, não seja criminalizado. Apesar
disto, que não se trate o costume como fonte de direito, mas se trate sim como mero meio de
valoração de factos que compõe o ato. Mas, também, há momentos em que o Direito Penal
recorre a outras áreas do Direito para completar as suas disposições e as suas previsões. Assim
A Aplicação da Lei Penal no Tempo
fica a dúvida se tal não seria inconstitucional, muito pelo que já foi aqui explanado, sendo que o Não é possível passar-se pela questão do princípio da legalidade e pelo facto de a lei ter que ser
Tribunal Constitucional veio afirmar que não haveria qualquer violação ao princípio da prévia sem referirmo-nos à aplicação da lei no tempo, tema que deve ser atentado dado ter uma
legalidade dado que, por exemplo, os crimes contra o ambiente do art. 278º CRP remete para relevante aplicação prática. Nesta matéria seguir-nos-emos pelos ensinamentos de Taipa de
leis, regulamentos, etc avulsos o que levantaria problemas dado que, muitas vezes, nem de uma Carvalho, entendendo ser o lado mais fácil a que se perceba a matéria e, ainda pelo mais
lei falamos mas caso, por exemplo, se trate de um regulamente e que este diga respeito a um importante facto, é a doutrina que é seguida pelos docentes desta universidade.
ato legislativo da AR - sob reserva relativa pelo art. 165º/1/c) CRP) – então não há qualquer Desde logo importa notar-se que vigora o princípio da irretroatividade da lei menos favorável,
violação ao princípio da legalidade, pois este é um princípio antigo e que importa que seja ou seja, proíbe-se a aplicação retroativa da lei penal que seja mais desfavorável ao agente pelo
adaptado aos tempos modernos. que os agentes são penalizados pela lei que configure tal ato como crime anteriormente ao
Referindo-nos, agora, no que toca à lei ser certa pretende-se que sejam recusados os conceitos momento da prática do ato e, por regra, uma lei posterior àquele só aplicará a sua estatuição
indeterminados. É Feuerbach no séc. XIX que afirma que o legislador deve atentar a este aquando da previsão ocorra, também ela, posteriormente àquela lei (art.29º/1, 3 e 4 CRP). Este
princípio em função da certeza e segurança jurídicas. No Direito estes conceitos têm relevância, é um princípio estrutural do Estado de Direito, sendo logo consagrado nas primeiras
dado que permitem ao juiz adaptar as figuras e os institutos às necessidades do caso concreto. constituições liberais do fim do séc. XVIII e princípios do séc. XIX. Tais disposições constitucionais
Mas estes conceitos no Direito Penal criariam uma insegurança e uma incerteza no âmbito de foram incorporadas, ainda, pelo nosso Código Penal nos arts. 1º/1 e 2º/2.
aplicação das normas e, nesta área de Direito, velozmente se violariam inúmeros direitos O que vem servir de fundamento a tamanho princípio é a garantia jurídico-política do cidadão
fundamentais. Mas não é assim tudo pleno, porque um plenitude de certeza poria, na mesma, face ao ius puniendi do Estado e, ainda, a função preventivo-geral de intimidação ou dissuasão
em causa a violação de direitos pelo que seria a lei penal injusta. Note-se que sabendo bem, imputada à pena. Mas note-se que âncora firme e inamovível da proibição da retroatividade da
lei penal desfavorável é, de facto, a proteção do cidadão face ao Direito Penal estatal, dado que

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
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mesmo que se alterem os fins das penas com os tempos, a necessidade de proteger o cidadão extingue-se com o trânsito em julgado pelo que se entende que deve ser aplicado tal princípio
face a uma arbitrariedade penal exercida pelo Estado será um travão a que se aplique num sentido amplo e não limitar-se à mera marcha processual (art.2º/2 CP). Fundamento para
retroativamente a lei penal mais desfavorável. tal é, ainda, os fins de prevenção geral e especial, dado que se temos o agente preso
A determinação do tempus delicti desnecessariamente e desproporcionalmente ao que preveem as normas penais então teríamos
Para tal importa definir-se o tempus delicti onde releva o art.3º CP que refere que se toma aqui uma evidente violação ao princípio do excesso e da restrição mínima da liberdade
como praticado o ato no preciso momento em que o agente atuou, sendo que em caso de (art.18º/2 CRP). Ora, se entendeu o legislador que para tal ato não seria necessária tamanha
omissão toma-se o momento em que o agente devia ter atuado, não relevando, desde já, o sanção penal e que não seria “preciso tanto” para proteger certo bem jurídico então não fará
momento da produção do resultado. Isto faz, desde logo, sentido e demonstra um coerência sentido não se aplicar essa lei nova e mais favorável ao agente, pois o oposto, como já dito, seria
com aquilo que já referimos, nomeadamente vai de encontro ao princípio da legalidade, pois totalmente desproporcional e seria um ato violador de princípios constitucionais e, mais, de
este só faria realmente sentido se fosse como o art.3º CP prevê. É o momento da conduta aquele direitos fundamentais. O nosso Código Penal prevê estas imposições nos arts.2º/2 e 4/1ª parte.
que serve de referência ao momento da prática do crime, deixando de lado o momento do Como nos indica o art.24º/5 CRP ninguém pode ser julgado novamente pelo mesmo crime pelo
resultado, cuja posição já é hoje oposta àquela unanimidade que enverga pela posição do que havendo uma lei nova mais favorável a tal agente e dado que, como vimos, se aplicaria tal
momento da conduta. lei àquele agente através de um novo julgamento então levaria a que ta disposto constitucional
Quando a conduta se protrai por um tempo mais ou menos longo (caso dos crimes fosse violado. Contudo, a interpretação que é feita diverge da violação, dado que se entende
continuados, duradouros, etc) o denominador comum é a unidade criminosa da conduta que ninguém deve ser reprovado pelo mesmo crime, pelo que o benefício ao agente, por aquele
espaçada no tempo. Nestes casos, caso entre o início de uma conduta e o seu termos entre em crime, já não se configura como um ato inconstitucional. Assim, consegue-se estender o
vigor uma nova lei é preciso saber-se qual delas aplicar: a vigente ao início da conduta ou a que disposto no art.29º/4 CRP àqueles já condenados pelo que este pode gozar de uma nova lei mais
entra em vigor a meio da conduta. Assim, caso sendo aquela segunda lei uma lei criminalizadora favorável até ao fim da execução da pena. Note-se, ainda, que é por estes propósitos que acima
ou mais desfavorável, só se poderão ter em consideração as ações, no seio da conduta, que se clarificou que o agente que pode gozar de tal benefício é um agente em sentido amplo, de
foram praticadas após a entrada em vigor desta lei nova (pois o contrário violaria o princípio da forma a conseguir albergar estes já condenados e, portanto, já não arguidos, pelo que tem tal
irretroatividade da lei menos desfavorável) pelo que se aquelas ações praticadas após a entrada exceção como destinatários os imputáveis pela norma penal, em julgamento ou já fora dele.
em vigor daquela segunda lei, a lei nova, verificarem os pressupostos dessa mesma lei então No mesmo sentido, importa que se note, ainda, que nos termos do art.2º/2 CP um sujeito pode
aplicar-se-á a lei nova, mesmo que mais desfavorável e criminalizadora. Quando a lei nova é ser libertado quando as reações penais para o facto cometido por tal agente deixem de estar
mais favorável então aqui não há dúvidas, dado aplicar-se a lei mais favorável pelo simples facto legalmente previstas, pelo que deve ser requerido um novo julgamento para o efeito, contudo,
do respeito ao preceitos constitucional que assim o prevê (art.2º/4 CP e 29º/4 CP). e nos termos do art.371º-A CPP, já não se olhará a matéria de facto mas apenas, sim, a matéria
Tratando-se de crimes de omissão será decisivo o último momento em que o agente-omitente de Direito.
ainda tinha podido praticar eficazmente a ação que lhe é imposta pela lei penal. Assim a lei nova Sucessão de Leis Penais no tempo
só será aplicável caso entre em vigor antes daquele momento dito ainda agora, ou seja antes de Em primeiro lugar, e desde logo, importa “despachar” a questão da sucessão de leis que
esgotada a última possibilidade de uma intervenção adequada a impedir o resultado. convertem uma contraordenação em crime e vice-versa. Aqui não há propriamente uma
Também, na determinação do tempus delicti, serve de fundamento a garantia jurídico-política sucessão de leis penais, pois temos duas leis de natureza diversa: uma lei penal e uma lei
do cidadão face ao ius puniendi estatal, sendo, mais uma vez, a âncora firme desta definição contraordenacional. Assim, caso a lei nova passe a qualificar a conduta como crime, passando
quanto ao tempus delicti, mas podemos falar ainda noutros fundamentos, ditos suplementares de uma contraordenação para um crime, ou seja, estando face a uma lei criminalizadora então
àquele, nos quais relevam a função de orientação da lei penal (onde se quer a norma valorar por força do princípio constitucional de proibição de aplicação retroativa da lei criminalizadora
certos bens jurídicos então ela deve determinar os seus destinatários visando que estes não então esta só poderá ser aplicável aos factos que sejam praticados após a vigência desta. (29º/1
pratiquem certos atos ou, ainda, a praticarem certos atos, ou seja visa a proteção da prática ou e 3 CRP e art.1º/1 e 2º/1 CP). Quanto aos atos praticados na vigência da lei antiga
da não prática o que nos aponta necessariamente à relevância da conduta do agente, e não do contraordenacional a resposta parece passar pelo facto de a lei nova ser
resultado da sua conduta), a conceção subjetiva do ilícito (onde a essência da infração penal é o descontranacionacionalizadora, ou seja, é mais favorável ao autor, dado revogar a
desvalor da ação ou da omissão e não o desvalor do resultado) e, também, a função de contraordenação. Assim parece que sendo o agente julgado numa fase cronológica onde a lei
prevenção geral da pena (a ameaça que a norma apresenta para dissuadir o agente da prática contraordenacional já foi revogada pela lei nova penal este será ilibado, a menos que a lei nova
de certa conduta é o que consegue, de facto, prevenir certas ações, pois estas é que dependem penal venha instituir um regime especial para estes casos, prevendo no seu texto normativo
do destinatário da norma, do agente, uma vez que o resultado, ao se suceder, será já inevitável. uma solução. O agente de uma contraordenação será irresponsabilizado pelos seus atos. Já no
caso de a lei nova converter o crime em contraordenação estamos perante uma lei nova que é
A imposição de aplicação retroativa da lei penal favorável discriminalizadora, pelo que todos os factos praticados na vigência desta nova lei não serão
sancionados penalmente, dado o princípio da aplicação da lei penal discriminalizadora
O art. 24º/4 CRP prevê que uma lei mais favorável aplica-se ao agente, mesmo que à altura do
(art.29º/4/2ªparte CRP e art.2º/2 CP). Mas importa ainda notar-se que esta lei nova sendo
tempus delicti houvesse outra lei vigente e que seria mais desfavorável (art.2º/4 CP).
discriminalizadora é, também, contraondernacionalizadora, contudo não é isto que leva a que
Note-se, que para efeitos de entendermos quem será aquele agente, importa notar-se que tal
seja aplicado ao agente uma coima pelo facto de no Direito contraordenacional a lei também
seria o sujeito em marcha processual, nomeadamente o arguido, contudo a figura de arguido
deve ser prévia e só vale para o futuro, ou seja só se aplicará aos factos praticados depois da

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
Teoria da Lei Penal Teoria da Lei Penal

vigência desta lei. A solução aqui será semelhante à acima descrita para o momento anterior, As leis temporárias
ou seja para não sair o agente ilibado de um ato erróneo por ele cometido, deve o legislador Não sendo propriamente uma sucessão de leis no tempo opta-se por se escrever sobre este
prever uma norma transitória na lei nova a fim de prever aqui algum tipo de regime aplicável ao tema num capítulo diferente e dedicado às leis temporárias.
sujeito que, em tempos, cometeu um ato tido como crime. O art.2º/3 CP prevê que valendo a lei para um certo lapso de tempo será punível o facto
No caso de uma lei penal intermédia, a qual tem início de vigência em momento posterior ao praticado nesse período. Uma lei temporária é a lei penal que visa prevenir a prática de
do tempus delicti mas cujo termo ocorre antes do julgamento do agente, ou seja, é uma lei que determinadas condutas numa situação de emergência (e por isto também se designam por leis
não está vigente em nenhum dos relevantes momentos para a definição da pena, então sendo de emergência) ou de anormalidade social e destina-se a vigorar apenas para esse lapso de
uma lei mais favorável (e só sendo mais favorável é que seria relevante levantar esta questão) tempo, sendo predeterminada pela própria lei a data de cessação da vigência dessa lei.
então apontamos para aplicação desta lei intermédia, pelo que dado ser posterioe ao momento As leis temporárias são alvo de debate pelo facto de se aplicar a todas as condutas criminosas
da prática do facto é retroativa, contudo por ser anterior ao do momento do julgamento será, no período de vigência dessa lei a estatuição dessa mesma lei, sendo ou não mais favorável à lei
ainda, ultra-ativa. “habitual” (será, quase de certeza, mais desfavorável a lei temporária, pois seria inútil) e isto
Para estas situações importará que se determine qual a lei penal mais favorável. Desde logo violaria o princípio da aplicação da lei mais favorável. Contudo, os pressupostos constitucionais
colocam-se perguntas que merecem uma resposta, para uma boa aplicação da lei no tempo, que legitimam este regime são, um deles, material e, o outro, formal. Materialmente, temos a
como: faz-se uma ponderação abstrata ou uma ponderação concreta? Faz-se uma ponderação situação de emergência ou de anormalidade, condição sine qua non haverá lei temporária, ou
unitária ou diferenciada? No que concerne à primeira questão, podemos já dizer que a resposta seja não há uma vontade arbitrária do legislador na emanação de leis temporárias, o que leva a
é a ponderação concreta que deve ser a escolha, pelo que é sobre o caso sub iudice que se deve ser legítimo a aplicação ultra-ativa da lei mais desfavorável e que não seja ferido de
avaliar qual das leis é mais favorável ao infrator. Neste sentido, o tribunal procede à inconstitucionalidade este regime. Formalmente, será necessário que a lei temporária defina a
determinação de uma pena concreta para o caso (art.71º CP) tendo em conta cada uma das leis sua data de cessação, em nome da certeza e segurança jurídicas dos cidadãos pelo que chegando
concorrentes, mas, claro está, que caso, em abstrato, seja notória a favorabilidade da lei então à data prevista de cessação daquela lei e subsistindo a situação de emergência ou de
este procedimento não será necessário. Esta apreciação face ao caso concreto permite resolver anormalidade então deve o legislador aprovar uma nova lei e que fixe uma nova data de
aquelas dúvidas quando não é fácil perceber-se imediatamente qual das leis é a mais favorável, cessação.
como, por exemplo, uma lei antiga que prevê que para certo crime a moldura penal é de 2 a 10
anos mas uma nova lei, que revoga aquela, prevê que a moldura penal é de 4 a 8 anos, pelo que
deverá o juiz no caso concreto proceder à medida da pena a aplicar tendo em conta uma e outra A Aplicação da Lei Penal no Espaço
lei, sendo que assim conseguirá perceber qual a lei que será mais favorável ao agente. Note-se,
ainda, que apesar de poder parecer caricato, em caso de dúvida do tribunal pode ser posta à Princípios do âmbito de aplicabilidade no espaço da lei penal portuguesa
apreciação do arguido qual a lei que preferia que lhe fosse aplicada, para que este indique O princípio fundamental da territorialidade
sendo, assim, garantida a favorabilidade da lei no caso concreto. No que concerne, agora, à O critério da territorialidade leva a que os factos praticados em território português sejam da
ponderação ser unitária ou diferenciada fazemos referência a uma avaliação “interior da lei”, jurisdição penal portuguesa. Desde logo, porque é no espaço português que se comete o crime
onde se confrontará ou a globalidade das leis concorrentes, como um todo, (caso da ponderação e, portanto, é no espaço português que devem ser garantidas as finalidades de prevenção geral
unitária) ou se confrontará cada uma das disposições das leis em causa e podendo aplicar-se as positiva de pacificação social e de reafirmação da ordem jurídico-penal e dos bens jurídicos
disposições que se notem mais favoráveis de uma e de outra leis. Apesar de, aqui, a posição de protegidos por esta e, ainda, de prevenção geral negativa, em função da dissuasão de potenciais
Taipa de Carvalho ir em função da ponderação diferenciada, a melhor doutrina e a infratores. Neste sentido, o art.4º/a) CP prevê que a lei penal portuguesa é aplicável a factos
jurisprudência tendem a ir em função de uma ponderação unitária. praticados em território português, independentemente da nacionalidade do agente.
O caso das Medidas de Segurança Façamos, desde já, a determinação do locus delicti, à semelhança do que se fez anteriormente
Também as medidas de segurança estão apostas ao princípio da legalidade e da no tempus deliciti para a aplicação da lei no tempo, sendo relevante perceber-se o local da
jurisdicionalidade, como se nota ao longo do art.29º CRP. Tanto os pressupostos da medida de prática do facto para a aplicação da lei no espaço. O art. 7º CP prevê que para efeitos da
segurança devem ser verificados após a entrada em vigor da lei (29º/1 e 4 CRP e 1º/2 e 2º/1 CP), aplicação da lei no espaço releva o local da prática do facto, mas, ainda, o local do resultado.
o que nos levará a termos, aqui, condições análogas às das penas, proibindo-se a aplicação Isto é aquilo a que se designa por princípio da ubiquidade, onde se visa evitar conflitos negativos
retroativa da lei mais desfavorável. No mesmo sentido podemos falar da aplicação retroativa de jurisdição, pelo que assim se garante que haja a possibilidade de mais do que um Estado
da lei mais favorável, quando uma lei nova venha prever uma medida de segurança que seja julgar penalmente aquela situação, preferindo o legislador por conflitos positivos de jurisdição.
mais favorável ao agente. Contudo, e fazendo uma ressalva, note-se que as finalidades das Assim, por exemplo se alguém dispara um tiro de uma arma sobre outrem na Argentina,
medidas de segurança divergem dos fins das penas, como se estudou em páginas passadas, pelo acertando-lhe, mas este entra num avião, viaja, e acaba por falecer em Portugal fruto daquele
que o fundamento disto nas medidas de segurança é puramente o fundamento jurídico-político disparo, tanto é local da prática do facto a Argentina como Portugal (art.7º/1 CP).
de garantia do cidadão de que não haja um eventual uso arbitrário e abusivo por parte do O art. 4º/b) CP vem prever que aos crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves
Estado. portuguesas aplicar-se-á a lei portuguesa, desde que os navios ou aeronaves estejam em
espaço internacional (o dito espaço além das 12 milhas a contar da costa de um Estado) e desde
que, lá está, o navio ou aeronave tenha matrícula portuguesa. Este é o designado princípio do

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Diogo Chiquelho (21545917) Diogo Chiquelho (21545917)
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pavilhão, princípio este que é complementar, dado que, note-se, este princípio não atenta à Princípio da proteção de menores (art.5º/1/d) CP)
soberania e jurisdição de outros Estados pelo que se o navio ou aeronave estiver em espaço Novamente, temos um – apesar de mais reduzida – enumeração taxativa dos artigos que levam
marítimo, aéreo ou terrestre de um Estado que não o da sua matrícula, os crimes que ocorram à aplicação da lei portuguesa por força desta norma. Estamos face à proteção de vítimas
no seu interior são da jurisdição desses Estados. menores, essencialmente a crimes de cariz sexual, de atentados físicos graves ou de mutilação
Princípio da proteção de interesses nacionais (art.5º/1/a) CP) genital.
Este artigo visa conferir à jurisdição portuguesa a capacidade de conhecer do mérito das Novamente temos como pressupostos complementares o encontrar o agente em Portugal e,
condutas que atentem aos interesses do Estado português. Aqui, para o efeito, é indiferente a ainda, a não possibilidade da conceção da extradição do agente.
nacionalidade do infrator. Princípio da nacionalidade ativa ou da nacionalidade passiva (art.5º/1/e) CP)
Neste artigo estão descritos, taxativamente, os artigos que visam estes tipos de crimes, sendo Neste artigo temos a suscetibilidade de aplicação desta norma quando seja o agente português
que só quando se apliquem tais artigos é que se recorre ao art.5º/1/a) CP. ou, eventualmente não o sendo, também se admite quando um agente seja estrangeiro, mas
É notório que o critério do legislador foi proteger os bens jurídicos de natureza fundamental pratique o facto contra um português. Assim tanto se admite a nacionalidade ativa (do agente)
para o Estado português a da sociedade portuguesa. como a nacionalidade passiva (da vítima). Não se confunda com o que foi dito quanto ao
Esta alínea deste artigo confere-se numa exceção à aplicação de restrições à aplicação da lei art.5º/1/b) CP, aliás foi por esse motivo que se sublinhou o “e” e o “ou” nos títulos referentes a
portuguesa do art. 6º/1 e 2 CP, por força do art.6º/3 CP. Isto porque sendo a conduta ofensiva cada um dos artigos, pois naquele art.5º/1/b) CP tanto tem de ser o agente português como a
dos bens jurídicos estatais e nacionais então será razoável que se aplique sempre a lei vítima.
portuguesa. Como pressupostos complementares temos as várias subalíneas da alínea e), relevando, desde
Princípio da nacionalidade ativa e passiva (art.5º/1/b) CP) logo, o princípio quase transversal a todos as alíneas acima já mencionadas, ou seja o encontrar-
Como indica o nome deste princípio complementar aqui releva para aplicação da lei portuguesa -se o agente em Portugal (5º/1/e)/i) CP), depois é necessário que o país do locus delicti puna
no espaço a nacionalidade portuguesa, quer do agente quer da vítima. Aqui, também se aquela conduta como crime, excetuando-se este pressupostos quando aquele Estado não
exceciona o disposto nos números 2 e 3 do art.6º CP, por força do art.6º/3 CP, que indica que exerça, de todo, poder punitivo (5º/1/e)/ii) CP) e, por último, quando não seja possível
aquando de aplicação do art.5º/1/b) CP não se aplicam as restrições à aplicação da lei conceder-se a extradição, nos mesmos termos já falados anteriormente.
portuguesa. Princípio da aplicação supletiva da lei penal portuguesa a crimes cometidos por
Com este princípio evita-se que alguém consiga fugir à lei portuguesa e deslocar-se a outro país, estrangeiros e contra estrangeiros (art.5º/1/f) CP)
onde certa conduta não é tida como crime, e praticar aí o crime conseguindo assim sair impune Esta norma vem colmatar uma crítica direcionada ao sistema penal português que, em casos,
quanto a esse facto. Assim o português agente que o faça será sempre punido pela lei não extraditava estrangeiros por algum motivo já referido anteriormente, mas também não se
portuguesa, mesmo que o país da prática do facto não o puna, quando o crime seja praticado arrogava competente para julgar aquele agente criminoso. Assim, passou-se a ideia de que
contra uma vítima portuguesa. Portugal se estaria a tornar um paraíso para criminosos o que seria altamente criticável e
Para além disto, faz ainda parte dos pressupostos da aplicação desta norma a residência habitual paradoxal. Por isto, esta norma procura evitar a impunidade em situações não abrangidas por
do infrator em Portugal e, ainda, que aquele sujeito seja encontrado em Portugal. A própria letra nenhuns dos princípios referidos anteriormente.
da lei – aliás, como se pode ler no próprio artigo – requer estes requisitos para que seja São requisitos desta norma o agente ser estrangeiro e que seja encontrado em Portugal e que a
suscetível de se aplicar a lei portuguesa por força do art.5º/1/b) CP. extradição tenha sido requerida, mas não seja possível a extradição ou tenha sida decidida a não
Princípio da universalidade (art.5º/1/c) CP) entrega do agente.
Neste artigo, à semelhança do art.5º/1/a) CP, temos uma enumeração taxativa de quando se Crimes cometidos por pessoas coletivas (art.5º/1/g) CP)
aplique esta norma. Assim, só quando as condutas caibam nos crimes enunciados neste artigo Este será o critério que levará à aplicação da lei portuguesa mais direto que haverá nesta parte.
é que será de se aplicar esta norma que, assim, levará à aplicação da lei portuguesa no espaço. Aqui será competente a lei penal portuguesa quando o crime seja cometido por uma pessoa
Estes artigos protegem os bens jurídicos considerados como valores éticos comuns a toda a coletiva ou (reforce-se o ou, ou seja, pode ser usado este critério pela parte ativa ou pela parte
humanidade, e é irrelevante a nacionalidade do infrator. passiva) contra pessoa coletiva desde que alguma delas tenha sede em território português.
Pressupostos desta normal é o encontrar-se o infrator em Portugal e, ainda, a não possibilidade
Princípio da aplicação convencional da lei penal portuguesa (art.5º/2 CP)
de extradição desse infrator. No que toca ao segundo pressuposto importará tecer algumas
Não há muito a dizer quanto a este princípio. Claro é que o Estado português se pode vincular
palavras, desde logo todos os crimes podem servir de fundamento à extradição, salvo quando
internacionalmente a aplicar a lei portuguesa para atos cometidos no estrangeiro.
se tratem de crimes políticos (art.33º/6/1ªparte CRP), e, ainda, é necessário que a extradição
possa ser concedida, o que alberga os casos em que a extradição não é sequer pedida, caso em As restrições à aplicação da lei penal portuguesa a crimes cometidos no
que não será concedida pois necessita-se de requerimento para tanto, mas ainda os casos que estrangeiro (o art.6º do Código Penal)
a lei portuguesa não permite a extradição, como os casos em que se requeira a extradição ode O art.6º/1 CP vem consagrar o princípio constitucional do art.29º/5 CRP, segundo o qual
portugueses, onde Portugal não extradita nacionais (33º/1 CRP), ou os casos onde o país que ninguém pode ser duplamente punido pelo mesmo crime. Este é o designado non bis in idem.
requer a extradição puna com pena de morte o crime cometido ou puna com um atentado físico Assim, o agente que já tiver sido julgado no estrangeiro não poderá ser novamente julgado em
de graves proporções (33º/4 CRP). Portugal, pelo que caso em função de um ato criminoso um certo agente tiver sido absolvido

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Teoria da Lei Penal Teoria da Lei Penal

pelo tribunal estrangeiro e mesmo que Portugal fosse competente por alguma da alíneas do Índice
art.5º (que não a alínea a) e b) do n.1) já não poderia o tribunal português sancionar este agente
O Direito Penal em Sentido Formal............................................................................................... 2
pela lei penal portuguesa.
O Conceito de Direito Penal ...................................................................................................... 2
No caso de o agente não ter sido, ainda, julgado pelo país do locus delicti então já não se violará
O âmbito do Direito Penal......................................................................................................... 2
o non bis in idem pelo que poderá já Portugal arrogar-se competente a conhecer da causa pela
lei penal portuguesa e punir aquele agente. Mas, note-se, ainda, o art.6º/2 CP onde se prevê A Localização do Direito Penal no Sistema Jurídico ...................................................................... 3
que será aplicável a lei do lugar mais favorável ao agente quando sejam competentes duas leis Direito Penal Intraestadual e Direito Internacional Penal ........................................................ 3
penais de ordenamentos jurídicos distintos.
Na segunda parte do art.6º/2 CP refere-se que a pena que for aplicável no tribunal português, O Direito Penal como parte do Direito Público ......................................................................... 3
mas pela lei estrangeira deve ser convertida na pena correspondente no sistema português A Ciência do Direito Penal ............................................................................................................. 4
sendo que, subsidiariamente, se recorrerá à lei portuguesa que previr aquele facto. Da “Enciclopédia das Ciências Criminais” à “Ciência Conjunta do Direito Penal” .................... 4
Importará, para completar este tema, falar-se de algumas hipóteses pertinentes e que excetuam
o non bis in idem, se é que de uma exceção poderemos falar sequer. Falamos dos casos que A Evolução do Estatuto das Ciências Criminais ......................................................................... 5
cabem no art.6º/1/parte final CP, onde um agente se subtrai ao cumprimento total ou parcial 1. No contexto do Estado de Direito Formal (liberal-individualista) e do positivismo
da pena. Assim, o tribunal português poderá julgar, novamente, aquele agente desde que se jurídico................................................................................................................................... 5
verifiquem algum dos pressupostos do art.5º CP, sendo que de acordo com o art.82º CP, a pena 2. No contexto do Estado Social e do Sociologismo Jurídico ................................................ 6
que vier a ser aplicada no tribunal português irá ser descontada no tempo de privação de
liberdade que o agente já tenha sofrido no estrangeiro. Mas pode suceder-se que o Estado do O Estatuto das Ciências Criminais no quadro do Estado de Direito Contemporâneo e de um
tribunal estrangeiro e que proferiu a sentença requeira a extradição a Portugal daquele agente, sistema jurídico-penal teleológico, funcional e racional........................................................... 6
para que a pena seja cumprida no território do julgamento, sendo que, aqui, Portugal deve 1. Dogmática Jurídico-Penal e Política Criminal .................................................................... 6
decidir pela concessão da extradição ou não, mas não concedendo a extradição então deverá
2. Dogmática jurídico-penal e criminologia .......................................................................... 7
Portugal instaurar o procedimento penal, sendo que requererá ao Estado do locus delicti os
elementos necessários para tal. Por último pode haver lugar a que o Estado estrangeiro e que A Legitimação e as Finalidades das Penas..................................................................................... 8
penalizou o agente requeira a Portugal que a pena seja cumprida em Portugal, total ou As Teorias Absolutas: a pena como instrumento de retribuição .............................................. 8
parcialmente (conforme ainda não se tenha cumprido nenhuma parte da pena ou conforme
As Teorias Relativas: a pena como instrumento de prevenção ................................................ 9
tenha já sido cumprida parte da pena).
A Prevenção Geral ................................................................................................................. 9
A Prevenção Especial............................................................................................................. 9
A Concertação Agente-Vítima ................................................................................................. 10
Fins das Penas no Código Penal Português (o artigo 40º) ...................................................... 10
A Legitimação e as Finalidades das Medidas de Segurança ........................................................ 11
Relação entre as Penas e as Medidas de Segurança ................................................................... 12
As “fugas” ao monismo ........................................................................................................... 13
As Penas Relativamente Indeterminadas............................................................................ 13
A execução da pena e da medida de segurança ................................................................. 13
Imputáveis portadores de anomalia psíquica ..................................................................... 14
O Conceito Material do Crime..................................................................................................... 14
O Princípio da Legalidade ............................................................................................................ 15
Nullum crimen, nulla poena sine lege ..................................................................................... 15
A Aplicação da Lei Penal no Tempo ............................................................................................ 16
A determinação do tempus delicti .......................................................................................... 17
A imposição de aplicação retroativa da lei penal favorável.................................................... 17

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Teoria da Lei Penal

Sucessão de Leis Penais no tempo ...................................................................................... 18


O caso das Medidas de Segurança ...................................................................................... 19
As leis temporárias .............................................................................................................. 20
A Aplicação da Lei Penal no Espaço ............................................................................................ 20
Princípios do âmbito de aplicabilidade no espaço da lei penal portuguesa ........................... 20
O princípio fundamental da territorialidade ....................................................................... 20
Princípio da proteção de interesses nacionais (art.5º/1/a) CP) .......................................... 21
Princípio da nacionalidade ativa e passiva (art.5º/1/b) CP) ................................................ 21
Princípio da universalidade (art.5º/1/c) CP) ....................................................................... 21
Princípio da proteção de menores (art.5º/1/d) CP) ............................................................ 22
Princípio da nacionalidade ativa ou da nacionalidade passiva (art.5º/1/e) CP) ................. 22
Princípio da aplicação supletiva da lei penal portuguesa a crimes cometidos por
estrangeiros e contra estrangeiros (art.5º/1/f) CP) ............................................................ 22
Crimes cometidos por pessoas coletivas (art.5º/1/g) CP)................................................... 22
Princípio da aplicação convencional da lei penal portuguesa (art.5º/2 CP) ....................... 22
As restrições à aplicação da lei penal portuguesa a crimes cometidos no estrangeiro (o art.6º
do Código Penal) ..................................................................................................................... 22

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